Paper Women escrita por MrsHepburn, loliveira


Capítulo 33
Filhos


Notas iniciais do capítulo

WHATS UP MY FRIENDS
espero que gostem



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/458320/chapter/33

Becker a encontra primeiro. Deve ser a quinta vez que ela desce as escadas para pegar um café, e dessa vez ela demora mais ainda. Não presto muita atenção nisso, para falar a verdade. Não parece importante. Até ela entrar no quarto com olhos arregalados, o rosto vermelho. Ela diz,

Dianaasuamãeestáaqui.

E então eu congelo e queimo ao mesmo tempo. Por um segundo, eu fico parada completamente. Não quero me mexer. Na verdade, eu quero. Quero me virar e ir na direção oposta, porque não quero encontrar minha mãe. Não seja covarde!

Eu me levanto. Ouço Visia ou Victoria falarem alguma coisa que eu não presto atenção, e eu vou até a porta.

—Ela está... brava. —Becker sussurra, e eu não me surpreendo. Minha mãe está sempre brava. Aquiesço e olho para fora do corredor, hesitante, e lá está ela. Minha mãe está aqui. E eu vou ter que falar com ela. Mas observando ela no corredor, sem me ver ainda, é diferente. Ela está olhando para o lado, com os braços cruzados, fora do habitat natural. Parece humana. Não um monstro. Eu lembro do que Becker me falou sobre Vincent na sua cabeça, como um pesadelo que ela só exorcizou quando o viu realmente. A distância, minha mãe parece real, e todo o meu medo pertence ao pesadelo da minha cabeça. Com isso em mente, respiro fundo. Eu sei que ela está brava. Mas raiva humana eu consigo lidar. É o medo que me paralisa.

—Mãe?

Ela olha para mim, e sua expressão endurece. Mesmo com os pequenos barulhos de fora, eu consigo ouvir o tique-taque dos seus saltos vindo em minha direção, e eu cruzo os braços como um escudo. Abro minha boca, mas nem sei o que dizer. Ou o que ela quer ouvir. Então deixo que comece.

—Mas que diabos está acontecendo, Diana! —Ela não está nem perguntando. São exclamações, sem espaço para uma resposta. —O que você está fazendo aqui? Onde está o seu celular? Você não aprendeu a ser responsável?

—Tudo bem. Me desculpe.

Mantenha a calma.

—Me responda! —uma enfermeira passa, irritada com a voz alta da minha mãe. Isso só a deixa mais hostil. —Eu estou esperando!

Respire.

—Eu perdi meu celular há quase um mês, mãe. —Ela para. Acho que isso a surpreende.

—Por que você não nos contou? —encolho os ombros. Não sei responder. —Você podia ter pedido o celular de alguém! Eu não entendo a razão de tudo isso, Diana. Está tentando provar alguma coisa? É sobre a faculdade? Isso só prova que você não é madura o suficiente como você pensa que é.

—Eu fiquei com medo, mãe. Medo. —Isso a confunde mais ainda.

—Do quê?

—De vocês! —eu grito, e me sinto mal imediatamente. Não por gritar em si, mas pelas outras pessoas do hospital. Principalmente quando minha mãe olha adiante e eu viro para achar os quatro —Becker, Ian, Victoria, Visia —nos encarando. Todos surpresos, sem reação. Acho que minha mãe vai falar alguma coisa, mas toda sua linha de pensamentos some quando ela acha um rosto.

Ian.

—Aquele garoto? Você esteve aqui com aquele garoto, Diana?

—Com licença. —diz Victoria. —Esse garoto é meu sobrinho e eu não vou tolerar esse tom de voz enquanto você fala dele.

—Você tem conhecimento de que ele apareceu bêbado na minha casa querendo falar com a minha filha? —Quero dar um tapa na minha mãe. Como ela ousa? Como ela ousa falar assim do Ian, como se ele tivesse feito um dano terrível ou como se ela fizesse alguma coisa sobre isso? Como se ela agisse como a minha mãe?

—Sim. —Victoria contra-ataca, e minha mãe pausa, sem esperar por isso. —Obviamente, ao contrário da sua filha, ele não tem medo de falar conosco.

—Então você deixa o seu sobrinho manchar sua vida e não faz nada? Obviamente, os seus métodos estão meio distorcidos.

—Mãe! Pare! —Digo, o mais firme que consigo. —Você não sabe do que está falando, então, por favor, pare. Vamos conversar em outro lugar.

—É esse o tipo de gente com quem você anda?

—Bem, eles são melhores que você.

Merda. Merda. Merda. Merda. Merda.

Acontece. Finalmente, acontece. É um prédio em chamas caindo na minha frente e é o fósforo nas minhas mãos, e eu estou paralisada, sem poder fugir. Merda. Não era o que eu queria dizer. Mas eu estou aliviada por ter dito, porque dói e é verdade. E agora eu vejo a mágoa no rosto da minha mãe e eu quero chorar, porque eu esperei tanto tempo para falar algo verdadeiro para ela e me sinto uma merda depois disso. Ela sustenta meu olhar por um segundo, antes de se virar e se afastar. Me viro também, para eles, e começo a fazer meu caminho de volta para o quarto mesmo que queira ir para o banheiro chorar. Victoria me para no meio do caminho.

