Mantendo O Equilíbrio - Finale escrita por Alexis terminando a história


Capítulo 35
Capítulo 34


Notas iniciais do capítulo

Eis o real trambiqueiro! - tá, a Milena também tem uns créditos nessa.
Ainda bateu certinho com o clima de copa!

Espero que gostem ~estão gostando?~



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Entendo surreal como algo fora dos padrões conhecidos, e ainda assim, de uma lógica extremamente particular. É assim que dizem funcionar os sonhos e é assim que acho que deva explicar a cena que eu presenciava: Murilo, Renato e Filipe juntos tentando fazer Iara mudar de time. Ao que indicava, eles eram rivais naturais. Renato que me esclareceu: eles eram fluminenses, ela botafoguense.

Queriam porque queriam que Iara desistisse do "lado negro da força".

Pode uma coisa dessas?

No sofá, estava Iara numa ponta, Murilo no meio, Djane na outra ponta, Renato no braço ao lado dela e Filipe numa poltrona. Eu e Vini dividíamos uma no extremo voltado para Iara, dois que não sacavam nada de futebol. Porque até Djane tava sabendo mais que a gente.

E olha que seu filho vivia soltando referências cá e acolá sobre esse esporte. Acho que era uma ironia sem tamanho ele comemorar algo como um “gol” se quando um real “gol” fosse marcado, ele nem se movia. Murilo dizia que era desrespeitoso, e meu Vini só retrucava que não iria tomar partido. Meu mano pensa que um dia vá converter o amigo para o Fluminense. Pensa né, coisa que não é o forte da criatura, mas entre coagir meu namorado e evitar o assunto dessa semana, é claro que prefiro confiar no que ele faria pra transformar o Vini num torcedor.

Acho que Vinícius só torce se for ele quem tiver jogando e não, não quer dizer que ele jogue futebol, mas sim games de futebol. Vendo por esse lado, Murilo já o convenceu a jogar pelo Fluminense. Quer dizer, não sei. Eles jogam, eu não presto atenção. Eu já comemorei até gol contra, por isso Murilo nem liga pra mim. Já teve um tempo que ele era obcecado por times, jogos, campeonatos... com o tempo (e nosso birrento histórico), não sei bem, ele apenas se afastou. Mas não deixou o Fluminense por completo.

De qualquer forma, não deixa de causar um impacto. Quer dizer, quem diria? Logo Iara? Não falo por ela ser mulher, falo por ela ser justamente uma contra três. Iara revelou sua torcida logo que Renato comemorou que pegaram o jogo antes de começar, Murilo se dizia altamente chocado por aquilo e não acreditava que tinha “abraçado uma rival”. Foi mais ou menos quando Filipe contava que eles costumavam discutir muito por time que eu e Vini voltávamos à sala. Ainda ouvi Vini resmungar um “essa tarde vai ser muito longa” antes de aquela discussão voltar a tona e mais histórias “improváveis” chegassem aos ouvidos de todos.

Eu ficava meio que num impasse. Vinícius vinha “aguentando” aquilo desde o começo, sabe-se lá quando entraria em fuso. Se entraria... Provavelmente entraria. Mas quero confiar que não? Toda a aura do espaço mudava quando eu via o quão desconfortável ele ficava e basicamente só se mantinha ali por mim e Murilo. Ele sabia que eu via e eu sabia que ele via minha reação também. O que menos queríamos era forçar a barra, então acabávamos aceitando a situação por si.

E se não havia nada o que fazer, decidi que o melhor que tinha era aproveitar, se, afinal, todos estavam se sobrepondo sobre seus julgamentos e sendo apenas pessoas juntas, divertindo-se com aquelas colas que eram Murilo e Renato.

Era, de qualquer forma, um tanto estranho assistir aquilo, pois Iara não era de demonstrar indignação daquele jeito, ainda que fosse mais por brincadeira do que de verdade. Eles estavam pentelhando ela! Talvez estivessem tão imersos nisso que não notavam – ou não queriam evidenciar que notavam – que toda vez que ela chamava Filipe de pai, Vini faltava se afundar por completo na poltrona, desviando o olhar da cena. Para cobri-lo de seu comportamento, eu comentava alguma coisa para desviar a atenção e logo mais sentia sua mão apertar a minha, novamente em sinal de que aquilo o incomodava mesmo.

