Safe & Sound II: A Sociedade Secreta escrita por Gistar


Capítulo 10
Juramento


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura!



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“Tenho que ficar firme

Não vou ceder

Sem mais negações

Tenho que encarar isso

Não vou fechar meus olhos

e esconder a verdade dentro de mim.”

Eu acordei e tudo era silêncio e trevas. Eu ergui minhas mãos e senti o tecido frio acima de mim e dos dois lados. Eu ainda estava dentro do caixão.

Será que eu fui enterrada viva?

Esse era um dos meus maiores medos. Sempre tremia quando ouvia relatos de pessoas que ainda estavam vivas quando foram enterradas.

Isso era o meu pior pesadelo.

O pânico me tomou e eu comecei a gritar desesperada e a esmurrar a tampa. Depois de algum tempo, percebi que não adiantava gritar, se eu estivesse embaixo da terra, não seria ouvida.

Respirei fundo e comecei a raciocinar. Eu tinha que ao menos tentar levantar a tampa do caixão. Se ela não estivesse pregada ou algo parecido, com algum esforço, talvez eu pudesse erguê-la. E é claro, se eu não estivesse também a sete palmos da terra.

Eu não tinha forças nos braços, então o único jeito era usar as costas.

Me virei de bruços e apoiei meus dois braços esticados. Fiquei de joelhos e juntando todas as minhas forças forcei minhas costas para cima. Senti que a tampa se levantou, mas abaixou assim que soltei. Tentei de novo uma, duas, três vezes. Na quarta vez tentei colocar mais força e a tampa finalmente abriu com um ruído de algo pesado rolando.

Olhei na direção do barulho e vi uma rocha enorme. Parece que eles colocaram o caixão numa cova rasa, mas puseram a rocha em cima pra dificultar minha saída.

Ouvi passos e olhei para o lado.

– Sara! Você está bem? Achei que tínhamos te perdido... – falou Pedro enquanto me ajudava a sair do buraco. Ele e Emerson carregavam lanternas, deviam estar me procurando.

– Estou bem. Vocês também estavam enterrados?

– Sim, mas estávamos todos juntos. – respondeu Emerson e apontou para um lugar mais adiante, onde se podia ver quatorze caixões abertos em um círculo.

– Veste isso! – pediu Pedro, me estendendo uma capa com capuz igual a que os membros da sociedade vestiam e meus tênis.

– Quer dizer que só eu fui colocada aqui, afastada de todos? E ainda por cima colocaram uma rocha sobre mim pra garantirem que eu não saísse? – perguntei. A raiva borbulhando no meu peito. – Essa gente é maluca! Eu vou dar o fora, daqui! – disse assim que terminei de me vestir.

– Sara, espera! – pediu me segurando. – Isso tudo faz parte da iniciação, não é nada pessoal.

– Não é pessoal? Pedro! Tenho certeza que aquele cara fez isso comigo só porque eu disse que achava isso tudo uma palhaçada.

– Ele só queria que você levasse isso mais a sério! Essas pessoas têm muito poder, elas podem nos proteger e também podem nos ajudar a pegar o Daniel!

– Pedro, você realmente acredita naquelas histórias?

– Confie em mim, Sara! Nós só temos a ganhar se entrarmos pra essa sociedade.

– Ok! Mas se eles fizerem mais uma palhaçada...

– Acho que eles não vão mais fazer isso.

– Dá pra vocês se apressarem aí? Os outros estão nos esperando pra voltar para o mausoléu. – avisou Tânia.

– Ah não! Porque temos que voltar pra lá? – perguntei enquanto íamos para onde estavam os outros.

– São as ordens! – respondeu Jess enquanto me estendia um papel com as instruções.

No papel dizia que tínhamos meia hora para chegar à tumba da sociedade. Eu olhei para o centro do círculo onde havia um relógio que marcava 20:15 e estava em contagem regressiva. Eles haviam perdido quase dez minutos me procurando porque tínhamos que ir todos juntos.

– A que distância estamos da tumba? – perguntei enquanto disparávamos para a rua e colocávamos o capuz para não sermos conhecidos. Apesar de que àquela hora o campus estava deserto.

– Estamos num parque que fica a mais ou menos dois quilômetros do campus. – respondeu Jacson.

– Isso quer dizer que precisamos correr se quisermos chegar a tempo. – terminou Mandy.

Nós saímos caminhando o mais rápido que podíamos. Pedro praticamente me rebocava atrás dele. Os dois garotos que eu não conhecia e que agora conversavam com Tânia, estavam na dianteira do grupo. Eles lançavam olhares de censura pra mim, obviamente bravos porque eu havia retardado a saída de todos. Como se eu tivesse culpa!

