Paper Women escrita por MrsHepburn, loliveira


Capítulo 4
Primeiro Passo




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Gwen só consegue um voo três semanas depois do meu aniversário. Ela mora em outro estado —o mais distante possível dos nossos pais —e só vem para cá por minha causa. Além disso, Claire vem junto. Apesar de ter pais com dinheiro, gostaria de ter bastante na minha própria conta bancária, assim eu poderia arranjar um modo de ir visitar Gwen, ao invés de ela ter que vir. Me sinto um fardo, às vezes.
Gravidez nunca foi algo que nossos pais discutiam conosco. Na época que minha irmã ficou grávida —dezessete anos, e eu, quinze — eles já deveriam ter dito alguma coisa. Não que Gwen fosse burra e não soubesse dessas coisas por conta própria, mas saber pelos nossos pais e não por nossos amigos mais evoluídos seria bem melhor e mais útil. Quando a Gwen contou que estava grávida, foi um choque. Foi a primeira vez que eu senti aquela onda me atingindo —a montanha russa caindo em queda livre, sem saber se eu sairia dali viva — o ar sumiu dos meus pulmões e eu mantive minha boca fechada enquanto todos eles reagiam de formas diferentes.
—Você fez toda a diferença, ficando calma daquele jeito. —é o que Gwen diz. —Me trouxe uma certa estabilidade.
Mas eu não me sentia estável. Só que se ajudou Gwen, então aquele desespero interno serviu para alguma coisa. As coisas só pioraram a partir dai. Primeiro, o pai do bebê —um cara que estava saindo com Gwen fazia uns dois meses —se recusou a aceitar o bebê e deixou minha irmã na mão. Sumiu da face da terra. Algumas pessoas até falaram que tinha saído da cidade para evitar qualquer tipo de aproximação. Isso deixou uma Gwen grávida bastante abalada. Só que se no sentido amoroso as coisas estavam ruins —em casa era pior. Meus pais brigavam todo dia, entre eles e com Gwen. A noite, ela me dizia que isso era natural, que todos estavam com os nervos a flor da pele.
—Está tudo bem. Somos uma família, essas coisas acontecem. —ela me diria, em uma noite em que ambas estavam a beira das lágrimas por causa da gritaria. Eu dormi na cama dela, deitada com a cabeça na sua barriga, chorando.
A verdade era que éramos uma família, mas essas coisas não deveriam acontecer. Eles gritavam que ela era uma vadia, uma prostituta que não honrava tudo que os Novak tinham dado à ela e meu pai disse que ela não era mais filha dele.
—Minha filha não engravida de qualquer um.
Fez Gwen chorar por uma semana por causa disso, mas ela se mantinha forte até uma grande briga que eles tiveram. Enquanto isso, durante esse drama, na escola, Vivian Winter percebeu que havia algo de errado. Eu tinha contado para Gordon e Becker e para mais ninguém —apesar de que a escola toda já deveria saber, porque Gwen estudava lá. Só que no final da aula, ela pediu que eu esperasse, então fiquei na sala até todos estarem fora. Pensando agora, foi a preocupação dela que me manteve forte para Gwen ter alguém para desabafar caso tudo ficasse horrível demais. Acho que é uma regra da vida: todo mundo tem que ter alguém para quem correr. Minha família já não servia. Gwen corria a mim, e eu corria para Vivian, porque ela me escutava. Ela perguntou o que tinha de errado e eu contei para ela tudo, e chorei. No começo, foi um choro reprimido, porque eu estava acostumada com aquelas lágrimas de tarde da noite, onde ninguém podia escutar. Ela sentou do meu lado, em uma das carteiras e disse:
—Querida, chore para fora. Não reprima, nem chore para dentro, porque como as próprias palavras dizem, você só estava colocando tudo para dentro outra vez. —ela ignorou meus soluços e minhas caretas de choro horríveis, e com o tempo, eu comecei a dar soluços audíveis e poderosos, que vinham lá do fundo. Era bom botar isso para fora, e foi bom contar para alguém. Depois disso, ela pediu que eu a mantivesse informada e eu disse que o faria, então quando meus pais finalmente expulsaram Gwen de casa, ela foi a primeira pessoa que eu liguei.