Eu não podia fazer nada se Vini tinha lá seus motivos. Manter-se na sala era até uma grande surpresa, eu esperava que a qualquer momento ele se levantaria e sairia sem falar nada, como outras vezes já fora rude. Estava se esforçando então, assim como os outros. Aos meus olhos, por outro lado, a situação estava até agradável. Talvez ainda de um modo assustador, mas... agradável.

Acho que Vini não queria me tirar isso.

– Uma vez meu pai me fez almoçar com ele vestido com a camisa do Fluminense!

Me permiti sair do que era essa bolha problemas e adentrei essa de sonhos, eu que não ia ficar batendo na porta para Vini se nem lá ele queria estar. Pois eu queria e por um momento acho que isso bastava. Ouvir uma história “íntima” sobre a relação pai e filha de Filipe e Iara tornava a aura do ambiente bem melhor. Uma vez se permitir imergir na conversa, de fato, acho que não se via o que era problema, intriga ou conflito.

Na realidade, eu achava graça. Nunca vi Filipe senão com roupas formais, até mesmo aos domingos. Apenas achei ISSO muito engraçado e Iara entendeu que era pelo caso que ela contava. Ela me repreende:

– Milena!

– Hey, não tenho time, nem vem.

Ela se vira novamente para os outros:

– Três contra um é injusto, sabiam?

Decidi ajudá-la.

– Verdade. Deixem a fidelidade dela. Fluminense até tá perdendo.

É quando vem o intervalo, que Vini expira como se fosse uma benção pela qual tava esperando demais, faltava agradecer pelo atendimento da prece. Dona Fanny havia deixado lanche na mesa, pasteizinhos, molho de ketchup e maionese, suco e gelatina, que os outros nem deram importância, só queriam comentar o jogo e novamente Djane foi engolida por aquela bolha. De fato, ela conversar normal com Filipe era de um espanto tremendo.

Bom, normal e de boa não era, só... interagia com ele sem lançar vasos, sapatos ou murros. Imaginava eu se todo mundo tinha tomado chá de “hoje vou me segurar” e se tomaram, por que não me avisaram. Acho que eu estava encucada.

Mal dei minha primeira colherada de gelatina, o doce se desfazendo gostosamente em minha boca, quando Vini, enfadado, serve-se também. Aponta para a bolha de conversas e, fingindo a empolgação mais fake da vida, comenta:

– Botafogo, hein?

Dei de ombros.

Eu não era ligada em jogos ou times mesmo, não sacava quase nada. Quer dizer, não mais que o geral. Apreciava de vez em quando umas figuras, como se fossem atores em grandes filmes. Costumava falar que se não gostasse da produção, ainda tinha que considerar a beleza de seus... agentes. O Gui ficava indignado quando eu fazia questão de dizer isso. Não era lá muito chegada no David Beckham, mas no Kaká... ah, isso era outra história.

Gui já havia me deserdado por meia hora por ficar falando de jogador não por sua função de jogador. Reclamava ele que postura de homem era assim, e jogo era coisa de homem. Era. De 22 homens, alguns gatos, outros nem tanto.

Mas eu ia revelar minha crush para Vinícius? Não naquela tarde.

Renato me salva quando levanta e se aproxima da mesa. Ele parecia espalhar aquela sua alegria de ser por onde passava, sempre. Até quando discutia na faculdade, costumava tomar toda a atenção para ele. O diretor caía e muito nas graças dele, eram bons amigos. Às vezes brigavam por besteira e todo mundo ficava achando que era sério, terminavam em risadas. Maléficas por maioria, mas quem sou eu pra julgar? Acho que eles faziam de propósito!

Eu faria!

Estava cada um na sua, Vini conversando baixinho comigo sobre minha teoria de maionese não funcionar sem ketchup e ele me lembrar do infame vídeo que uma vez Gui gravou de mim, em seu carro, falando baboseiras em grave estado de sonolência (ainda não detive os direitos desse vídeo, aliás, preciso lembrar de reclamá-los), quando Renato se virou para os outros e...

– Alguém está a fim de uma aposta?

Djane é a primeira a ir contra, olhando feio para Murilo, que nem deu tempo de se empolgar e Iara concorda com ela, assentindo. Mais de zoeira que outra coisa, na verdade.

O caso é que Renato insiste e aí veio a bagaça. Se Vinícius já estava indisposto para aquele teatro todo, piorou quando se viu numa situação limite. Basicamente, não era nada demais. Já na cabeça dele...

– Negativo.