– Pedro, se o campus está cercado de seguranças, como conseguiram nos pôr pra fora? – perguntei aterrorizada com a possibilidade de haver uma falha na segurança.

– Eles mandam aqui! As pessoas obedecem suas ordens sem perguntas.

Eu engoli em seco. Então eles realmente eram tudo aquilo que diziam.

Quando chegamos ao campus ainda estávamos a um quilômetro da tumba e tínhamos menos de dez minutos pra chegar lá. Fizemos o percurso que faltava praticamente correndo.

Chegamos à tumba encima da hora. Eles abriram a porta para entrarmos e assim que adentramos a tumba meus olhos foram vendados e eu fui erguida novamente.

Olhando para trás, é difícil definir uma seqüência de acontecimentos para a Noite da Iniciação. Tudo se movia tão rápido, com visuais tão caóticos e uma cacofonia de sons, que eu me lembro dela mais como uma série de quadros — uma apresentação de slides de todos os momentos que levaram ao acontecimento principal.

Eles nos mantiveram vendados enquanto íamos de sala em sala, talvez para tornar cada visão ainda mais chocante ao revelá-las para nós todos de uma vez, quando já estávamos no meio das cenas. Sem dúvida, com o frenesi dos participantes, vários flashes passaram para eu chegar a perceber que continuava na companhia de outros neófitos, dois ou três se cruzando em uma sala qualquer de cada vez. Isso é o que me lembro:

*Flash*

Um pátio cercado de fogo, no qual um homem vestido de demônio pulava, soltando gritos guturais. Um grupo de homens em farrapos estava diante dele, acorrentado, e soltava gemidos baixos.

*Flash*

Um quartinho iluminado por velas, com alguém vestido como uma figura mística, em dourado brilhante e plumas coloridas. Ele se inclinou por cima de uma laje de pedra, uma faca de ouro pronta para cortar fora o coração de uma mulher talvez nua que estava deitada com seu cabelo negro esparramado atrás de si. Quando ele abaixou a faca, a vela se apagou. A mulher gritou.

*Flash*

Marco Antônio de pé por cima do corpo de Cleópatra, segurando uma víbora viva. Ou talvez fosse uma cobra boa constrictor. Não conheço esses animais tão bem quanto conheço Shakespeare. E acho que Cleópatra era um manequim com uma peruca preta.

*Flash*

Uma sala cheia de Puritanos, observando uma forca iluminada por um foco de luz. Havia três mulheres penduradas com cordas em torno de seus pescoços, sacos pretos amarrados cobriam seus rostos. Achei que eram de mentira, mas seus pés estavam se mexendo...

*Flash*

Havia mãos nos meus ombros, guiando-me pelo corredor, mas quem quer que tivesse posto a venda no meu rosto depois da sala de Salem, com suas bruxas enforcadas, não foi muito cuidadoso. Pelo canto do olho eu podia ver um pequeno clarão. Eles retiraram a venda para mostrar o próximo quadro — algo com uma tigela cheia de frutas e os gemidos de almas fantasmagóricas e atormentadas.

*Flash*

Eles me empurraram para uma cadeira e prenderam minhas mãos atrás das costas. Alguma coisa foi posta por cima do meu rosto antes que a venda fosse puxada para baixo. Quando abri os olhos, vi que estava olhando por dois buraquinhos em uma máscara. Primeiro, achei que tinha sido colocada de frente para um espelho porque, diante de mim, eu vi outra figura mascarada amarrada a uma cadeira.

Sua máscara era elaborada e dourada, com um elegante bico de pássaro e jóias brilhantes que sugeriam sobrancelhas arqueadas e uma boca cruel e predatória. Mas ela lutava contra suas amarras, enquanto eu permanecia imóvel. Finalmente, suas mãos se soltaram e ela tirou a máscara do rosto.

Tânia Denali.

Levei um susto e ela esticou a mão para arrancar a minha máscara. Vi de relance com o canto dos olhos. Uma bruxa. Ela franziu as sobrancelhas.

— Então você ainda está aqui — disse, antes que a levassem embora.

Minha venda foi recolocada antes que minhas mãos fossem soltas ou que minha boca se lembrasse como funcionar.

* Flash*

Um vampiro erguendo-se do caixão, sangue escorrendo por seu pescoço.

*Flash*

Um jovem pálido de cueca sentado em uma privada. Ele tinha uma arma apontada para a cabeça e ficava repetindo a mesma frase várias vezes. Em Latim.

*Flash*

Uma sala onde Otelo estava estrangulando Desdêmona.

