Mantendo O Equilíbrio - Finale escrita por Alexis terminando a história


Capítulo 36
Capítulo 35


Notas iniciais do capítulo

Olá, olá, olá, eis-me aqui de novo :)

Tem hora que olho pra data da última atualização e penso "vish, isso tudo de tempo?" e imagino que possa acontecer com vocês também rs
Galera tá se recuperando ainda o último jogo do Brasil - Murilo principalmente, ele era o que mais mordia a camisa de nervoso e o Hayden tem feito birra por competição com o Oscar, um novo queridinho para a crise de identidade do Vinícius hahaha

Enqnt eu dobro esses malucos...

Enjoy!



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Um pigarreio. Alto.

Eu e Aguinaldo retesamos onde estamos, na entrada da lanchonete do estágio.

É fim do expediente, nos encaminhávamos ao auditório para uma pequena solenidade de entrada oficial na empresa. Fizemos só uma parada na lanchonete para uma rapidinha enquanto o movimento estava baixo, sabíamos que a palestra poderia demorar um pouco. Meu chefe havia nos avisado sobre isso, então acabou que fiquei de papo com Gui.

Acontece que ele teve um momento de “iluminação” durante nossa conversa e não de um bom jeito.

– Senhorita Milena. Senhor Aguinaldo.

Lindo. Meu “primeiro” dia e já sou repreendida pelo supervisor de meu amigo. Retiro meus braços do dorso de Gui e antes que tente me explicar, o co-gerente de Marketing nos chama a atenção com uma direta. Ele não tem um tom de zangado nem nada, só mantem aquele alerta. Afinal, havia nos pegado num momento de “descontração”, que poderia ser interpretado como “comprometedor”. Bom, ele quem escolheu ir pelo caminho errado, eu não devia ter culpa.

Mas na verdade eu tinha. Muita. Só que noutra questão.

– O expediente pode ter acabado, mas ainda temos sérias regras de conduta sobre... relacionamentos afetuosos no ambiente de trabalho. Vocês deviam reler aquele folheto.

Penso em ficar na minha e só acatar como se fosse realmente aquilo que o cara insinuava, porém, tive um lampejo de me defen... nos defender daquele pensamento errado. Não passávamos de amigos. Só que Gui me corta.

Se ele já não tava muito de bem comigo, parece pior quando responde ao seu chefe, numa postura educada:

– Não som...

– Desculpe-nos, senhor. Não vai acontecer novamente.

Assim que o homem assente e sai, que eu ia perguntar por que ele tinha dito aquilo e não ter esclarecido logo, Gui ajeita sua camisa e iria seguir o outro. Tive que o deter, segurei-lhe pelo braço. Podia estar chateado como fosse comigo, mas ele não me deixaria falando sozinha, ainda mais depois dessa.

– Gui, me dá uma chance, cara.

Ele vira o rosto para não se dirigir a mim diretamente e balança a cabeça em negação. Seu tom é baixo quando me dá alguma resposta.

– Não. É melhor eu ir.

Aguinaldo estava realmente chateado. Do tipo sério, que crispa a boca, fecha os olhos, massageia as têmporas e tudo. Podia ele não querer discutir, só que, depois de tudo isso que foram as últimas semanas, não sei, não quero estragar isso também. Por isso me agarrava ao modo que eu podia para consertar as coisas, ainda que não tivesse noção de como faria. Pois Gui havia me deserdado.

Não era brincadeira dessa vez.

E ainda assim, eu tentava.

Estávamos de boa até minutos atrás conversando na mesa, ele brincando de tentar me roubar minha gelatina (a lanchonete atendeu minha sugestão!), quando quis saber sobre como estava meu irmão. E como as coisas tinham acontecido, pois ele não via a ligação Murilo e André para acontecer como aconteceu.

Bom, eu também não tinha aquela informação. Quer dizer, explicar como Murilo descobriu. Apesar de boa parte dos esclarecimentos ter vindo de Aline, o resto não veio nem com meu irmão ou namorado. As coisas continuavam suspensas, e eu vaga quanto a isso em específico. Mas acabei contando que havia entrado numa briga feia com André, que Filipe me defendeu e, de alguma forma, Murilo entrou nesse quadro. Eu jurava que Flávia devia ter comentado algo do tipo com ele.

Pelo visto não.

A ficha de Gui demorou a cair esses dias todos, resolver de tilintar logo nessa conversa. Que eu havia omitido o caso, sendo que no dia, ele também estava na empresa. Reconstituindo os fatos, foi isso que entendeu, que eu não fui capaz de confiar o bastante nele.