– Mas amor...

Eita. Eita, eita, eita.

Mal viro e... Só vejo um brilho LINDO de ciúme na expressão já antes indignada de Vinícius e, olha, mordi até a unha, risonha para não chamar atenção para nosso lado enquanto rolava aquela ceninha de casal que era Djane e o professor Carvalho. Os outros estavam novamente imersos numa conversa sobre assunto, o que deu espaço para Vini ativar seu autocontrole e se aguentar. Ele devia se acostumar com aquilo, afinal. Não era nenhum bicho de sete cabeças, era... fofo. Se eu tinha os sentimentos mais ternos quando me chamava assim, que dirá Djane, ainda que na frente de todos aqueles seus homens de sua vida – Filipe não contava.

Ao meu lado e de costas para todos, o namorado massageia as têmporas. Me apoio em seu ombro e sussurro com cuidado:

– Respira, Vini.

– Eu só... Hum.

E vira um copo de suco de uma vez.

– Não foi uma provocação.

– Eu sei, eu só... urgh, é tão... estranho.

– Quem sabe se você sorrir mais, não melhore?

– Mi... não começa.

O tanto que ele já viu de Murilo, devia ter aprendido algumas coisas. Principalmente sobre o quanto aquele comportamento de protetor podia machucar o outro. Sua mãe não era uma menininha, nem precisava de cuidados e ele tampouco perderia o carinho dela.

Mas também não jogo uma coisa dessas. Para bons lucros, bons primeiros passos. Melhor que abordar de cara é jogar só a semente. Podia ser um passo a passo lento, porém, necessário. Assim, que fosse de pouco mesmo, e nada melhor que utilizar-me dessa situação.

– Eu não tô dizendo nada.

Só que ele entende logo o que quero plantar.

– Só tá sugerindo, né?

Mais uma vez dou de ombros.

– Sugestão é sugestão.

E deixo-o sozinho perante a mesa para participar do que era a discussão sobre a aposta que via. Minha tomada de partida também era uma sugestão, de que Vinícius poderia muito bem começar com a simples interação, que era o que todo mundo ali na sala fazia e podia ter certeza que era com muito esforço. Por que ele não fazia sua parte também?

Bom, que ficasse a critério dele.

Cheguei pelo menos bem a tempo de ouvir essa de Renato:

– E qual o problema de uma aposta? Só não envolver dinheiro.

Rio e olho pro Murilo, que me recebe passando um braço por meus ombros, a fim de me integrar naquele papo. Não resisto e falo logo, ainda que encabulasse meu irmãozinho:

– Digamos que da última vez alguém inventou uma aposta maluca e eles, além de terem perdido FEIO, acabaram humilhados por nós, garotas. Melhor você também não se traumatizar, viu, Renato, Djane se re-ve-la na hora.

Eu era um charme de pessoa, viu.

Preciso dizer que vi brilho de animação nos olhos de Renato ao mencionar minha sogra? E que Djane tão logo me repreendeu por entregá-la fácil assim? O melhor mesmo foi uma voz calma, mas certeira, surgir atrás de nós, trazendo a bandejinha de pastéis às mãos e declarar:

– Só me coloquem do lado de minha mãe. Eu que não quero apostar contra ela de novo. Mas se resolvam logo, o intervalo já vai terminar.

Sorri. E VI. Vi Djane assentir contente pela iniciativa do filho, que até então se mantinha à parte em tudo e então se reintegrava como se nada mais importasse. Ele ia melhorar aos poucos, eu tinha certeza, e a cada passo eu iria apreciar, mesmo que demorasse. Com a guarda baixa, Vini voltou para nossa poltrona e logo novas apostas começavam a rolar.

Acho que ali era um recomeço. Um bom e arquitetado recomeço.

~;~

– Então é o senhor o gênio do mal que armou tudo isso, hein?

Esse é dos meus!

– Não fiz nada demais, minha jovem.

Vô-sogro Júlio bate sua mão na minha, que trazia ao colo, ele muito alegrezinho pela “reportagem” que eu apresentava sobre aquela tarde em particular. Ao acordar de seu descanso, fez questão de me chamar no quarto para conversar. Logo vi que ele queria saber era dos babados que rolava na sua sala e, aparentemente, era eu quem ia soltar tudo. Ah, sabichão! Vinícius não tinha noção mesmo de quem era seu avô.

Que, olha, tava se saindo um belo de um trambiqueiro!

