O céu, a terra e o meio do caminho escrita por Hanako


Capítulo 2
Nascimento


Notas iniciais do capítulo

Espero que tenham uma boa leitura! :)



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Era o início da noite quando ele nasceu e sombras tomavam o quarto iluminado apenas por uma pequena lâmpada de luz alaranjada. O fio à mostra levava a lâmpada a quase encostar-se ao único móvel, a cama de casal onde a mãe se sentou enquanto seu filho nascia. Nem mesmo os pregos na parede ou a vara que a sustentava tirava aquele brilho quente e incômodo do rosto daquela mulher grávida, mas ela não parecia se importar quando o bebê nasceu. Não se tem notícias de seu peso ou altura porque não havia médicos ou alguém que se importasse com isso naquele recinto. Ele estava vivo e era isso que importava. A mãe foi a primeira a tê-lo no colo. Com delicadeza, olhou para o rosto choroso e sorriu “Ele é o meu Sora e sempre será”.

Não é que ela ou alguém da família tivesse uma descendência japonesa ou algo do tipo de ligação com a cultura, o que acontece é que, quando criança, a jovem se divertia com um pequeno dicionário que traduzia o japonês para o português. Ao ver aquele pequenino em seus braços, percebeu que ele deveria ser contemplado como se olha para o céu. Ele era o céu do mundo dela. Sora, o céu. Seu sorriso foi enfraquecendo e alguém teve que segurar o bebê.

Naquele exato momento, o pai entrou no quarto. Sua mulher estava com o braço esquerdo pendendo para fora da cama, os cabelos negros tampavam parte do rosto suado de esforço e seus olhos entreabertos fitavam o nada. Desesperado, chutou a porta com força e fez o bebê chorar. Olhando para aquele que, na opinião dele, foi o culpado pela morte de sua amada, resolveu que não o veria nunca mais. Esperou que a parteira terminasse de dar banho no recém-nascido e o enrolou em um lençol de cama de solteiro velho e furado até a casa de seu pai.

A casa dele era bem próxima, não haviam muitas naquele povoado, mas aquela era realmente majestosa. De vista, maior que todas as outras e, por dentro, o dourado do ouro parecia cegar. Comparando com a casa do filho, sequer parecia que eles eram da mesma família, mas ao se casar com a mulher que agora estava morta, o jovem havia desafiado o pai que, como vingança, o desproveu de tudo o que tinha por direito. Agora, aquele velho rabugento era a sua única esperança. Para que pelo menos um desejo de sua mulher fosse concedido, ele anotou em um envelope que o nome dado ao bebê deveria ser Sora.

O avô de Sora não se importava com nada que não fosse dinheiro e uma criança gasta mais do seu bolso do que ele gostaria. Aceitou na hora a ideia de entregá-la para outra pessoa e, bem no dia seguinte, já levou o pequeno para uma fazenda cafeeira em troca de uma de suas dívidas pagas. O envelope também foi entregue e Sora nunca descobriu porque seu nome era aquele. Disseram-lhe que era o nome que um verme deveria ter e assim acreditou, jamais pensaria que alguém poderia ter contemplado um pobre coitado como aquele.

O pai disse que se arrependeu do que tinha feito, mas eu acredito que seja mais um remorso depois que descobriu como que o garoto cresceu. Eu ainda me lembro de quando vi as cicatrizes em suas costas pela primeira vez; eram tantas marcas que se tornavam incontáveis. Sora não gostava de falar a respeito, mas eu acabei descobrindo como elas foram se formando: sinais de desobediência.

A sorte é que, um dia, ele simplesmente resolveu que não passaria mais nem um segundo dentro daquela casa e se preparou para a fuga. Resolveu que seria no Natal porque todos estariam muito ocupados bebendo e comendo para se preocuparem com um simples escravo. Não levou muita coisa, pegou um saco de café vazio e colocou pedaços de pão e queijo lá dentro, junto de um cantil velho abandonado na dispensa. Não se preocupou com roupas porque era muito difícil ter mais que a que tinha no corpo e o costume facilitaria a sua vida caso tivesse que andar mais que o esperado. Olhou para os lados no caso de que alguém o visse e, descalço, pulou silenciosamente pela janela da cozinha suja de restos de comida da ceia que apenas começava.

Por sorte, tudo estava como o esperado. A porteira estava aberta e os cães estavam presos para não incomodarem as visitas. Tentar apagar rastros era inútil e, provavelmente, ninguém viria atrás dele, ninguém perderia muito tempo correndo atrás de um mero escravo. A única que talvez se importasse não morava mais ali, tinha partido há tempos atrás, lhe dando a chave do quarto em que ficava preso, como uma prova de confiança. Se a tivesse traído ou não, não se importava, desde que estivesse livre.


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