Paper Women escrita por MrsHepburn, loliveira


Capítulo 31
A Perspectiva


Notas iniciais do capítulo

HELLO QUANTO TEMPO EU SENTI UMA FALTA IMENSA DE VCS E DESSE SITE QUE MEU DEUS FKSJDHFSKJDH
enfim eu fiz um tumblr que se chama (?) lo-liveira.tumblr.com e se alguém quiser me seguir idk e EU ESPERO QUE GOSTEM



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Ian não entende quando eu congelo no lugar. E por um segundo, eu tenho medo de contar para ele sobre o que eu achei, com medo que ele não entenda e fique bravo comigo, como deveria ficar. Ele apenas me encara, esperando que eu reaja de alguma maneira e lhe conte o que está acontecendo. Richard Fawkes.
—O que foi? —Ian pergunta. Hesitante, eu olho para ele na esperança de meus olhos falarem o que não consigo pronunciar, por medo e por nervosismo sobre a situação inteira. Victoria fala alto e Ian sussurra para entrarmos em nossa própria conversa privada. Entrego o papel, pensando naquela montanha russa. Sinto ela subir, subir, subir, com uma lentidão torturante e esperando a explosão em seus olhos. Curioso, ele segura e lê. Demora um segundo para acontecer.
—Só pode estar de brincadeira. —vocifera ele, a voz controlada escapando. Não, não, não. Ian se levanta, na mesma hora que tento segurar seu braço para impedi-lo de fazer qualquer coisa. Ele está com raiva, eu sei. De Vincent. Da sua mãe. Tudo. Outra. Vez.
Isso tem que parar. Tudo isso tem que parar, porque agora eu estou com raiva também.
Richard Fawkes.
—Calma. —eu digo, mas ele sai do quarto, deixando Yasha e Victoria para trás, encarando. Não tenho tempo para explicar nada à eles, então saio correndo atrás de Ian. Ele anda rápido, furioso e tenso em todos os seus movimentos. Vejo ele parar na frente de uma lixeira e amassar o papel.
Então joga-o lá dentro.
—O que você está fazendo?
Ele se vira para mim, mas eu vejo mudança. Sem raiva agora. Só incredulidade.
—Você queria mesmo continuar isso? Queria mesmo o endereço de mais uma pessoa que vai estragar com a vida de todo mundo? —são palavras atiradas ao vento, rápidas, e ele aponta para o nosso redor como se tentasse me explicar.
—Não. —eu respondo. —Eu quero parar, mas...
—Então pare. —ele me interrompe. —Por favor, Diana, pare. Pare com essa obsessão. Pare de se prender na minha mãe. Ela morreu. E eu estou aqui, lembra? Becker? Eric? Eu não sou o suficiente? Pare. Pare de querer isso. Olhe para o Vincent. Olhe para a Victoria. —eu sei, quero dizer. Todos vocês fazem eu me sentir viva quando ela não pode. Não digo isso, porém, porque tenho coisas mais importantes pra dizer. Pensando nesses últimos dias —pensando no Vincent —cheguei a conclusão de que falar é importante. Sobre meus sentimentos, compartilhar preocupações e sonhos. Mas há um quando e há um como e principalmente, há um o quê. Vincent não tem o filtro —ele fala o que quiser na hora que quiser —e por isso destrói as coisas com a voz. Mas minha missão aqui, com Ian, é diminuir o estrago. Confortar ele. Então digo o que importa.
Caminho até ele e coloco minhas mãos em cima das deles, olhando para os seus olhos. Para fazê-lo entender. Isso silencia não só sua voz, mas a agitação nos seus olhos.
—Deixe-me falar. —peço. —Eu quero parar. Sério. Eu não quero nunca mais me sentir do jeito que eu estou me sentindo agora e do jeito que eu me senti horas atrás. Não quero que a Becker se sinta desse jeito e me parte o coração ver você assim. Acredite em mim. Mas, Ian, ele é meu professor de Inglês. Richard Fawkes é meu professor de inglês. —Falar em voz alta sabendo o significado do nome deixa-o tão... pesado. —Literatura. Ele entrou na escola duas semanas depois da sua mãe morrer. Eu vou vê-lo amanhã na escola. Eu já conheço ele.
Minhas mãos seguram as suas com mais força, caso ele queira retirá-las. Não vou deixar.