—Sua mãe é uma babaca, —ela começa, a voz baixa para que só eu a escute. —mas se você não for atrás dela, toda aquela merda sobre família que você me falou tornam você uma hipócrita. Você é melhor que isso. —Engulo seco. Meu coração podia voar da janela, e eu sinto como se estivesse a beira da morte. A adrenalina é tanta que minha mente entra num frenesi. Eu tenho cinco anos, e acordei de um pesadelo horrível e só quero um abraço. Eu quero que alguém faça isso por mim.

—Eu não quero ir. —sussurro, a voz falhando em cada palavra.

—É como um band-aid, Diana. —Becker diz. —Não importa o que ela te fale, ou o que aconteça. Vamos estar aqui. —Aquiesço mais do que eu deveria, tentando me convencer, tentando achar a coragem. Quando estou convicta o suficiente, olho para Ian.

—Não acredite em nada que a minha mãe disse sobre você.

—Você deveria fazer o mesmo. —ele responde, e seus olhos me dão uma resposta diferente. Eu acho que ele não está acostumado com tantas pessoas defendendo ele. Eu dou meu melhor sorriso e começo a correr. Nem pense.

—Mãe! —eu digo, quando a encontro falando com uma enfermeira. A enfermeira aponta o caminho certo e ela começa a andar, me ignorando. —Mãe!

Dessa vez, paro na sua frente. Ela foge dos meus olhos.

—Fale com o seu pai depois, eu tenho que ir.

—Cadê ele?

—Trabalhando.

—Então sobrou você, que teve que vir aqui.

—É isso que você pensa sobre nós? Quão horríveis nós somos, Diana?

—É a verdade.

Finalmente, ela olha para mim. Séria, mas eu vejo algo que nos distância, porque ela tenta conter as emoções e deixar o rosto neutro. Eu me vejo nela. Só que pela primeira vez, não faço o mesmo. Eu só estou cansada disso. E eu não estou em casa, e ela não me encara da bancada da cozinha e eu não me sinto uma intrusa, só uma pessoa, com o mesmo direito de falar que ela.

Uma pessoa e não um monstro, uma pessoa e não monstro.

—Você não veio para casa ontem. Você não ligou. Nós ligamos para a polícia. Mas eles disseram que era comum, adolescentes fugirem de casa. E talvez seja. Agora eu vejo que não podemos confiar em você.

—Vocês nunca confiaram em mim.

—Eu não quero ter essa conversa no meio de um hospital. —minha mãe diz, mais determinada, olhando ao redor. —Conversaremos mais tarde. Vamos para casa.

—Não.

—Como? —Ela parece surpresa.

—Eu não vou para casa. Eu vou esperar até Vincent, a razão de estarmos nesse hospital, esteja acordado, então vou para a casa da Becker, ou com o Ian e as tias dele. —seu rosto endurece com a menção deles. —mas não para casa. Não agora.

Não sei dizer se o que ela demonstra é horror, ou traição, ou raiva ou mágoa. Todas as opções são ruins, algumas menos que as outras, e talvez todas misturadas nas suas feições.

—Você tem algum respeito pelos nossos sentimentos? Nós fazemos tudo por você, e é assim que você nos agradece?

—Vocês tentam me comprar com dinheiro. E obrigada. Eu agradeço, porque é com esse dinheiro que eu vou para a faculdade, vou para Nova York, queiram vocês ou não. Obrigada. Mas dinheiro não cria afeto, mãe. —Minha garganta arde, e eu só penso que não posso chorar, não agora, não quando eu estou falando. Não posso parar agora. —E eu não conheço os sentimentos de vocês para tentar ter algum respeito. Não posso entender as coisas a partir do nada. —Mexo minhas mãos pelo ar, tentando demostrar. Ela dá um passo para trás.

—Nossa preocupação não é o bastante? Nós queremos que você tenha o melhor futuro, e então você não vai para a escola, passa a noite com um garoto que parece ter menos respeito por você do que você por nós, aparecendo daquele jeito na nossa casa e andando com essa gente totalmente sem educação. Nós tentamos te educar tão bem.

—Parece que não deu certo, não é? As duas filhas... —mas então eu paro. Por dois motivos. Primeiro, porque ela arregala os olhos e eu espero uma explosão. E segundo, porque ela não sabe de nada. Ela não sabe da história de Ian, ou da família dele ou até mesmo a minha. Todas essas ofensas são tão vazias que tudo que eu sinto é pena da minha mãe, porque em circunstâncias normais, se eu fosse Becker e ela fosse a mãe de Becker, ela saberia dessas coisas. Mas ela não sabe. E eu me pergunto se, caso eu contasse, ou caso eu tentasse contar, ela me escutaria. Mas não agora.

—Sua irmã cometeu um grande erro. Tudo que estamos fazendo é prevenir que você cometa o mesmo erro, também.

Minha primeira reação é de choque, porque Gwen é um assunto proibido. Essa conversa inteira é proibida. Eu não sei o que está acontecendo. Talvez seja eu que esteja falando mais, ou ela. Eu sinto sua raiva, vindo para mim como militares vão para guerra, mas é diferente. Eu não estou mais com medo. Não tenho nada a perder.

—Eu não sou Gwen. Nesse aspecto, eu sou mais esperta que ela.

—Não funciona desse jeito, Diana.

