Tudo o que Sou escrita por Samantha Silva


Capítulo 3
Capítulo 03




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Depois da caça, caminharam em silêncio na volta para as cabanas. Pela primeira vez, Thomas desejava não encontrar Brenda. Não queria vê-la enquanto não organizasse os próprios sentimentos ou conseguisse compreender as lágrimas dela.

Na verdade, se houvesse uma maneira de vê-la sem que ela o visse, assim como mais cedo na colina, ficaria contente. A ausência dela era um vazio permanente e difícil de preencher. Já tinha perdido a conta da quantidade de vezes que desejou sua mão junto a dela, como haviam se acostumado.

Após a caça ele devia se encaminhar para a cabana destinada a guardar as armas e ferramentas e ajudar Minho com a limpeza e arrumação, mas o amigo o dispensou.

– Vá procurar a Brenda agora e resolvam essa birra de uma vez.

Thomas não faria isso, ainda não estava pronto, mas não diria isso a Minho, apenas agradecia mentalmente a chance de ficar sozinho com suas neuras. Além do mais, Brenda devia estar ajudando em alguma atividade, não iria interrompê-la. Conversariam depois, quando ambos estivessem desocupados.

O fato é que, além de não se sentir pronto para falar, Thomas também não se sentia pronto para ouvir o que Brenda poderia ter a dizer.

Caminhou em direção à colina, lá ficaria sozinho com seus medos.

Assim que chegou ao topo a viu. Brenda estava ali, de costas para ele, fitando o mar.

Supondo que ela não o ouviu chegar, virou-se para ir embora, mas as palavras que cortaram o ar o impediram.

– Você não devia estar com Minho?

Brenda estava falando com ele, o dia começava a melhorar, embora, ela sequer tenha se virado para olhá-lo.

– Ele me deu uma folga, não estou me sentindo muito bem. – E como ele intimamente desejou, ela virou-se para ele, os olhos cheios de preocupação.

– O que você tem? – ela perguntou cheia de urgência na voz.

Parando ao seu lado, Thomas prendeu seu olhar ao dela. Era incrível como sempre que a olhava a achava ainda mais bonita que da última vez. Não tinha muitas lembranças femininas com a qual pudesse comparar, mas tinha certeza de que nunca ninguém fora tão bonita para ele. Havia uma energia sempre emanando dela, algo o alcançando em cada célula, sabia que não era apenas uma beleza física, havia algo no olhar, na maneira com a qual ela o encarava.

Ali, naquela colina, os olhos dele perdendo-se aos dela, enquanto o sol se punha atrás deles, o crepúsculo sombreando suas feições, ele teve certeza de que não aguentaria perdê-la como perdeu outros, muito menos perdê-la ainda viva, simplesmente por não ser capaz de iniciar uma conversa ou enfrentar seja lá o que fosse que ela teria a dizer.

– Não é nada – respondeu. - Apenas coisas demais na cabeça.

– Ah... – e com isso ela voltou a fitar o horizonte.

E se alguma vontade de ir embora tivesse aparecido, agora ela com certeza não estava mais ali. Thomas queria estar ali e em nenhum outro lugar. Também não queria que ela fosse embora e o deixasse sozinho como nos últimos dias, mas não sabia como fazê-la ficar.

Aproximou-se um pouco mais, seu ombro quase tocando o dela, que não disse nada, mas ele pode ver como congelara na mesma posição, os braços cruzados sobre o peito, os olhos fixos no espaço a frente. Ela estava tão tensa quanto ele e isso de alguma forma o tranquilizou e colocou as palavras certas em sua boca.

– Sinto a sua falta, Brenda. – Ele só acreditou no que tinha acabado de dizer, pois ouvira sua própria voz.

Thomas olhou para Brenda e a viu apertar os braços ainda mais ao redor de si. No rosto nada se alterara, mas era difícil ver com a noite caindo sobre eles.

Em mais um ato de coragem, Thomas pousou uma de suas mãos no ombro dela e surpreendendo-o, ela não se afastou. Por isso, resolveu arriscar mais.

– Eu só queria que tudo voltasse a ficar bem.

Por um instante pensou que ela fosse continuar sem falar nada, mas tornou a surpreendê-lo.

– A que se refere? – o tom fora ríspido, mas tinha certeza de que notara um tremor na voz e isso lhe encheu de esperança, seja lá o que for que estivesse buscando.

Pensando em uma resposta para a pergunta de Brenda, Thomas encarou o mar lá embaixo, vendo algumas pessoas chegarem com os braços carregados de pedaços de troncos de árvores, conversando animadas e tranquilas, provavelmente fariam uma fogueira e comeriam ali, enquanto jogavam conversa fora. Ele queria estar lá com Brenda, rindo de alguma bobeira dita por Minho, comendo qualquer coisa e a vendo sendo ela mesma e não a estranha daquelas últimas semanas. Percebeu que estava realmente magoado com ela, que o que há pouco era uma necessidade imensa de apenas estar com ela e se desculpar seja pelo que fosse, tinha se transformado em raiva. Por que ela julgava que ele não merecia uma explicação?

