Enquanto Laican se preparava para seguir com a garçonete, ele viu Lilith e o lobisomem com a gula nos braços saindo da taberna pelos fundos. Ele teve certeza que ela faria um ótimo trabalho, então se virou para o anjo e disse:

— Bom, vou sair um pouco, Lilith e o cachorro estão indo para os fundos. Se for pra lá, diga a eles que depois me encontrem em frente a igreja. — O mestiço pegou a garçonete pela a cintura e saiu do lugar junto com ela.

"Ela não merece o que vai acontecer, mas não posso fazer nada. Resta-me ir assistir o ritual e ver esse humano morrer. Bem que eu queria algo mais interessante.", refletiu Spark. 

Seguindo para o lado oposto, Laican estava indo com a garota para sua cabana, até que passou em frente a uma que parecia mais velha do que as outras. O lugar cheirava a algo bastante familiar para ele: morte. Olhou para a garota e disse de forma meio seca:

 — Vá na frente e me espere lá.

Ela o fez sorrindo e sem hesitar. Ele se aproximou da cabana e encontrou algo não muito comum logo na porta. A seriedade tomou suas expressões e ele invocou um diabrete, ordenando:

— Vá até Lilith, diga que encontrei algo importante e preciso que ela venha verificar — Então o pequeno demônio quase sem cor saiu voando, seguindo o ordenado.

*****

Depois de ver tudo aquilo, o lobisomem estava se perguntando porque ajudou aquela demônio. Sua mente não estava nada clara, logo percebeu que havia sido manipulado por ela. Enquanto ele refletia, Lilith estava apreciando a esfera da gula. Depois, guardou-a junto com a adaga e voltou ao disfarce. Estava de muito bom humor e murmurou para si mesma "Menos uma.". Ao perceber a chegada do anjo, ela o encarou e  sorriu de forma sedutora.

 — E então rebelde? Foi boa a conversa? 

O anjo preferiu ficar calado e a focar a sua atenção no local onde acontecera o ritual. Ao perceber que ele realmente não iria respondê-la, ela se virou para Brown e falou:

— Obrigada lobisomem, você me foi útil... Brown, não é? — ela analisou o colar dele —  Você parece ter sofrido algum tipo de bruxaria, pelo que vejo. Se for um bom cãozinho, posso te libertar dessa maldição.

Ele se viu tentado pela proposta, entretanto a sua resposta foi interrompida pelo surgimento de um diabrete. A demônio imediatamente notou que ele fora invocado por Laican e desviou toda a sua atenção para a criatura que já indicava um caminho. Ela o seguiu e, tanto Brown quanto Spark, acompanharam-na com curiosidade.

Os pensamentos do lobisomem se mantiveram naquela proposta."Uma forma de voltar a ser humano! Ela pode fazer isso? Os pesadelos, o descontrole, esse corpo amaldiçoado. Tudo sumiria, eu poderia ter uma vida normal. ".

O anjo também seguia com a mente curiosa, e impaciente: "O que será que houve agora? Será que essa galera não cansa, não? Isso porque só pegamos uma esfera... Mas não tenho escolha, vou segui-la.".

Não demorou muito até que os três chegassem a Laican. Ele havia pegado o que, de longe, parecia ser uma simples pena no chão e mostrou-a para a demônio. Esperando que ela pudesse lhe dizer algo, perguntou com um tom sério:

— Você sabe o que é isso?

Ela se surpreendeu, conhecia o pássaro de onde aquilo tinha vindo e sabia que não era um bom sinal. A pena quase parecia ser feita de gelo, mas Lilith sabia que era macia e leve, assim como a asa de onde saíra era rápida e cortante. Pertencia a águia de alguém que Lilith realmente odiava.

— Onde você conseguiu isso, Laican? É da águia de um anjo! — Ela disse tensa.

— Anjo? Qual anjo? — Spark se alertou.

— Ele deve estar atrás de nós e provavelmente mandou a águia para verificar a cidade. É melhor sairmos ainda esta noite! — Laican continuou.