E, ok, quando ele botou isso em palavras reais, me senti mal. Abaixei a cabeça até, porque eu tinha me esquecido disso também. Às vezes eu posso ser bem estúpida. Mereço mesmo essa sua reação, eu praticamente o ignorei para não causar mais alvoroço do que já tinha.

– Só não quis que você se prejudicasse.

Gui, por outro lado, se revoltou. Quando depositou o copo na mesa, que antes detinha seu suco, agradeci por ser descartável, pois se fosse de vidro, poderia ter quebrado. Mas foi só para seu copo que eu consegui encarar, estava envergonhada e sem ter o que lhe justificar, tanto que permaneci na minha, amassando os lábios enquanto meu amigo parecia explodir em “silêncio”. Estávamos num ambiente muito aberto para aquela discussão, então ele abaixava a voz, o que não a impedia de sair raivosa.

– Não estaria nem aí! Eu não precisava ser protegido desse jeito. Eu quem deveria ter te protegido! Aquele FI-LHO-DA-MÃE!

– Bom, Murilo fez o “serviço”. Não é o bastante?

O que estava feito, estava feito, era o que queria dizer. Só que soou de outra maneira, acho, pois Gui não gostou nadinha. De pronto, ele revida, e no meio de seu falatório, que saía praticamente entredentes, ele apenas para. Para, inspira e muda de trilhos, enquanto busca uma calma, até porque alguns pares de olhos se voltavam para nós naquela lanchonete.

– Não, Lena, não! Essa foi foda, cara! Me fazer de idiota, tudo bem, eu aguento, mas não confiar em mim? Eu poderia ter quebrado ele lá no estacionamento e... Quer saber? Minha encanação maior não é pelo maldito, é por você não ter... Olha, eu sei que não devia estar brigando com você, se já tem muito com o que lidar e nada leve, então vou simplesmente me levantar e não vamos discutir. Apenas saiba que eu não gostei.

Eu o magoei.

– Gui! Não. Por favor, me ouve.

Com uma mão ao ar, ele quis me barrar. O que vi em seu semblante, não foi bonito. Era um aborrecimento grande. Eu fiquei de boca meio aberta buscando a palavra que na realidade não queria dizer sobre isso. Mas tinha que dizer, para ter certeza.

– Nem tenta, Lena, nem tenta. Não quero mais nada por agora.

– Você est...?

Ele a diz por fim.

– Estou te deserdando. De verdade. Sinto muito, mas é. Sempre estive aqui por você, só... só não hoje. Ou pelos próximos dias.

E foi aí que ele levantou, pegou a mochila dele ao lado e ia fazer aquela saída dramática quando eu pulei da cadeira e o abracei por trás, nos prendendo ali numa tentativa inoportuna de me redimir. Ele era meu melhor amigo, droga, e eu era uma péssima pessoa. Ele poderia me perdoar, não?

Só que eu devia ter em mente que era melhor aceitar aquilo ao momento e nos dar um tempo para pensar sobre o assunto.

– Me desculp...

Estava com o rosto de lado, mas grudado às costas dele, que mantinha a mochila nas mãos e ele quis se mexer para se desvencilhar de mim. Até ouvirmos o pigarrear.

E agora assisto a ele, passo a passo, seguir caminho para o auditório e me resta apenas suspirar, e segui-lo sem vontade alguma de ouvir qualquer outro discurso, mesmo que fosse do R.H. sobre bem-vindas. Para Gui, eu não seria bem-vinda.

~;~

Após a palestra, que se demorara um pouco, eu segui com o fluxo de pessoas para a saída. Não tinha sinal de Gui, não sei nem por onde ele se sentou. Enquanto a equipe do R.H. reforçava algumas coisas lá no palco do auditório, que abria para conversas sobre dúvidas dos novos estagiários sobre coisas da gestão, eu me mantinha longe. Conversava com Vini por sms.

Ele não poderia me buscar, estava com um caso complicado no serviço, tiveram que chamar a equipe toda para trabalhar o dia todo e ele nem sabia que horas iria sair. Por um momento ele se preocupou e quis dar um jeito de ir me pegar, eu que não deixei, insisti para ele continuar lá, que eu faria algo a respeito. Murilo comentou mais cedo que demoraria também no centro meteorológico, então eu poderia ir encontrá-lo lá. Só precisava de uma carona. Se não conseguisse, iria de ônibus mesmo pra casa.