—Vocês não podem esperar que eu viva em uma caverna sem falar com ninguém só porque não confiam em mim. —ela fecha os olhos, e quando os abre, é aí que eu fico assustada. Não é fúria. É... meu próprio medo. Ela não parece minha mãe.

—Quantos anos você acha que eu tenho?

O que?

—Eu não sei.

—Trinta e oito, Diana. —Eu ainda não entendo porque ela me diz isso. E daí? —Quantos anos sua irmã tem?

—Vinte. —Faça as contas. Não. Merda. —Você... tinha a minha idade? Não. Você disse que estava na faculdade quando conheceu nosso pai.

—Eu estava na faculdade. Você tem dezoito e está indo para a faculdade.

Ah meu Deus. Eu não consigo mais respirar. Eu não sei o que falar, as palavras, as frases, as letras. Nada. Alguém deletou tudo da minha mente. Eu lembro de cada conversa que eu tive com a minha mãe, todas pós-Gwen, que são as únicas que ficam na minha memória —e tudo parece errado. Na minha mente, ela parece um fantasma em cada cena, e a verdadeira pessoa está aqui. E então a pessoa das minhas memórias se torna Gwen, e então eu. Eu pisco, tirando a imagem da cabeça. Mas eu entendo agora. O medo. O medo dela.

—Mãe...

—Eu não quero que você fale sobre nada disso para o seu pai, está me ouvindo? E não mude de assunto, estamos falando de você. E a sua irresponsabilidade.

—Mãe...

—O quê? —Ela parece exasperada, querendo se livrar do assunto. Mas eu não posso. Não agora. É como se a parede que existisse entre ela e eu rachasse. Ainda está lá. Acho que sempre vai estar. Mas tem uma rachadura. Há um espaço por onde eu posso estreitar os olhos e tentar enxergar o outro lado. Há um mundo novo.

—Eu... —diga alguma coisa. —Se a Gwen soubesse, não teria...

—Eu não estou falando da sua irmã, Diana!

—Sua irmã! Ela tem um nome. Você deu a ela um nome. Gwen. Gwen, Gwen, Gwen. Isso é idiota, mãe. Não é como se tivesse apagado ela da memória.

—Eu lembro todo dia de alguém que cometeu os mesmos erros que eu cometi.

—Ela está feliz agora.

—Poderia estar mais.

—Claire foi a melhor coisa que aconteceu na vida dela, mãe. —É uma sensação tão boa falar o nome dela em voz alta, na frente da minha mãe. Gwen. É libertador. —Eu estou falando sério.

—Ela é jovem. Ela não sabe nada no mundo ainda, e você é jovem também. Olhe onde nós estamos.

—Você quer saber o porquê?

Eu acho que ela não esperava por isso, pois congela no lugar, com a boca aberta, as palavras tentando sair, pausadas. Diga sim, meu coração grita. Eu te conto e você me entende. E toda essa confusão acaba. E eu posso respirar dentro de casa. Diga sim e eu falo tudo.

—Agora não. Se você vai ficar aqui, então eu tenho que ir trabalhar.

—E se eu não for para casa?

—Uma hora você vai ter que ir. —Ela se recompõe. Parece forte, uma fortaleza. Quase volta dentro de mim aquele desespero, —e minha mente começa com ela é minha mãe e ela vai me matar —mas eu me esforço para ver mais do que meus olhos encontram. Sem medo. Sem nada. Só uma mulher. Não um monstro. Mesmo assim, ela caminha com passos fortes e eu só escuto o tique-taque dos seus saltos.

Todo mundo espera que eu chore ou algo assim, mas na verdade... eu me sinto calma. Ou talvez ignore de propósito a dor de cabeça que eu vou ter mais tarde, com os meus pais. Os dois. Minha mãe tem um coração. Meu pai tem a sua fúria.

Ian para na minha frente, bloqueando as outras pessoas, quando eu entro no quarto.

—Você está bem?

—Sim.

Ele não sai do lugar, não para de me encarar. Me deixa envergonhada, então desvio os olhos e nada muda, me forçando a olhar para ele de novo. Ele estreita o olhar em minha direção, como se eu estivesse escondendo alguma coisa.

—É uma pergunta reflexiva?

—Eu só converso reflexivamente com pessoas que eu não sei como conversar.

—Então você sabe conversar comigo agora? —Um sorriso aparece, mas Becker empurra ele e se põe na minha frente.

—Vai dar em cima da Diana depois. —diz para ele. —Como foi?

—Melhor. Pior. A mesma coisa de sempre. Eu tenho uma coisa para te contar, mas não agora. —ela assente, séria. Eu entro no quarto e olho para Victoria, sentada na cama de Vincent. —Obrigada.

—Posso ser velha mas sou inteligente.

—Você não é nem avó ainda.

—E vai continuar assim por um longo tempo, não é Yasha?

Ele faz sua cara de inocente, e aquiesce, mas eu lembro de uma história que Ian me contou um dia sobre Yasha e uma camisinha. A julgar pela expressão de Victoria, ela também sabe. Visia sorri.

Ficamos em silêncio por um tempo, e trinta segundos depois, Vincent começa a grunhir, e se não estava acordado, Visia faz questão de acordá-lo. Ela corre para o seu lado, e grita:

—VINCENT, VINCENT, VOCÊ ESTÁ BEM?