—O que isso significa? —sua voz é mais retraída agora e ele abaixa os olhos.
—Eu não sei.
Eu não sei, não sei, não sei, não sei, não sei.
—Significa que ele devia saber.
—Eu não sei, Ian. —solto suas mãos e sinto alguém nos observando, uma sensação de queimação. Então me viro e encontro Victoria nos encarando, surpresa. Ficamos congelados, sem saber como reagir até que ela cruza os braços e se aproxima. Seus olhos tem um significado que não consigo decodificar, seu rosto sério.
—Vocês vão me explicar. —ela diz, sua voz baixa. —Você vai me explicar essa história toda e você vai me contar o que está escondendo, porque eu sei que tem alguma coisa. —Ela diz para mim, e eu me sinto horrível imediatamente. Mesmo que eu não saiba o que falar exatamente para ela, me sinto péssima por tê-la traído de certa forma. Como se eu não merecesse fazer parte dessa família. Pensar nisso lembra meus pais, e me pergunto se eles notaram que não fui para casa. Se eles tentaram me ligar para perceber que não tenho celular.
—Tia Vic...
—Eu não quero nem saber. —ela aponta para nós. —Eu estou cansada, me sentindo uma merda, e as explicações que você me deu não adiantaram porra nenhuma. —Essa é a Victoria que eu conheço. —Então é melhor vocês sentarem e me contarem o que quer que tenha para ser dito ainda, porque eu não aguento mais. Prefiro saber de todas as merdas de uma vez só e enfrentar isso antes do Vincent acordar. —A voz dela treme no nome do irmão. Meu coração se enche de solidariedade. Ian olha para mim. Faço que sim. Sinto a tensão se pressionando contra nós descendo as escadas para a pequena lanchonete perto do hospital. Eu não quero contar para a Victoria. Não é nem aquela sensação de perder uma verdade só minha, mas medo que ela fique como o Vincent, com ódio no coração. As outras pessoas na lanchonete parecem tão cansadas quanto nós e alguns médicos com jalecos brancos conversam em uma das mesas. Deve ser a única lanchonete aberta à essa hora da manhã, por causa do hospital e os horários malucos. Mesmo assim, ninguém vem nos atender quando sentamos em uma mesinha afastada. Ninguém nota —ao invés disso, Victoria me encara, depois encara Ian, que sentou do meu lado. Sei que não é só a história do Vincent —é eu e Ian: ela sabe.
—Podem começar. —ela diz.
No segundo seguinte, as palavras saem da boca de Ian. Eu fico quieta, porque tenho medo da emoção devorar minha voz. Pensar em Vivian não me faz pensar nela realmente, mas em Richard Fawkes e Helen Gluck. O fantasma de cada um deles. Não conseguiria falar sobre sem ter a imagem manchada por tudo que eu sei agora.
É uma Vivian diferente agora. Ela tem uma história.
E é uma experiência diferente, também, ouvir Ian contar o que eu já sabia. Ele conta sobre quando eu bati na porta dele procurando pela "família Winter", o meu poema da Sylvia Plath, e revela que ela deixou uma carta para ele, então, ao falar a próxima parte, ele olha para mim, fazendo meu coração acelerar. Não por causa do gesto, mas pelas palavras que saem da sua boca.
—Eu não te contei isso, mas ela tinha dito na carta que eu deveria te procurar e entregar o seu poema. Eu não prestei atenção nisso porque eu estava com raiva. E eu só li a carta uma vez. Algumas semanas atrás, eu li de novo. Ela insistia que eu fosse te procurar, e então eu me toquei que ela sabia que tudo isso ia acontecer. E que ia começar por você achando aquele nome.
—Ela queria que a gente descobrisse.
—Do que vocês estão falando? —Victoria pergunta, rompendo a bolha. Percebo que a distância entre meu rosto e o de Ian é de alguns centímetros. Perto demais. Victoria parece mais confusa agora e eu respiro fundo, deixando o cansaço sair e a clareza assumir meu cérebro. Sem lágrimas. De certa forma, a luz do dia acaba com o pânico, e é como se nada de ruim pudesse acontecer agora. Mesmo assim, eu afasto qualquer pensamento que me faça perder o controle, com medo de não conseguir lutar contra ele.
