Paper Women escrita por MrsHepburn, loliveira


Capítulo 32
Esperar


Notas iniciais do capítulo

DESCULPEM A DEMORA



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Vivian falava toda hora que o mundo é bem pequeno. Mas, ao mesmo tempo que ela estava certa —como tudo está conectado, e existem vários fiozinhos representando as pessoas que passam pela vida de uma outra pessoa que se conectam com a nossa sem nem mesmo percebermos —ela estava errada também, sobre essa grandeza. Não fisicamente —embora seja —mas é ainda maior na nossa mente, na cabeça de todos os seres humanos do planeta terra. Há um mundo inteiro dentro de cada um. Há uma história completa e contínua e é tão vasta e grande e... inesperada. Como agora.
Porque Visia está chorando, como eu achei que estaria, mas a reação dela é completamente diferente da de Victoria —louca por causa de Helen Gluck —e completamente diferente da reação de Vincent, ou de qualquer um que saiba o que Vivian criou para todos nós. Ela está magoada, e eu nunca imaginei que ela ficaria magoada. Sei que era possível, mas Visia é tão boa que eu esperava que ela desatasse a chorar por causa de Vincent, mas então, depois que ela pergunta por que o irmão dela está naquele estado e Ian conta tudo que contou para Victoria mais cedo, ela enrosca os braços ao redor do peito e nos olha com o olhar mais doloroso que consegue reproduzir, e diz numa voz que parte meu coração em milhares de pedaços:
—Por que ela não colocou meu nome?
Ninguém sabe o que falar depois disso. Ian e eu trocamos um olhar, sem entender. Odeio pensar nisso como egoísta, mas vejo Vincent deitado, pálido, e todos nós cansados e toda a história e o sofrimento que compartilhamos com ela e tudo que ela pergunta é por que não é o nome dela lá. Mas então eu entendo. Ela olha para Vincent também. E o que a frase quer mesmo dizer é por que Vincent e não eu?
—Eu não acredito que você está com inveja. —Victoria diz, e pelo seu tom, vai começar uma briga. Ela está em pé, voltada para a janela, braços cruzados. Visia olha para ela, a mágoa aprofundada.
—Eu não estou com inveja. Eu só estou perguntou do porquê ser o Vincent e não eu, ou até você .Tudo bem? Minha cabeça está girando. Eu não entendo. Por quê? Por quê ela fez isso? —ela nos olha com esperança, mas balançamos a cabeça porque não sabemos responder. Então, Becker vem ao nosso socorro. Ela estava quieta, sentada no pé na cama de Vincent, encarando-o da mesma forma que eu encara algum tempo atrás, depois de derramar algumas lágrimas. Acho que ele voltou a ser real para ela. Não mais aquele personagem do seu pesadelo. Ela parou de tremer. E Victoria e Visia a aceitaram como se não fosse nada demais uma adolescente estar tão abalada por uma pessoa com o dobro da sua idade. Acho que elas veem o coração bom de Becker tão bem quanto eu.
—Eu tenho uma teoria. —ela senta do meu lado, no chão. Quando nossos olhos se cruzam, pergunto com o olhar se ela está bem e ela assente, séria e determinada, logo se virando para Visia. —De todas as pessoas que nós conhecemos, o que não foram muitas, para falar a verdade, nunca acabamos conhecendo só a pessoa. É sempre mais que isso, é como o que ela representa.
—O que você quer dizer? —Ian pergunta, curioso.
—Tem St. Mara. Bridgette Kowki. Não conhecemos ela muito bem, sim, mas vocês foram lá para pegar os livros e acabaram conhecendo duas coisas. O lugar e o livro de Vivian, mesmo que não soubessem que era dela. Então tem a Ariel, e com ela veio Bobby e Harry.
—Bobby e Harry? —Visia pergunta, mas Becker continua.
