Paper Women escrita por MrsHepburn, loliveira


Capítulo 3
Perspectiva




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—Tudo bem, tudo bem. Todos quietos, levantem suas taças, e vamos brindar em homenagem ao amor! — todos soltam um grito, eu solto uma risada — mas também para minha incrível amiga, Diana, a razão para todos nós estarmos reunidos aqui, juntos. Feliz dia dos namorados, minha segunda namorada. — Becker brinca, me dando um beijo na bochecha. —Todos nós amamos você, todos nós achamos você demais, e todos nós queremos desejar um feliz aniversário com estilo, então o Robbie aqui vai cantar com muito amor e carinho uma música muito especial. — todos nós nos viramos para Robbie, que meio alterado pela cerveja, começa a cantar um rap.
—A Diana é muito legal, oh yeah, e ela tem 18 oh yeah oh yeah, huh, agora ela pode comprar cerveja, para os seus amigos legais, oh yeah, yo. Pa-ra-béns-Di-a-na, yo! — assim que ele grita o "yo!" todo o time de futebol grita junto e Becker vem em pulinhos para o meu lado, sorrindo reluzente. A felicidade de todos é contagiosa, e eu me esqueço dos meus problemas anteriores, me esqueço que eu estava relembrando a morte a menos de uma hora e a música começa a tocar. Estamos em um bar meio afastado e vazio, que só está cheio porque Robbie convidou muitas pessoas, assim como Becker. Gente da escola, alguns primos meus da nossa idade e Gordon, experimentando pela primeira vez a sensação de ficar bêbado.
—Wo-hoooooooo! — ele grita, então acho que está sendo uma boa experiência. Becker me puxa para o meio de uma rodinha, dançando ao som de uma música velha e me girando, animada. Essa é a coisa engraçada da vida: apesar de ela ser uma droga na maior parte do tempo, meus amigos servem pra balancear, dar equilíbrio, pra não ser uma vida totalmente perdida. Aqui está Becker, rindo com um braço ao redor dos meus ombros, fazendo careta e do meu lado está Gordon, ficando bêbado pela primeira vez, e isso me deixa feliz. Porque eles estão felizes, e eles estão felizes por mim. Isso significa mais do que vou conseguir colocar em palavras algum dia. Mas faço uma tentativa, puxando Becker para o lado e dizendo que eu amo ela. Não faço isso com muita frequência. Falta coragem.
— Eu também te amo, docinho! — então me puxa para dançar novamente. Alguns garotos tentam falar comigo, mas por reflexo eu mantenho distância, porque conhecer garotos em bares nunca é um bom sinal.
Com caras em bares você tem que conversar como conversa com sua bisavó, minha irmã me aconselhou uma vez, sempre são problema.
Involuntariamente, minha mente viaja para o verão passado, para aquela boate. Ian Winter é problema?
Não acho a resposta correta para a pergunta, mas no que importa, se não vou vê-lo nunca mais, provavelmente. Comemos o bolo até estourar nossos estômagos, num canto, sozinhas — eu e Becker, até Becker ir dar uns amassos no seu namorado gato.
Tudo que eu consigo pensar é que foi um dia difícil — uma montanha russa, diria — mas que esse é um bom modo de acabar. Quero dizer, tem coisas irresolvidas, e o dia ainda não acabou, mas desde que Vivian morreu, me sinto na necessidade de encontrar coisas que me deixem felizes nem que seja por um curto período de tempo e isso — esse momento, é isso. É o que faz valer a pena. O que me faz amar a vida, sem querer que ela me mate.
Eu aproveito o resto da noite, então vou para casa. Ainda tem um pouco de glitter no meu cabelo, e é tarde o bastante para meus pais não estarem acordados, então sou acolhida pelo silêncio de sempre — para falar a verdade, até quando eles estão acordados reina o silêncio. E eu não faço a menor ideia se é proposital ou não, mas o silêncio começou depois que minha irmã saiu de casa, quando meus pais perderam a fé na filha. No começo, eles diziam que só estavam cansados, então iam dormir mais cedo, ou que tinham que ficar mais tempo na empresa e não poderiam vir para casa. Depois que isso se tornou uma rotina, as coisas começaram a se moldar em algo diferente — é sempre assim, se você faz mudanças, em algum momento as pessoas ao seu redor vão se adaptar e aquilo vai se tornar normal, quase uma regra, como se não existisse outra maneira de viver a não ser aquela.