Como Becker, Victoria e Ian correram antes de mim, não consigo ter uma boa visão de Vincent nessa hora, mas ele grunhi mais um pouco e sintetiza os seus pensamentos em uma pergunta.

—Que porra é essa?

Não falamos de nada sério nos primeiros momentos. Os médicos vem, e dizem que ele tem que ficar na cama por mais uma semana, por causa do corte sério. Quando saem, Visia começa a falar sem parar sobre as mudanças de Vincent, sem nunca mencionar o porquê, ou coisas ruins do caminho. Todos eles se investem em uma conversa animada, se mantendo longe de tudo que possa estragar o clima. Elas não estão fingindo, eu posso ver o brilho nos seus olhos. Só estão cautelosas. Becker traz o vestido de Vincent para perto, porque Visia quer que ele mostre, e sem mais ninguém perceber, mexe nos bolsos. Quando não acha o papel, olha para mim. Eu sustento seu olhar até ele entender. Então ele aquiesce e volta a falar com a irmã. Visia volta ao seu humor brilhante, e nós rimos de suas piadas e histórias malucas. Victoria apresenta Yasha. É quando rimos mais ainda, por causa da estranheza dos dois. Yasha fica vermelho, e acho que até Vincent ri disso tudo. Mas depois, seus olhos ficam diferentes. Acho que ver Yasha é perceber o estrago que a distância que ele colocou entre a família causou. É concreto. Isso parece trazer todos os pensamentos ruins, não só dele mas de todos. Espontaneamente, todos ficam em silêncio, na mesma hora. E eu fico olhando para os lençóis na cama de Vincent, para fugir de seus olhares. É hora de falar sobre as coisas que ninguém menciona.

—Então, —começa Vincent —os poemas da Vivian.

—Não vamos falar disso agora. —interrompe Victoria. —Temos muito tempo pra falar sobre isso. Acabou.

—Se não falarmos sobre isso agora, não vamos falar nunca. —ele replica, mas não é grosseiro. Sua voz é macia, para não magoar ninguém. —Cadê o papel?

—Vincent. Que papel?

—Sim, o papel que Helen Gluck me deu antes de ela pirar. —Todo mundo se retrai. Helen Gluck. Agora que Vincent está bem, parece um nome insignificante. Então lembro das palavras de Becker, e agora só fico com medo de ter que confrontá-la. Percebo que ele não corrige as irmãs quando falam seu nome verdadeiro. Para elas, ele é mesmo Vincent. É algo profundo demais para ser mudado tão repentinamente. Ele nem menciona o nome Lucille perto delas.

—Por que diabos você quer continuar isso? Pelo que Ian me disse, só aconteceu merda.

—Você não entende, Vis. Isso é importante.

—Não é saudável! Eu te amo, Vincent. E eu sei que não conversamos direito há muito tempo, mas isso tem que parar. Para todos vocês.

—Vis, pare. —Vincent diz, mais firme. —Você não entende. Eu amava ela. Bastante. Eu conheço ela a minha vida toda. Conhecia, que seja. Não me fale que eu tenho que parar de fazer isso, porque você não sabe o que isso é.

—Eu amava ela também! —a voz de Visia vai quebrando aos poucos. Ela coloca a mão no peito.

—Eu não sou você. Você sempre foi forte, e corajosa e feliz. Tem pessoas que são assim por natureza. Mesmo que coisas ruins aconteçam, elas tem curiosidade para saber como as coisas melhoram. Elas conseguem. Elas são fortes mesmo quando estão fracas. Eu não consigo. Não sou você. Tem gente que, quando algo ruim acontece, se quebra. Talvez não do modo como todo mundo espera, mas fode com a nossa vida. Eu sou assim, o filho dela é assim e essa garota, também. Todo nós amávamos ela, a diferença, é que de algum modo ela sabia que seria pior para nós. Que se a merda acontecesse, nós não conseguiríamos sair dessa bolha cinza tão fácil. É tão fácil afundar com toda essa porcaria, Vis. Foi o que aconteceu com ela. Era merda depois de merda e ela não aguentou. Nós precisamos de tempo para voltar a vida. É um processo complicado e lento. Demora. Demora mais do que demora para vocês, porque vocês tem coisas boas na vida para se salvarem. Nós temos que lutar para achar um significado. Precisamos de coisas que nem todo mundo pode nos dar. E pode demorar uma vida inteira pra conseguirmos superar. Mas então achamos pessoas. Ela nos deu pessoas que saberiam como ajudar, como mudar, como encher esse buraco. E você pode estar bem, mas eu não. E pode apostar que nenhum deles estava. Acho que agora todo mundo vê a luz.

Visia começa a chorar. Só sei disso porque escuto seus soluços, porque meus olhos estão embaçados e não consigo respirar direito. Algo acontece dentro de mim, e nunca vou conseguir explicar com palavras, com gestos, com comparações. É... novo. É leve. É por isso que você não desiste do Vincent, uma voz me diz. Porque ele é o contrário de você e te entende. Porque ele sabe as palavras certas assim como Vivian sabia. E se você desistisse dele, nunca descobriria isso.