Estávamos eu e Gwen no carro, soluçando e minha irmã disse:
—Eu não sei o que fazer. Eu não sei pra onde ir. Eu não tenho dinheiro. —logo em seguida, eu disquei o número. Ela veio rapidamente, e nos acalmou ali mesmo no carro.
—Não é o fim do mundo, meninas. Não ainda. Mas fico feliz que tenha me ligado, Diana. —tomou controle do volante e nos levou até uma lanchonete, comprou sanduíches e enquanto comíamos, acertou detalhes com a minha irmã —uma pessoa que ela tinha conhecido pessoalmente vinte minutos atrás. —Você tem que se emancipar. Vai ser melhor pra você, e demora um tempo, mas você tem tempo de sobra. Escute, eu tenho uma amiga em Washington. Eu vou falar com ela, e você pode ficar lá por um tempo. Mas não pra sempre, vai ter que arranjar uma forma de ganhar dinheiro e achar um lugar para morar. Pode pedir ajuda do governo com relação ao seu estudo, porque você só tem dezessete, mas você vai ter que aprender a ser independente. —ela falava firme e Gwen assentia freneticamente. Vivian falava com uma voz doce mas responsável ao mesmo tempo, contando a verdade mesmo quando ela não era agradável.
—Eu só agradeço por ela não ter me xingado. —Gwen disse, um tempo depois. Vivian, então, me ensinou a transferir dinheiro da minha conta do banco para outra conta que Gwen criou —já que a sua original tinha sido congelada pelos nossos pais —e assim, pude garantir que Gwen sobrevivesse sozinha e com uma criança. Não era muito, mas o suficiente. Depois que Gwen foi embora, Vivian continuou a me ajudar, dando livros sobre gravidez e cuidados na hora do parto e crescimento do bebê para que eu mandasse para minha irmã e me escutava enquanto eu falava sobre a diferença em casa, aquele silêncio incomodo. Ela salvou minha irmã naquela hora, e a mim também. Gwen conseguiu emancipar-se e tornar-se independente, trabalhando de garçonete até sócia do dono do bar em que trabalhava, e cria Claire com todo o amor e carinho do mundo —uma mãe muito melhor do que a nossa, que nunca mais citou Gwen nas nossas conversas de família.
De algum modo, o que aconteceu só nos aproximou mais ainda —eu e Vivian e eu e Gwen. Então nem tudo foi tão ruim quanto parece.
—Oi, Diana. — minha irmã diz, vindo me abraçar, mas acabamos trocando um abraço esquisito, já que Claire está no seu outro braço. O cabelo da minha irmã cresceu desde a última vez que eu a vi, está mais bronzeada e maior, claro. Não deixo de notar que é assim que eu vou parecer daqui a alguns anos, menos o cabelo loiro tingido dela. Loiro não combina comigo, mas foi feito para a sua pele, dando mais atenção a todas as características que tornam minha irmã uma das pessoas mais bonitas que eu já vi.
—Oi, Gwen. —sentamos em uma mesa no canto de uma lanchonete, do tipo que os amigos dos nossos pais não podem vir, pois são ricos e não precisam vir nesse tipo de lugar. Mas para nós é perfeito. O som de risadas e copos tilintando dá um ar familiar. —Oi, bebê. —puxo minha sobrinha para meus braços, e ela vem animada. Lhe dou um beijo na testa, e ela segura minhas bochechas.
—Di-a-na. —tenta dizer, falhando um pouco na pronúncia. Claire é uma cópia de Gwen mais nova —cabelos finos e escuros, olhos brilhantes, nariz rechonchudo e dentinhos separados. É a coisa mais fofa que eu já vi. —mas também tem características do pai, coisas novas. Bochechas grandes, e lábios rosa.