— Seja lá o que vocês estejam tramando nesse mundo, eu não me importo. —  Brown finalmente se pronunciou, sem perceber a tensão no ar — Tudo que quero é me vingar da maldita bruxa que me amaldiçoou e matou minha família. Lilith, estou interessado naquela proposta! Se você me ajudar a matar aquela mulher e prometer anular a minha maldição no fim de tudo isso, eu coopero com vocês. Imagino que podem precisar de alguém humano, alguém que não tenha ligação com o céu ou o inferno. Além de que o meu faro é realmente muito bom!

Ninguém deu atenção ao lobisomem, todos estavam inquietos. A demônio tentava decidir o que deveriam fazer e, apesar de já sentir o sangue ferver, não podia se deixar levar pela vontade de lutar. Tinha um objetivo em mente. Então recomendou:

— Sim, vamos logo. Que tal atravessarmos a floresta negra e irmos em direção ao litoral?

— Dá para me responder porque estão fugindo? Um anjo está atrás de vocês. Quem? — Spark questionou os demônios.

— Quem está atrás de vocês? Por que vocês tem que sair? — Brown finalmente notara que todos estavam meio preocupados e acabou falando junto com o anjo

— Contamos no meio do caminho. — o meio-demônio estava sério.

— Laican tem razão, até porque o lobisomem tem que ser muito bem ensinado e Spark já deve ter noção de quem estamos falando. — Lilith ressaltou.

— Lilith, você se lembra de como invocar uma carruagem infernal?

— Óbvio que sim, mestiço. Você deseja uma? — ela disse com entusiasmo.

— Já que somos quatro, será mais fácil ir de carruagem e explicar o que está acontecendo.

— Muito bem então, principezinho. Vocês terão que esperar um pouco já que não posso materializar do nada essa carruagem, mas não devo demorar muito. Nada de brigas sem mim meninos. Não quero ficar de fora da brincadeira. — Lilith sorriu caminhando para Spark.

Ela começou a ser engolfada por fogo e, já bem próxima do anjo, olhou nos olhos dele e sussurrou com raiva apenas uma palavra: Muriel. Então se desfez em chamas.

*****

Lilith tinha que procurar pelo seu velho amigo e negociar uma carruagem infernal. Não seria muito complicado, mas ela teria que fazer um bom trato, é claro que ele iria querer algo em troca. Além disso, era difícil encontrar um cara que vivia circulando e transportando almas perdidas e demônios pela terra. Ela o conhecia de longas datas e, ultimamente, ele vinha sempre visitá-la nas portas do inferno já que precisava de permissão para atravessar qualquer demônio para fora ou dentro do lugar. Então ela se decidiu, iria ver se ele estava lá.

*****

Nos portões do inferno:

Um velho barco havia acabado de chegar e duas almas desceram agonizadas. Caronte, o barqueiro, as arrastava. Ele observou o lugar a procura de Lilith, mas como não a viu, decidiu voltar e apenas seguir seu caminho. Nesse instante, ela surgiu e viu Caronte. Ele parecia inexpressivo como de costume, então a guardiã se aproximou e falou entusiasmada:

— Como vai, meu amigo barqueiro? Vejo que já está aqui nos portões infernais com alguns condenados.

— Lilith, minha velha amiga, você andou meio sumida. O que está planejando? — disse Caronte com um olhar de desconfiado.

— Você sabe que ficar parada cuidando dos portões é meio tedioso e posso confiar essa tarefa a Lust e Cerberus. No momento, estou me divertindo um pouco lá em cima, não que todas as minhas companhias sejam interessantes. — ela respondeu sentando perto do barqueiro. — Enfim, estou precisando de uma ajudinha sua. Será que tem como me arranjar uma carruagem infernal?

— Hm... Minha mente está meio fraca, não consigo me lembrar de nenhuma carruagem. — O barqueiro disse coçando a cabeça.

— Você não precisa se fazer de difícil comigo, Caronte. Não sou estúpida, sei que vai querer algo em troca. Então me diga logo o que ou o quanto quer.

— Tá certo. Talvez encontremos carruagens no campo da última guerra. Passei por lá há alguns meses e havia umas inteiras. Posso te levar até lá por 30 moedas de ouro.

 — Muito bem. — ela lhe deu um pequeno saco de couro com 20 moedas  —  O resto lhe darei quando tiver a carruagem. Trato?

— Hm... Trato.