—Então com o padre Jonah, a gente conhece toda essa história pirada da Vivian, e do marido dela e da casa dela e de Ian. —não sei se os outros percebem, mas vejo os olhos de Victoria caírem sobre Ian, cautelosamente. Visia passa a mão pelo rosto, como se ainda tentasse acreditar nessa parte da nossa história, como se fosse demais. Ian sai do meu lado para ir até onde ela está sentada e passa o braço ao redor dela, e ela descança a cabeça no seu peito. Ele parece mais velho desse jeito. —Então vem Vincent. E de todos eu entendo melhor ele. Ou o porquê dele estar aqui.
—Porque Vivian sabia a família que tinha e sabia que junto com Vincent viria sua família inteira. Isso... isso não é sobre um segredo que ela sabia. Ou talvez seja. Talvez seja porque era um segredo que vocês precisavam saber, também. —eu termino pela Becker.
—Ele precisava ser esfaqueado pra fazer a gente descobrir? —Victoria indaga.
—Estávamos convencendo ele a contar para você sobre tudo bem antes disso acontecer. —diz Ian. Depois de um longo silêncio, Visia suspira e não fala mais nada. Becker avisa que vai pegar algo para comer, e me arrasta junto. Não preciso de muito para saber que algo está na sua cabeça, e na fila do café na lanchonete perto do hospital, ela começa a falar.
—Tem algo errado, Diana. Agora que eu estou pensando nisso, tem algo estranho.
—Do que você está falando?
—De Helen. Sobre o nome dela estar envolvido nisso.
—Nós te contamos a história, —lembro a ela—aquela que Vincent contou sobre o pai dele e os amigos de Vivian.
—Isso foi há uns trinta anos. Por quê? Obviamente, Helen é louca mas por que ela e não qualquer outra pessoa na vida de Vivian? Eu quero saber o motivo disso tudo. Tem alguma coisa aí.
Então eu lembro algo.
—Eu esqueci completamente de te contar, mas... eu achei outro poema. No bolso da roupa de Vincent. —seus olhos se arregalam.
—Será que ela deu para ele?
—Não sei. —Eu pauso. —É Richard. —ela arfa, surpresa, mas ainda não contei a parte principal. Jogo a bomba. —O nome dela é Richard Fawkes. Fawkes, Becker.
—Você está falando sério? —faço que sim. —Ai meu Deus. Ai meu Deus! O professor Fawkes?
—Sim.
—Por quê?
—Eu não sei. Victoria queria que fossemos atrás dele mas eu queria esperar Vincent acordar.
—Temos que falar com ele logo. —ela avisa. —A escola termina em duas semanas, lembra?
Droga. Pensar na escola me faz pensar nos meus pais e uma onda de pânico pior do que qualquer outra me invade. É mais imediata do que pensar sobre a faculdade, porque estou pensando no agora. Se eles perceberam que eu não voltei para casa. Merda.
—Certo. —eu digo, a náusea me atingindo, e eu tento deixar isso de lado. Me concentro nas palavras de Becker, no assunto irresolvido de Helen Gluck e agora Richard Fawkes. Tento imaginar a reação do professor Fawkes quando contar sobre Vivian mas não consigo, porque a situação toda é surreal. Mas ao mesmo tempo, a curiosidade me mata. Por quê? Por que Richard? Por que Helen? E então, por que eu? A teoria de Becker faz sentido, sobre significar mais do que apenas um nome e apenas uma pessoa —é toda a sua história e as pessoas que compõe ela —e uma pergunta incomôda pula na minha cabeça. Guardo-a para mim por uns cinco segundos, até não aguentar mais. Preciso perguntar para Becker. É importante.
—Você já... se perguntou? Por que eu? Por que não... você? —ela levanta os olhos, tomando um gole de café e não sei ler os seus olhos. De repente eu me sinto tão culpada, mesmo que não seja minha culpa, só de pensar em Becker com qualquer mágoa, se perguntando isso. Ela não fala nada até terminar o café, então passa com os olhos do copo para o meu rosto.
