Acordei com o som de risadas invadindo meus ouvidos e abri meus olhos devagar, tendo minha visão ofuscada pela claridade. A TV exibia uma sitcom dos anos 90. Desliguei o aparelho e peguei meu celular, eram nove horas da manhã.

– O Ritsu me ligou. - Teto disse, quando passei por ela na sala de casa.

– Hm, e o que ele disse?

– Ele tá aqui na cidade, chamou a gente para ir ao shopping hoje, às duas.

– Então tá.

Namine Ritsu era nosso vizinho, costumávamos brincar juntos todos os dias. Ele tem 15 anos e se tornou um famoso cantor de Pop no ano passado. Ritsu é um crossdresser e usa roupas femininas desde que o conhecemos, porém detesta que o tratem com pronomes femininos. Não o vimos desde que se mudou, quando conseguiu um contrato com uma gravadora após sua primeira música se tornar um hit. Seu jeito excêntrico de ser e se vestir foram muito importantes para alavancar seu sucesso.

– Ele é tão famoso, como vai conseguir sair com a gente sem ser assediado pelos fãs? - perguntei, me sentando no sofá.

– Ah, sei lá, ele tem as manhas.

E novamente Rook tomou conta dos meus pensamentos. Ele estava bem? E a relação com seus pais? Lembrei-me do sonho e senti meu rosto esquentar, de alguma forma meu subconsciente sabia o que eu queria antes de mim mesmo. Eu nunca senti tanta coisa por uma pessoa desse jeito antes.

Passei as mãos pelo rosto, senti um caroço em minha testa. Pressionei-o com o dedo, doeu, era uma espinha. Que ótimo, nasce uma espinha gigante na minha cara bem perto da festa onde eu iria sair do armário para me declarar pro meu melhor amigo.

– Teto! Cadê a pomada para espinha?

– Na minha cômoda.

Subi para o quarto dela. A bisnaga de pomada estava sobre sua cômoda, passei uma pequena quantidade sobre a marca avermelhada em minha testa. Pelo menos ela ficava escondida pela franja. Eu estava preocupado com o que Rook ia pensar de uma mísera espinha em minha testa. Não sei o que está acontecendo comigo.

X

– Na frente da farmácia.

– Foi o que ele disse.

Estávamos em frente à drogaria do shopping, esperando o Ritsu. Teto estava com os cabelos presos em seus clássicos twin drills, usava um vestido amarelo de alças e uma sapatilha preta.

Eu havia prendido meus cabelos em um rabo de cavalo mais alto, estava muito quente e o cabelo roçando em minha nuca me incomodava. Vestia uma bermuda azul, uma camiseta vermelha e tênis pretos.

– Olá, vocês. - viramo-nos, era Ritsu. Estava praticamente irreconhecível.

Seus cabelos, que sempre foram longos e lisos, agora estavam bem curtos, mas ainda tinham o tom alaranjado de sempre. Seus olhos, que eram de um tom verde intenso, estavam cobertos por lentes de contato castanhas. Ele vestia uma camiseta branca coberta por uma camisa xadrez azul desabotoada, bermudas jeans e um par de all star preto. Estava parecendo um adolescente qualquer.

– Ritsu! Que saudade! - exclamou Teto, abraçando-o.

– Sh, não deixe ninguém perceber. Estou de menininho hoje justamente por isso. Vamos para a praça de alimentação que eu estou MO-R-TO de fome. Caramba, Ted! Como você cresceu!

– Imagina se eu encolhesse. - abracei-o. Ritsu não havia mudado muito, estava alguns centímetros mais alto e havia cortado o cabelo, mas continuava alegre como sempre.

Fomos até a praça de alimentação. Ele comprou um x-bacon triplo com batata e refrigerante, Teto pegou um milk-shake de morango e eu um de chocolate.

– Enfiei o pé na jaca hoje e não quero nem saber. - ele desembrulhou o sanduíche - Se meu personal trainer vir isso ele me mata.

– Personal trainer? – perguntei.

– É, essas frescuras que gente famosa tem que fazer pra ficar bonita na TV. Tem que ficar em forma por causa das roupas, dos shows, das sessões de foto e blá blá blá.

– E o cabelo?