—O meu poema tinha um nome atrás. Anne Sexton. Então eu fui procurar os livros dela e acabamos em um lugar chamado St. Mara.
—É um... centro de reabilitação, ou algo assim. —Ian balança a cabeça. —Para pessoas com problemas. Ela... ela ficou lá por um tempo. —sua voz desce um tom, e as sobrancelhas de Victoria se tocam. Me pergunto o quanto isso parece louco para ela e por que faz todo o sentido para mim. Porém, tudo que ela diz é,
—Continuem.
—Ela ficou lá durante um tempo, curando a sua... depressão. Tentando, pelo menos.
—Eu não sabia disso.
—Nós também não. Mas achamos um livro da Anne Sexton que nos levou a um karaokê, onde encontramos uma mulher chamada Ariel. —esperamos, inconscientemente, que ela talvez reconheça o nome, mas ela só aprofunda o olhar, e meu coração parte, pois é mais uma coisa que ela vai descobrir que não sabia. Pelo menos tivemos tempo para processar cada ideia, mas aqui ela está, ouvindo a vida da irmã se abrir tudo de uma vez só. —Uh, Ariel...
O livro.
—Minha mãe escreveu um livro. —anuncia Ian, finalmente, e seus ombros caem de alívio, ao mesmo tempo que o rosto de Victoria se enche de choque.
—Cale a boca. —ela diz.
—São poemas.
—Cala a boca. Ela teria me contado. Você sabe disso.
—É sério, tia Vic. —sua boca se abre, surpresa enquanto desvia o olhar, tentando decidir se acredita ou não. Volta o rosto para nós logo em seguida, mas sua expressão é cuidadosa.
—Vocês sabiam disso?
—Eu, não.
Ian abaixa a cabeça. Victoria entende e o encara até que ele encontre seus olhos. Então balança a cabeça lentamento, dizendo com o olhar, eu estou tão decepcionada. O silêncio cai em nós, e eu percebo que ela está com raiva dele e tenho vontade de interromper, dizer que não é sua culpa e que podemos voltar ao normal logo, porque é tão raro ver uma família de verdade, que quando aparece na minha frente —como a família Winter, agora mesmo —eu tenho a necessidade de fazer o possível e impossível para que todos se amem e sejam felizes para nada se destruir. Não como a minha família.
—Me desculpe. De verdade.
—Por que você fez isso, Ian? Eu achei que você me contava tudo.
—Não é isso. Eu só achei que se ela não tinha contado para vocês, eu não deveria contar. —isso é lealdade.E eu estou orgulhosa.
—Esse é o motivo mais idiota que eu já ouvi.
—Então por que ela não te contou? —agora ele está irritado também. A tensão aumenta tanto que eu mordo minha língua e paro de respirar. Por favor, parem.
—Você não tem o direito de falar assim comigo, Ian. Olha a situação em que nós estamos.
—Não é minha culpa.
—É minha culpa. —eu digo, com a voz tremendo. Os dois olham para mim. —Sério, é minha culpa tudo isso. E o Ian deveria ter te contado. Mas ele sabia que você reagiria assim. Me desculpe por tudo.
—Diana... —Victoria diz, surpresa, mas depois pausa. Ela lança um olhar gelado para Ian, mas encosta na cadeira outra vez e ela continua. —Não é hora para isso. Terminem de falar. —agora ela só soa cansada demais, com o coração partido. Sinto que se eu estivesse em um rio, estaria afundando de culpa. Como não abro a boca, Ian conta sobre o livro, os poemas que ele leu, o nome falso que ela usou, e observo pronta para interromper caso seja demais, porém ela não pausa e Ian continua falando sobre o karaokê e Ariel, seguindo para o padre Jonah. Os olhos de Victoria brilham, e ela arfa. —Eu conheço ele! —Ian só assente e recomeça, o ritmo rápido. Ele deixa bastante detalhes de fora, como nosso pequeno pré-romance ou o meu celular roubado. Ele fala sobre o padre e Vivian —trazendo uma expressão de traição ao rosto de Victoria, e eu desvio o olhar —e finalmente, sobre Vincent. Fala do Cirque D'Hiver, da briga enorme que tivemos com Vincent quando o padre estava lá, então eu aperto sua mão, fazendo ele parar. Eu conto sobre nossa segunda ida até o Cirque D'Hiver e o que nós conversamos, sobre o poema e quando chego em Helen Gluck, conto sobre a história que Vincent nos contou, mas minha voz fica fraca. Eu me sinto louca agora. Tão louca quanto Helen por ter feito tudo isso para uma pessoa morta, quase envergonhada. É tão estranho falar em voz alta porque é como se fosse outra visão da situação vinda de mim mesma. Mas enquanto a versão da minha cabeça faz todo o sentido, quando eu falo sobre isso parece que eu estou tão desesperada que sou capaz de acreditar em tudo que me dizem e pedem para que eu faça. O que é verdade e torna tudo pior.
