O céu, a terra e o meio do caminho escrita por Hanako


Capítulo 4
O avô


Notas iniciais do capítulo

Nunca sei o que escrever nessas notas! Juro que vou pensar numa ideia melhor da próxima vez!



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Interrompendo o silêncio, ele pigarreou e disse “Eu sou Sora Odidre, vim procurar pela minha família”. Agora, o estado de choque tinha passado para uma náusea que o havia deixado pálido e Sora achou que ele iria desmaiar, mas acabou cedendo espaço para que entrasse e fosse analisado a cada passo dado. Os dois ficaram em pé, encarando um ao outro sem saber o que fazer. Um velho entrou na sala por uma porta dos fundos e se colocou no meio deles.

Este novo homem sorria com seus dentes amarelados. Tinha cara de malandro, usava um paletó marrom mesmo naquele calor e havia penteado os fios restantes de seu cabelo para trás. O que abriu a porta finalmente relaxou e se sentou em um sofá gasto atrás dele. O velho então olhou para o menino e começou a dizer: “então você que é o meu neto! Como está crescido! Quando eu te vi pela última vez, cabia nas minhas mãos!” Sora continuou em silêncio, e o homem começou a se sentir desconfortável. Tossiu e continuou sua ladainha “Então, Sora, como vão os seus estudos?” Ele olhou para baixo, envergonhado da sua resposta e disse como que em um muxoxo “eu nunca estudei”.

O velho começou a mover suas mãos em um ritmo frenético, entrelaçando os dedos como se fosse dar um nó e nunca mais conseguir usar as mãos, mas sempre sorrindo. O outro homem desapareceu de vista por uma das portas da casa. João Odidre era aquele idoso e a conclusão sobre aquilo não era algo muito promissor a Sora. Seu avô o levou para a cozinha e o ofereceu comida, mas, tímido, preferiu fazer um sanduíche com o queijo, as verduras e o pão que trazia em seu saco. Nem mesmo a água aceitou e acabou bebendo sua própria.

Depois de que os dois terminaram de comer, João tentou puxar qualquer assunto que fosse com o menino, mas ele estava um pouco assustado com a situação e não respondia muita coisa além de um sim ou não. A cama de um dos quartos foi oferecida e ele se dirigiu a ela.

O quarto em que ficou, assim como o resto da casa, não tinha muita mobília. Uma cama e um criado com um abajur mofado era tudo o que tinha. Tentou fechar a porta e não obteve sucesso, uma fresta levava luz exatamente para onde a cabeça do garoto ficava. Como não conseguia dormir com a luz e não queria sair e encontrar seu avô novamente, esperou até que todos fossem dormir e apagassem a luz. Ouviu passos na sala e se sentiu aliviado só que, diferente do que imaginava, eles não foram para seus quartos e nem apagaram a luz, mas sentaram no sofá para conversar. Ainda sem sono, Sora começou a ouvir a conversa dos dois.

“O que vamos fazer agora? Ele fugiu, pai! Voltou para atormentar a minha vida!” Como estavam aos cochichos, o garoto teve que prestar mais atenção para entender o que diziam. “Bem feito! Achou que ficaria livre da culpa jogando tudo para mim! Aí está a sua parcela! Tardou, mas não falhou!” Passos rápidos estalaram o assoalho. “Não me venha com essa! Você que me deu a ideia! Você que foi lá e vendeu o garoto pra aquela fazenda imunda!” As vozes aumentaram o volume, mas Sora não queria mais ouvir. Eram aqueles homens que o haviam levado para o inferno que foi a sua vida até hoje. Foi o seu próprio avô que o havia negociado e vendido! Ele tinha voltado para as garras de um monstro. Tentou ignorar os homens, mas não conseguiu. Precisava saber o que tinha acontecido, o porquê deles o terem largado para lá, sem família para trabalhar desde que havia nascido. “Não comece com isso novamente, Rafael! Foi você que veio até mim naquela noite do parto, chorando a morte daquela mulherzinha sem caráter e pedindo para dar um fim no seu próprio filho! Sempre soube como eu sou com crianças, seu petulante, você sabia o que aconteceria com ela e não se arrependeu, pior, se acostumou com a ideia durante todos esses anos! O real problema para você é o mesmo que o meu: o que fazer agora que ele voltou a assombrar nossas vidas só que, pra piorar a sua situação, nem mesmo os remédios que eu queria dar para ele surtirão efeito, a criança comeu da sua própria comida..."

Agora sim Sora estava aterrorizado. Seu pai não o queria, sua mãe estava morta e seu avô queria se livrar dele mais uma vez, independente de como fosse. Olhou para o quarto à procura de uma maneira de fugir, mas sequer uma janela ele tinha e a porta rangia tanto que seria impossível passar por ela até a rua sem acordar a casa inteira. Teve que rezar para que seu destino fosse melhor do que ele achava que seria: a morte.

“Não podemos o devolver para aquela fazenda. Eles nos matariam se soubessem que temos algo a ver com o sumiço de um dos escravos”. Um suspiro profundo se seguiu e o garoto se sentiu um pouco mais aliviado, mesmo que soubesse que não deveria estar. “Existe um homem”, disse o velho. “Um homem em uma cidade bem longe daqui que faria de tudo para ter mais um filho” Rafael retrucou com uma voz mais centrada, como se finalmente estivesse focado em sua missão sem nem um pouco de honra “Ele não está velho demais para ser adotado? Fez dezesseis anos há exatamente um mês atrás...” O velho riu. Parecia que haviam esquecido que o principal assunto da conversa estava no quarto ao lado. Talvez não se importassem com isso. “Não sabia que era tão sentimental, filho. Sequer sabia que se lembrava da data de nascimento desse menino...Mas não seja idiota, quando eu disse desesperado para adotar uma criança, eu falei realmente sério. Não interessa a idade, ele só quer a possibilidade de ter outro filho, é um sonho. Pagaria qualquer quantia para isso e tomaria por si próprio a necessidade de manter as origens dele em segredo, para a segurança do adotado. Isso nos traria de volta ao casarão!”

Adotado? Sora adotado? Essa ideia jamais tinha passado pela sua cabeça. A ideia de ser filho de um outro alguém parecia divertida e impossível. Não gostariam dele. Já fora chamado dos piores nomes, humilhado tanto fisicamente quanto psicologicamente. Fugiriam quando vissem as cicatrizes nas suas costas ou na sua mente. Segurou sua vontade de rir e esperou que o homem estivesse realmente louco por um menino qualquer para ser seu filho e não que seu avô estivesse loucamente desesperado.

“Vou confiar na sua decisão, pai. Se acha que esse cara realmente virá buscar esse menino, eu acreditarei em você.” As palavras de Rafael machucaram ainda mais Sora. O homem sequer conseguia o chamar de filho. “Vamos dormir e esperar que a sorte chegue a nós amanhã”. Mais passos ecoaram pelo assoalho. “Não vou esperar até amanhã, idiota. Vou marcar tudo hoje mesmo e já deixar o garoto pronto amanhã. Quanto menos tempo ele ficar aqui, menos provável que nossas cabeças sejam arrancadas.” A luz da sala finalmente apagou e Sora se preparou para dormir.

“Mais uma coisa, Rafael”, com a voz rouca de seu avô ele abriu os olhos novamente. “Todo dinheiro que eu receber em relação a esse menino será apenas meu. Você só vai receber a vergonha de não conseguir olhar seu próprio filho nos olhos e dar um destino para ele. Boa noite”.


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