*Flash*

As cenas começaram a se misturar depois de algum tempo, e por cima de tudo havia vozes gritando frases em outros idiomas, berrando obscenidades, entoando coisas sem sentido, urrando "O Presidente Está Morto!", "O Fim Chegou!", "O Diabo Ascendeu!" e outras advertências lúgubres. Senti-me estranhamente inebriada e imaginei se haveria algum álcool naquela coisa que eu bebi ou se eu estava apenas sucumbindo à mágica da noite.

O tempo parecia flutuar como se fosse um sonho e parei de contar os passos de uma sala para outra. Não sei quantas vezes fiz o circuito ou quantas trocas de roupa os intérpretes fizeram. Mas finalmente fui empurrada para dentro de uma sala e ouvi uma porta bater atrás de mim enquanto a barulheira era subitamente abafada.

A essa altura, eu já estava tão acostumada com os quadros sendo revelados que levei vários segundos antes de esticar a mão para remover minha venda. Diante de mim estava o Ceifador em seu manto negro. Ele carregava uma foice na mão e uma cabeça da morte sorridente com pedaços de carne podre, me olhava por baixo do capuz. Olhei em volta, mas éramos as únicas pessoas na sala.

O Ceifador virou-se em direção a um armário que continha dois esqueletos.

Wer war der Thor, wer Weiser, wer Bettler oder Kaiser?("Quem foi o tolo, quem foi o sábio, pedinte ou rei?")

Apontou para cada esqueleto de uma vez e então me entregou uma coroa. Era pesada nas minhas mãos e imaginei por um momento se as jóias e o ouro em torno da base de veludo vermelho eram verdadeiros.

Wer war der Thor, wer Weiser, wer Bettler oder Kaiser? — disse ele de novo, um pouco mais insistente.

— Nunca estudei alemão — respondi impotentemente. Ele apontou para a coroa e depois para os dois esqueletos. Ele queria que eu colocasse a coroa na cabeça de um dos dois?

Ah! Kaiser. "Kaiser" quer dizer rei em alemão. O conhecimento me veio à mente e, com ele, mais uma lição das aulas de história. A Dança da Morte da Idade Média. Ó, pobre Yorick, e todo aquele negócio do Hamlet. O rei não era nenhum dos dois esqueletos, mas a força que derrotara ambos.

Aproximei-me e coloquei a coroa na cabeça do Ceifador.

Gut! Ob Arm, ob Reich, im Tode gleich. ("Bom! Seja rico ou pobre, na morte são iguais"). — Ele prendeu as minhas mãos nas suas.

— Bela jogada, Neófita. Você ainda vai aprender. — Ele me puxou para a frente até que meu rosto estivesse a centímetros de sua cara pútrida e, por um momento muito assustador, tive medo que a coisa fosse me beijar, o que era um pouco gótico demais para o meu gosto.

Travei meus cotovelos e resisti, e ele me soltou, o triunfo brilhando em seus olhos pálidos. Tropecei para trás quando a luz se apagou e me senti sendo arrastada para fora mais uma vez.

Desta vez, quando a venda foi removida, eu estava diante de uma porta de madeira comprida, com dois homens altos me ladeando. Diante de mim havia uma aldrava com o símbolo da Skull & Bones. A figura encapuzada à minha direita ergueu a mão e bateu com a aldrava três vezes, depois uma, depois mais duas.

— A Neófita se aproxima! — alguém lá dentro gritou e um estrondo de arrepiar os ossos começou do outro lado das portas. Eles gritavam e berravam, vaiavam e gemiam. Finalmente, sob todos esses sons, eu pude distinguir um cântico que logo sobrepujou todos os outros elementos do barulho.

— Quem é? Quem é! Quem é? QUEM É?

— Sara Samers — eu sorri. — Neófita Samers!

As portas se abriram de supetão e eu pisquei. Este era, de longe, o mais elaborado de todos aqueles quadros vivos. Lá dentro parecia um carnaval e era óbvio que eu era a atração principal.

O aposento redondo tinha um teto abobadado pintado de azul-escuro e salpicado de minúsculas estrelas douradas. À minha volta estavam os intérpretes, todos mascarados, com as fantasias mais bizarras. Estavam todos gritando o meu nome.

As duas figuras encapuzadas me jogaram contra o altar de pedra que tinha o símbolo da sociedade e Luke colocou as mãos de cada lado da página de um livro antigo que estava aberto.

— Leia! Leia! Leia agora ou dê sua última olhada no Templo Interior!

Esses foram os juramentos que fiz:

Eu, Sara Samers, por meio desta juro solenemente, dentro da Chama da Vida e sob a Sombra da Morte, nunca revelar, por ação própria ou omissão, a existência do conhecimento considerado sagrado por ou os nomes dos membros da Ordem da Skull & Bones.

