O céu, a terra e o meio do caminho escrita por Hanako


Capítulo 9
Cortes na alma




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Tiago fitou a porta fechada por um bom tempo. Hana sabia que aquilo o machucaria e por isso falou. Ele era o tipo de garoto que se culpava por tudo que acontecesse nesse mundo, ela fez apenas mais um acréscimo. O que aconteceu é que, quando a mãe dos meninos morreu no parto de Christopher, o pai a enxergava em todos os lugares da casa em que viviam e achou que seria melhor eles mudarem.

Ficaram na capital, em um apartamento pequeno demais para uma família tão grande e só saíram quando ele percebeu que os garotos ficavam deprimidos ali, presos demais. Para isso, foram necessários cinco anos. Havia apenas um em que tinham voltado para a grande e aconchegante casa e, mesmo assim, Vinicius tinha ficado para cursar a faculdade.

Não ouviram muitos boatos sobre Hana desde que se mudaram. Sabia que a garota tinha parado de visitar a sua vó desde que tinham partido. Eles eram melhores amigos. Todos eles. Não se desgrudavam para nada e ela fazia de tudo para estender sua estadia ali para ficar com eles, ser amada por alguém. Jamais pensariam no impacto que isso teria na vida dela.

E agora ela estava bem ali, com olhos fundos e vazios, sozinha. Por quanto tempo ela esteve daquele jeito?

Tiago foi retirado de seus pensamentos pelos garotos que o encaravam sérios. Ele se sentiu na obrigação de falar alguma coisa. Olhou para Sora primeiro, o garoto parecia assustado.

– Desculpe ter te colocado em algo como isso – disse diretamente a ele – Não sabia o que esperar, são cinco anos de distância entre o que ela era e o que se tornou, mas fomos ingênuos de pensar que seria a mesma coisa. Sequer nos preocupamos em ligar para ela durante todo esse tempo.

– Ela se tornou uma garota aparecida, arrogante e extremamente chata – bravejou Lucca – Não sei se quero continuar amigo dela.

Sora ouviu tudo com atenção pensando nas garotas com quem tinha convivido durante todo esse tempo. O dono da fazenda tinha seis filhas e algumas delas já tinham se comportado daquela maneira. Ninguém que participava daquela loucura era inteiramente são. Apenas Maria conseguia amar as pessoas ao seu redor e a si mesma. Hana tinha um problema, deveria ser um trauma, ou algo do gênero e assim que colocou os olhos na blusa de manga comprida suja dela, ele teve certeza.

– Hana se corta – ele disse baixinho – Ela mutila os braços dela. Por isso que a manga estava suja, era sangue.

Todos os garotos olharam para ele, causando aquele desconforto comum com a atenção depositada naquele corpo magro. “Ainda bem que Chris tinha ficado em casa” pensaram, aquilo estava tomando um rumo que eles não gostariam de ter.

–Ela deve fazer isso para aparecer – disse Lucca, por fim.

Bruno o olhou horrorizado.

– Isso é uma doença, Lucca – ele bagunçou seus cabelos, tentando absorver tudo o que tinha ouvido – Hana está doente e nós sequer sabemos quando isso começou.

Vinicius e até Lucca pareciam preocupados agora. A garota tinha realmente problemas e eles não sabiam o que fazer para ajudar. Resolveram ir pra casa e pensar em alguma coisa com muita calma.

Chris estava os esperando com uma carinha emburrada. Vinicius bagunçou seus cabelos e o colocou em suas costas. Ele riu e se esqueceu que tinha sido deixado para trás.

Tiago levou Sora para um canto para conversarem. Ele queria saber sobre a vida do novo membro da família e tentar entender como ele sabia que ela se cortava. Sora não falava muito e estava sempre com medo. Talvez tivesse sofrido muito mais do que os outros imaginavam e, talvez, também tivesse se cortado. Pensou em uma maneira de abordá-lo sem que fosse suspeito. Olhou para os outros garotos e sorriu.

– Sora, por um acaso você não quer jogar futebol com a gente?

Se dividiram em dois famosos times: os com camisa e os sem camisa. Nos com camisa estavam Sora, Vinicius e Chris e nos sem camisa estavam Tiago, Lucca e Bruno. Tiago os convenceu a o trocarem de time com Sora e este foi obrigado a tirar a camisa.

Riscos. Uns grossos e outros finos. Riscos vermelhos, brancos e alguns no tom da pele. Riscos na vertical e horizontal como se fizessem dali uma obra de arte macabra. As costas de Sora pareciam um espaço para amolar facas.

Ele não temeu por tirar a camisa pelo mesmo motivo que tinha tirado antes a roupa no meio da rua. Não sabia o que era ter vergonha do próprio corpo. Não foi criado para ter vergonha.

Os garotos estavam boquiabertos. Tiago ficou triste em pensar que ele tinha razão: Sora sabia o que tinha acontecido com a garota porque já tinha passado por algo parecido. As roupas dele deveriam ter ficado sujas de sangue por incontáveis vezes.

– Sora, tem algo para nos contar? – Vinicius olhava para ele sério.


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