—Algumas vezes.
—Você fica brava? —As suas sobrancelhas casam-se em confusão ou incredulidade. Isso alivia um pouco meu nervosismo, de uma maneira estranha.
—Por que eu estaria brava? —Eu não preciso responder para ela continuar, depois de um suspiro. —Você já ouviu falar daquela expressão que casar com alguém é casar com a família inteira? —Faço que sim. —Exatamente.
—Não entendi.
—Nossa amizade é meio estranha. Somos amigas há muito tempo mesmo. E só agora parece que alguma engrenagem voltou a funcionar dentro de você e você fala bem mais do que falava antes, sobre o que você sente, mas eu sempre soube da sua vida. De você. Da Gwen e dos seus pais e da Vivian. E você sabe sobre os meus pais e os meus irmãos e Robbie e a faculdade. Você sabe da minha vida e eu sei de você o bastante pra ter certeza de que isso influencia bastante coisa. É como se fossemos casadas, porque dependendo da situação, automaticamente vou fazer parte de qualquer loucura que você quiser fazer.
—E vice-versa.
—Exatamente. E além disso, não éramos tão próximas como vocês eram. Ela te tratava como uma filha e você tratava ela como uma mãe. Não preciso disso, eu já tenho uma mãe bem legal.
Isso me deixa ainda mais triste, porque eu lembro novamente da minha mãe, mas outra vez engulo o assunto e continuo nossa conversa.
—É, a sua mãe é bem legal.
—Entende o que eu quero dizer? —faço que sim. Quando voltamos para o hospital, e as primeiras horas da tarde começam a se infiltrar, a exaustão me bate de novo então me enrosco em Ian no canto do quarto de Vincent, mas mesmo assim não consigo dormir ou aquietar minha mente. Parte porque eu fico pensando nos meus pais, e se eles perceberam alguma coisa, e se tentaram me ligar ou se estão preocupados, mas não acho coragem pra sair do lugar e ligar para eles. Medo da reação. Mas também porque todo mundo quer que Vincent acorde de uma vez (Abra os olhos, Vincent, abra os olhos, é o que Visia fica repetindo quando está quieto.) e Visia e Victoria discutem sem parar. Sobre tudo, desde o casamento de Visia até o marido de Victoria e sobre Helen Gluck e eu lembro do professor Fawkes no meio dessa tensão até que finalmente, Ian enlouquece.
—Dá para vocês duas calarem a boca? Por favor?
—Meu cérebro vai explodir. —Yasha comenta, mas ninguém está prestando atenção nele. Só Victoria. Mas Visia olha para nós —eu e Ian —e por causa do susto que levei minha minha cabeça não está mais encostada no ombro de Ian o que deixa em evidência todas as outras partes do meu corpo que estão encostadas nele, como minhas pernas, mas principalmente —o foco do olhar de VIsia —minha mão na mão dele. Com os dedos entrelaçados. Do jeito que casais fazem. Ela para um pouco e o dedo de Ian, que brincava com meu dedo um segundo atrás para também e ficamos analisando seu choque, esperando o que vem em seguida.
—Vo...vocês...
—Ah, sim, eles. —Becker piora a situação.
—Vocês... estão... juntos? Tipo, do jeito que adultos ficam juntos?
—O que isso significa? —Ian pergunta, sua voz leve.
—Tipo... juntos?
—Uh, não? —eu digo, porque não faz sentido. Não. Faz sentido, só não parece o jeito como as coisas são normalmente. É tão estranho. Rápido. Não estou assustada, porque essa sensação é boa e familiar e vem do fundo do meu coração, mas não sei como Visia (ou Ian) reagiriam à isso.
—Gostamos de nos beijar. —Ian responde, melhor que eu. —Ela gosta de me beijar, na verdade, então eu só deixo porque eu não tenho nada melhor para fazer.