Meus pais escolheram mudar para o silêncio. E apesar de ter ficado com meus pais — embora tenha apoiado Gwen — eles me incluíram nisso também. Com o silêncio eu já me acostumei, com o sentimento que resta quando não há mais nada para sentir, para ouvir, não. É devastador e eu não aguento um segundo disso, então faço meu caminho até meu quarto quietamente, mas na minha mente, estou cantando a música mais chiclete que eu consigo imaginar, no volume mais alto que minha mente pode reproduzir, só para se manter ocupada por um tempinho, enquanto eu troco de roupa, guardo todos os balões e cartões de aniversário e de feliz dia dos namorados e estou na cama, ligando meu computador.
Consigo sair desse processo todo viva.
Um e-mail de Gwen abre assim que clico no ícone do meu e-mail.

De: gwensclaire@gmail.com
Para: diananovak1@gmail.com
Re: Seu aniversário.

Oi, Di.
Me desculpe por não estar aí hoje, eu não consegui achar voos disponíveis por causa da neve e Claire pegou um resfriado. Além do mais, eu comprei o seu presente e como o dinheiro anda meio apertado, era ou comprar o presente ou comprar passagens de avião. Não se preocupe — eu estarei aí assim que puder. Talvez não tão cedo, mas é de certeza. Tentei ligar para o seu celular mas você não respondeu, então tive que falar por e-mail mesmo. Como foi o dia? Difícil? Tenho certeza que a Vivian iria querer que você aproveitasse o dia. Você tem que me contar como foi, por favor. Mamãe e papai disseram alguma coisa? Fizeram alguma coisa? Espero que sim, espero que eles tenham se tocado que você não fez nada de errado — já faz três anos, afinal — e te tratem como a filha que eles ainda tem. Mas não se decepcione caso isso não aconteça, pais são uns babacas às vezes, eu que o diga (semana passada esqueci a mamadeira de Claire em uma panela com água fervente e ela derreteu. Então aí está sua prova de que pais são babacas). Mas, como eu sou sua irmã, vou sempre estar aqui pra você, e tentar não ser babaca do jeito que as mães são, apesar de estar me acostumando a essa situação. Alguma novidade? Algum garoto bonito?
Gostaria de fazer um discurso bonito, mas eu não sirvo pra essas coisas. Então feliz aniversário. 18! Você finalmente pode...
...dizer que tem 18. É só isso mesmo. Triste realidade, mas você ainda é jovem e pode aproveitar.
Na sua idade, eu estava matriculando minha filha na escolinha, então sabemos que você vai fazer melhor que eu no quesito adolescência.
Eu te amo, espero que você esteja bem e por favor me ligue antes que eu chegue a conclusão de que nossos pais te encarceraram em algum lugar — a casa é grande. Não fique grávida!
Fale comigo, logo.
Amor, Gwen (e Claire!).

Sorrio. Às vezes, eu amo minha irmã. No entanto, estou muito cansada para responder, então fecho meu laptop, respirando um pouco para me acalmar, preparar-me para a cama. Pego o poema, encaro por muito tempo até decidir que estou triste o bastante para ir dormir — não sei como, mas não consigo dormir se estou muito feliz, eu fico agitada —, e assim sendo, apago a luz.
O dia seguinte é cruel na maior parte do tempo. Quase chego atrasada e o frio está de congelar qualquer um.
—Meu Deus, eu odeio neve. — Gordon reclama quando eu, Becker entramos pela porta.
—Por que não podemos viver na Califórnia? Com sol o dia todo? —adiciona Becker.
—Aqui tem sol. — lembro a eles, enquanto entramos na sala, apertando nossos cachecóis. —Só que ele não faz o seu trabalho direito. — e assim, a conversa está acabada. As aulas são normais, como sempre, já que a animação pela volta das aulas já passou.
A escola não é uma coisa que me preocupa muito. Digo, eu me esforço bastante, então não preciso me preocupar. Sou meio nerd nesse aspecto. A única aula que eu estou realmente preocupada é literatura, ironicamente.