– Outra frescura. Minha agente disse que cabelo comprido dá muito trabalho e tudo o mais, aí eu cortei para ter mais tempo para ensaiar. Aquilo tudo que vocês veem na mídia é aplique e peruca. - tomou um gole do refrigerante. - Bancando a tia chata aqui, e os namorados?

– O Ted tá gostando de um cara. - Teto falou, tomando um gole de milk-shake.

– Ei! A Teto tá gostando de um cara também!

– Há! Kasane Ted gostando de um menino? Essa é nova. Teto, querida, você sempre foi hétero. Mas então, Ted, corta pros dois lados que nem eu?

– O quê?

– Quero saber se você é bi, que nem eu.

– Ah, não. É a primeira vez que me apaixono por alguém, mas acho que sou gay.

– Hm, e quem é o felizardo?

– O Rook. - respondi, já sabendo qual seria sua reação.

– Ah, o Rook. - ele disse com desprezo.

Ritsu e Rook nunca se deram bem. Rook adorava colar chiclete em seu cabelo, acho que nem mesmo Ritsu sabia o número exato de vezes que teve que cortar uma ou duas mechas de seu tão amado cabelo por causa das malvadezas do moreno.

– E você, Teto, quem é?

– Um cara aí.

– Ele tá na faculdade. - comentei, levando um soco da minha irmã logo em seguida.

– Ah, garota, é assim que se faz.

– E você? Alguém em especial?

– Umas pessoas aí… Ninguém que seja capa de revista, podem ficar tranquilos.

– Ritsu? - um rapaz alto de cabelos pretos se aproximou de nós. Ele usava uma camiseta preta, calças jeans e coturnos. Seus olhos estavam cobertos por bandagens.

–Ah! O-oi, Shinji! Que surpresa! - Ritsu levantou-se desajeitadamente - Pessoal! Esse é o Hibiki Shinji! Ele fazia aulas de canto comigo! Shinji, esses são Kasane Teto e Ted.

– Oi. – disse. Ele parecia ser cego.

– Prazer em conhecê-lo, Ted. - o moreno virou-se para mim imediatamente.

– Você vem para a minha noite de autógrafos? É sexta, digo, amanhã. - perguntou o ruivo. Era impressão minha ou ele estava corado?

– Claro que vou. Bom, estou atrasado para a minha aula de guitarra, até mais. - ele saiu, desviando das pessoas como se as bandagens não estivessem lá.

– Ele é cego? - perguntei discretamente.

– Não se sabe, ele só diz que cobre os olhos para aumentar a percepção musical.

– Hm, umas pessoas aí, hein, senhor Ritsu. - Teto apoiou o rosto em uma das mãos.

– É, você descobriu, eu tenho uma quedinha pelo Shinji. Haha, muito engraçado. - resmungou, sentando-se e voltando a comer sua fast food. - Aliás, você fala francês, não fala, Ted?

– Oui, Bien sûr.

– Estão querendo que eu cante uma música em francês em um programa de auditório no Canadá, essa aqui é a letra. - ele tirou um papel dobrado de seu bolso e me entregou. - Estou fazendo umas aulas aí para pronunciar as coisas direitinho, mas tá difícil.

– Hm, “Je Veux”. Acho que já ouvi falar dessa música, tem a letra bem bonita. Boa sorte. - devolvi o papel para ele.

– É, preciso mesmo. Enfim, vamos passar na farmácia? Vi um esmalte tão lindo lá. Teto, meu amor, se eu te der o dinheiro você o compra pra mim?

– Ué, não consegue comprar sozinho?

– Vão desconfiar, já vi um monte de gente cochichando e apontando.

– Mas não é só pedir que eles te mandam esse tipo de coisa? – perguntei. Ritsu fazia propaganda de várias coisas, desde roupas até produtos de beleza. Era só ele sair com um vestido de uma marca que o contratavam para aparecer em outdoors e revistas.

– Ah, não. Se eu pedir, vão querer me enfiar em mais um monte de propaganda, e eu tô de saco cheio disso.

Descemos e compramos o esmalte. Ritsu tentou me dar dicas de como “chegar” no Rook e falar tudo o que sentia. Depois de muita conversa e uma ida ao cinema, voltamos para casa.

X

Era sexta-feira, sete horas da noite, estávamos na loja de CD’s. Ritsu estava sentado em uma mesinha atrás de uma pilha de caixas. Acho que nunca havia visto essa loja tão cheia como naquele dia, sério, a fila para ganhar um autógrafo chegava até o meio do corredor.