E eu me sinto bem. Justificada. Minha respiração fica pesada, porque controlo o que quer sair de mim, e eu sinto as mãos de Ian na minha cintura, sua respiração no meu pescoço por causa da proximidade repentina. Uma palavra passa pela minha mente, obrigada.

Obrigada, Vincent.

Obrigada, Becker.

Obrigada, Ian.

Eu balanço meu corpo pra trás, encostando no de Ian e as mãos dele se apertam mais ao meu redor. Sim, obrigada Ian.

Então, um último nome pula na minha cabeça. Vivian. Obrigada, Vivian. Obrigada por me deixar conhecer sua vida. Aconteceu muita merda nela, e eu amei. Obrigada por me deixar conhecê-la. Obrigada por deixar conhecer a sua família.

Isso me choca, o quanto uma pessoa pode mudar a sua vida. Vincent olha para mim (e as mãos de Ian na minha cintura) e eu sou obrigada a parar meu momento emotivo, porque ele me olha como se fosse falar algo totalmente inconveniente. Ou seu olhar diz tudo, a sobrancelha arqueada, a expressão maléfica.

—Então... —Ele começa. Permaneço séria, sem demonstrar emoção para não dar espaço para ele zoar da minha cara. —Quem poderia saber que uma garota tão delicada poderia ser tão rápida, se você entende o que eu quero dizer.

Visia ainda está chorando. Becker explode em risadas. Eu abro a boca, mas preciso de um segundo para me recuperar. Então eu ataco.

—Eu não entendi o que você quis dizer, por favor explique. —Diga alguma coisa na frente de Victoria agora, Vincent.

—Não a engravide, Ian. —ele replica, e meu rosto pega fogo.

—Vamos devagar, aí. —Victoria interrompe. Depois olha para mim. —Ela está ficando vermelha.

—Diana, eu prometo que eu nunca, nunca, nunca mais vou deixar você no mesmo quarto que a minha família. —Ian diz, mas ele ainda me segura. Isso não está ajudando.

—Você não queria falar sobre aquela coisa? —eu pergunto, tentando distrair Vincent. Funciona.

—Tudo bem, tudo bem. Parei. —Vincent bota as mãos para cima, um sinal de desistência. —Visia, pare de chorar. Por favor. —ela assente, mas falha. Yasha a abraça, dando apoio e Vincent respira fundo, como se não tivesse certeza do que está fazendo. É tão novo. —Cadê o papel?

—Eu joguei fora. —Quando choque e incredulidade passam pelo seu rosto, eu explico. —Eu já conhecia ele. Conheço ele.

—Você já parou pra pensar que talvez eu quisesse a merda do papel?

—Vincent. —murmura Victoria.

—Minha culpa. —Ian replica. —Pensei que isso tinha te fodido demais pra você querer continuar. Ou pra qualquer um de nós continuar, pra falar a verdade. —termina, e eu meço suas palavras, lembrando do que ele me disse antes de jogar o papel fora. Me pergunto se ele ainda se sente daquele jeito, querendo parar, se perguntando se ele não é suficiente. Mas eu ainda sinto o corpo dele contra o meu, então talvez ele saiba a resposta.

—Isso não te dá o direito de fazer isso.

—Gente. —Becker interrompe. —Vocês não estão focando no lugar certo. A Diana disse que já conhece ele. Richard Fawkes. Nosso professor de Inglês. Que entrou na escola um mês depois de ela se matar. Isso é bom demais pra vocês ficarem discutindo sobre um papel.

—Não tem nada de "bom" em coisa alguma. —comenta Visia, com a voz mais firme. —Mas dessa vez, ninguém banca o esperto. Escutou, Dorian? Nada de esconder isso das suas tias. Se vocês fizerem isso, nós fazemos junto. —todo mundo encara ela. Vejo a coragem de Vivian no seu rosto. —Então o que a gente faz?

—Falamos com ele. —Lembro de Helen e o que Becker falou e imediatamente olho para minha melhor amiga. Eu pego o celular da sua mão e escrevo uma mensagem, para que só ela veja: Helen, também.

Ela engole seco e aquiesce.

—Por que ele te odeia? —Victoria pergunta, lembrando-se da nossa conversa hoje de manhã. Visia fica surpresa com isso, e eu encolho os ombros como se não soubesse responder. Mas na verdade, no fundo, eu sei. Porque ele esperava mais de mim. Como Vivian esperava. Só não quero contar isso para elas.

—Ele não te odeia. —diz Becker. —Ele só fica irritado, sei lá.

—Eu não ligo. Agora eu só quero terminar isso.

—Assim que eu sair daqui, vamos falar com ele.

—Por que a pressa? —Victoria pergunta. Sei que ela quer evitar esse assunto e tudo que vamos fazer o máximo possível.

—Porque... bem, duas pessoas foram antes de mim, que eu saiba. Ariel, e o padre Jonah. Ela bateu a porta na cara deles. Então é como se tivesse uma pedra no caminho, impedindo a água de seguir adiante. Mas ela me deu o papel. E agora podemos ir até o fim.

Outra conexão se forma no meu cérebro. Eu relembro a conversa com Ariel no karaokê sobre isso e Ian e o porquê de ninguém ter procurado por ele. Então eu sei. E eu tenho certeza —uma convicção tão grande —que se Richard Fawkes tem um nome num pedaço de papel também, é o nome de Ian. Sei disso. E então acaba.