Mas só eu que levo a fama...

– Sei. Só jogou certas pessoas numa mesma casa sem temer o perigo.

– Do que me lembre, você mesma já havia feito uma dessas.

Facepalm. Ninguém ia esquecer aquele aniversário pelo jeito.

Seu Júlio passa o braço por meus ombros e me traz para si num abraço de lado. Estávamos sentados na lateral de sua cama, lado a lado.

– Mas não se sinta mal, querida. Antes de tudo consultei Djane, ela estranhou, claro, e nem por isso negou. E perguntei também se ela queria vir com Renato, se assim melhor se sentisse. Ela concordou. Apenas pedi que ninguém se excedesse, mas sim estivesse aqui como um apoio, já que todos estavam interessados numa mesma coisa. Ver como estavam você e seu irmão. Um encontro de paz.

Só não me avisaram.

– Então... todo mundo levantando a bandeira branca.

– Isso. Talvez não fosse o melhor momento para conhecer o Renato, em vista de muitos conflitos, no entanto, olha como até agora foi bom.

– Ah, eu conheci o senhor numa delegacia e ainda pedi um favor, isso devia ser fichinha.

Ou devia mostrar minha tamanha cara de pau?

– Ah sim, verdade. Foi adorável. Digo, conhecê-la. Me surpreendeu bastante, sabia? Ali vi seu carinho por meu garoto. E por Djane e até por meu filho desnaturado. Vocês, Lins, apenas nos conquistaram. Estamos retribuindo então.

– Eu talvez nunca tenha como agradecer o bastante.

Balanço os pezinhos ao chão e fico cabisbaixa como uma criança sem jeito. Porque era uma gentileza sem tamanho. A forma com que fomos adotados ao seio dessa família supre muito a carência que às vezes eu e Murilo tínhamos, já que era só eu e ele, e ficar tanto tempo longe da família, fica certo vácuo em nosso dia a dia. Claro que nada toma o lugar do calor de minha mãe, pai e avós, é só que... amigos se tornam família também. Com eles, não me sentia aleatória, mas sim parte.

Ao notar, meu gracioso vô-sogro faz um carinho ao meu braço ainda junto de mim.

– Acho que alguém roubou o que eu ia dizer...

– Então estamos quites? Por enquanto, claro.

– Se você diz, quem sou eu pra contrariar...

Ele ri gostosamente. Acabo deitando a cabeça em seu ombro, pensando um pouco além sobre essa situação. Ele era um trambiqueiro de bom coração também.

– Bom, o senhor estava consciente sobre os conflitos.

– De fato, pensando bem agora... não sei se lidei bem... com esses conflitos.

– Por que acha?

– Apenas que são muitos? Espero não ter colocado ninguém em má posição.

Na realidade, colocou. Nada que ninguém confessaria, aposto. Pelo menos não tão diretamente assim para meu vô-sogro. Suspiro, novamente balançando os pés. Estavam um pouco distante do chão, era uma cama alta. Prefiro nem pensar nele rolando essa cama e caindo de tamanha altura.

– Eles estão se esforçando muito. Murilo de alguma maneira serviu como cola para os cacos daquela sala. No último tempo do jogo Vini não estava falatório, mas também já não tinha uma cara feia. Djane não conversa “diretamente diretamente” com Filipe, porém, tenho notado ela muito próxima de Iara nos últimos tempos. Não tanto, só... bem mais próxima com relação à antes. E Renato... aquele ali anima até defunto. De algum jeito eles estão sabendo equilibrar as coisas. Nunca imaginaria que seria meu irmão a fazer uma mágica dessas. Quer dizer, um domingo pacífico. Um lucro surpresa talvez.

Acho que vô-sogro percebe que ainda me sinto uma menina precisando desabafar ao meio de uma “reportagem”, pois ele pega e aperta meu nariz como uma brincadeira para chamar atenção para um fato. De como todos tinham uma ligação conosco de uma forma que valia a pena aquele “sacrifício”, de darem trégua a seus próprios conflitos. Impressionada, me sentia amada, aceita e até mesmo cuidada, de uma perspectiva boa, claro. Apreciava de verdade isso.

– Acho que cada um se importa com vocês às suas maneiras a ponto de fazer esse esforço, minha pequena, foi nisso que eu apostei. O que meu filho fez... e por quê ele fez, me deixou muito orgulhoso.

– Não gosto nem de pensar o teria acontecido se ele não tivesse...