Sento com ela no meu colo, na nossa mesa.
—O que me diz de bom? —minha irmã pergunta;
Pessoalmente? Absolutamente nada.
—Os Estados Unidos não entraram em guerra com ninguém hoje. Estamos todos respirando. A economia está estabilizada em alguma parte do mundo. A rainha da Inglaterra está viva. —assim que percebe que eu estou brincando, Gwen revira os olhos mas continua a conversa.
—Você viu o filho do príncipe William? Não é a coisa mais fofa do mundo?
—Como é que a Kate conseguiu manter tanta forma? —minha irmã bufa. Claire bate palmas, ignorando nossa existência.
—Ela não consegue manter a forma. Ela pode ser princesa mas ainda é uma celebridade e todos eles sabem enganar.
—Você não ficou fora de forma quando ela nasceu.
—Você diz isso porque não me viu nas outras semanas. Mas enfim, não vamos falar sobre isso. O que andou acontecendo por aqui? —a garçonete traz panquecas para nós duas, e Gwen puxa sua filha para o seu lado, cortando pedacinhos para ela.
—Não aconteceu nada. —ela me olha concisamente, porém, não volta a falar até terminarmos de comer. Não estou com muita fome, porque já jantei com meus pais antes de vir ("Estarei com a Becker"), mas eu como para não deixar Gwen desconfortável e não ter que mencionar nossos pais. Podemos falar sobre isso por e-mail mas não é a mesma coisa cara-a-cara.
—Diana, por favor.
—O quê? —me sinto um alvo e totalmente perdida, sem saber o que Gwen quer que eu fale. —O que foi?
—Fale comigo. —abro a boca para responder, mas ela levanta um dedo. —Fale sobre o seu aniversário, sobre como você está. Você nunca diz nada sobre si mesma. —seu tom é quase acusatório, e me traz de volta a um ano atrás, um pouco depois do funeral de Vivian, quando eu e Becker estávamos na casa dela e ela perguntou se eu estava bem. Eu respondi que sim. Ela me encarou e disse:
—Sabe, Diana. Sei que somos amigas, mas às vezes é como se eu não te conhecesse nem um pouco.
—Como assim? —indaguei.
—Eu sei os fatos. Eu sei que você está mal por Vivian, sei da sua irmã e dos seus pais, coisa que quase ninguém sabe, mas eu não faço a menor ideia do que está se passando na sua cabeça. E você não me fala. —de volta com Gwen, aqui e agora, entendo o que ela quer dizer, e por mais que eu tente uma parte de mim parece presa e muda. Eu sei o que ela quer ouvir, mas não sei o que falar, por onde começar, tudo parece errado.
—Eu não sei o que dizer. —respondo.
—Qualquer coisa.
—Pior ainda. Me diz um assunto, e eu te conto o que você quiser saber. —Gwen me olha como se não acreditasse que eu estou propondo esse tipo de brincadeira, mas assente.
—Vivian. —me afogo em uma onda inesperada.
—A mesma coisa de sempre. Foi pior no meu aniversário. —minha irmã segura minha mão.
—Di...
—Está tudo bem. Estou bem, sério. Você fica se preocupando comigo e eu não preciso disso. Eu me viro.
—Besteira. Você não é feita de ferro, Diana.
Você é bastante fraca, Diana, Vivian me disse uma vez, tem que se tornar forte.