Fico de boca fechada.

Vincent reconta a história de Richard, Helen e Vivian, e dessa vez Becker escuta a versão completa, não partes que eu lembrei de lhe contar. E quando anoitece, Victoria e Yasha decidem dormir na casa de Ian, enquanto Visia fica no hospital, já que ela dormiu essa noite e Victoria não, porque teve que vir ao socorro do irmão. Vamos todos com Ian —Victoria, Becker, Yasha, eu. Yasha dorme no ombro de Victoria e Becker cantarola, mas ninguém diz nada. Talvez seja o cansaço. Eu vou no banco da frente, do lado de Ian. Ele liga o rádio —para os protestos de Becker —e então coloca a mão na minha, a outra no volante. Eu olho para ele de soslaio, e sua expressão é a mesma. Ele nem percebe o que está fazendo. Escondo meu sorriso idiota.

Primeiro ele deixa Becker em casa. Ela pergunta se eu quero dormir lá, provavelmente sentindo uma briga no horizonte entre meus pais e eu. Eu digo que não, porque preciso encarar isso de uma vez, mas prometo que vou ligar de manhã. E em segundos que passam rápido demais, o carro está estacionado na frente da minha casa. São apenas sete horas, mas está escuro aqui fora e as luzes acesas lá dentro, em todas as janelas que consigo ver daqui. É só a minha mãe? Ou meu pai também?

Lembro das palavras de Vivian, sobre uma casa ser uma fortaleza. Acho que ela estava falando de lar e não casa, porque parece que estou indo para o campo de batalha.

Mas você não vai morrer. Isso não é o tipo de coisa de te mata. Corte o drama, Novak.

—Tudo bem, aí? —pergunta Victoria, em voz baixa para não acordar o filho. Aquiesço.

—Com a minha mãe, tudo bem. É só... o meu pai. Eu tenho mais medo dele do que dela. —Ela assente. É bom dizer isso em voz alta. Reconhecer.

—Se tem alguma coisa que eu aprendi com a minha mãe e o meu pai é que todo mundo faz merda. Lembre-se disso. Às vezes essa merda dura para sempre, às vezes nós conseguimos... sabe... concertar as coisas. Mas se tem alguma coisa que eu aprendi sendo mãe é que nós não fazemos ideia de tudo que está acontecendo. Preste atenção, Diana, isso é importante. Como eles vão saber que você tem medo deles se não falar nada? Eles só estão tentando fazendo o melhor no único padrão que eles conhecem. Às vezes isso é uma merda. Às vezes, não. Pais são pessoas que nem você, só com problemas diferentes, tentando criar os filhos na esperança de que nada de ruim aconteça com eles. Entendeu?

—Obrigada, Victoria.

—De nada. Se precisar de alguma coisa, ligue para o Ian, tudo bem?

—Tudo bem. —Ela sorri para mim, um sorriso de assunto encerrado e eu olho para Ian. Ele está encarando o volante, sério como só o vi algumas vezes —no que ele está pensando? —então percebe que estou encarando e sorri. Eu saio do carro e conto meus passos até a porta de casa, então pego minha chave e entro. Luzes acesas. Barulho. Como sempre, eu paro na cozinha porque é caminho até o meu quarto. Então o que eu estava esperando acontece, porque meu pai está tomando café, de pé, na bancada da cozinha. Eu fico pálida. Eu estou tonta. Nervosismo puro. Ele levanta os olhos para me olhar, e eu sustento o olhar até ficar pesado demais. Depois de mais um gole, ele fala.

—Onde você estava?

—No hospital. Meu...

—Eu não quero saber dos detalhes.

Eu fico quieta. Espero ele falar alguma coisa.

—Sua mãe me contou sobre o garoto. —Sua voz é poderosamente feroz, calma. Como se tentasse me hipnotizar.

Minha mãe me contou sobre você ter engravidado ela na faculdade.

Fico com isso na cabeça, marcado para nunca mais sair, uma proteção contra qualquer coisa que ele me falar. Não é uma acusação. Não há raiva nisso. É uma justificativa. Porque, agora que eu estou pensando nisso, talvez ele não quisesse ter filhos. Ele estava na faculdade. Ele tinha a idade de Ian. Talvez ele odeie a realidade tanto que não suporta ver as provas disso —como eu e Gwen —, mas não sei. Parte de mim, a que guarda ressentimentos, acha idiota achar desculpas para ele, que não parece arrependido. Mas sempre vou pender para o lado bom do meu coração. Pelo menos enquanto eu tiver uma escolha.

—Quer que eu explique?

—Não, eu quero que você me escute. Eu nunca, nunca esperei que você pudesse tomar decisões tão erradas, por vontade própria. Depois de todo o esforço que tivemos para te colocar em uma escola com uma boa educação, e te demos tudo, você acaba num hospital com um garoto com uma família que, pelo que a sua mãe falou, é pior do que ele próprio. Não me admira a falta de educação. —ele grita.

Ignorante.

Não abro a boca. Seus olhos se arregalam.

—Vai ficar quieta agora? Não foi o que a sua mãe me disse que você fez no hospital quando falou com ela.

—O que ela disse?

—Não ouse desviar do assunto!

