Safe & Sound II: A Sociedade Secreta escrita por Gistar


Capítulo 5
Entrevista


Notas iniciais do capítulo

Olá, eu sei que demorei para postar, é que eu ando na correria com meu trabalho, curso e outros projetos que eu tenho em mente. Mas não se preocupem, pode demorar um pouco, mas não vou abandonar a fic.



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As coisas não são mais do jeito que eram antes

Você nem sequer me reconheceria mais

Não que você não me conhecia naquela época

Mas tudo voltou para mim...

Sara

– Eu sabia que vocês conseguiriam! – disse Pedro no jantar, quando contei a novidade.

– Agora já estamos a um passo de entrar para a Book & Snake, Sara. – disse Jana animada.

– Vocês querem entrar para a Book & Snake? – perguntou Emerson admirado.

– Claro. Entrar pra essa sociedade é praticamente ter o futuro garantido. E como eles valorizam muito a Revista, somos fortes candidatas para integrar na sociedade. – Jana disse isso tudo muito pomposamente.

– Mas tomem cuidado com os trotes! Tem um bando de espertinhos por aí que se veste com capas e faz os calouros praticarem coisas absurdas como iniciação. – avisou Emerson.

– Então como a gente vai saber se é um trote ou não? – perguntou Mandy assustada e eu fiquei me perguntando se ela já estava sendo cortejada por alguma sociedade.

– Sei lá, provavelmente eles vão te levar até o mausoléu ou o que quer que seja da sociedade e então você vai descobrir se é trote ou não.

– É, mas você só entra lá depois que você aceita. – corrigiu Jacson.

Eles continuaram discutindo sobre isso até irmos dormir

Cheguei no quarto e antes de dormir resolvi checar meus e-mails no notebook que eu havia ganhado de Steven quando passei uma semana com ele.

Havia um e-mail dele me perguntando como havia sido meu primeiro dia e dizendo que ainda não tinha nenhuma novidade sobre Daniel. Eu fiz um resumo breve de tudo e enviei pra ele. Depois fui dormir.

Eu não tive mais pesadelos com o mausoléu, aliás, acho que não tive sonho nenhum.

Na sexta eu estava saindo pela porta com um carregamento de roupas escuras para lavar quando o telefone tocou. Droga. Provavelmente era minha mãe querendo saber sobre a faculdade e tudo o mais. Apoiei a cesta no quadril e atendi ao telefone.

– Alô?

– Sara Samers?

– É ela — falei.

– Solicita-se a sua presença na College Street, 750, sala 400, às duas horas desta tarde.

Duas horas significava em 15 minutos.

– Quem está falando?

– College Street, 750, sala 400. Às duas da tarde.

E aí, a linha ficou muda.

Caí sentada na cama, espalhando tops e calças de pijamas pelo chão. Isso é que era uma péssima hora. Não havia dúvidas na minha cabeça sobre quem estava do outro lado da linha: Book & Snake.

Rosane havia falado que as entrevistas para entrar na sociedade eram sempre marcadas com muito pouca antecedência. Parte do teste era ver se você conseguia comparecer. Eu ainda não descobrira o que eles faziam se o convocado em potencial não atendesse ao telefone ou se estivesse ocupado.

Roupa suja totalmente esquecida, me apressei. Ainda que a entrevista fosse apenas uma formalidade, eu tinha toda a intenção de seguir a pompa e circunstância da sociedade e me arrumar (sociedades têm tudo a ver com a aparência – dissera Rosane).

Como Mandy havia dito, era sorte a minha que ela tivesse me feito comprar roupa social. Pus um terninho que combinei com uma camisa de algodão e completei com os escarpins pretos. Puxei meu cabelo e fiz um rabo de cavalo.

A porta do quarto se abriu antes que eu pudesse girar a maçaneta e Jana entrou. Ela me olhou de cima a baixo.

– Book & Snake?

Eu dei de ombros.

– Quem mais?

Ela assentiu bruscamente. Há dois dias, Jana saíra correndo daqui vestindo seu próprio terno bem passado.

– Boa sorte, não que você vá precisar. Todos os editores da revista literária entram na Book & Snake desde, sei lá, a Idade da Pedra praticamente.

Botei de lado o aborrecimento por Jana ainda não ter me contado qual sociedade a estava cortejando. Era bobagem; eu sabia que quando a noite da convocação chegasse e fosse escolhida por sua sociedade (provavelmente a Book & Snake também), ela ia parar com essa história de segredo.

– Tenho que ir — dei um tchau, saí do quarto com os saltos batendo no piso, desci as escadas e entrei na ensolarada tarde de outono.