– Ah, que bom que vocês vieram! - exclamou, levantando-se e deixando as pessoas que estava na fila um pouco irritadas.

– Você está lindo! - disse Teto. Ele realmente estava. Seus cabelos estavam compridos, vestia um vestido curto e roxo, sapatos de salto pretos e várias pulseiras douradas.

– Obrigado. Entrem na fila aí, não dá pra dar prioridade pra vocês senão os fãs me matam. - ele voltou à sua cadeira apressadamente, antes que houvesse reclamações.

Entramos na fila logo atrás de Matsudappoiyo. Teto, que estava usando sapatos de salto, sentou-se em um banco não muito longe de mim.

– E aí, Poiyo?

– Olá, Ted.

– Não sabia que você gostava de música Pop. - tentei puxar assunto.

– Não sou muito fã. Isso aqui é pro Ron. Aniversário de namoro, sabe?

– Ah, sim. Mas ele sabe que o Ritsu está aqui?

– Sim, e estava super chateado porque ia ter um jantar em família e não poderia vir. - de certo modo era fofo ver Poiyo falando sobre seu namorado. - E você, gosta das músicas do Ritsu?

– Acho que ele tem uma ótima voz. Mas eu não ouço música com frequência, então…

– Ted, você está gostando de alguém? - perguntou de supetão.

– Sim. - bom, se ele já havia percebido, não tinha por que esconder. - É o Rook.

– Desconfiei. - a pessoa que estava na nossa frente deu um passo adiante, fizemos o mesmo. - Principalmente quando você me fez aquela pergunta no último dia de aula.

– É, eu estava em dúvida, mas agora tenho certeza.

– Ele sabe?

– Acho que não, vou me declarar na festa da Nana.

– Ron e eu estaremos lá te desejando boa sorte. - mais um passo à frente. - Já sabe como vai falar?

– Sim, Ritsu me deu uns conselhos.

– O quê?! Esse Ritsu?! - é estranho como as pessoas reagem ao saber que você conhece alguma celebridade pessoalmente.

– É, ele era meu vizinho.

– Caramba! Por que você nunca me disse isso?

– Ah, sei lá. Desnecessário?

Ficamos conversando por umas 2 horas, até que, finalmente, chegamos à mesinha coberta de CD’s onde o ruivo estava.

– Qual seu nome, querido? - disse Ritsu, puxando outra caixinha da pilha ao seu lado.

– É para o meu namorado, o nome dele é Keine Ron.

– Olha só, Ted, segue o exemplo do seu amigo e dá meu novo álbum pro seu namorado. - riu, rabiscando o plástico com uma caneta permanente. Notei que ele estava usando o esmalte que Teto comprou.

– Muito obrigado. - falou Poiyo, inclinando-se levemente e indo em direção ao caixa.

– E esse aqui é seu e da sua irmã, senhor Ted. Ah, chega mais.

– O que foi? - inclinei-me.

– O Shinji me chamou para sair! - ele sussurrou em meu ouvido.

– Ah, garoto. Boa sorte.

– Hehe, pode deixar. E isso aí é por minha conta.

Fui em direção à Teto, ela estava sentada no mesmo banco de antes. Conversava com ninguém menos que Hibiki Shinji.

– Vamos? - me aproximei.

– Ted? - o moreno quase pulou, virando a cabeça para os lados rapidamente. - Onde está o Ritsu?

– Ainda está lá dentro, mas acho que daqui a pouco ele sai. - respondi, vendo que a fila estava reduzida a pouco mais de 10 pessoas. Ritsu estava posando para uma foto com alguém desconhecido.

– Ah, está bem. Se eu ficar aqui ele poderá me ver, não é?

– Sim, esse banco fica na frente da porta da loja. - Teto se levantou, ajeitando sua saia. - Vou ali me despedir.

– É verdade, não é? - começou, ajeitando o pedaço de gaze sobre a maçã de seu rosto- Que ele sente alguma coisa por mim?

– Bom, foi o que ele nos disse.

Shinji não disse nada, apenas sorriu.

– Pronto, podemos ir. - disse Teto, voltando de dentro da loja.

– Certo. Estamos indo, Shinji.

– Até a próxima. - respondeu, acenando levemente com a mão.

– Até.