—O que você quer que eu fale?! —eu grito e como um vulto, ele vem em minha direção. Merda, merda, merda, merda. Dou um passo para trás, a tempo de ver sua mão levantada, o rosto vermelho de fúria. Meu coração voa pela janela, minha respiração acelerada, e a adrenalina correndo. Ele para tão perto, com a mão tão perto que eu acho que ele vai me bater. O avô terrorista, é o meu primeiro pensamento. —Cadê a minha mãe? —eu pergunto, a voz trêmula, dando mais um passo para trás. Ele parece se recuperar da raiva. Me pergunto se ele faz isso com os empregados, e se é por isso que todo mundo parece ter medo deles nas festas.

—Não fale comigo desse jeito!

—Me desculpe. —eu digo, em desespero. Ele não se aproxima, e se distancia. Ele me lembra Vincent, só que pior. Ou talvez como Vincent seria se tomasse o mesmo rumo do pai.

Vincent.

Pense em Vincent.

No que Victoria disse.

Agora pense em Vivian e seja corajosa. Fale mais alto.

—Eu sei que vocês querem o melhor para mim, eu agradeço. Mas essa é a minha vida. —ouvimos passos, e então minha mãe aparece no corredor, a expressão neutra. Vazia. Sem nenhuma emoção aparente, mas eu sei que ela deve estar sentindo alguma coisa. Interpretando minha expressão assustada e o rosto vermelho do meu pai. Imagens de hostilidade e horror, e me pergunto se ela procura sobras de alguma coisa boa e se ela consegue achar.

—Ótimo, agora sua mãe vai poder ouvir também. Você ouviu o que ela disse? É a vida dela. Qual é o próximo passo? Beber? Fumar? Não me surpreenderia se você aparecesse chapada.

—Você acha que eu vou me embebedar e aparecer com um bebê?

Ele fica quieto. Eu olho para a minha mãe, e ela fica pálida, porque acha que eu vou falar sobre o que eu sei. O que ela me contou.

Mas não vou. Isso é assunto da minha mãe, mesmo que eu pague as consequências.

—Eu não vou. Eu aprendi com Gwen. E quando eu digo "aprendi" eu quero dizer que eu aprendi a não fazer isso outra vez. Eu sou esperta.

—Não é o que parece.

—É porque você não me conhece. —replico, arqueando uma sobrancelha, mais confiante agora que minha mãe está aqui.

—Diana, escute o que o seu pai está dizendo, as nossas intenções.

—EU SEI QUE AS SUAS INTENÇÕES SÃO BOAS. Eu sei. Mas é a minha vida, e eu não posso fazer o que vocês querem. Eu vou ficar infeliz. Vocês querem isso? —nenhum deles responde, mas eu olho para minha mãe. Eu ainda tenho esperança nela. Só que ela desvia os olhos, e meu pai me joga um papel. Eu pego na pressa, no calor do momento e quando paro para ler, parece que o resto do mundo parou também. Ele congelou minha conta bancária.

Congelou meu dinheiro. Exceto aquela quantia enorme que eu transferi para a ex-conta da minha irmã. Eu sempre me perguntei sobre a dualidade das coisas, como as pessoas podem ser uma coisa ou outra, completamente diferentes. Agora, de certa forma, eu entendo a coexistência. Porque a parte fraca —não, o meu coração —quer chorar. E eu sei que vou chorar, porque acabou, e ele age como se me odiasse e é tudo tão complicado. A parte forte, porém, está preparada. Ela sempre existiu —desde o momento que desconfiei do que meu pai faria e fiz meus próprios planos —só que não tenho medo de mostrá-la porque é tudo que me resta. É a última carta na manga que eu jogo antes de acabar isso tudo.

—Isso não me impede de ir para a faculdade que eu quero. Isso não muda nada.

—Muda sim, você vai e não volta mais.

—Tudo bem, então.

—Diana... —minha mãe começa a falar, mas me viro e vou para o meu quarto, só aí me permitindo desabar. Enterro a cabeça no travesseiro e solto um grito abafado mas afetivo. Seguro a ponta do travesseiro com tanta força que eu sinto que deixo os nós dos meus dedos brancos. Então eu começo a chorar. Aquela sensação de me sentir perdida, devastada, tudo aquilo volta. Eu nem tento manter o volume baixo. Não ligo mais. Eu escuto passos no corredor, os saltos da minha mãe e odeio a situação ainda mais. Me viro para porta quando sinto que ela está perto, e vejo a sombra dos seus pés pararem na frente da minha porta branca. Me aquieto um pouco, sem saber o que ela vai fazer.

Minha mãe bate na porta. Depois abre, sem esperar que eu abra, e eu espero ela falar alguma coisa. Ela vai dizer que sente muito, que me ama, e que me apoia em tudo que eu decidir fazer. Ela vai perceber que estava errada. Meu coração acelera.

—Sua amiga quer falar com você. —diz. Só nesse instante eu percebo o telefone de casa na sua mão. Quando ela me dá, nossos olhos se cruzam e eu tenho certeza que ela sabe que eu estava chorando. Não consigo ler seu rosto.

—Ah, claro. —penso em agradecê-la, mas as palavras não saem.