É meu amor e minha dor ao mesmo tempo. Eu amo ler. Eu amo sentir as emoções dos personagens ou entender exatamente o que um autor está falando. Não me importa se for poesia ou histórias, crônicas ou sagas, fantasia, qualquer coisa; se tem palavras e papel, eu vou ler. Essa sou eu. Não posso garantir que vou gostar de tudo, mas essa é a minha parte preferida — descobrir se eu gosto ou não, porque é como se uma parte de mim mesma acabasse de se firmar, um passo mais perto do autoconhecimento — faz com que eu sinta como se estivesse fazendo progresso na minha vida, e de bônus, me prende em outra realidade por algumas horas.
Uma das grandes responsáveis por isso foi Vivian, foi uma das maneiras que ela salvou minha vida. Durante todo o drama da minha irmã grávida, isso me deu um lugar para correr. Como se — quanto tudo fosse demais, eu me sentisse como se estivesse enchendo-me, inchando, como Duda em Harry Potter, nos livros eu me sentia leve novamente. Talvez porque a vida nos livros parecia bem mais complicada que a minha, e isso trazia um certo conforto.
Acho que você vai amar esse livro aqui. Merda acontece toda hora, você vai se identificar, foi o que ela me disse, na primeira vez que me indicou um livro. Merda aconteceu e eu nunca me senti tão compreendida antes na minha vida. Porque merda acontece. E Vivian sabia disso, aparentemente melhor do que qualquer um.
Quando ela morreu, foi horrível. No sentindo emocional, e na escola também, porque o professor que colocaram no seu lugar é péssimo. Talvez seja eu que esteja me prendendo a lembranças da minha antiga professora, tentando encaixar o Sr. Fawkes no modus operandis de Vivian, obrigando-o a entender meu ponto de vista que ela entendia tão bem, mas é impossível. Eles são pessoas diferentes, e eu sei disso, mas não importa o quanto eu tente, quanto vou escrever algum trabalho, sinto como se estivesse conversando com ela, e minha opinião sai tão certa, eu fico tão orgulhosa de mim mesma que não me passa pela cabeça que o Sr. Fawkes vai achar um completo lixo, mesmo que seja minha opinião e não se opina em opinião.
Ele deixa tudo mais complicado. Tem uma opinião quase arcaica. Eu simplesmente odeio ele, tanto que não tento achar desculpas para o seu comportamento, para deixar minha raiva ir embora.
—Isso simplesmente não está certo. —ele me diz no final da aula. E agora estou correndo, correndo em sua direção, sem fôlego e levemente desesperada porque quero fazer isso certo, quero dar a ele o que ele quer, só que eu preciso saber como.
—Mas então, espere! — o Sr. Fawkes flutua escada abaixo, praticamente ignorando o frio e sem olhar em minha direção. —Sr. Fawkes, por favor! — finalmente o alcanço, e ele vira-se em minha direção, irritado e com razão. Sou meio mala às vezes. Pela primeira vez no dia, estou contente de estar usando Chucks ao invés da minha bota com salto alto, porque facilitou a corrida. Ajeito minha boina. —O que você quer que eu faça?
—Eu preciso de uma opinião técnica. Preciso dos fatos, da realidade. Não das suas opiniões no meio. É isso que um bom jornalista faz.
—Não sou jornalista. —murmuro, e ele me lança um olhar de Você quer mesmo me contrariar?
Eu não quero.
—Escute. Um prédio caiu. Eu preciso saber do estado das vítimas, eu preciso de um lide, introdução aos fatos e as informações. Não quero saber o estado emocional das vítimas nem dos parentes, muito menos da vida pessoal deles. Está entendendo? Isso é uma reportagem.
—Mas você não precisa um pouco de emoção para capturar os leitores? Comovê-los? —ele exaspera.
—Isso só acontece na TV, senhorita Novak. Reportagens televisivas servem pra trazer comoção aos expectadores. Reportagens jornalísticas servem para informar os leitores do que está acontecendo. Eles sabem muito bem ligar a tevê caso queiram algumas lágrimas. —retruca meu professor.
Eu posso tentar.
—Você pode me dar outra chance? Por favor? Eu quero uma boa nota. — por favor, por favor, por favor. Eu não posso ir mal em literatura. Todo o esforço de Vivian para nada. Ele olha ao redor, procurando uma rota de fuga, talvez.
—Amanhã, quero isso pronto para amanhã ouviu? —meu corpo todo relaxa de alívio.