—Helen é... desequilibrada mentalmente. —explica Ian, quando minha voz some. —Então... não sei. Ela matou o seu bebê e foi isso que fez minha mãe e Richard fugirem. Ela conhecia Vincent da época que vocês moravam com Harry... —a voz dele morre também, olhando para a tia. O mundo para.
—Essa mulher... matou meu pai...
—Ela não fez de propósito. A gente não sabe o que aconteceu...
—Dorian! —Boom. —Essa mulher matou meu pai! —agora ela grita, seu rosto corado ficando mais vermelho a cada segundo, sua voz perdendo o controle. Em alguma parte dos nossos corações, uma explosão segue outra, porque é esse o efeito que Victoria tem. Nós sugamos sua adrenalina. —Olhe para onde nós estamos. Isso não é culpa sua ou sua, —aponta para mim. —é culpa dela! Talvez ela tenha matado Vivian, também! Eu não dou a mínima se ela é louca ou não. Você acha mesmo que eu quero saber o que aconteceu? Que merda! Por que essas MERDAS continuam acontecendo?! Merda, merda, merda...
—Tia Vic —ele tenta encontrar uma brecha, e o único resultado é deixar Victoria cada vez mais irritada.
—Vá se foder, Ian.
Ele olha para baixo e assente levemente. Acho que ela não vê. Ele está magoado, mas tem algo mais. Aceitação. Ele está aceitando o ódio. Como se merecesse.
Por sorte, Victoria se levanta e entra em uma porta, então levanto e a sigo para dentro de um banheiro. Mesmo a lanchonete sendo pequena, o espaço é grande. Então observo-a, inclinando-se para a pia, fechando os olhos. Por um breve segundo onde eu entro naquele mundo paralelo de Sylvia Plath, eu me vejo nela, toda a dor e a frustração, eu vejo a mim mesma e vejo um ser humano com tanta história, tão parecido com Vivian, tão parecido comigo. Eu paro, o sons param, os carros param.
E ela chora.
Nunca vou me acostumar com um adulto chorando. Ela deve ser a primeira que eu vejo fazer isso. É mil vezes pior. Me odeio por não saber o que fazer. Abraçá-la não é o suficiente, não apaga nada.
—Me desculpe, Victoria.
Ela não responde de imediato. Segura o fôlego, sem saber se é possível falar sem recomeçar o choro. E eu espero, sem dizer nada.
—Essa família está caindo aos pedaços.
—Eu já vi famílias despedaçadas. —Eu vivo nas ruinas de uma. —A sua família não é uma delas.
—Você não está entendendo, Diana. Todo mundo guarda segredos de todo mundo, como se ninguém importasse para ninguém. Ian vai fazer vinte ano que vem. Não vejo Vincent direito, por mais de um dia ou uma conversa de quinze minutos desde a época que Vivian estava grávida. Faça as contas. Visia vai se casar, mas vai viver aqui para ficar perto daquele filho-da-puta do pai dela, ninguém se importa com o que eu estou sentindo.
Como eu digo para ela? Que isso tudo é amor? Escute minha mente, Victoria. É por isso que você está tão magoada. Porque dói e é assim que acontece quando você junta pessoas que não escolheram ficar juntas, mas elas continuam desse jeito. Corações diferentes, pensamentos diferentes. Amor diferente. Mas ainda assim.
Há amor.
—O Vincent te ama, Victoria. A Visia te ama. Eles estão fazendo isso por amor. —ela solta uma risada rápida. Não tem graça nenhuma —é tão ácido que acho que falei algo muito idiota, mesmo que tenha certeza que tudo que disse é verdade. Depois, limpa seus olhos com os dedos trêmulos, fazendo pressão.