—Eu sei que não sou. Mas o que você quer que eu diga? Que eu me sinto sozinha? Que ninguém me entende? Que eu me sinto perdida? Quando isso sai da minha boca, tudo que eu penso é em como isso soa ridículo. Desnecessário. Sim, eu penso mais do que eu falo. Meu corpo está preso em um planeta como esse, mas a minha mente viaja pelo universo inteiro, só que é como se as mensagens que eu recebo de cada coisa que eu vejo e que eu penso e que eu testemunho estão em uma língua que só eu entendo e não consigo traduzir. Pra ninguém. Me desculpe. Eu só... é só isso. Não tem nada acontecendo comigo. O que está acontecendo com você? —Você. Uma palavra mais confortável no meu vocabulário. Minha voz, meu coração, meu corpo inteiro beiram a desespero, medo e desejo de me expressar, mas continuo calada depois de dizer tantas palavras que não chegam em lugar algum. Eu sempre segui os passos de Gwen quando ela ainda morava conosco —quando ela ainda era uma Novak —e agora continua a mesma coisa. Preciso de um guia, um exemplo. Preciso que ela comece a falar, para me mostrar como fazer o mesmo.
—Você quer saber o que está acontecendo comigo? — é claro —Eu estou feliz. Pela primeira vez em muito tempo as coisas estão se ajeitando. Estou crescendo na vida, um pouco tarde demais e sem algumas vantagens que uma garota normal teria mas fazer o que, estou tentando. Feliz. Eu tenho Claire, e estou ótima. Você pode me dizer que está feliz?
—Eu estou feliz.
—Está mentindo?
—Na maior parte do tempo, eu estou feliz. —asseguro-lhe. Eu odeio o olhar que ela está me dando. Odeio porque agora estou subindo na montanha russa, lentamente, para ter mais tempo de me preparar para o terror que me espera assim que o carrinho despencar. —Eu só fico um pouco triste às vezes.
—E não tem problema. Só não faça nada que você vá se arrepender depois... ou algo que faça você não estar aqui pra se arrepender depois. —Eu não acredito que ela acabou de dizer isso.
—Eu nunca faria isso.
—A razão pelo qual tantas pessoas morrem de tentativa de suicídio é porque ninguém sabia que elas estavam se suicidando internamente todos os dias. Se você tentar, eu te mato.
—Ha-ha. —Claire começa a chorar, e Gwen puxa ela para seu colo, bem na hora que seu celular toca. Me ofereço para atender, mas ao invés disso, ela me dá Claire e levanta a palma da mão, antes de se distanciar um pouquinho. Claire sorri para mim, e eu tenho vontade de apertá-la, porque ela é simplesmente a coisa mais fofa que eu já vi na vida. Não costumo ser doida por bebês que nem algumas pessoas, mas com Claire é diferente.
Ela é família.
Uma música folk começa a tocar no fundo e como Claire começa a chorar novamente, eu me levanto e danço com ela perto da mesa. Não são movimentos sofisticados nem nada assim, é só ela nos meus braços, com a cabeça descansando no meu ombro, enquanto eu balanço para lá e para cá, seguindo o ritmo da música. Ela é pequena, mas forte, e eu abraço ela para mais perto, dando giros.
Eu disse para Gwen que na maior parte do tempo, eu estou feliz, e é verdade. Nem sempre estou triste, nem sempre estou feliz. Às vezes, —acontece mais com a tristeza —eu sinto essas duas coisas sem motivo, e é aí que eu me sinto perdida. Porque não sei o que pode me salvar, ao mesmo tempo que eu sei. Mas quando eu acho uma razão concreta, é como se ficasse mais seguro sentir essas coisas. Claire faz com que eu me sinta feliz e leve —trazendo felicidade a outra pessoa, uma pessoa inocente como ela —e é filha da minha irmã; isso me deixa feliz também. A família expandido ao mesmo tempo que a família diminui conforme meus pais nos excluem da vida deles.
—Diana-a. —Claire murmura outra vez, se afastando do meu ombro.