—Muito obrigada, —digo— muito obrigada mesmo. —Sinto como se isso fosse o melhor presente de aniversário que eu poderia ganhar. O Sr. Fawkes sai sem dizer mais nada, me deixando sozinha no centro, perto da piscina com a fonte e as flores. Olho para fora, onde a neve cai forte, pensando onde estaria meus amigos. Então, de repente, eu vislumbro... Ian Winter. Pelas portas de vidro, sei que é ele. Com um suéter pesado, descansando encostado ao carro ao lado de um garoto do mesmo tamanho. Sinto que ele está olhando para mim, mas não sei se está mesmo me vendo — a distância pode confundir nesse aspecto. Também não haveria motivos para ele vir me procurar, e antes que isso fique constrangedor e eu lembre do que aconteceu — ele me beijou — eu me viro, sem subir as escadas, mas indo até a outra saída até lembrar que o meu carro está do outro lado, bem onde ele está. Isso não quer dizer que eu precise falar com ele. Sou apenas um grão de areia na praia dele. Sei que para outros adolescentes, um beijo não é nada. Não deveria ser nada. Para falar a verdade, foi a combinação — o choro, o beijo — que tornou aquilo tão marcante.
Mas acabou. Tudo acaba, então respiro fundo e cruzo o pátio até o ar livre, onde eu imediatamente espirro de frio.
—Diana! — Becker grita, de algum lugar e aparece na minha frente, nas costas de Robbie, segurando-se em seu pescoço, com as pernas em volta do seu estômago. Os dois parecem felizes. Dou um passo para trás, antes de tudo isso ficar demais. É uma distração boa, porém, já que me impede de olhar para Ian Winter.
O que é que ele está fazendo aqui, afinal?
—Falou com ele?
Demoro um tempo para perceber que ela está falando do professor e não de Ian.
—Vai me dar outra chance. —Becker tira um braço do pescoço do namorado para me dar um high five.
—Ótimo.
—O que está acontecendo aqui? — questiono, porque eles estão gloriosos, brilhando de felicidade. Ou talvez estejam apenas apaixonados. Seria bom para Becker.
Um movimento acontece atrás dela, e por reflexo, Robbie se vira um pouco para o lado para dar espaço para a pessoa que passou por ali. Tento não parecer tão surpresa. Ian Winter.
Rápido assim, estou caindo da montanha russa, confusa e conflituosa cada vez que encaro o garoto. Olhar de perto mostra o quanto é parecido com Vivian, o cabelo quase loiro, os olhos, tudo.
Estou pronta para a montanha russa me matar.
—Oi. — ele diz, olhando para mim, franzindo o cenho, um pouco desconfortável. Coloco minhas mãos para trás, sem deixar tão evidente que estou nervosa.
—O-o que você está fazendo aqui?
—Quem é você? —Becker pergunta e sai das costas de Robbie, que a puxa para o lado. O garoto que estava com Ian aparece.
—Ei, cara. Devia ter me esperado, idiota. —é o que ele diz. Conforme olho para Becker. percebo que ela não sabe que Ian é filho de Vivian, seus olhos não mostram o lampejo do reconhecimento.
—Vocês se conhecem?— sussurra minha amiga. Eu e Ian trocamos um olhar cúmplice, e eu não sei o que falar. Dizer que ele é filho de Vivian parece pessoal demais para ele e dizer que ele me beijou parece pessoal demais para mim. Ele abre a boca para falar alguma coisa, mas nada sai.
Então resolvo cuidar da situação.
—Ele é um amigo. —Becker não sabe do beijo. Eu não sei porquê eu não contei para ela. Ela sabe do choro, porque estava lá também e fui procurar ela quando o garoto — Ian, já que agora sei o seu nome — saiu. Mas o beijo... foi pessoal. Doeria contar, porque Becker levaria isso como uma coisa normal, e ficaria animada por mim, mas eu não queria animação. Eu queria alguém que entendesse a profundidade do que aconteceu e é claro que ela não ia entender. Não é culpa dela. E eu também não sei me expressar direito, então não sairia do jeito certo. —Ian.
—Oh, eu não conhecia ele. Olá, Ian.
—Essa é a Becker. E o namorado dela, Robbie. —aponto para os dois, constrangida. Ian assente.