Quando li em voz alta, todos deram vivas. Eles me ergueram e me giraram para ficar de frente para uma pequena gravura de uma mulher em uma túnica dórica, segurando um crânio em uma das mãos e uma flor na outra.

— Veja a nossa deusa! — gritou um e os outros iniciaram um cântico.

Eulogia! Eulogia!Eulogia!

Fui puxada de volta à mesa onde estava o juramento, com mais um comando de “Leia!”

Eu, Sara Samers, por meio desta juro solenemente, dentro da Chama da Vida e sob a Sombra da Morte, nunca revelar, por ação própria ou omissão, a existência do conhecimento considerado sagrado por ou os nomes dos membros da Ordem da Skull & Bones.

Quando li o juramento de sigilo desta vez, falei mais alto, com mais segurança. E então de volta para a gravura, que fora posta sozinha em um altar num pequeno armário de madeira. A placa brilhava com a pátina do tempo e do cuidado.

Eulogia! Eulogia! Salve Eulogia!

Imaginei as hordas de homens que tinham vindo antes de mim — criados em seus colégios internos chiques e caros, destinados a se tornarem capitães de indústria e líderes de nações. Ainda bem que haviam feito um juramento de sigilo. Bando de pagãos. O que seus constituintes e mesas diretoras pensariam se soubessem que esses caras haviam passado a faculdade idolatrando uma deusa menor da Grécia antiga? Eulogia? Fala sério!

Li o juramento mais uma vez antes de me levarem para outro lado da sala. Na parede estava pendurado um glorioso quadro a óleo de uma mulher nua com um olhar de "vem cá, meu bem". Uma figura vestida como o Papa e usando máscara branca de pássaro socava o ar com o punho.

— Veja o Êxtase Nupcial!

— É, parece mesmo — falei, notando as amplas curvas da mulher.

Deus abençoe os ideais de beleza feminina do século XIX. Se os homens de hoje tivessem encomendado aquele retrato, ela teria tanta carne em seu corpo quanto um daqueles esqueletos. Desta vez, quando me levaram de volta à escrivaninha de madeira, havia um pergaminho diferente à minha espera.

— Leia! Leia! Leia! — a multidão gritou.

Eu, Sara Samers, por meio desta juro solenemente, dentro da Chama da Vida e sob a Sombra da Morte, guardar os segredos e confissões de meus irmãos, apoiá-los em todos os seus esforços e ter para sempre como sagrado o que quer que eu venha a saber sob o símbolo da Ordem da Skull & Bones.

Aaaah, que bonitinho.

O grupo deu vivas novamente depois que eu li e me fizeram correr pela sala três vezes. Comecei a me sentir tonta e mais do que um pouco sem fôlego. Mais duas viagens de volta ao juramento de constância — e, entre elas, um passeio pela sala, depois dois e eles me empurraram de volta ao altar, em que havia um terceiro e último juramento. O juramento de fidelidade.

Eu, Sara Samers, por meio desta juro e devoto solenemente meu amor e afeição, lealdade eterna e fidelidade imorredoura. Pela Chama da Vida e a Sombra da Morte, prometo apegar-me completamente aos princípios desta antiga ordem, favorecer seus amigos e prejudicar seus inimigos, e colocar acima de todas as outras as causas da Ordem da Skull & Bones.

Ah, este era o juramento que os teóricos da conspiração adoravam apontar. Este era o motivo de terem atacado o presidente por ser um membro da Skull & Bones.

Admito que até mesmo eu, que não era uma líder dos homens e não tinha nenhuma intenção de algum dia vir a ser, hesitei com as palavras do juramento. Será que eu conhecia essas pessoas o suficiente para me apegar completamente aos seus princípios? E se as causas da Skull & Bones fossem destruir a democracia? E se as pessoas que eles queriam prejudicar fossem minhas amigas e seus amigos fossem meus inimigos...

Nah! Acho que não! Falei o juramento de fidelidade três vezes e, conforme as últimas palavras saíam dos meus lábios, a sala pareceu estalar com o poder da minha promessa.

Luke ergueu uma espada com aparência antiga e bateu com ela no meu ombro esquerdo.

— Por ordem da nossa Ordem, eu a nomeio Cavaleira de Eulogia, Ordem da Skull & Bones.

Alguém tocou um alarme três vezes, uma vez e mais duas, e todos gritaram:

— O pendurado é igual à morte. O diabo é igual à morte. A Morte é igual à morte.

E foi isso.

Eu era uma Cavaleira.


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Notas finais do capítulo

O que acharam?