—Conversaremos mais tarde. —ela diz, e eu bufo porque não acredito. Conversar depois significa discussão após discussão. Cansei. A sensação de devastação que eu senti minutos antes some, porque Becker está no telefone e ela me lembra tudo que eu ainda tenho de bom. Minha mãe não vai embora. —Isso é tão difícil para você quanto é para nós, Diana. Você podia considerar isso.

Ela sai pela porta. Demora um tempo para eu me recompor e escutar Becker, no telefone.

—Oi?

—O que foi isso? Era a sua mãe? —é a primeira coisa que ela diz.

—Sim.

—Você está chorando? Foi uma merda de novo?

—Sim e sim.

—Quer vir para cá? —eu te amo, Becker.

—Não hoje. Mas... acho que meu pai me botou pra fora. Então... —respiro fundo. —vou aceitar a oferta daqui a uma semana mais ou menos. O Robbie não tem jogo hoje?

—Tem, eu estou cansada demais mas prometi que iria, então eu vou. Se você aceitasse, eu te levaria junto e você viria para casa comigo, mas deve estar pior do que eu. Quer conversar?

—Não se preocupe, eu falo com você amanhã de manhã. Fale pro Robbie que eu mandei um oi.

—Ha. Tudo bem. Sinto muito por toda essa merda, Di.

—Eh, está tudo bem. —assim que eu desligo com Becker, eu ligo para minha irmã. Eu conto para ela tudo que aconteceu e que ainda está acontecendo e o que vai acontecer. Eu digo para ela sobre a briga, as coisas que o papai disse e tudo que a mamãe falou.

—Puta merda. —ela sussurra. Nós conversamos sobre isso. Ela nunca imaginou que algo do tipo tivesse acontecido com a nossa mãe, e enquanto ela fala, eu percebo a sua voz se suavizando, como se ela entendesse a própria mãe agora. Eu não sei no que acreditar.

—Você... você acha que eu tenho que falar com ela? Você perdoa ela?

—...eu não sei. Como é que eu vou saber? Só descobri essas coisas agora. Mas... acho que você deve. E acho que eu perdoo. Você não precisa da minha ajuda pra decidir se perdoa ela ou não, então não vá pelo que eu estou te dizendo. Só que... eu sou uma mãe, também. E... não a culpo.

—Mas ela... te ferrou. Ela viu o papai te expulsar e não fez nada.

—Você passou três anos nessa casa com eles e não fez nada.

—Eu disse que iria com você, mas você não deixou! —eu me defendo e escuto ela suspirar.

—Eu não estou te culpando por nada. Só estou dizendo que é a mesma coisa. Nem todo mundo faz o que é certo na hora certa. Talvez ela ame o papai, Diana. As coisas seriam mais complicadas sem ele, vou saber. Você vê um pouco de merda acontecer com você e com os outros e nunca fez nada, só sofria em silêncio. E agora, se ela está... se aproximando? Tentando falar como você? Eu acho que você devia ouvir. E falar.

—Fazer a coisa certa na hora certa?

—Fazer a coisa certa na hora errada, ou a coisa errada na hora certa. As duas opções tem cinquenta porcento de chance de darem certo.

—Por que você não fala com ela?

Gwen fica em silêncio por alguns segundos.

—Eu... não estou preparada ainda. Eles me forçaram a sair de casa, e eu tive que me adaptar a uma realidade nova, um lugar novo. Você está saindo dai por opção. Então acho que devia fazer do jeito certo.

Não sei o que mais dizer, e ela cai em silêncio. Só depois escuto seu sussurro.

—Não é o fim do mundo. —sua voz é delicada e frágil. —Às vezes as pessoas mudam. Mais tarde. Agora. Isso não é a história se repetindo, está me ouvindo? Você não vai acabar indo no mesmo caminho que eu fui, porque tudo pode ser diferente. Não espere que as mesmas coisas aconteçam. Dê uma chance. Eu também sou uma mãe de merda, em certos momentos.

Mais silêncio, só que dessa vez, estou assimilando cada palavra.

Então, eu pergunto sobre Claire, e ouço ela falar no telefone até cair no sono.

Escola no dia seguinte parece brutal, mas me levanto, me arrumo, pego minhas chaves. Minha mãe está na cozinha, o computador na sua frente, o café também. Tenho uma sensação horrível de precisar falar alguma coisa, mas não sei o quê. Tudo parece errado ou honesto demais a ponto de machucá-la. Ela levanta os olhos, a expressão neutra.

—Você vai voltar a tarde?

—Não sei. Se não, quando escurecer. —mantenho minha voz neutra. Ela assente. —Cadê o papai?

—Trabalho. Nova York.

—Ah. —digo, e quando nenhuma de nós fala outra coisa, me viro para porta.

—Quando voltar, precisamos conversar.

—Eu cansei, mãe. Eu falo a mesma coisa e você falam a mesma coisa. Já sei como termina. —minha voz é tão baixa que só sei que ela me ouviu quando responde.

—Não isso. Quero saber o motivo de você estar naquele hospital. —eu paro. Chocada. Me viro para ela. Lembro da nossa conversa do hospital. Lembro do que eu contaria para ela se ela tivesse me perguntando o porquê de tudo aquilo.

—Você quer saber da história toda? —seus olhos praticamente entram nos meus, de tão concentrados. Ela arqueia uma sobrancelha e eu acho que não entende o meu choque.

—Se houver uma história então... eu quero saber.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

o que acharam???