Depois de seguir as plaquinhas das ruas pelo campus cheguei. Era aqui, College Street, 750. E, de acordo com o meu relógio, eu tinha pouco mais de 90 segundos para entrar na sala. E, ainda assim, quando finalmente cheguei, ligeiramente ofegante, na sala de aula escura no quarto andar, as primeiras palavras a saírem da boca da pessoa que apontou uma cadeira com um laser foram:

– Você está atrasada.

Olhei para o meu relógio de novo, ainda que não conseguisse ver os ponteiros no escuro.

– Eu...

O homem oculto pelas sombras sentado à mesa mais próxima apontou algo para mim que brilhava com um 14h01 em números digitais verdes.

– Este é um relógio atômico de alta precisão. Você está 48 segundos atrasada.

– Está brincando?

Pisquei, tentando em vão ver seu rosto na escuridão. Como todas as nossas salas de aula são equipadas com luzes com sensores de movimento, fiquei surpresa por terem conseguido mantê-las desligadas. Havia posto cortinas negras nas janelas e, apesar de cada uma das 12 pessoas sentadas pela sala parecer ter uma luz de leitura à sua frente, o máximo que eu conseguia distinguir era um maxilar aqui, a curva de um nariz ali. Uau, eles haviam se superado. Devia ser trabalho do fluxo criativo dos escritores.

– Se estamos brincando, Srta. Samers? — disse o Cara da Sombra nº 2, com o que posso jurar ter sido um sorrisinho de escárnio. Eu nem precisava ver. — Acha que há algo neste processo que seja brincadeira?

Até agora, não. Mas, qual é, o que era aquilo, o filme De olhos bem fechados?

– Não, senhor.

Estiquei o pescoço para ver se reconhecia os traços de Suzana entre o grupo, mas não consegui distingui-la. Onde ela estava?

– Deixe-me assegurá-la, Srta. Samers — o Cara da Sombra nº 2 continuou — que levamos nosso processo de eleição muito a sério. A pontualidade é da maior importância para nós. Assim como eleger uma pessoa em quem possamos confiar para obedecer às ordens da sociedade, independentemente do quanto pareçam insignificantes.

Epa. Então 48 segundos e eu tinha pisado na bola tão feio assim? Sentei-me reta na cadeira.

– Eu entendo, senhor, e posso lhe garantir que levarei meu posto na sociedade muito a sério — fiz uma pausa, ponderando quais seriam minhas próximas palavras. — Eu não sabia que devia investir em um relógio atômico. Vou ganhar um desses quando me juntar a vocês?

Nenhuma resposta. Eu ri nervosamente.

– E que tal um relógio de pêndulo? Ouvi dizer que cada membro da Skull & Bones ganha um na formatura. — a Book & Snake, no entanto, parecia que não tinha recursos para presentes tão caros. Talvez eles conseguissem liberar uns de pulso comuns.

Nada ainda. Humm, esse negócio estava ligado?

– Se bem que eu acho que seria difícil carregar um relógio de pêndulo por aí. — Péssimo, péssimo, péssimo. — E provavelmente não vai ser de alta precisão. — Cale a boca, Sara.

Cara, eu estava indo de mal a pior ali. Ficamos sentados em silêncio durante dez segundos. E então alguém três fileiras atrás falou:

– Srta. Samers, se puder responder algumas perguntas para nós. — Vi um embaralhar de papéis. — Tenho o seu histórico escolar. Aqui diz que, no segundo ano, você tirou um B- em Páginas do pó: Narrativa da imigração etíope no Ocidente da metade do século XX.

– Sim.

– Tem alguma explicação para esse desempenho?

É, cuidado com matérias que tenham colonos no meio. Nesse caso, o professor era um idiota que achava que tudo no texto — sua letra ou um argumento circular — que fosse remotamente cilíndrico era alguma espécie de representação fálica e, a não ser que nossos trabalhos finais explorassem o contínuo problema da inveja feminina do pênis, nós nos dávamos muito mal.

Acho que ele tinha problemas na cama.

O B- era a única mancha no meu histórico na disciplina de Inglês.

– Sou mais da Nova Teoria Crítica do que da Análise Freudiana — comecei, escolhendo a antiga tradição das artes de atordoar os outros. Se não pode vencê-los, confunda-os. — Os significantes dos principais textos dessa matéria — cara, nem eu sabia o que eu estava dizendo àquela altura — relacionavam-se melhor a leituras similares, aos trabalhos de Said, Lévi-Strauss e... — Droga. Eu havia perdido o fio da meada. Muito bem, pegue um clássico — ...às teorias de Aristóteles, como as descritas na Poética.