—Isso não é um filme. Seria uma maravilha se fosse, mas não é. Então não se engane. Eles estão fazendo isso por eles, não pensando na irmã mais velha. Eu sei o que eles pensam. Eu tenho filhos. Meu marido pode estar longe, mas não na cabeça deles. Quem precisa de outra coisa? Bem, eu preciso. Foi assim que eu cresci. É a única coisa que sempre esteve lá, Vivian, Visia, Vincent. E agora, todos eles estão desaparecendo.
—Mas Visia está vindo não está? —lembro da conversa dela no telefone quando voltei para o quarto. Parece há uma eternidade. Ela faz que sim, e arqueio minha sobrancelha para dar ênfase no que estou querendo dizer. —Exatamente. Ela poderia ter ido embora há muito tempo, ou ela poderia ter saído de Sterling Lake e vindo para cá, onde ela ficaria mais perto do pai dela, mas ela continua lá. Pode ser porque ela ama os seus filhos, mas você não sentiU o que eu senti quando observei vocês juntas. Eu vejo família. E tudo que o Vincent fez. Sim, ele pode ter feito por ele, mas ele ficou com medo de contar, porque isso muda bastante coisa. Ele nem é mais Vincent. Ponha-se no lugar deles.
—A vida é um pouco mais complicada que isso, Diana.
—Me explique. —replico, tão rápido que é a vez dela de arquear uma sobrancelha, sem esperar por isso. Nem eu esperava que isso saísse da minha boca, tão rápido e com tanta convicção, mas não me arrependo então não retiro o que disse. Sustenso seu olhar.
Seu celular toca, transformando sua expressão numa careta, que mais parece expressão de dor pelos olhos vermelhos.
—Sim, Yasha, eu já volto. Não fugi. Não faça nenhuma besteira. —ela diz, suspirando alto. —Deixe de ser idiota, meu filho. —Pausa. —Eu te amo, sim, sim, agora preciso ir. Muito engraçado. —ela desliga e olha para mim. Espero ela dizer alguma coisa sobre nossa conversa anterior, ou Yasha, ou o hospital, mas ela reprime um sorriso e diz: —Você está dando uns amassos no Ian?
O que me pega com a guarda baixa e sinto meu rosto corar completamente.
—É diferente. Não é... —não acho as palavras. —mas, uh... sim. Acho que sim.
—Espere só até a Visia ouvir isso.
Meu Deus. Ela aproveita minha falta de reação e abre a porta do banheiro, esperando que eu saia também. Eu a sigo para onde Ian nos olha, desconfiado.
—O que vocês estavam fazendo?
—Você não tem mais o direito de me olhar desse jeito. —Victoria aponta para ele.
—Você vai ficar me tratando como um merda por causa disso pra sempre, agora?
—Sim. —ela diz, mas puxa ele para seus braços, obrigando-o a se levantar. Ela fica assim por um tempo, me olhando por cima do ombro dele, e eu posso ver sua decisão. Ela escolheu acreditar em mim. Eu sorrio. Quando Victoria solta Ian, ouço ele murmurar:
—Isso está ficando cada vez mais esquisito. —e não posso deixar de concordar. É uma confusão de sentimentos e percepções e sou uma pessoa diferente a cada hora, o coração variando seus níveis de emoções devastadoras, transformando-se em um daqueles brinquedos de parque de diversões, virando-se para e para cá em uma velocidade devastadora. Mesmo assim. Eu vejo luz.
Victoria diz que precisa voltar para Yasha e Vincent, então Ian compra um café para ele mesmo e saímos. Ian termina sua história —falando sobre a enfermeira que vive com Helen e nossa vinda ao hospital e comenta sobre Eric indo embora. Victoria vira-se para ele e pergunta, genuinamente preocupada, se ele está bem com relação à isso. Ele encolhe os ombros, dizendo que Eric sempre quis fazer isso (mesmo que nunca tenha mencionado para nós). Então, antes que eu possa perguntar para Ian que horas exatamente Eric vai embora, ele fala sobre Richard Fawkes, o bilhete que eu achei na roupa de Vincent e baseando-se na história de Vincent que contamos à ela, Victoria reconhece o nome.
—Vocês vão falar com ele?
Eu e ele nos tornamos duas personificações de choque.
—Você está falando sério?
—É claro. Por que essa cara?