Só que, conforme aquela solenidade toda acontecia, fui ficando bem enfadada. Dessa vez tinha entrado muitos estagiários de uma vez só, por isso fizeram esse “encontro”, coisas do R.H. Nem comentei sobre isso da discussão com o Gui para Vini. Aí sim que ele iria querer deixar o trabalho para me ver. Bom, não era de meu desejo atrapalhar ninguém, assim daria meu jeito, depois eu comentaria por acaso. Enquanto tentava não ficar com aquilo na cabeça, também fiquei jogando no celular. Daí um tempo parei para não consumir demais uma bateria que poderia vir a necessitar. Não ouvi mp3 por isso também.

Se não tinha o costume de brigar com Flávia, com Gui... esse mesmo que não discutia. Não séeerio assim. Sequer lembro de uma coisa do tipo. Tem mesmo uma primeira vez para tudo nessa vida.

Volta e meia que o tempo se arrastava, procurei algo pra fazer. Aceitei até um chiclete de um colega na poltrona ao lado, para me distrair nem que fosse mastigando. Minha cama parecia tão longe que me faltava vontade de andar, principalmente procurar Iara que poderia me dar uma carona, sei lá. Eu não era entrosada com outras pessoas que tinham carro, então segui uma galera que se encaminhava para o ponto de ônibus dali perto. Já preparava todo um caminho logístico para seguir a fim de passar pelas lamas, afinal, havia chovido e já via que eu ia parecer uma pata andando porque minha sapatilha era daquelas que escorregava fácil quando em contato com água e piso, da calçada, liso. Nisso que ouvi um ou dois assobios, que achei que não eram para mim.

Eram. Do Gui. Ele me pega de surpresa.

– Onde você pensa que vai?

– Hãã... Pro ponto de... ônibus?

Aponto para a galera que continua seguindo o caminho. Aguinaldo parece incrédulo. Eu não devia estar muito diferente.

– Acha mesmo que te deixaria pegar um tráfego desses? A essa hora? Com esse tempo?

Fiquei sem ter o que responder. Ele não tava de sacanagem não, né?

– Será que vou ter que arrastar pro carro?

– Você disse q...

– Vem.

Ele me pega pela mão e me faz voltar o caminho da entrada, para seguir então para o estacionamento do fundo. Ainda ando com cuidado, me segurando nele, que sai me puxando. Tava maluco de fazer aquilo naquele piso, eu já ia avisar, mas aí...

– Te deixo na casa da Flávia, aí você liga pro Vini.

Eu paro no caminho, logo mais após a fachada de entrada da empresa. Ele não solta minha mão, só pausa porque eu estava lhe exigindo respostas. As pessoas ao redor, enquanto isso, formavam aquela muvuca de entrada e saída, fim e começos de expediente. Para o turno da noite ficavam a galera da segurança, da limpeza e às vezes alguns técnicos de informática. Eles pareciam não nos notar.

– Pensei que você tivesse me odiando.

Revirando os olhos, Gui tentou me puxar para continuar andando. Aí riu. Não o mais belo de seus sorrisos, só um risinho, o bastante para me tranquilizar.

– E ainda estou. Mas sou decente.

Expiro, me sentindo uma boba. Balanço a cabeça em negação, me achando idiota de ter pensado que Gui me abandonaria, ainda que merecesse. Não estávamos nos redimindo, eu sei, porém, aquele seu gesto me aliviava demais – e me livrava de um baita engarrafamento num ônibus-lata-de-sardinha. Agradecida, abracei ele. Não queria ter que dizer mais coisa alguma, evitar que se chateasse mais e piorasse meu caso.

Gostava de abraçar as pessoas justamente por isso. Um abraço poderia dizer mais que eu deveria e conservar uma sanidade melhor. Aguinaldo deve ter sacado isso, pois também foi carinhoso de me abraçar de lado e beijar-me o topo da cabeça.

E aí veio. Outro pigarreio.

Nos desvencilhamos e demos de cara com aquele seu supervisor. Sem graça, dessa vez nada respondemos e só damos de ombro quando o homem faz sinal de que está de olho em nós, e rimos porque ele faz isso em modo brincalhão. Teria ele assistido a cena de Aguinaldo me buscando na esquina?

Agora que o cara acha mesmo que somos um casal. E reconciliados.

Caminhando para o estacionamento, não consigo evitar comentar sobre isso:

– Eu devia colocar uma placa nas suas costas dizendo “melhor amigo”.

– Você devia era parar de me agarrar. Sei que sou gostoso assim, mas tenho dona.

Mais uma vez, eu parei. Que comentário mais cafajeste! Cruzei os braços ante ao carro e não podia acreditar que ele estava me dizendo aquilo. Quer dizer, ele devia estar zangado comigo, não? Cadê aquela carranca toda dele? Fico besta.

– Eu não sei se te mato ou te puxo as bochechas, isso sim.

