A volta de Alice escrita por Serena


Capítulo 1
Não volte tarde, Alice


Notas iniciais do capítulo

Quero reviews, até mais.

[revisado: 30/11/2015]

[revisado: 29/08/2023] (oq to fazendo da minha vida)



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A singela Alice Kingsleigh acordou em sua cama. Seu cabelo cacheado estava encharcado de suor e caía tenuemente sobre sua testa. Havia tido um pesadelo detestável que envolvia seu passado sufoco em um buraco. Os galhos das árvores batiam insistentemente sobre o vidro de sua enorme janela de sacada, onde o sol iluminava as cortinas de seda e fazia prismas cintilantes pelo assoalho. Ela não conseguia pensar em outra coisa além de comer um delicioso sanduíche feito por Marie, a empregada que sua mãe contratou para colocar em ordem suas obrigações diárias.

Alice virara uma mulher nobre entre a sociedade burguesa, afinal, ela embarcou na empresa do pai e estava muito feliz com isso. Sua mãe não gostava muito da ideia, ainda mais depois da garota ter causado uma situação desagradável na própria festa de casamento. Seu sócio era um grande amigo da família e vivia comentando que ela puxara muito a perseverança do velho; ela se orgulhava muito disso.

Porém, o velho pai morreu, já fazia tempos. Alice já havia superado, mas a sua mãe ainda não.

Resolveu se levantar. Pousou os pés descalços no assoalho gelado e foi indo lentamente em direção à janela, abrindo a cortina sem nenhuma disposição. Sua expressão era uma mescla inegável de cansaço e mau humor, a qual era ainda mais sem graça quando iluminada pelo dia cinzento. Olhou direto para o porto à procura de seu navio. Ou melhor, o navio da sua empresa. Não estava lá.

Ela sempre embarcava para expedições de comércio. Mas, desta vez, a tão jovem Alice iria comemorar seu aniversário na casa de sua mãe. Ela não podia estar menos animada com a viagem.

— Alice! — O timbre inequívoco da empregada ecoou pelo outro lado da porta. Soava antipático, tampouco agradável para os ouvidos da jovem. — Acorde, seu café da manhã está pronto! — Mas nem houve tempo de Alice responder e a empregada já dava murros rápidos na porta.

— Marie, acalme-se — exclamou Alice, caminhando descalça na direção da porta.

Quando ia abrir, Marie já havia empurrado a porta. Ela era uma mulher furiosa e irritantemente forte, mas Alice não sabia bem o motivo. Sabia que ela havia sido enfermeira por anos, o que era uma coincidência um pouco duvidosa, visto que a garota havia passado alguns meses, contra sua vontade, em um hospital psiquiátrico, e as enfermeiras tinham o mesmíssimo temperamento.

— Venha logo! — Marie puxou Alice pelo pulso.

Alice resmungou, assistindo a ela mesma ser conduzida pelos corredores inacabáveis. Seu pulso começou a arder e tentava, a todo custo, se desvencilhar das mãos fortes da empregada.

O corredor era, provavelmente, o lugar mais elegante da casa. Nas paredes, havia vários quadros, acompanhados por prateleiras cheias de monumentos, vasos e livros. Muitos livros. Livros que Alice não gostava muito, porque não tinham figuras. Quando criança, quando sua irmã Mathilda lia para ela, Alice sempre observava, frustrada, as dezenas de linhas e palavras meticulosamente espaçadas. Eram tão sem graça quanto comida de hospital psiquiátrico. Já no teto do cômodo, havia lustres cheios de cristais. O que mais arrepiava a garota eram as portas e mais portas sob pequenos letreiros indicando os cômodos pelo corredor — para Alice não se perder. Ela sempre fora muito distraída.

Marie continuou a puxando até abrir uma grande porta de madeira de carvalho. Era o salão de jantar. O cômodo onde, obviamente, a família Kingsleigh se reunia para jantar. Agora, ela não podia estar mais vazia.

— Não preciso tomar o café da manhã aqui, Marie — disse Alice, o mais calma possível — É muito grande e... — Ela teve o impulso de falar deprimente, mas se conteve.

"Só jantares eventuais, sim? Eu tomo café na cozinha, não tem problema, deixe que eu mesma vou até lá."

Porém, a velha Marie a ignorou por completo. Puxou a cadeira para Alice e foi para a cozinha trazer a bandeja. As mãos da empregada podiam ser fortes, mas de vez em quando tremiam, principalmente enquanto segurava uma xícara de porcelana ou uma das bandejas de cristal dos Kingsleigh. A moça até se preocupava um pouco, porque pessoas trêmulas a faziam pensar em corações enfraquecidos.

O turbilhão de pensamentos de Alice foram cessados quando Dinah, a velha gata de Alice, caminhou lentamente até ela. Seu pelo branco estava levemente despenteado e o lacinho azul que habitualmente era amarrado no pescoço estava todo roído.

Me-e-ah!, fazia a gata. Já parara de fazer o tradicional miau há anos.

— Dinah! Que bom revê-la!

Alice teve a breve sensação de que Dinah havia sorrido para ela.


Já estava tarde. Marie já havia preparado o malão para viagem de Alice. A jovem precisou correr até o navio, porque não podia estar mais atrasada. Ela vestia um belíssimo sobretudo de lã azul claro, no qual quase tropeçou pelo menos duas vezes, calçava botas com saltos que dificultavam muito a corrida e um grande chapéu cheio de penachos.

O malão estava pesado, mas Alice não ligava, apenas o arrastava pela rua de paralelepípedos. Já havia empunhado uma espada muito mais pesada que um malão recheado de roupas, pelo menos em sua cabeça. Como as pessoas a confundiam...

O capitão do navio já estava soltando a corda que se ligava ao porto quando Alice chegara correndo, com gotas de suor escorrendo pela testa. Quando chegou, gritou para o capitão, que já começara a subir a rampa que ia até o navio.

— Me espere! — gritava ela, ofegante, limpando os resquícios de suor das bordas do cabelo.

O capitão sorriu e esperou Alice subir. Aliviada, se sentou numa cadeira do grande salão que a aguardava. As mesas tinham toalhas brancas com a aparência de seda e belíssimos lustres infestados de cristais. Garçons andavam por todos os lados segurando bandejas de bronze com grande maestria. Em cima das bandejas, várias taças de vinho de todo tipo que se possa imaginar, além de luxuosos pratinhos.

— Garçom! — exclamou Alice na tentativa de chamar a atenção do alto e elegante garçom.

— O que deseja, madame? — perguntou o rapaz. Ele usava uma pomposa gravata borboleta preta e um colete de lã marrom, cheio de fascinação no olhar. Alice deu um sorriso ao se lembrar de que a mãe não estava lá.

— Um vinho tinto, por favor. Você escolhe.

O garçom concordou com a cabeça em um sorriso e foi caminhando lentamente até a adega no porão do navio. Não se passou nem um minuto e a taça já foi cuidadosamente colocada em sua mesa. Que serviço excelente.

Bebericando o conteúdo que queimava de um jeito tão agradável, Alice observou o mar pela janela, pensativa. Como gostava de se sentir independente.

Se sentir não. Ela era.


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Notas finais do capítulo

Espero que gostem. Quero reviews.