—Depois de toda a merda que a gente acabou de te contar, você quer a gente procure ele? —entramos no hospital.
—Ele é uma pessoa normal, não um assassino louco.
—Não é disso que eu...
—Ele é meu professor. —eu interrompo Ian, e a atenção se volta para mim. —Ele entrou na escola duas semanas depois que Vivian saiu. Ele me odeia.
—Essa história fica cada vez melhor. —Victoria suspira, e encontramos Yasha no quarto, junto com médicos. Vincent continua dormindo e eles dizem que talvez ele acorde mais tarde ou amanhã, mas que com certeza ele vai acordar. Teve sorte. Mais tarde, quando a cidade inteira começa a acordar, o sons dos carros lá fora fica cada vez mais alto, Becker me liga. Ou liga para Ian, pedindo para falar comigo. Ela está desesperada, e me sinto tão pequena por não poder fazer nada, apenas escutar seu soluços no telefone. Ouvir minha melhor amiga chorar, ao contrário de ouvir Victoria chorar, é como observar as lágrimas de uma criança. Ela está sempre tão feliz e viva o tempo todo, não quero que ela mude. Mas sei que essa parte séria e amedrontada dela existe —sempre existiu —então eu digo,
—Estou indo aí. Não se preocupe.
—Não, não precisa... minha mãe está aqui e...
—Becker, eu não ligo.
—Eu não quero que você fique deprimida, também.
—Eu já estou deprimida. Você não pode ficar sozinha. Respire fundo, tudo bem? Tome um banho e me espere.
E é tarde demais quando eu percebo que meu carro não está aqui. Sou tímida demais para pedir que Ian me leve ou que empreste o carro, e não tenho dinheiro nenhum comigo. Mas então, ele mexe no bolso e joga a chave para mim, sem que eu diga uma palavra. Encaro perplexa, e ele me dá um olhar que me traz arrepios. Não é romântico, mas intímo. Como se ele me conhecesse o suficiente para não precisar dizer nada, mas seu olhar diz eu sei que você quer, então pegue porque eu confio em você.
—Se eu não tivesse visto você dirigir, não daria. Mas você é boa, só tenha cuidado.
Eu vou até ele e aperto-o contra minhas mãos, beijando-o uma vez. Victoria arfa e eu corro para fora do quarto. Mesmo querendo cortar todos os sinaleiros, eu paro, impaciente. Aquela sensação de talvez chegar tarde demais começa a me impregnar, e eu tenho que me relembrar de que Becker está bem, e ela está com a mãe e que vou conseguir consolá-la a tempo. Ela não é Vivian outra vez. Não há nada para eu me preocupar.
Mesmo assim, minha mente não ajuda. A ansiedade é tão grande que eu invento cenários na minha mente que sei que nunca vão acontecer —pelo menos assim espero —e quando chego na casa de Becker, o nó na minha garganta se torna tão grande que quando a mãe dela finalmente me deixa entrar no quarto dela, não sei mais de quem são as lágrimas. Eu abraço Becker, escuto seus soluços e nunca me senti tão impotente na minha vida. Talvez com Gwen, mas isso é diferente. Becker é como vidro —puro, transparente e cortante —e quando se quebra, machuca todos que estiverem por perto. E não é nem porque ela quer, mas sim, porque cai no chão, todos querem chegar perto e tem que lidar com os cacos de vidro. E eles cortam.
—Está tudo bem. Está tudo bem. —eu mexo no cabelo dela, e ela continua a me abraçar. É tão estranho. É tão estranho ser responsável por consolar uma pessoa, ao invés de ser consolada. Mas a força que ela usa para me abraçar —e eu sinto seu desespero —me traz poder. Que talvez, se ela está contando comigo para se recompor, então talvez seja porque eu consigo. Eu lembro de um dos meus episódios depressivos algumas semanas depois da morte de Vivian e de como Becker dormiu na minha casa, obrigando-me a conversar com ela sobre qualquer coisa que viesse à nossa cabeça, porque segundo ela, o silêncio quebraria o contato. E se eu parasse de falar, não abriria meu coração nunca mais. Com Becker, eu sei o que fazer. O problema não é ela se calar, mas canalizar tudo para dentro. O nó no meu coração desaparece.