Não estou feliz. Meu olhar diz exatamente isso. Mas então ele está segurando uma risada e reprimindo um sorriso na direção da tia, porque ela está estática e parada no lugar, sobrancelhas se unindo e a boca aberta.
O som que sai de dentro dela me faz pular. Ela dá um gritinho agudo e rouco ao mesmo tempo que fura meus tímpanos e de qualquer outra criatura no quarto.
—Não fode comigo.
—Não estou. —a voz de Ian é de uma calma que quase chega a ser sarcástica.
No segundo seguinte ela está gargalhando. Gargalhando em um quarto de hospital, tão alto que acho que pode trazer a vida de volta para todo mundo que precise nesse lugar. É tão cheio de vida e instabilizante e ela quase se dobra, com as mãos no estômago. Visia se vira para Victoria, que ri bem mais quietamente, e exclama: —VOCÊ ME DEVE CINCO DÓLARES, IRMÃ. —A risada de Victoria aumenta.
—Merda. —ela diz.
—Vocês apostaram pra ver se eu ia ficar com a Diana? —pergunta Ian. Eu estou quase ofendida se conseguir parar de pensar que elas tiraram o tempo na vida delas pra falar sobre Ian e nossa relação. Até lá, tudo que sinto é vergonha.
—Não. —Victoria responde. —Apostamos pra ver quanto tempo demoraria pra você ficar com a Diana. —as exclamações de Yasha e Becker não ajudam, tornando tudo maior. Abro minha boca em choque mas não consigo falar nada porque Ian meio que me ataca com a boca. E as mãos no meu rosto.
—Puta que pariu. Vincent, você tem que acordar. É a Diana! O Ian está com a Diana.
Pausa. Não é nem o que ela fala, mas o modo como fala, como se estivesse me reconhecendo de algum lugar. Como se reconhecesse alguém de algum filme.
—Por que isso é tão... especial?
—A ex-namorada dele era uma vaca.
—Eu sei, mas não é disso que eu estou falando. Por que eu estar com o Ian é tão especial?
As coisas se aquietam um pouco quando elas percebem o que eu estou querendo dizer. Isso me traz de volta a quanto Visia nos deixou na estação para pegar o trem, e o seu comentário sobre estar esperando que eu aparecesse ou algo assim. Como se ela me conhecesse.
—Porque, duh, ela falava de você sempre.
—Sempre. —Victoria adiciona. —É engraçado e irônico até, parando pra pensar agora, que vocês dois estão juntos, porque você era o protótipo da garota que ela queria que a Tiff fosse. Ou que a namorada do Ian fosse.
—Ela odiava Tiff. —Visia diz, sentando-se no pé da cama de Vincent, colocando uma mão na perna do irmão mesmo que não haja movimento. —Eu lembro da primeira vez que Ian trouxe Tiff pra nossa casa porque Vivian queria conhecê-la.
—Memórias dolorosas.
—Ela falava tão alto, e era tão ignorante, ela não sabia o que era Harry Potter. Ou Narnia. Eu não julgo quem nunca leu mas ela não sabia nem o que era e não queria saber. Então a Vivian ficava meio "eu queria que ele ficasse com alguém como a Diana".
—O Ian ficava puto da vida. —elas riem mas eu estou séria. Tão séria que Ian aperta minha mão e quando viro para ele, sua expressão é de remorso.
—Eu não te conhecia. —Eu balanço a cabeça, porque não é sobre isso que eu estou assim. Eu me viro para Visia de novo, que me olha curiosa.
—O que mais?