– Shhhh, passou, ok? Passou.

– Eu sei. Estamos bem aliviados nesse sentido... Precisava ver como foi quando consegui falar com Filipe. Simplesmente não me aguentei, apenas o abracei forte e ele, muito modesto, disse que faria de novo e de novo se fosse preciso. Sei que posso contar com ele e tal, só que vê-lo na ativa, sabe, por assim dizer, daquele jeito, e... dedicado a ultrapassar quaisquer julgamentos só pensando em nosso bem... Que eu posso dizer? Não é nada do Filipe que discutia comigo ou me oferecia dinheiro.

É definitivamente uma grande mudança. Já não o via dessa maneira faz um tempo, mas aquilo que havia se disposto a fazer... Bom, me surpreendeu muito também, não dava para negar. Só que minha empolgação e minha forma de externar isso, notei, infelizmente após ter dito, que não era apropriada. Às vezes eu tenho a boca do tamanho do mundo e quando abro para coisas assim, fico danada pela bola fora, com vontade de bater a cabeça na parede pra ver se ela volta ao normal. Não acredito que tô falando uma coisa dessas logo pra seu Júlio!

– Ai, desculpa, eu n-não devia... Não devia falar dessa maneira. É seu filho.

– Tudo bem. Filipe já errou muito, tentando, ao jeito dele, fazer o que era certo ou o que achava certo. Vem esses tempos trabalhando para consertar, isso que é bom. Ele acordou.

– É, também vejo por esse lado. Só que quando eu acordei naquele dia, só sei que fiquei doooida achando que algo tinha dado errado. Nem ele nem Iara me atendiam! Muito depois que me explicou, que ele tava com um problema de bateria, e Iara havia esquecido o celular em casa mesmo... Tsc, eu só pirei por nada.

Cruzei os braços, ainda indignada por aquilo. Já meu vô-sogro, aparentemente, quis me animar. Me sacaneando, claro.

– Essa é a minha garota.

– Vô Júlio!

– Agora está tudo bem, só esperando as coisas voltarem ao normal.

Suspiro e não é um bom suspiro. Prefiro que ele veja a eu ter que esconder. Quer dizer, qual seria o propósito de disfarçar se ele tinha conhecimento de causa sobre aquilo?

– Senhor sabe que não é assim que funciona.

– O que importa é estão tentando, senão hoje teria sido um desastre, não?

– Tem hora que o senhor nem parece saber o risco que corre.

– Ou sei bem demais pra enfim colocar uma ordem ao que negligenciei por anos.

Ele ainda se culpava por ter se afastado de Vini e Djane para não “compactuar” com o que era a situação dela com Filipe. Na sua cabeça, se não concordava com a nora ou com o filho, o melhor era não se meter. Manter-se longe acabou por aumentar a confusão, pois assim não havia mediador, e os dois guerreiros ficavam digladiando enquanto o alvo tentava ao máximo fugir dessa, na época, inexplicável situação. Todos enfim têm algo pelo qual se redimir e tentar. Nesse sentido, seu Júlio tem sido o melhor pai, avô e sogro que pode.

– Mas não nos detenhamos mais a isso, minha Lena.

Só que...

– E se?

– E se o quê?

Mordo o lábio e viro o rosto, foco na porta entreaberta e... Dane-se, eu precisava falar sobre isso com alguém. Era como estar atrás dos panos enquanto lá fora ainda rolava o teatro.

– E se eu me deter... a aquilo... novamente?

– O que quer dizer?

– Que é impossível não ver? Que acontece para todos verem? Que não importa os esforços de Filipe, Vinícius não cede? E quando cede, não é por si? Que provavelmente teme uma reaproximação? Que desgosta do fato de estarmos, diria ele “infelizmente”, mas “inevitável”, atrelados ao seu pai? Que por todo esse tempo, Vini insiste em guardar aquela mágoa e... impede, sabe? Por mais que baixe sua guarda em dadas situações, ele estende um muro instransponível. E se respeita o pai de alguma forma, é por pedido de outros... Eu não consigo ser indiferente a isso. Sou consciente de minha hipocris...

– Milena, você já tem tanto na cabeça.

– Mas é tão inevitável e doloroso de ver!

– Não pense mais nisso, ok? Deixe como está que as coisas podem encontrar seu rumo. Tem tanto para se centrar no momento, espere a poeira abaixar.