—Oi. Esse aqui é o Eric.
—E aí — Eric diz, então foca em Becker, estreitando os olhos. —Ei, eu te conheço de algum lugar.
Becker pensa um pouco, procurando aquele rosto em suas memórias.
—Eu não...
—Eu te vi em uma boate! —fecho os olhos. É claro.
—Boate? —Posso ver Becker tomando conhecimento do que ele está falando. —Ah! Eu nem lembrava mais disso. Foi, tipo, há uma eternidade atrás. Você se lembra? —ela pergunta para mim, e eu sinto minhas bochechas queimarem.
Constrangedor.
—Hm, sim.
—Eu acho que eu falei com você. Eu estava um pouco bêbado.
—Você tem certeza que falou comigo? Eu não lembro. —analiso com atenção a expressão de Becker, para ver se ela está mentindo por causa de Robbie, para não o deixar com ciúmes. Provavelmente não, ou ela teria me contado e seu rosto não estaria tão inocentemente confuso. O cabelo ruivo dela preso em uma trança baixa só a deixa mais ingênua, como um bebê, assim como as bochechas vermelhas a deixam mais fofa.
—Seu cabelo é tão bonito.
—Distância, colega. —Robbie exclama, com a voz calculada. Analiso Eric —parece forte e é grande, mas dúvido que ganharia em uma luta com Robbie. Eric levanta os braços, em rendição e olha para mim.
—Diana, certo? —arregalo os olhos, surpresa pela atenção.
—É.
—Você parece mesmo uma princesa.
—Eu não...
—Ela se parece com a Audrey Hepburn, você não acha? —pergunta Becker, amigável.
—Tipo uma barbie chic ou algo assim. Tenho que parar de ouvir minha irmãzinha falar. —Eric balança a cabeça.
—Barbie! É isso mesmo. Você devia ver as roupas dela.
—Você é fofinha. —comenta ele, para o meu total horror e desconforto.
—Não sei dizer se isso é bom ou ruim. —sinto-me um tanto humilhada.
—É claro que é bom. —replica Becker.
—Não sei não. "Fofo" não dá fama com os garotos. —comenta Robbie. Sua namorada lhe dá um tapa, enquanto eu me concentro em parecer descontraída, como se meu interior não estivesse em chamas.
—Legal. Valeu pelo incentivo. —Reviro os olhos.
Ian dá uma cotovelada em Eric, e lança um olhar para mim. Eric concorda, e continua falando com Becker e Robbie. De canto de olho, observo que a mão de Robbie está na cintura de Becker — marcando território. Isso me faz sorrir.
—Posso falar com você? —questiona Ian, fazendo meu sorriso passar de genuíno para educado.
—Tá bom. —vamos alguns passos para o lado e ele se aproxima. Por reflexo, dou um passo para trás e ele pende a cabeça para o lado, curioso com meu movimento. Balanço a cabeça, embaraçada; acanhada. —Desculpe. Uh, foi mal. Eu... eu... uh... —Balanço a cabeça novamente, desistindo. Seu olhar é intenso, o que torna tudo pior.
—Eu queria ver a homenagem. Eu só não sei onde é. —Então é como se o carrinho da montanha russa parasse. Parasse lá em cima, mas ainda assim cortou o fluxo. Se tornou mais seguro, porque esse é meu território. Vivian é algo seguro —na maior parte do tempo. Deixo-me relaxar.
—Ah, claro. Vem comigo. —pego minha bolsa e minha cópia de On The Road, voltando para dentro do prédio da escola, sentindo Ian me seguir. Sou acolhida por um frio menos frio do que lá fora, suspirando de alívio, então tiro meu cachecol. Diminuo o passo até chegar na piscina e parar sem dizer uma palavra.
Ele se prostra do meu lado, com as mãos enterradas nos bolsos da calça. —É isso aí. —aponto para frente —Está aí desde ontem. Porque... você sabe. —Porque foi quando ela morreu. No meu aniversário.
Sua mandíbula está tensa. Ele não diz uma palavra e eu me sinto uma intrusa, alguém prestes a romper sua bolha de concentração. Mas eu não faria isso —pois eu mesma estou em uma bolha, agora que olho para frente e vejo todas as flores de papel flutuando, flutuando, flutuando e aquele desejo de flutuar me recorre outra vez. A quietude. Solitude. E eu quero tanto, um desejo ardente de me sentir contente, satisfeita com a vida, aceitando a morte e a tragédia, e simplesmente deixando isso ir. Eu seria capaz de qualquer coisa para me sentir bem desse jeito, como uma flor delicada flutuando em um mar pacífico, calmo e gigantesco.