Acho que, por um segundo, ela fica surpresa com a minha pergunta. Talvez seja o tom sério na minha voz. Eu não ligo para a Tiff, a ex-namorada idiota do Ian, eu me importo com Vivian. Me choca porque é diferente agora. Não... dói. É como quando você sai de férias e volta, o choque da realidade, e depois a melancolia, e as memórias. Ou quando algo muito ruim acontece e depois de alguns anos você olha pra trás e ri de algo da época. É um sentimento quieto. Pacífico. Isso remove meu desejo de chorar —por Vivian e por qualquer outra coisa pelo menos por enquanto —e vejo Visia olhar para a irmã, sem saber o que fazer. Não olho para Victoria, mas Visia assente quase imperceptivelmente e hesitante, abre a boca.
—Uh, ela roubou um livro meu para emprestar para você e nunca me devolveu.
—Isso aconteceu algumas vezes comigo também. —Victoria diz, sentando-se do lado do filho.
—Eu acho que sei onde eles estão. —diz Ian, e então Becker:
—St. Mara.
—Onde? —Visia pergunta, então lembra o que lhe falamos. —Oh, aquele lugar. —Todos nós assentimos. —E tem essa história que ela contou sobre a menina grávida... era você? Tinha algo relacionado a você.
—Essa é minha irmã, Gwen.
Uma saudade anormal me bate.
—Tudo bem. —Visia aquiesce profissionalmente. —As lágrimas? Ela disse que você chorava bastante.
—Isso não soa nem um pouco com a Diana. —Becker diz, numa falsa seriedade. Eu mostro a língua e ela faz uma careta. Eles riem, mas o silêncio cai novamente. Sem aviso prévio, todo mundo vira-se para Vincent e posso ouvir os ecos dos pensamentos deles, acorde de uma vez, Vincent.
—Ela falava sobre nós? —Visia pergunta. Baixo o olhar, sem coragem de dizer que não. Ou que se falava, eu não me lembro. Sei que isso deve fazer a diferença, e que vai machucar.
—Sim. —Becker diz, e meus olhos caem nela. —Eu não sei quem é quem, mas ela disse Vincent era o mais emotivo ou algo assim. Estamos falando sobre as nossas famílias. Foi depois que você saiu da sala de aula porque eu acho que ela não queria te deprimir. —Ela comenta na minha direção, depois volta a olhar para elas. —Vivian disse que vocês eram meio intensas.
—Já ouvi isso antes.
—E meio loucas. Mas eu sei que isso não é verdade. —Adiciona ela rapidamente, sem querer comprar briga. As irmãs Winter bufam.
—Isso é verdade, querida.
Becker sorri e olha para mim. Então eu percebo algo bem óbvio, mas que eu nunca tinha pensado antes. Sobre Vivian, e Becker e nas horas de conversas que elas tiveram e das coisas que Becker sabe e eu não sei, todo esse conhecimento que complementa o meu, tudo isso dentro dela e eu aqui, procurando pelo mínimo de informações no escuro, achando que vou conseguir as respostas sozinha. Como se eu fosse a única pessoa que soubesse dela. Essa é a família dela. E é por isso que eu não sinto o desespero. Porque ela está com eles, no conhecimento e na memória, nos detalhes. É um processo contínuo, é como lembrar da história de Rosa Rorez e toda as conexões que ela fez na vida dela —Vivian, Gwen —tudo, aquela sensação quente, libertadora. É por isso que não dói. Porque não há nada que machuque, nada que magoe, mais nada. Mesmo se tiver outro nome. Vivian Winter acabou, e é só resta a história dela, continuando na vida de todo mundo. E eu estou bem.
No almoço, nós conversamos enquanto comemos sushi que Ian traz para nós. Acho que todo mundo parou de ficar assustado por causa do Vincent e só está impaciente. Então, do nada, Eric chega. Eu perco a fome na hora, talvez pela euforia de encontrá-lo e saber que ele vai embora. Ele entra no quarto sem aviso e todo mundo o encara, até dar de ombros.