– Hey, não complica teu lado.

Ah tá, a chateação ainda está lá. De alguma forma era reconfortante.

– Ok.

– E não suja meu tapete.

Acho que ainda não era hora de ele me ver pintada do lado dele.

~;~

– Desculpa, Milena, hoje falta só o papa me ligar.

Disse uma Djane cansada que quase não tinha força para sair do assento de motorista. A mulher mal tinha um olho aberto, bocejava bastante e estava só o bagaço. Praticamente a reboquei de lá, a forcei a tomar um banho enquanto esquentava seu jantar. Por ela, só apagaria na cama, mas quando disse que mal tinha comido hoje, não hesitei em tomar a frente, independente de seus protestos. Ignorei meu próprio cansaço para isso.

Não fui ao centro meteorológico. Quer dizer, estava indo para lá quando Djane me ligou perguntando se eu estava com Vinícius, pois seu filho não a atendia e ela não achava a chave de casa. Algo relacionado com a zona que estava sua sala e sabe-se lá onde isso teria se enfiado, ela chegou ao ponto de desistir e por isso verificaria com Vini a chave dele. Bom, eu tinha uma emergencial na bolsa junto de umas minhas – a gente mantinha para qualquer caso, mas sempre respeitando a educação de bater na porta. Nisso Gui tomou o caminho da casa de Flávia e me deixou na faculdade, que era caminho mesmo, para encontrar Djane.

A professora ia me deixar em casa, só que quando sentei ao seu lado no carro, que vi a situação da mulher, achei melhor não. Embromei que fôssemos para a sua, que facilitaria para ver seu filho, assim ele não teria que ir longe e também devia estar bem cansado da jornada do dia no trabalho. Acho que o processador do cérebro dela já não tava funcionando bem, que aceitou isso rápido demais. Ou não quis pensar que seu filho teria que me deixar em casa de qualquer forma.

Por todo nosso caminho, assim que começávamos algum papo, o seu celular tocava. Tipo, todo momento MESMO. Ela tinha que atender, mesmo dirigindo, o que eu não via com muitos bons olhos se atenção Djane já não tinha muita daquele jeito. Ao que parece, o cara do conselho lá da reitoria tinha divulgado o número dela como informante sobre uma conferência tal, só que não devia ter sido pra ela, e tinha coisa que nem fazia parte de sua jurisdição e ainda assim o povo a ligava, exigia explicações, porque teve um erro de cálculo sei lá das quantas e tinha um prazo pra cumprir... enfim, tavam deixando a mulher doida, que ficou presa no meio da confusão que nem dela era ou tinha a ver.

Por que ela não desligava o celular?

“Porque pode ficar mais descontrolado se eu não intervir”.

A mulher queria abraçar algo que já não a competia. Mais uma ligação e eu mesma ia atender e mandar pra PQP porque era mais de 22h e seu expediente já tinha dado, pensei enquanto a empurrava pro banho. Confisquei seu aparelho, deixei no silencioso e coloquei o jantar à mesa. Mandei uma mensagem pra meu mano antes que ele ligasse me caçando e outra pra Vini não aparecer na porta de minha casa.

Mais apresentável, Djane se arrastou para a mesa já em pijamas e descalça. Era no mínimo engraçado, a mulher não lembrava nem onde tinha deixado as chinelas, e achou que não iria precisar, ela já tava muito zumbi para qualquer coisa. Fome tinha, muita, mas o cansaço se sobrepunha. Isso até a comida de dona Ana atingir seu olfato, aquele empadão de frango que só a mulher sabia fazer e eu também tava só no desejo enquanto preparava.

– Você viu meu celular, Milena?

Fiz cara de que tinha sido pega de pela pergunta, sem noção de onde poderia estar, mas imaginando onde estaria. Tava no fundo da minha bolsa, escondido, ainda no silencioso.

– Hããã... não.

Já Djane encarou aquilo como seus chinelos. Que não valia a pena procurar.

– Acho que pararam de ligar. Melhor.

Comendo, ela quis ser gentil de perguntar de meu dia, mas sua cabeça parecia em outro lugar. Acho que poderia ter dito que tinha usufruído do tíquete que ganhei para uma viagem no espaço, que visitei Marte, e só não deu pra pousar na Lua porque não ia dar tempo de voltar pra casa sem meu irmão perceber. Djane seria capaz só de perguntar como eu tinha ganhado o tíquete ou se eu tinha me divertido.

– Djane.

– Hum? Huuuuum.