Aha, questione isso! Eu era ótima em Inglês. Conseguia enrolar bem à beça. A sombra na terceira fila sorriu e pude ver que alguém tinha um dentista muito talentoso. Seus dentes eram tão brilhantes e certos quanto os de um astro de cinema.

– Boa resposta. — Aí ele limpou a garganta. Todas as luzes piscaram rapidamente, duas vezes.

A Sombra-Que-Sorri mexeu em mais alguns papéis.

– Lembra-se de Beverly Campbell?

– Minha professora da terceira série? — Tive que pensar sobre aquilo por um minuto. Ninguém me avisara a respeito daquilo. E aqui estava eu, sendo interrogada pela Book & Snake sabe lá Deus por que motivo. Isso não deveria ser algo garantido? Além do mais, era oficial: eu não reconhecia a voz de nenhuma daquelas pessoas. Será que tinham trazido ex-alunos para conduzir a entrevista?

– Se perguntássemos a Beverly Campbell a seu respeito, o que ela diria?

– Que eu era boa em fonética. — Já chega disso. — Qual é, era a terceira série!

– E quanto a Janine Harper? — Quarta série. — Marilyn Mahan. — Quinta. — James Field, Tracy Cole, Debra Blumenthal...

A Sombra-Que-Sorri continuou a citar cada um dos professores que eu já tivera. Era mais do que um pouco assustador.

– Posso lhes fazer uma pergunta? — falei, interrompendo sua declamação quando mencionava o segundo ano.

– Vá em frente.

– Audiências do Congresso não se importariam tanto com o começo da minha infância. Por que vocês se importam?

O Cara da Sombra nº 2 falou:

– Quais são suas ambições, Srta. Samers?

Eu meio que queria escrever o Grande Romance Americano. Mas nem a Book & Snake acharia essa resposta satisfatória. Não era suficientemente voltada para um objetivo tangível. Não era factível. Não existem Prêmios Nobel de Literatura suficientes para distribuir por aí. Além do mais, eu não tinha certeza de ter nenhuma Grande Idéia Americana. Portanto, mais uma vez, vamos para o plano B.

– Ser uma magnata da mídia. — Pronto, isso devia satisfazê-los.

– Você está mentindo — o Sombra-Que-Sorri não estava mais me mostrando seus dentes brancos.

– O que o faz dizer isso? — cruzei as mãos no colo.

E por que se importavam? Eu teria apostado que cada uma daquelas pessoas era, lá no fundo, um escritor frustrado. O Sombra-Que-Sorri (apesar de não estar sorrindo agora) pegou outro pedaço de papel e começou a ler em voz alta. Era a primeira página de meu romance inacabado — aquele sobre o qual ninguém além de mim sabia a respeito. Aquele que só existia no meu laptop, lá no meu quarto.

– Ei! — gritei e ele parou. — Onde conseguiu isso? Por acaso invadiu o meu computador?

Tudo ficou muito silencioso. Achei que podia ouvir o relógio atômico de alta precisão zumbindo.

Quem eram aquelas pessoas?

– Temos tudo o que já fez na vida, Srta. Samers — disse o Cara da Sombra nº 2. Ele ergueu um envelope pardo da mesa à sua frente — Este é o seu arquivo do FBI.

Meu queixo caiu. Como diabos essas pessoas tinham conseguido pôr as mãos nisso? Só havia uma resposta. Eles estavam brincando comigo. Balancei a cabeça, inclinei-me para trás na cadeira e ri.

– Sei, o meu arquivo do FBI. Eu-acho-que-não, hein. Olhe, fico feliz por ter feito vocês se divertirem, mas já que vocês não são os Homens de Preto, podemos por favor, voltar para a entrevista agora?

– Eu acho — disse o Cara da Sombra nº 2 — que a entrevista acabou.

– Não! — falou o Sombra-Que-Sorri.

– Ela não é o que estamos procurando.

– Eu não concordo.

Espere um pouco. Inclinei-me para frente.

– Gente, não sei direito o que está acontecendo aqui. Onde está a Suzana?

O Cara da Sombra nº 2 inclinou a cabeça até eu vislumbrar uma bochecha pálida.

– Suzana?

– É, Suzana. Suzana Foster, a editora chefe da revista literária?

Novamente o silêncio, apesar de pontuado por algumas risadinhas. Finalmente, o Sombra-Que-Sorri (e definitivamente ele estava sorrindo de novo!) falou.

– Suzana Foster não é membro desta organização.

Puta merda!

Quem eram essas pessoas?!