—Vamos. —eu digo à ela, puxando-a para fora. Há desespero no ar, mas pelo motivo certo. Eu quero que ela melhore. E eu não tenho muitas chances de ajudar as pessoas, mas dessa vez eu sei como, e eu posso, então arrasto ela para fora de sua casa e faço Becker entrar no carro. Ela liga para a mãe dela assim que entra.
—Está tudo bem, mãe. Não se preocupe. É só a Diana. Eu vou ficar bem.—mesmo com a voz afetada pelo choro, eu ouço vida. E eu sei que ela vai ficar bem. —Esse é o carro do Ian?
—É. —Becker assente.
—A gente vai para o hospital?
—Ainda não, —eu digo. —Quero te levar em um lugar primeiro. —ela me olha curiosa e cansada, mas não comenta nada e eu também não. As ruas começam a se encher de carros e eu só quero chegar logo.
—Você viu ele? —ela sussurra, do nada. Faço que sim, sabendo que ela viu. —Eu tenho essa imagem dele na minha cabeça completamente distorcida, mesmo que eu saiba como ele é. É como se ele pertencesse a um pesadelo da minha cabeça e não fosse mais uma pessoa real. Eu fiquei pensando nisso a noite inteira.
A voz dela quebra.
—Aguente só mais um minuto, Becker. Vai ficar tudo bem. —Então chegamos. Ela não parece nem surpresa ao ver a clareira, a mesma que ela me trouxe quando eu precisei, intacta. Abrimos a porta do carro na mesma hora e corremos para o centro, enquanto Becker grita, "UM, DOIS, TRÊS!".
Boom.
Eu estou gritando com Becker para um monte de árvores, sem me preocupar se alguém nos acha louca, se alguém vai prestar atenção em nós, porque eu quero que sim e quero que lembrem de nós todas as vezes que passarem na frente desse lugar. As duas garotas. Loucas, talvez. Toda nossa dor e todo nosso desespero. A sensação é de me esvaziar.
Somente quando meu pulmão arde e eu não consigo respirar direito, é que eu paro. Paro de chorar e paro de gritar, caindo na grama com Becker. Dessa vez, ao contrário da primeira, não rimos logo depois. Eu ainda quero chorar até explodir e gritar até me livrar completamente de qualquer rastro de destruição, mas é um momento tão sério que não fazemos nada além de recuperarmos o fôlego.
Ela me puxa para junto dela, colocando um braço ao meu redor e apertando, me consolando, dando um novo significado a palavra família. Abraço-a de lado, sentindo o calor do sol contra a nossa pele. Então, ela pega o celular e lê uma mensagem, depois outra. Coloca o celular no chão e diz:
—Meu pai diz que a gente devia ir pra Nova York com ele no final da semana ver os apartamentos se nós não desistimos completamente de viver depois de ontem a noite. —faço um sinal de positivo, porque minha garganta dói demais para falar. —Temos que arranjar um emprego.
Outro sinal positivo. Mas um sinal positivo nervoso.
—Você está melhor, Becker?
—Vou ficar quando ver o Vincent.
—Então vamos. —me levanto e puxo-a para cima. Becker me encara.
—Você está melhor?
—Vou ficar melhor quando todo mundo estiver melhor. —ela revira os olhos, sem sair do lugar.
—É uma lógica horrível a que você tem. E quando você estiver sozinha, e se perguntar isso, como é que você vai saber a resposta? —ela espera, mas não sei como responder. Depois da pausa, continua. —Você está bem, Diana?
A variabilidade da pergunta me impede de responder imediatamente, porque há dez minutos, eu estava miserável. Há três horas atrás, na beira de um ataque de nervos, tendo um colapso nervoso em um banheiro de hospital. Chorando nos braços de Ian. E enlouquecendo ao pensar sobre Richard e Helen, e toda essa merda em que estamos envolvidos. Mas a diferença entre meu enorme sofrimento de agora e de todo o sofrimento desses três anos em que tudou mudou, é que agora eu tenho pessoas. Pessoas que eu sempre tive, mas agora eu posso pedir ajuda. Eu sempre pude, mas algo mudou em mim. Por causa deles. E se eles vão me ajudar, então, o que eu não conseguiria superar? É por isso que eu respondo que sim. Porque é a verdade.


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Notas finais do capítulo

eu estava com tanto medo de postar mas está aí e a fic tá quase acabando kfsjdhfsdkjh QUE EMOÇÃO