Mas.
Por que eu tenho que prestar atenção em tudo? Por que eu não posso deixar que as coisas venham e vão embora sem que deixem marcas em mim que demoram mais tempo do que nas pessoas normais para sair? Por que eu sou tão fraca?
—Você fica muito tempo aqui? —indaga ele. Faço que sim.
—Matei aula ontem para ficar aqui, observando. —Ele sorri. Aponto para o guarda, na porta de vidro. —Pergunte a ele. Foi ele que ameaçou ligar para os meus pais se eu não fosse para a aula. —damos uma risada fraca, principalmente quando o guarda acena assim que percebe que estamos o encarando. Eu aceno de volta.
—Qual é a sua?
—Aquela amarela e rosa com um botão no meio. —Fico surpresa quando acho minha flor no meio das outras. Por causa da janela de vidro a alguns metros ao lado e acima de nós, um raio de sol escapa a barreira, flutuando como a água até a flor. Apenas na minha, e isso traz uma onda até nós, nos encharcando de silêncio. Talvez isso seja um sinal?
Mas essa é a tragédia em meio aos sinais: a maioria das pessoas não sabe o que significa. É tipo estar tão perto de encontrar alguma coisa e pegar o caminho errado. Uma vez, eu li um livro sobre uma garota que foi para Paris com esse cara —um ator de teatro que ela conheceu em algum lugar na Europa —, eles conversaram e se apaixonaram em um dia, então ela acordou e ele não estava em lugar algum. Então, eles passam um ano inteiro se aproximando tanto, mas sem se encontrar, as coincidências, os acidentes, as pessoas que ambos conhecem nessas viagens enquanto inconscientemente procuram um pelo outro, eles erram tanto, que no final acertam. Escrevem o destino da forma certa e se encontram, no acaso dos acasos. Sinais são como uma viagem para encontrar alguém. Alguém que você não sabe quem é, exatamente, como no livro. Você tem que usar sua coragem e interpretação para descobrir o caminho certo, como tem que usar para descobrir o que um sinal significa.
Mas saber que isso é um sinal parece um começo.
Tem uma luz. Na minha flor.
—Fofinho. —murmura ele.
—Obrigada. —respondo, doce. —Ainda não sei se isso é bom ou ruim. —ele solta uma risada tão fraca que parece que está bufando. Nessa hora, um dos alunos passa com um copo de café e por algum motivo, esbarra em mim. Eu não fiz nada —nem me mexi — mas cai no meu casaco, fervente. —Oh, ai. —exclamo, baixinho.
—Foi mal. —o garoto diz, mas vira-se para frente e continua a andar. Pelo menos ele pediu desculpas. Olho para meu casaco cor de creme, está manchando. Ótimo. E está quente demais agora.
—Cretino. —ouço Ian comentar, baixinho, enquanto observa eu tirar o casaco. O frio está demais, mas não faço nenhum comentário sobre isso.
—Não se preocupe, está tudo bem. —Sorrio, para dar certeza. Depois ajeito minha boina violeta.
De certa forma, a bolha está rompida agora.
—Eu não ligo. —Dou de ombros.
—Deveria.
Boom. Não sei dizer se foi a forma como ele disse, ou a palavra mas é como se Vivian estivesse viva e ali na minha frente.
Ian Winter é filho de Vivian Winter, minha mente me explica.
O encaro, porque não sei o que mais fazer. Fico olhando com tanta intensidade que suas bochechas ficam vermelhas e ele me olha, confuso.
—O quê? —retruca; balanço a cabeça, me forçando a botar as palavras para fora.
—É só que... você se parece tanto com ela. —Ian desvia o olhar, olhando para a piscina novamente. Estremeço, mas não é de frio. É de incredulidade e perplexidade, talvez choque e surpresa também. É como se ela estivesse viva e isso é maravilhoso.
Mas então, percebo que só eu penso assim.
—Gostaria que eu não fosse —diz ele.


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Notas finais do capítulo

espero que estejam gostando?????



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