—O que foi? —Então saímos do nosso pequeno transe e corremos ao seu encontro. Fazemos tanto barulho que Victoria manda um "shhh" em nossa direção, mesmo que não tenha uma pessoa nesse quarto que possa acordar com o som das nossas vozes desesperadas. —Meu Deus, eu só vou para uma escola militar, não para o fim do mundo.
—Cale a boca. —Diz Becker. —Você vai embora.
—Falem no corredor. —avisa Victoria. Nós quatro —eu, Becker, Ian e Eric —seguimos porta afora. Eric parece desconfortável, olhando para os lados esperando alguém aparecer e dizer que estamos fazendo algo errado, mas o resto de nós está aqui tempo suficiente para se acostumar com o lugar novo. O hospital não parece mais tão assustador.
—Minha mãe está esperando no carro lá embaixo. Eles quase não me deixaram entrar porque eu não sou da família. Mas eu consegui. E eu tenho que ser rápido.
—Você nos perdoa por não termos tido tempo para um dia de despedidas do jeito certo? —Becker pergunta, e Eric a encara como se fosse louca.
—Não. Eu estou puto da vida. E daí que o Vincent foi esfaqueado, vocês deveriam ter ido me ver! —ninguém acredita realmente nele.
—Não seja idiota, seu idiota.
—Você está nervoso? —indaga Ian, nos silenciando. Um momento de sobriedade passa por nós, e ele não precisa falar em voz alta para encontrarmos sua ansiedade. De repente, eu quero chorar.
—Faça um favor. Não... mate ninguém. —eu nunca pensei que ouviria isso de Becker. Ou de ninguém, para falar a verdade.
—Eu odeio pensar nisso.
—Então por que você está indo? —Eu não entendo. Eu espero Eric fazer um comentário sarcástico ou engraçadinho mas ele continua sério e não estou acostumada, mesmo que tenha visto ele dessa maneira antes. É como se não combinasse com o seu jeito de ser, por mais que eu saiba que todo mundo pode ser feliz e triste, não uma coisa só.
—Eu nunca fiz nada de bom com a minha vida. —Ele encosta na parede branca, nos encarando. —Eu odeio a escola, eu não quero ir para a faculdade, e não há nada que eu tenha vontade de fazer a ponto de me esforçar pra que isso aconteça. Mas eu sei que eu tenho um bom coração. Então vou usá-lo pra ajudar pessoas. —Abro a boca, mas ele me interrompe. —Não tente me fazer mudar de ideia. É isso que eu quero fazer.
—É só que... —Eu não acho as palavras, então Becker completa para mim.
—Você é especial demais, para todos nós. Não queremos que nada de ruim aconteça.
—Vai demorar um pouco até que eu possa ir para algum lugar perigoso. E eu vou tentar manter contato. É bom vocês visitarem minha mãe, porque eu vou ligar para ela sempre.
—Como é que ela está? Como a Sarah está?
—Elas vão superar. É melhor do que ter um filho jogado ao vento sem fazer nada. Sarah é a Sarah. —Eric vê a hora no seu celular. —Eu tenho que ir. Mas eu trouxe uma coisa para vocês.
Ele tira um pacote da pequena mochila que trouxe, e de lá tira... uma tiara? Eu não entendo nada, mas Becker arfa e dá um gritinho, se jogando contra Eric, puxando-o para um abraço.
—Eu não acredito que você lembrou disso! —ela exclama, quando se desvencilha dele. Eric sorri. Depois explica para nós, que não entendemos nada.
—É uma longa história. —Vira-se para mim. Eu quero ouvir a história da tiara, principalmente porque o rosto de Becker brilha, mas não há tempo. Dessa vez, quando ele tira o próximo objeto, minha reação é completamente contrária a de Becker. Eu não dou gritinhos.
Obviamente, eu caio em lágrimas.
É uma das garrafinhas que ele costuma colocar qualquer coisa com álcool, e que ele leva para lugares quando não está dirigindo. Eu lembro da nossa conversa, no carro de Ian, há um século. Tanta coisa é diferente agora, inclusive minha reação. Porque agora, Eric é família, também. Meus braços circulam ele, e ele me abraça de volta, me apertando um pouquinho.