Ao que parecia, o frango a deixava sã. Não tanto, só o bastante mesmo para apreciar. Ela comia rápido, agradecia dona Ana ter preparado aquele especial, gostaria de ter ido almoçar, não sei quem a atrapalhou, nem pôde vir em casa, Glorinha, sua secretária, se machucou na escada assassina, porque tava molhado de chuva... Ela ia falando tudo embaralhado.

– Mas ainda não me falou sobre como foi seu dia, querida.

– Foi... bom, eu acho.

Dou de ombros enquanto mexia nos talheres. Se colocassem dona Ana e dona Bia numa competição culinária, eu não queria ser jurada, só cobaia. As duas cozinhavam divinamente bem, seria difícil escolher uma delas.

– Você tá chateada.

– Não.

Djane, firme, finaliza sua refeição limpando o prato.

– Sabe que não foi uma pergunta.

– Mas já não tinham colocado aquela borracha na escada para não deslizar?

Essa foi minha tentativa falha de mudar de assunto. Tadinha da Glória, saiu manca. Acho que era vingança da escada por não fazer vítimas faz um tempo.

– Posso estar meio lenta, querida, mas ainda vejo o que está na minha frente.

– Não foi nada demais. Só o Gui que tá brigado comigo, ou “desbrigou”, sei lá, a gente meio que fez as pazes depois, mas ele ainda tá bem chateado. Aquela coisa toda do André e eu não ter contado a ele.

Recostando-se na cadeira, coçando os olhos, minha amiga-barra-sogra concorda com a postura de Gui:

– Devia ter contado mesmo. E não apenas a seu amigo.

– Aiiin, Djane, vai também entrar na fila do “devia ter confiado em mim”?

– Não sei, quão grande ela já tá?

A mulher já não tava para apagar? Talvez fosse hora de arrastá-la para cama. Mas antes de resgatar forças para isso, apenas escondi o rosto na mesa. O que me entregou, na verdade.

– Nossa, enorme assim?

– Djane!

Ok! OKAY. Eu devia ter contado. Um trilhão de coisas. Mas quando decido parar, respirar e contar, as pessoas falam que não querem ouvir. Quer dizer, com Gui foi assim. Nas suas palavras, “porque não quero saber de algo como se tivesse te obrigando a dizer”. Por quase todo o caminho, ficamos em silêncio. Silêncio seletivo, na verdade. Não era incômodo, me dava era um pouco de sono.

Aguinaldo me levava para o centro meteorológico, não conversávamos, o trânsito estava daquele jeito, parado, e só o som tomava o ambiente fechado. Consoante músicas iam passando, eu só vinha imaginando: ele não atualizou a playlist fossa dele. Era possivelmente o mesmo pen-drive com as músicas de dias atrás.

Quer dizer, ouvir uma música calma entre uma e outra é super normal. Mas seguidamente? É um pouco suspeito sim.

Respeitava aquele silêncio que ele havia proposto e tal, só que ele fazia minha cabeça maquinar demais. Que havia muito para lhe falar, assim como a tantos outros. Até então eu havia colocado à frente apenas Murilo e Vinícius, e acabei esquecendo de outras pessoas mais, com quem sempre contei e por causa disso os decepcionei. Quando soltei tudo sobre Denise para Flávia foi mais por desabafo e não tanto confiança. Não por vontade minha, quer dizer. Fui forçada pela situação. Ao revelar a história sobre Sávio a ela, no entanto, essa sim foi por vontade minha.

Aí vislumbrei o trânsito parado a minha frente e pensei... e se eu contasse, dessa vez, ao Gui? Ele merecia saber também. Naquela viagem, fez de tudo para se manter presente e protetor, questionou nas horas certas e ainda assim eu o afastei com negativas. Não é justo continuar o enganando, né?

Então por que não?

Trilha citada/indicada: Feeder – Feeling A Moment

Quando veio uma música amena que não conhecia, que li no visor do aparelho de som Feeder – Feeling A Moment, tomei liberdade e fui lá no volume, abaixei um pouco. Isso chamou a atenção de meu amigo, mas o chamei do mesmo jeito para ter certeza:

– Gui?

– Hum?

Eu que não ia começar com algo pesado. Sou doida, mas nem tanto.

– Como que tá... humm... as coisas com você e a Flá?

Sem se desligar do trânsito parado, ele não me cedeu muitas palavras. A pausa que fez foi só para poder me olhar de soslaio e me dar uma dica a mais. O dia em que eles voltaram foi aquele dia.

– Ótimas... Apesar dos apesares, claro.

