A Tormenta escrita por Carol


Capítulo 2
Empregada? Acho que não.


Notas iniciais do capítulo

Oi gente! Eu sei que eu demorei pra caramba pra postar, mas eu reescrevi esse capítulo umas cinco vezes no mínimo. Títulos me odeiam, então saiu esse.
Boa leitura!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/458510/chapter/2

Luce deitou em sua cama depois de uma longa manhã. Não tinha nada a declarar sobre. Fora chata, cansativa e ao mesmo tempo legal. E Luce tinha certeza que estava ficando louca. Aula e legal na mesma frase? Impossível. Os professores eram bons, sabiam ensinar e isso ajudava, claro. Ela acabou sentando no chão fria, em cima de uma almofada que alguém achou no velho armário e a emprestou. Talvez aquele menino com um sorriso idiota que veio perguntar o nome dela tempos depois. Não é como se ela tivesse se dado ao trabalho de responder. Com certeza ele já sabia. Ela lembrou de um garoto que não participou da aula, ela acabou descobrindo somente que o nome dele era James Hudson, e mandaram que ela ficasse longe. Mas algo nele a intrigava, talvez o jeito estranho de andar, talvez os cabelos negros como a noite ou a pele pálida demais, que deixava aparecer algumas manchas roxas.

Saindo de seus devaneios, ela foi até a cozinha e pegou um bolinho. Mastigou e engoliu forçadamente, almoço não estava nos planos dela, mas algo tinha que ficar em seu estômago. Luce tomou um banho e colocou um moletom velho e uma calça de malha, depois ligou o ar-condicionado e dormiu. Ou tentou, os pesadelos não deixavam. Ele estava ali e de repente sumia. No lugar, apareciam seus pais, que despejavam uma grande culpa em suas costas repetidas vezes.

Gritos começaram. Uma voz conhecida e desagradável. Antes mesmo de Luce abrir por completo seus olhos, sentiu algo gelado em seu cabelo. Algo gelado?! Água! Pulou da cama e viu a mãe com um balde, olhando cínica para ela.

— Você estraga nossas vidas, come de nossa comida, usa a luz e a água que nós pagamos e quando chegamos do trabalho encontramos a casa suja e um ser dormindo, aproveitando do ar-condicionado que nós instalamos? — A mãe a surpreendia cada vez mais.

— Desculpe-me senhorita McClean, mas não sou sua empregada e sim a pessoa que você deveria amar, mas como você não me vê assim, não vou perder meu precioso tempo com você.

Eram tantos “Nós” que não a incluíam! Luce pegou a primeira muda de roupa que viu pela frente, com raiva, e se trancou no banheiro. Tomou um longo banho porque a mãe tinha dito da água e da luz. Nada mais importava, mas provocar um pouco sempre é bom. Meia hora depois ela andava sem rumo e sem a companhia das chaves de casa, da identidade ou de dinheiro. Só um caderno e um lápis. Depois de estar longe o suficiente, achou um bosque, sentou e começou seus devaneios no papel, seu fiel companheiro.

“Sabe, as vezes eu gosto de pensar que estou num sonho. Sei que contos de fadas não existem, assim como anjos e que ninguém vai aparecer para me salvar, mas se isso tudo fosse um sonho, eu acordaria em casa. Minha aconchegante casa em meu país. Acordaria com um beijo na testa. Meu café da manhã seria panquecas e chocolate quente. Depois ajudaria minha mãe com um bolo de chocolate com morango, feito especialmente para mim. Sentaríamos na sala e iriamos ver algum filme bobo e sem graça, mas a companhia valeria a pena. Quando o bolo ficasse pronto, sentaríamos na mesa da sala e a mamãe serviria a gente, colocando um suspiro, uma bola de sorvete e um pedaço de bolo em cada prato. Papai elogiaria mamãe novamente por seus dotes culinários e ela diria que fui eu quem fiz. Papai pararia de comer imediatamente para dizer que a filhinha dele está crescendo, depois acrescentaria que o bolo está ótimo e que eu deveria abrir uma doceria. Eu começaria a rir e diria que foi mérito da mamãe e ela diria que a receita da vovó é infalível e deliciosa. Finalizaríamos a conversa brindando com Coca-Cola e depois nós iríamos jogar “Imagem e Ação” como uma família comum.

Voltando à realidade, isso nunca acontecerá. Beijos são quase proibidos em minha casa e minha mãe não sabe cozinhar. O Cupcake que comi mais cedo estava queimado, tenho certeza. Nunca veríamos um filme bobo e sem graça, porque meu pai não acha certo gastar dinheiro com coisas tão bobas. Não sentaríamos na mesa da sala, porque a sala da nossa antiga casa não tinha mesa, nem sofá. Só uma cadeira que servia estritamente para papai ler o jornal. Vovó morreu no dia que mamãe nasceu então sem receitas de bolo. Não tomaríamos Coca-Cola porque mamãe é alérgica a um dos ingredientes e, para finalizar, nunca jogaríamos “Imagem e Ação” porque papai diz que jogos de tabuleiro são inúteis e não nos ensinam nada.

Mais uma vez penso em ir para longe. Se ficar, tenho chances de morrer. Morrer de solidão, morrer dessa tristeza e dessa saudade que me assombram cada dia mais. Morrer de amargura, de falta de amor. Morrer de medo do monstro que existe dentro das pessoas. Medo de me encontrar com ele no meio do caminho. Simplesmente morrer. Morrer de morte morrida. Que lindo diagnóstico seria!

Ir para longe não é uma opção desfavorável. Posso sumir por uns tempos, não sentiriam minha falta.

Depois de refletir sobre minha fuga, vejo que não é como se fosse dar certo. Com dezessete anos, não é como se eu tivesse dinheiro para me sustentar, ou como se minha mãe me deixasse ter. Não é como se eu tivesse alguma ideia de para onde ir, para onde correr. Eu poderia simplesmente correr sem rumo até todas as forças se esvaírem e depois torcer para morrer atropelada. “Muito pálida, ninguém viu.”. Ou de fraqueza. De fome. Mas não me parecem mortes dignas. Não que eu seja digna de uma morte digna.

Acabo decidindo ficar, sem esperanças de que o amanhã seja melhor, só que amanhã seja amanhã. E que passe rápido. Não sei exatamente quantos amanhãs eu ainda tenho.”

Luce acabou o texto e lágrimas começaram a molhar a folha. Ela queria correr, ir para longe e sem rumo. Para algum lugar melhor do que o qual ela acordaria amanhã, mas ela sabia que não era como se realmente fosse fugir. Não assim, com essa pressa toda. Uma fuga merece mais que isso. Uma fuga merece ser planejada. Não pode existir erros.

Sendo assim, ela foi ao encontro de uma antiga companheira e depois dormiu, não tendo noção de onde estava.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

E aí, ficou bom? Deixem reviews dizendo o que acharam!