Está bem, para ser justa, ainda havia um cantinho na minha mente que estava gritando que Jana mentira para mim e que, na realidade, Suzana não era membro da Book & Snake. Mas era um cantinho minúsculo, aquele no qual a maioria das minhas tendências paranóicas habita. O resto da minha cabeça estava ocupada girando. Eu estava levando esse processo seletivo de uma maneira bastante informal porque, ei, era a Book & Snake. Não era grande coisa e, de qualquer modo, era algo garantido.

Mas, obviamente, eles não eram a Book & Snake. Eu tinha perdido o chão, por uma das primeiras vezes na minha vida. E não tinha idéia do que deveria fazer.

– Acho que já acabamos — o Cara da Sombra nº 2 falou.

– Não acabamos, não — insistiu o Sombra-Que-Sorri.

O Cara da Sombra nº 2 se virou e eu vislumbrei um pescoço perfeitamente barbeado.

– Ela não é o que queremos. Temos que ser criteriosos quanto a isso.

– Eu posso ser séria! — inclinei-me para frente e dei um tapa nas anotações do Cara da Sombra nº 2. Vi seu queixo cair. Ops.

– Sinto muito — falei, chegando para trás na cadeira e dobrando as mãos recatadamente. — Eu fiquei um pouco... confusa. — É óbvio. — Posso perguntar quem são vocês?

Desta vez, todos eles riram antes do Cara da Sombra nº 2 dizer “não”.

– Então, vocês têm uma lista dos inspetores do meu colégio, do ginásio e eu não ganho nada?

– É por isso que a chamamos de sociedade secreta. — O Sombra-Que-Sorri limpou a garganta.

– É justo.

O Sombra-Que-Sorri piscou sua lâmpada algumas vezes e todos os membros começaram a remexer os papéis em suas mesas. Fiquei imaginando o que significaria aquele sinal.

Muito bem. Achei que já tinham me humilhado o suficiente para uma tarde. Levantei-me da minha cadeira.

– Posso ir?

– Um momento, Srta. Samers. — O Sombra-Que-Sorri esticou a mão e fiquei surpresa por conseguir enxergá-la. Aparentemente, meus olhos estavam se adaptando à escuridão.

– Diga-nos. O que tem para oferecer a esta organização?

Mordi a língua para não devolver um “E que organização é esta?”. Tudo bem, então eles não eram a Book & Snake. Alguém mais estava me cortejando e eu provavelmente destruíra qualquer chance que pudesse ter tido de impressionar... quem quer que fosse.

A verdadeira pergunta era: e eu ligava para isso? Afinal de contas, essa não era a minha praia. Era Pedro quem queria entrar em uma sociedade secreta a Skull & Bones. Eu só queria entrar para a Book & Snake para ficar sabendo quais agentes literários estavam contratando assistentes e se a revista Cosmopolitan precisava ou não de estagiários. E, finalmente, percebi o absurdo de toda aquela situação.

Todos os alunos que, como eu, haviam passado uma hora numa sala escura respondendo a perguntas vagas sobre suas ambições e realizações para um bando de estranhos nas sombras — eles não faziam a menor idéia de para quem estavam abrindo suas almas. Jana, com todo aquele pedantismo de segredo e superioridade, não sabia também se estava sendo cortejada pela Book & Snake ou recebendo um trote de um bando de garotos de alguma fraternidade. Assim como eu.

O que eu tinha para oferecer a essa organização misteriosa e não-identificada? Além do dedo médio, que levantei, sem causar grande efeito na escuridão.

Endireitei a minha saia, estiquei o queixo para frente e ri.

– Vocês já sabem o que eu tenho a oferecer. Notas máximas no meu curso, a não ser por aquele probleminha da Narrativa da imigração etíope; a editoria da revista literária; participações e liderança em um grande número de outras publicações pequenas no campus e trinta páginas de um romance mal escrito. Não consumo drogas, nunca fui presa e, pelo que ouvi dizer, não sou ruim de cama. Não que qualquer um de vocês vá ter a oportunidade de descobrir isso em primeira mão.

Apesar de que, para ser sincera, eu não tinha como saber isso, não é mesmo? Aí, virei-me e marchei para fora. E, conforme saía para o corredor, de cabeça erguida, achei ter visto uma dúzia de luzinhas de leitura piscando.


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Notas finais do capítulo

E não sei se vocês sabem, mas plagiaram a minha fanfic "Jovens e Heróis" que foi a que me deu a ideia para "Safe & Sound". Já denunciei a pessoa e ela apagou a fic, mas peço encarecidamente que fiquem de olho em histórias parecidas com a minha. Se ficarem em dúvida me enviem uma mensagem para eu verificar se é ou não plágio ok? Conto com a ajuda de vocês! Bjs