Isso voltou a me desconcertar. Tanto que preferi também nem me virar para ele, fiquei puxando o zíper da minha bolsa para me manter fazendo algo. O “que bom” que cheguei a pronunciar não deteve a felicidade que deveria soar junto. Aí Gui aumentou o som de novo. A música era bonitinha, aconchegante e reforçava meu cansaço do dia. Fiquei prestando atenção por um tempo e a seguida dela era mais agitada, da mesma banda. Já não parecia fossa mais. Não deu pra espiar direito, só vi que o título tinha “bridges”. Escrevi no celular no bloco de notas para depois procurar, o carro se movimentava pouco, saía do lugar nem que fosse devagar.

Trilha citada/indicada: Feeder – Burn The Bridges

– Gui.

Sei que me ouviu, nem precisei abaixar o volume outra vez. Sei porque de repente ele virou o rosto para a janela, como se me dissesse para permanecer calada. Eu poderia, não me incomodaria, eu... só não queria. Ficar calada significaria para mim nenhum esforço para consertar as coisas. Eu não podia sentar e esperar. Já havia feito isso e foi assim que me meti em mais confusão.

Mas como lhe dizer isso se ele não parecia querer me ouvir?

Se era pra ficar chateado, que tivesse o serviço completo, oras!

– Gui.

– Não fala.

– Como você sabe que vou...? Ou o que vou f...?

– O tom. Te entrega.

É, isso entrega mesmo.

Fiz umas novas tentativas. Ele cortou cada uma, assim como ia costurando vagas de passagem por outros carros na avenida. Abaixei o volume da música lenta que se seguia, nem mesmo pude ler o título no visor, só me virei para o perfil dele.

Trilha não idenficada/indicada: Feeder – Tumble And Fall

– Mas...

– Não.

– E...

– Lena.

Cruzei os braços e inspirei, voltando-me para minha janela. Ao lado havia um motoqueiro sozinho, que pareceu ter me notado. Ele acena e me sinto mais decidida sobre contar. Só preciso de outra abordagem.

– Você tem razão.

É só a música que toma o espaço. Quando achei que ele não responderia, ouço sua voz baixa e amena.

– Obrigado.

– Me desculpe.

Novamente, não houve resposta imediata. Mas também nenhuma atrasada. Foi a aí que Djane ligou e ele mudou o caminho, a tempo de não ter pegado uma avenida que quebraria o sentido. Gui não reclamou, só ficou na dele. Esperei por músicas inteiras mais e nada veio dele. Por esse tempo que recalculei o que seria contar sobre aquilo da viagem. Acho que seria precipitado.

Basicamente, estaria agindo por impulso de me fazer ser perdoada. Como sair atirando coisas e atirando para qualquer lado na esperança de algo bater certo. Bom, já não acho que devia ser tão certo. Ainda bem que a chateação dele havia me barrado. Aquilo da viagem não poderia ser meu “primeiro tiro”, mas sim algo relacionado a nossa briga pra começo de conversa. Talvez sobre o porquê de minha situação com André? Ou o que era a nossa questão antiga?

É, eu tinha um rol de opções.

– Ainda quero te explicar.

– Não vamos começar de novo, Lena.

Me virei para seu perfil.

– Por que não?

– Porque não quero saber de algo como se tivesse te obrigando a dizer.

– Mas eu realmente quero falar.

– Mas vai parecer isso.

Depois eu quem tenho birra!

Revirei os olhos e tentei mais uma abordagem. Essa ele, felizmente, parece corresponder. Um beijo para o conselho de seu Júlio num domingo desses. De nunca mexer com o ego de um homem, eles se sentem ameaçados. Se era assim que eu tinha a atenção dele, que fosse.

– Só vai parecer que você é... talvez o melhor amigo que eu poderia ter.

– Não gostei desse talvez.

De qualquer forma, para nossa natureza de provocação, era normal.

– Por isso mesmo eu o disse. E Vini pode ter ciúme besta de amigo.

– Dane-se. Eu sou o primeiro.

Gui foi tão categórico que nem parecia que há minutos estava me ignorando ou me cortando. É possível que a convivência com muitas mulheres possa fazer um homem assimilar suas tendências “tepeêmicas”? Meu amigo se encontrava tão volúvel hoje que eu tinha minhas desconfianças.

Ele sabia, no entanto, que meu golpe era baixo. Ainda assim, isso melhorou nossa vibe. Me permitiu até uma brincadeira:

– Às vezes tu é tão “Flavia”! Ainda tem o Murilo na fila, viu.

– O Murilo não conta.

– Deixa ele te ouvir falar assim.

– Digo na cara dele.

Flávia e Gui se mereciam mesmo.

– Ok, já sabe que é meu MELHOR melhor amigo.

– É bom ouvir de vez em quando, sabe? Principalmente quando tu faz muita burrada. E, olha... você faz muita.