—Esse é o meu nome. —ela coloca a mão na minha bochecha e eu toco minha testa na dela, observando seus olhinhos brilhantes. É incrível como a vida é —de um acidente desastroso sai algo tão lindo e puro como Claire. Vivian contou uma história um dia —durante uma das nossas aulas— sobre uma família que sofreu uma tragédia. Dois namorados resolveram se casar, só que ambos eram jovens e pobres. Trabalhavam bastante e estavam construindo uma casinha grande o suficiente para dois, planejando uma vida juntos. A casa estava quase pronta, e eles estavam se mudando para lá quando a mulher ficou grávida. Ambos acharam que estavam perdidos, já que não tinham dinheiro e muito menos condições de sustentar uma criança. Logo em seguida, o homem morreu em um acidente, a deixando viúva e com um filho a espera.
—Ela ficou devastada. Quase perdeu a vontade de viver, porque perdeu o amor da sua vida. Ironicamente, a única coisa que a fez continuar foi a vida que estava crescendo dentro dela. Ela não podia acabar com a sua vida, porque durante aquele período de tempo, sua vida pertencia àquele ser, que ela nunca tinha visto antes. Então ela não se matou. Teve que enfrentar a depressão sem quase nenhum remédio, o que é absolutamente maravilhoso e milagroso se você pensar bem e quando ele nasceu, a alegria daquele bebê e a vida que tinha sido criada por causa do amor da mulher e do falecido esposo substituiu toda a tristeza que ela havia sentido anteriormente. Às vezes, essas coisas acontecem. Coisas boas acontecem antes de percebemos que são coisas boas, e elas são jogadas contra as coisas ruins para dar uma balanceada nas nossas vidas e torná-las mais ricas em sabedoria e dar um pouco de calma para nossa mente e emoções.
Parece meio hipócrita prestar atenção em algo desse tipo que Vivian Winter falou, devido a sua morte, mas isso não vem ao caso. É só uma prova de que é assim que as coisas funcionam —uma vez que, antes de tudo, realmente aconteceu. —, como Claire salvou minha irmã. Eu não acho que Gwen alguma vez se arrependeu da filha —ela é motivo de felicidade. Sempre.
Minha teoria é afirmada quando Gwen volta e nos vê dançando, imediatamente trazendo lágrimas aos seus olhos, com um calor maternal e fraterno que só laços de sangue sabem reconhecer —ela é minha irmã —em seguida, vem ao nosso encontro e me dá um beijo na testa, pegando Claire em seus braços.
—Eu amo vocês duas —é o que ela diz.
Quando eu volto para casa —sentindo aquele calor interno, dessa vez por um bom motivo —sou quase transformada em pó assim que eu encontro meu pai na cozinha. Não tenho como evitar —passar pela cozinha é o único caminho até meu quarto —e sou obrigada a parar, porque minha educação fala mais alto. Sou muito educada. Até mais do que eu gostaria, não consigo evitar.
—Oi, pai. Acordado a essa hora? —mantenha a conversa casual.
—Oh, eu sai do escritório há dez minutos. Estou esperando minha mente desacelerar.
—Ah. —penso em adicionar que eu sei como ele se sente, mas escolho não falar nada.
—Como foi com Becker?
—Ótimo. Estudamos francês. O de sempre.
—Claro. —é a primeira vez que levanta os olhos para olhar para mim. Me sinto ainda mais desconfortável, pois me sinto exposta. O que ele quer? Será que eu posso perguntar sobre Gwen? Será que eu conseguiria perguntar? Pratico na minha mente.
Ei, pai, você já considerou voltar a falar com a Gwen?
Repito uma,
duas,
três vezes.
Na minha mente, claro.
Minha boca parece pedra, e estou incapacitada de falar. Não hoje.
—Vou dormir.
—Boa noite. —responde ele. Assinto, então subo.
Na minha mente, sinto-me como meu pai. Atribulada demais para dormir. Pensar que, a uma hora atrás eu estava com Gwen e Claire, e agora estou aqui, escondendo segredos dos meus pais —por culpa deles. Sinto-me pesada. Como se o carrinho da montanha russa estivesse em cima de mim agora. Abro a gaveta branca do lado da minha cama e tiro o poema.