—Não posso demorar senão o Ian vai ficar com ciúme. —não evito uma risada fraca. Seguro a garrafinha, e Eric continua. —Bem, eu só vou te dar uma garrafa digna no seu aniversário, mas essa dá pro gasto.
—Obrigada, Eric.
—De nada. Pare de chorar. —Seco meus olhos. Quando ele vira para Ian, eu espero estranheza. Os meninos que eu conheci nunca foram de mostrar afeto, ou os sentimentos deles com relação aos amigos. Sempre soube que as meninas eram mais emotivas e afetivas. E com Ian e Eric é a mesma coisa. Porém completamente diferente. Como nós, eles se abraçam. É de partir o coração. Eric dá tapinhas nas costas de Ian, e eles compartilham um olhar por um segundo —e eu vejo orgulho nos olhos dos dois —e então Eric comenta, —Você pode dividir a garrafinha com a Diana.
—Ha, ha. —replica Ian. Ficamos em silêncio, olhando um para o outro. Eu estou os encarando, mas não realmente. Um filme passa na minha mente, me enchendo de memórias e emoções que eu senti quando estava vivendo elas. Todas tem Eric, então são bem recentes. Ao mesmo tempo, todas tem uma sensação de serem velhas, de estarem guardadas ali dentro por muito tempo. E eu espero que fiquem assim.
—Obrigada.
—Você já disse isso. —Eric informa, e eu balanço a cabeça.
—Esse é um agradecimento diferente. Por tudo.
Durante um segundo, Eric fica... tímido.
—Eu não fiz nada, Diana. Mas, bem, de nada de qualquer forma. —Becker descança a cabeça no seu ombro, e dá um sorriso triste quando ele olha a hora no celular novamente. Sentimos a urgência.
—Eu... tenho que ir, gente. De verdade.
—Nããão. —Becker reclama.
—Siiim. —devolve Eric. Então se separa dela e beija a sua testa, arrumando a tiara no seu cabelo ruivo. —A rainha do karaokê. —ela ri. Ele não diz nada para mim, mas me lança um olhar que torna as palavras desnecessárias. Diz, estamos todos bem, não estamos?
Mesmo que meus olhos ardam, eu faço que sim. Entao ele sorri. Ele coloca um braço no ombro de Ian e pede para que ele se cuide, tão baixo que quase não escutamos. Ian diz que não está mais perdido, e meu coração pula porque sei o que isso significa e me sinto feliz por ele. É tanta tristeza e felicidade ao mesmo tempo, todos esses extremos que deixam o momento tão bonito. Essas coisas podem coexistir. Belamente.
E rápido assim, ele está se distânciando no corredor. Parece uma vida inteira e um minuto ao mesmo tempo, e parece perder uma parte de mim mesma que eu não sabia que tinha. Ele se vira uma vez, todos nós acenamos, e Eric desaparece nas escadas. Fora de vista, inspiro o máximo de ar que consigo, soltando, testando como é estar sem ele. Meu amigo.
Não dói. Porque agora eu sei que ele ainda está vivo. Mas é ruim o suficiente para que eu abra a garrafinha e coloque na boca, esperando álcool e sentindo um líquido super doce. Não é uísque ou vodca ou tequila. Dou para Ian, e ele recusa, fazendo meu coração explodir mais ainda.
—É só suco de maçã.—sussurro. Ele pega, toma, e um sorriso se abre no seu rosto, espelhando-se no meu e no de Becker, ao meu lado.
—Aquele idiota.


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Notas finais do capítulo

EU sei que as coisas estão indo bem devagar agora (meio enrolado) na fic mas é porque tem BASTANTE informação e eu estou fazendo o melhor que eu posso, espero que gostem