– Para o senhor ver, justamente, tenho tanto para lidar e ainda assim, não dá pra ignorar. É quase gritante. Quando Vini me vê com o pai...

Eu tava dedurando, eu sei. Dedurava justo o cara que eu amava, que cuidava de mim, que me apoiava, que me protegia. Isso não era traição, tampouco armação. Não era contra ele, era um bem, eu acreditava nisso. E acreditava que, sei lá, precisava mais que um almoço, uma tarde de bandeira branca, para que Vini acordasse também. Juro que não queria forçar a barra, só... não sei bem como lidar com isso. Só vejo perdas e mais perdas enquanto fica do jeito que está.

– A gente já discutiu feio sobre isso. Ultimamente ele não tem ficado tão transtornado, mas, porque né, as circunstâncias são outras. Não quero o colocar numa má posição, mas também não quero que se comporte dessa maneira... só que é escolha dele e... Argh, sei lá, só me sinto frustrada.

– Não fique assim, querida. Só machuca.

– Eles estão se machucando na minha frente e o senhor quer que eu...?

Antes que termine minha sentença, seu Júlio intervém. Ele era outro que ficava de mãos atadas só podendo não mais que assistir.

– Não, não. Também é duro pra mim, entenda. Não tenho muito o que fazer.

Só que não queria desistir ou ficar de braços cruzados esperando. Seu Júlio ri de minha nova tentativa, talvez esperando qualquer plano ou ideia maluca. Bom, não era. E não era nem minha ideia.

– E se?

– E se o quê, minha menina?

– E se o resultado da investigação... O senhor sabe, não sabe?

Meu vô-sogro assente, desgostoso. Ambos sabíamos que aquilo era mais arriscado que um simples “domingo pacífico”, eram mais variáveis a se considerar e corações em jogo. Nada de questões sociais ou comportamentais, mas sim de corações mesmo. Toda mágoa, raiva, ressentimento... e arrependimentos. Até então eu não havia mexido naquilo, nem mesmo contado a Murilo. Porque eu não tinha noção de qual próximo passo dar e tanto já havia acontecido nos últimos dias que não pude simplesmente jogar isso no meu mano. Mas posso e confio em seu Júlio para isso.

De seu tom antes atencioso, ele muda para receoso.

– Ele não deveria ter contado a você. Pelo menos não naquelas circunstâncias.

– É, provavelmente não naquelas circunst... Mas se Filipe lhe contou...

Então deve ter dito sobre o que fez. Quer dizer, o que fora a confusão que Iara havia suscitado por alto, algo que dado ao momento não pude perguntar. Nem a ela também, imaginei que seria indelicado.

– O que ele fez, afinal? Iara estava bem nervosa quando mencionou, e até agora não sei bem do que se trata.

Ao virar-me para seu Júlio, ele aparentava que não era uma coisa sobre a qual queria discutir comigo. Insisti, de qualquer forma. Porque, poxa, acho que eu merecia saber a missa toda. Não me imaginava deixando aquilo de fora.

Mais relaxada, as palavras foram deslizando quase sem eu as poder deter:

– Filipe só me disse sobre o detetive, que achou a família. Posso ter estado muito envolvida com meus próprios problemas, mas estaria mentindo se não dissesse que é algo sobre o qual penso...

Isso o pega de desprevenido.

– Pensa?

– ...muito. Sim. Me importo com ele, de verdade. O senhor sabe que sim. Vinícius não gosta, às vezes discutimos sobre isso, mas tenho culpa de ter esse coração que inventa de entender tudo e a todos?

Por outro lado, Júlio se mantém tenso, repreensivo. Quase que indignado.

– Mas ele não devia... não àquela hora.

– Ok, não foi das melhoras horas mesmo, mas, seu Júlio, que hora mais seria? Se eu já tinha pouco contato com ele, imagina se eu não tivesse conseguido o estagio lá na empresa. Sei que pedi que me desse qualquer informação sobre o caso, porém, pensando bem... Filipe iria me dar essa info? Alguma que fosse conclusiva? A qualquer hora ele poderia ligar? Eu não tenho essa certeza, não mais.

Novamente o tom bondoso dele veio, a fim de tranquilizar e quase dar por encerrado essa conversa. Entendo o que quer dizer, contudo, ele não consegue me dissuadir com isso.

– Milena, querida, apenas se atenha a tudo isso que você já tem para se preocupar.

