A volta de Alice escrita por Serena


Capítulo 2
Inglaterra


Notas iniciais do capítulo

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[revisado: 30/11/2015]



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Alice estava quase chegando na Inglaterra. O tempo passou tão rápido... talvez porque Alice havia dormido a viagem inteira. O que não a impedia de se sentir muito cansada, consumida por pensamentos e preocupações. A ansiedade congelava seu coração. Agora, Alice não era mais aquela pequena menina que corria pelos bosques próximos de casa e tinha uma imaginação tão fértil. Era grande, adulta. Sua vida era muito melhor do que pensava que ia ter. No entanto, zelar pelo nome que carregava exigia grandes responsabilidades.

De repente, sua mente foi invadida por uma lembrança muito boa, um pouco ofuscada, lá no canto da memória.

Alice estava apoiada no tronco de uma árvore, observando o pai manusear um daqueles barquinhos dentro de garrafas. Ele era muito bom naquilo, sempre guardando um pouco do seu pouquíssimo tempo livre para relaxar com a filha, enquanto trabalhava naquela arte tão excêntrica. Aquilo o revigorava para mais um dia de trabalho.

Riu por um tempinho, sozinha. Já parara de chorar com lembranças do pai há muito tempo. Preferia viver as memórias com ele como algo que a faria bem, como ele sempre fez quando estava vivo. Os acompanhantes do barco a olhavam, estranhando. Alice não se importou, nunca se importou. Gostava de falar sozinha às vezes. Como na infância, quando vivia reclamando sobre a vida monótona dos adultos.

Porém, a vida da Alice adulta era tudo menos monótona. Ela vivia embarcando em viagens extraordinárias, conhecendo pessoas novas, lugares novos, dormindo em hotéis com camas macias como nuvens de algodão. Sua vida era quase perfeita — se sua família não cobrasse dela um homem a quem unir os laços de sua mera existência. Ela não queria um homem, não agora. Não agora que estava começando a explorar sua nova vida.

Alice suspirou e se virou para a janela, procurando alguma nuvem com um formato engraçado para se distrair. Ela achava muito agradável fazer coisas nostálgicas que a relembravam da infância.

Sua infância foi, apesar de muito feliz e abastada, atípica. Passou por momentos completamente abstratos, dos quais não sabia diferenciar realidade de imaginação. No entanto, o que Alice sentia que era real, eram as memórias. Memórias vívidas como as que sempre guardou da realidade. Ela nunca teve aquela sensação estranha que sempre tinha depois de um sonho, de rir de si mesma por ter caído nos jogos do seu subconsciente, porque havia sido tão absurdo. Apesar de tudo ter sido, realmente, muito absurdo, a sensação era que as coisas se encaixavam estranhamente muito bem. Além de tudo, ela também sentia falta de algumas figuras que deixou para trás. Talvez estivesse até mesmo meio traumatizada pelo que passou.

Quando contava para a família sobre isso quando criança, apenas acharam que era uma criança inocente imaginando coisas e inventando estórias.

No entanto, quando contou já adulta para sua mãe, a situação foi bem diferente. Em sua festa de casamento falida, Alice desapareceu. Para ela, foram dias inteiros. Para os convidados, algumas horas. Para tentar explicar o seu sumiço, a garota decidiu contar a verdade. Caíra num buraco sem fim, atravessou uma portinha minúscula e apareceu em outro mundo.

"Como ousa fazer um de seus joguinhos comigo quando nosso sobrenome foi envergonhado na frente de todas aquelas pessoas?", disse a Sra. Kingsleigh. Então, quando ela viu que a expressão convicta de Alice não mudara, a sua própria passou a indicar choque, soltando um berrinho abafado.

Quinze dias depois, após ser levada para cinco sessões intensivas com um psiquiatra mal-humorado que usava grandes óculos de lentes garrafais, foi finalmente diagnosticada como "histérica", "esquizofrênica" e "um belo de um caso perdido". Logo depois, foi trancafiada num hospital psiquiátrico.

Ainda conseguia lembrar da sensação de ser drogada para que seus pensamentos e sua imaginação fossem contidos.