Encaro por um tempinho.
Até o tempinho se tornar muito tempo.
Minha mente começa a viajar, trabalhar tarde da noite enquanto eu observo não só o poema, mas o papel e a estrutura.
Tem um número embaixo. 61. O número da página. Isso é uma folha. De uma página. De um livro.

Ariel.

O livro que trabalhamos alguns semestres atrás. De súbito, levanto-me indo direto para minhas prateleiras de livros, cheias de um pedacinho do meu coração. Às vezes, costumo parar e ficar encarando meus livros preferidos, ficando um pouco mais feliz só de saber que tenho eles. Mas hoje estou em uma missão. É fácil encontrar o livro porque organizo a prateleira em ordem alfabética. A.
Tiro Ariel da pilha e reviro as páginas, até encontrar a página 61.
Decepção percorre meu corpo todo. Minha esperança se foi. Considero rir de mim mesma, por em algum momento achar que eu ia encontrar alguma coisa. O quê? Uma carta de verdade?
Tenho que parar de ser tão romantista. Isso está acabando aos poucos com meu coração.
Desabo na cama outra vez, e fecho a gaveta até que tenho que abri-la novamente para guardar o poema —embora esteja pensando seriamente em queimá-lo, para me livrar da tormenta — e eu capturo um objeto com os olhos. Salta para mim como um alvo —o livro.
O livro da prateleira era o meu, mas eu tenho duas cópias. O meu. E o que Vivian me deu.
Procuro pela página 61 como uma louca, um homem procurando água no deserto. Um pecador a procura de salvação ou como uma garota perdida procurando um guia. Por favor, que isso não seja em vão —minha mente reza. Eu preciso achar alguma coisa. Qualquer coisa.
A página 61 não existe. E como regra da vida, na página 62 tem um nome. Anne Sexton.
Lembro-me vagamente que ela também era uma poeta, assim como Sylvia Plath, mas não conseguimos ler nenhum dos livros dela. Reconheço a caligrafia de Vivian. Embaixo do nome, um número. 188.
Tudo bem, mas o que é isso? O que eu faço com isso?
Sinto que isso é um sinal. Não sei o que significa mas tem que ser. É minha única salvação. Minha única saída do inferno. A única maneira de fazer algum progresso que não seja trazer mais um tópico para a lista de perguntas que nunca conseguirei fazer a Vivian Winter. Anne Sexton. 188. Eu não sei o que fazer a partir daqui. Sinto que isso foi um passo tão grande que preciso de tempo para me recompor. Ela queria que eu achasse. Ela queria. Demorou um ano, mas ela queria que eu achasse, como aquela história do casal que se conheceu em Paris. Eles tiveram um final feliz. Eu posso ter o meu.
Mas por onde começar?
Como?
Cansada demais, resolvo procurar por isso no dia seguinte. Nada vai se resolver tão tarde da noite mesmo, mas ainda assim sinto como se algo grandioso tivesse acontecido. Coração acelerado. Adrenalina. Um passo mais perto de algo que não sei o que é, mas eu tenho que descobrir.
Penso em fazer uma oração a Deus, coisa que as pessoas geralmente fazem quando atingem o fundo do poço. Para —não sei —me dar forças para conseguir dar um passo a frente. Entretanto, minha relação com Deus não é a melhor. Tenho minhas dúvidas. Minha oração é essa:

Meu nome é Diana.

Anne Sexton. 188.

Amém.


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Notas finais do capítulo

ok vou falar uma coisa pra vocês, como eu tenho Ariel e esse livro da Anne Sexton cujo nome ainda não citarei em formato epub, eu não sei se as páginas são iguais as de um livro físico normal. Podem estar erradas. Lady Lázaro pode não estar na página 61, e depende da edição também, então só queria deixar isso claro. espero que estejam gostando.



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