Fingi que não ouvi essa “jogada na cara” e ficamos em silêncio mais uma vez. Ele parou no estacionamento de trás de nossa faculdade, onde combinei de encontrar Djane. Aquilo significava que meu tempo tinha acabado. Fiquei sem jeito para sair. Ele pareceu revoltado e “tepeêmico” de novo:

– Obrigada, Gui, e me desculpe.

– Argh, sinto que vou ouvir isso uma vida toda. Que tanto tu já fez?

Meu amigo soou sério e brincalhão ao mesmo tempo que nem sei.

– Estava me referindo à carona, seu besta.

Ele fez cara de tédio, expirou e revirou os olhos.

– Mas o que queria te contar... bom, não temos muito tempo agora, né? Você não vai gostar.

– Mais do que a vez que me maquiou no auditório enquanto eu dormia?

– Mais... Acho que a medida de hoje.

– Porra, Milena.

– Estou tentando ser sincera. Me deixe ser sincera, ok?

– Não sei se tenho mais medo assim ou quando guarda as coisas.

E eu não sei odeio mais quando me tomam por meu passado condenável ou se não confiam que eu possa mudar. Não chego a dizê-lo isso, todavia. Quer dizer, não bem isso.

– Não diz essas coisas, eu não gosto.

– Desculpe.

Assenti um “tudo bem”. Sentindo novamente o cansaço me abater, tirei o cinto de segurança, peguei minha bolsa, destravei minha porta e abri para descer do carro. Logo que saía, Gui me puxou pelo braço. Não caí sentada, mas me voltei para ele, lá dentro. Incomodado, ele tirou o cinto de segurança de seu corpo e abriu a porta logo em seguida, ficando cara a cara comigo, o capô entre nós.

– Quer dizer... Droga, me desculpe. Por aquilo de mais cedo. Eu exagerei, tá, reconheço. Fui um idiota. Claro que te entendo, Lena. O que eu queria te dizer é que não precisava segurar o mundo nas costas, ok? Você tem a mim, ao Vini, ao Murilo, a Flávia, e muita gente mais. É chato você nos desconsiderar assim, entende?

Assenti em concordância e ele completou:

– Fiquei super mal lá no auditório, sem saber se levantava e ia falar com você ou se, sei lá, te mandava alguma mensagem. A chateação ainda estava comigo, claro, só que eu também não tinha esse direito de te exigir. Nada. Não quero te pressionar, caramba. Não precisa me contar só porq... não precisa, ok?

Ele tomou um fôlego para continuar, que aparentava se sentir tão mal quanto eu estava. Gui realmente não gostava de brigar, ou se separar “brigado” de uma pessoa. Ele é bem desses de por tudo em pratos limpos logo, dificilmente segurava algo para si. Mas quando segurava, aí sim, pode ter certeza que tinha bomba.

– E... droga, me senti pior quando te vi andar pra aquela parada de ônibus. Fiquei maluco. Não sabia se era porque não conseguia te deserdar ou porque você estava levando muito a sério o que eu tinha dito. Te chateei também. Eu...

– Eu sei.

– E-eu...

– Eu sei.

– Porra, Lena, me deixa dizer.

Ri um pouco pela mescla de sensatez e insensatez dele e não me arrependia. Nervoso daquele jeito ele ficava fofo. Ele não conseguia me deserdar. Não de verdade verdadeira e isso o atazanava.

– Não ri também, caramba. Tô aqui abrindo meu coração e...

– Gui, te amo, tá?

Ele inspirou, passou a mão nos cabelos e, ainda meio maluco, terminou assentindo.

– Ok, tá des-deserdada. Só... pelamor, não faz mais uma merda dessas.

– Ok.

– E se fizer, n-não... não hesite achando que vou me chatear. É claro que vou me chatear, só vou ficar pior se não confiar em mim. Porque você pode confiar em mim.

– Prometo que vou melhorar, vou me esforçar.

– Não prometa, só... Ainda estou muito chateado, você sabe.

Ele ainda estava agitado de nossa discussão.

– Tô vendo.

– Tô falando sério.

– Eu sei.

– Sério mesmo.

– Entendi.

– Só reforçando...

E aí voltamos ao silêncio de novo, sendo saudados pelos grilos. A área estava pouco iluminada e com poucos carros àquela hora. Em dez ou quinze passos eu estaria na portaria, para não ficar vagando sozinha ali. Fechei a porta do carro do meu lado. Aguinaldo, do outro, estava um pouco cabisbaixo e chutando pedrinhas, pensativo. Quando o chamo, já se apresenta mais calmo:

– Gui.

– O quê?