Quando voltou a olhá-la viu que também olhava para as pessoas na praia e os braços e o rosto já estavam relaxados, como se tivesse esquecido que ele estava ali. Então, voltou a pensar na pergunta que ela fizera: a que ele realmente se referia? Não tinha certeza, quer dizer, a primeira resposta que lhe vinha a mente é: Tudo. Mesmo.

Queria que ela estivesse bem. Que eles estivessem bem. Pelo menos, era todo o tudo que lhe importava.

– Você tem me evitado. – Acusá-la foi a única resposta em que conseguiu pensar.

Brenda continuava não olhando para ele. Thomas olhou para a própria mão ainda no ombro dela e a tirou de lá, já que parecia não ter mais nenhum efeito sobre ela e também não o ajudava a relaxar.

– Tenho estado muito ocupada – respondeu ela com a voz em sussurro, como se confessasse um crime. – Você também. Com o tempo tudo se ajeita.

Thomas não podia acreditar que ela estava culpando as tarefas do dia-a-dia por ter começado a tratá-lo como estranho. Como conseguia dizer aquilo sem esboçar qualquer reação? Como conseguia, depois de tudo que passaram, dizer aquilo sem sequer olhar para ele? Ele não queria saber das coisas se ajeitando com o tempo, elas tinham que se ajeitar agora.

– Você não está fazendo isso – desabafou ele bufando, enquanto dava as costas para ela, como se fosse embora, mas ele não iria.

Como ele esperava, ela não demorou a responder.

– Fazendo o que?

A voz dela estava cheia de cautela e, embora fosse difícil admitir devido à raiva de que se alimentava, estava cheia de dor também.

– Me dando desculpas esfarrapadas. – ao fim das palavras ele virou-se e a flagrou já virada na direção dele. – Nós não estamos o dia todo ocupados e mesmo se estivéssemos, boa parte das nossas tarefas podiam ser feitas por nós dois... juntos. – Ele caminhou e parou a cerca de um metro dela. – Eu caço com o Minho, poderia ser com você.

– Mas ele é melhor e...

– Ok – ele a interrompeu antes que desse mais uma desculpa. – Então, porque não posso estar com você ali naquela fogueira? Por que quando estão todos juntos você simplesmente some? – O volume de sua voz foi aumentando sem que tomasse consciência. – As crianças estão lá na fogueira, você não precisa cuidar delas, então cadê você? Cadê a Brenda que me ajudou naqueles túneis? Que me ajudou em praticamente tudo até agora...

Thomas só percebeu que estava se excedendo quando viu a expressão de choque no rosto de Brenda.

– Eu... – toda a disposição para levar aquilo adiante se esvaiu, não tinha mais nada a dizer. – Eu vou me juntar aos outros, estou com fome.

Baixou os olhos que até então estavam vidrados no rosto de Brenda e lhe deu as costas, deixando a colina. Mesmo sem querer, desejou que ela o chamasse ou dissesse qualquer coisa, mas ela não abriu a boca, nem se moveu.

Enquanto descia a colina e depois atravessava o campado em direção à praia e a fogueira, tentou desligar-se do que acabara de acontecer. Se Brenda pretendia permanecer distante, ele não lhe pressionaria. Estava decepcionado, jamais imaginou que ela fosse lhe dar as costas, mas ela deu, então, talvez fosse melhor mesmo não correr atrás e deixar como estava.

No entanto, quando chegou a praia a primeira coisa que viu foi Brenda no alto da colina e seu coração titubeou. Ela estava de pé, olhando na direção do grupo na fogueira, mas logo virou a cabeça e olhou na direção dele.

O momento não durou muito, logo ela virou-se e se afastou, provavelmente descendo a colina e indo para seja lá onde fosse todos os dias.

Minho se aproximou e o arrastou para junto dos amigos, Thomas não prestou atenção ao que ele dizia, mas parecia animado. Olhando para o amigo e depois para todos que ali estavam, ele percebeu que não estava tão sozinho como insistia em pensar. Brenda era importante, mas não era a única ali, já tinha passado da hora dele saber o nome de todos aqueles que agora eram sua única família.

E naquela noite, quando se sentou com eles na areia, sentiu-se bem, como não se sentia em muito tempo. Brenda não o queria por perto e ele não iria se impor, havia tentado uma única vez e ela se esquivou, então, não tentaria mais. Daria valor ao que, e a quem, tinha.


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