Enfim, Alice chegou. Pôde ver pela janela a bela cidade de Londres. Os adultos apressados caminhavam por todos os lados, sem pensar em parar para observar a paisagem cinzenta melancólica. Londres era, sem dúvida, uma cidade incrível. Meio deprimente, mas incrível.

Ao sair do barco, o vento gelado cortante de Londres invadiu seus pulmões. Durante o trajeto, estava muito grata por estar vestindo o sobretudo quentinho. Estava tão cansada... mas em segundos passou para assustada quando sua mala se remexeu cinco vezes. O que é isso?, pensava.

Parou no meio da rua, abriu a mala lentamente no chão e um tufo de pelos brancos e velhos pulou no seu colo. Era Dinah, com energia de sobra. Uma energia que não tinha fazia muito tempo. Alice sentia muito a falta da gata, mas não podia de forma alguma levá-la para suas expedições. Primeiro por causa da idade, segundo porque era um animal.

— Dinah? — exclamou Alice, surpresa. — O que está fazendo aqui, sua danadinha?

A gata fez um olhar bem significativo. Ela estava com saudade do carinho da dona. Ela estava trabalhando muito e não estava lembrando que tinha Dinah, que ela precisava de amor. Alice até pensou que não era culpa dela, mas uma vozinha na sua cabeça a contradisse que sim.

— Ah, meu Deus, Dinah — disse Alice — Me perdoe, eu ando muito distraída e raramente encontro tempo para ficar com você. Prometo que tento mudar, eu te amo e sei que um dia você não poderá estar mais nos meus braços.

Alice sempre foi distraída, isso nunca mudou.

Mas, enfim, Alice acariciou a gata e fechou a mala, esperando a próxima carruagem para ir à sua casa, seu lar. Junto com sua mãe e sua irmã – a qual estava muito malcasada.


A carruagem, pelo menos para Alice, era bem menos confortável que o navio. Não necessariamente porque não era luxuosa e nem porque não abrangia lustres em seu interior, mas o trote dos cavalos era bem mais desconfortável que o balanço das marés.

A jovem observou as florestas inglesas e muito embora sua mãe a cobrasse muito, sentia falta dela. Era óbvio que a última coisa que queria era passar esse tempo com a família que, no pacote, vinha com o maldito cunhado adúltero, mas sentia falta dela. Sentia mesmo.

O cheiro da floresta comprovava isso e muito.

Dinah deu um miado esganiçado e Alice voltou a acariciar seus pelos macios, suspirando de tempo em tempo. Ela pensava muito e estava ciente de que tinha que se preocupar menos com as coisas.

O negócio em Hong Kong vai funcionar novamente, Alice, pensava ela, tentando ser positiva, sempre dá certo. Eles adoram você.

Terminando de se preocupar com negócios, começou a se preocupar com o fato de que estava solteira e de que sua mãe ia cobrar isso dela. Sua irmã casou-se com quatorze anos e ela estava aí, beirando os vinte e dois, sem ninguém. Não por falta de pretendentes, por falta de querer.

Não sabia mais o que fazer. Sentia que nenhum homem a merecia desde que viu o cunhado nos braços de outra. Coitada de Mathilda... Alice queria tanto alertá-la, mas não queria de forma alguma que ela sofresse.

Queria que ele sofresse. Queria feri-lo, fazer ele se arrepender de ter beijado outra. Ela o avisou para que não o fizesse novamente, ou Mathilda ia adorar cortar o seu reprodutor fora.

Aquele maldito adúltero arcaria às consequências. Sentia isso enquanto apertava o assento com toda a fúria. Realmente Alice Kingsleigh havia crescido e muito, até porque não conseguia mais sentir vontade de brigar com a irmã. Ela amava ela muito e faria qualquer coisa pra protegê-la, muito embora fosse o contrário na maioria das vezes.

Quando a carruagem freou, pôde ver a estrutura do casarão, de longe.

Ela pousou os pés na grama.


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Notas finais do capítulo

Obrigado por ler, até o próximo capítulo!



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