– Não precisa esperar.

– Eu sei. Só... Ok. Tchau.

Djane não parecia acreditar que havia mesmo uma fila de pessoas me odiando.

– Vocês não me pareciam estar brigando.

– A senhora viu?

– Um pouco antes de ele ir.

– Pro final ele tinha se arrependido de ficarmos naquela situação, mas ainda tá bem chateado. Tá todo mundo chateado no fim das contas.

Suspiro contra o pano da mesa, ainda de cara na mesa. Me sentia cansada do dia, só não devia estar no nível de Djane, que tomou uma postura mais séria nesse ponto da conversa.

– Estamos mesmo, querida. Mas posso apostar que no fundo, estamos todos chateados por não ter podido ter feito alguma coisa também, senão, ter percebido mais. Estamos chateados com nós mesmos.

Aquele frango levantava até zumbi pelo jeito.

– Não queremos condená-la, nem nada, ok? E eu te entendo tanto, Milena, que... Bom, eu tive amigos com quem contar na época em que o Vini se acidentou, mas por alguma razão não clara até hoje, eu simplesmente me afastei deles. Acho que estava tão no limite que sofrer sozinha me parecia o melhor. Achei que aguentava o tranco. Achei e achei errado, Milena. Você mesma me mostrou isso. Agora só queremos que veja também.

– Eu vejo. Via faz tempo, só não...

Doce, ela completa por mim:

– Achou que pudesse resolver por si.

– Achei.

– Precisa nos dar uma passagem, querida. Só isso que pedimos. Sei que confiança é algo difícil e, para você, algo que fora abalada tantas vezes, que não sei como pode ser essa menina fantástica e determinante que é. Não precisa falar tudo, mas se precisa de ajuda, ceda.

– Obrigada, Djane.

– Pelo jantar?

Levantei a cabeça e me ergui mais. Tinha um sorrisinho no rosto, mas não era bem um bom sorriso. Era de estar sem graça.

– Pelo puxão de orelha.

– Doeu?

– Um pouco. Mas era pra doer mesmo... A senhora devia dormir.

– Não me admiraria se já não estivesse. Amanhã vou achar que é sonho. Na verdade, não sei dizer se não estou sonhando. Como se sabe se não está?

Ok, a mulher já passou do ponto.

– Hora de ir pra cama. Vou lhe acompanhar.

Ajudei ela a se locomover e deixei entregue na cama. Assenti para qualquer agradecimento. E assenti para os pensamentos meus que vieram. Éramos mesmo parecidas. Até na zumbizice.

Eu ficava assim se não tivesse uma cota boa de sono, já ela, se ficasse muito cansada. Era como se o cérebro fechasse expediente e ela ainda quisesse fazer hora extra. Djane deve ter usado o último neurônio subornado para funcionar um pouco mais, pois logo que a ajudei a deitar, balbuciava umas coisas de relatório, a chave e “aquela máquina maldita do diretório” que vivia travando.

Assim que a deixo para trás, me pergunto se era assim que eu ficava, já que no outro dia não lembrava muita coisa. Me pergunto também se Vini ira demorar, porque a cama de hóspedes estava tão mais perto que a minha que passei a considerar em cair ali mesmo até ele chegar.


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Notas finais do capítulo

Gui *-------* Zangado ou não, sempre uma graça.
Mas bem que a Milena precisa ter logo é as orelhas arrancadas, né? Ê menina pra fazer confusão. E do tanto que ela arruma, acho que puxão de orelha é o que não vai faltar ^.^

Trechinhos do próximo?

"Ela logo volta para nossa bolha, pra me assistir ficar besta. De encabulada passo para tímida e agraciada, bem surpresa até, que vou passando por cada rosto daquela rodinha nossa [...]. Mal posso me conter por esse carinho deles. Quase me vejo sem o que dizer.
— Gente, vocês são... in-crííiii-veis!"

e

"Mas como tinha gente perdido ali, o Bruno principalmente, não deixou de perguntar mais sobre o que era aquilo, fazendo as ligações:
— Então... se a Iara, que trabalha com o Gui e a Lena, é filha desse cara, ela é... sua irmã?
[...]
Não era meu intento afastar ninguém, só respeitava os limites que um dia Vinícius havia traçado. Só que agora... para meu espanto momentâneo, ele mesmo os quebra, mais disposto:
— Tudo bem, Lena, e-eu poss... Eu quero falar sobre isso. Quero que entendam.
— Mas Vini...?
Ele apenas segurou minha mão e me olhou tão... sei lá, que só pude assentir."

E aí, já dá pra conspirar?

Volto em breve,

bjos,

Alexis.



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