– Tenho muito, de fato. Mas se em coração de mãe cabe mais um, mais dois, como coube ao coração de Djane, e se em casa de mãe Joana, aperta mais um, mais dois, como fomos agregados aqui, por que não? Vinícius pode me odiar, quem sabe, pelo que vou dizer. Que posso ter mais que carinho pelo seu pai. Posso amá-lo, mesmo por tudo que já passamos e o senhor sabe que não foi exatamente pouco ou normal. Não como deveria ser uma relação sogro-nora.

– Fico emocionado de ouvir isso, Milena, mas ainda assim...

– Já estou envolvida, é o que quero dizer. Não do modo mais conveniente, claro. Mas e daí? Até o Murilo tá nessa. Foi ele quem deu a ideia, lembra? De procurar informações sobre Viviane. Alguma hora vamos ter que abrir o jogo para Vini, e aí... preciso de mais informações. Quer dizer, quero ajudar. E se tem algo que eu possa fazer, farei. Só preciso saber o que aconteceu. Afinal, não tivemos tempo para que explicasse mais e eu não quis ligar, porque não é bem algo que se fala por telefone.

O velho homem ao meu lado passa uns minutinhos em silêncio, absorvendo e quebrando cabeça sobre tudo que acabei despejando. Aquilo sobre a tarde e a “reportagem” não só fora esquecido em nossa conversa, como foi deixado para depois. Não era nada como seria o baque que, imagino, seria em breve na cabeça de seu neto.

Vinícius não poderia cogitar que eu estaria agindo por debaixo dos panos de tal maneira. Tinha meus certos temores também sobre como iria reagir a isso... Eu só evitava pensar enquanto não era tempo de ponderar esse caso.

Por fim, com um suspiro e um “se você insiste, então...“, meu vô-sogro decide abrir o jogo, ainda que relutante. Pareceu ter escolhido o que me diria e devagar foi pontuando as coisas:

– Filipe quase não comentou nada comigo, se não fosse por Iara. Após o episódio de vocês, de ter se refugiado no apartamento dele, quando eu estava de saída de lá, ela fez insinuações para meu filho. Como ele não contava, Iara mesma me contou. E para nossa surpresa, Filipe disse que... ele chegou a mencionar a você. Que havia encontrado a família, quer dizer. É claro que brigamos com ele por isso, você não estava num estado bom para ouvir problema dos outros.

Acho que seu Júlio poderia ser capaz de repetir isso por toda uma vida só porque sou teimosa. Só esperava que não me desse a versão light, porque a situação era intensa o bastante para pularmos isso.

– O detetive ia investigar mais sobre a família e tal, agora que descobriu de onde veio a mãe de Vinícius. Só que Filipe encerrou essa busca. Apenas ele sabe dessa família e... Ele quer desistir do plano, por assim dizer, Milena.

O quê?

– Medo sabe-se lá por ele não só ser rejeitado mais uma vez por Vini, mas por essas pessoas, que perderam a Viviane por causa dele. Eu não sei bem o que é porque ele não nos deixa nos aproximar. Filipe tem me evitado nesse quesito esse tempo todo para você ver. E, Milena, por favor, não faça nada. Vamos apenas confiar que ele voltará a si.

Ele suplica porque sabe que quando algo me dá na telha, eu ajo.

Mas me pego surpresa por essa atitude de Filipe e por subitamente ele meio que... desistir. A essa altura do campeonato. Explicava bem a inquietação de Iara naquele dia, assim como a tortura que, imagino, era para Filipe. Seu filho só o aceitou por mim. E o “aceitava” hoje por Murilo.

E isso era errado.

– Eu... posso tentar. Ainda assim, gostaria de poder falar com ele.

Seu Júlio me aperta ainda com um braço por meus ombros, acabo me aconchegando a ele, esse avô que também reaprendia a ser avô e cuidava de sua cria.

– Sei que sim, querida. E se me permite dizer, apesar de evitar tratarmos desse assunto, Filipe não deixou de ligar um dia sequer para perguntar sobre como vocês estavam. Faltou botar Iara doida para ter informações sobre isso. Ela na verdade sabia mais que eu, por causa do amigo de vocês, aquele garoto, o Gui, que contava mais. Djane não é muito de detalhes. Ela estava respeitando alguns limites, imagino.

– Obrigada por me contar.

– Eu quem agradeço, minha neta... Vamos para a sala? Acho que é melhor aparecermos.

– Tudo bem.

– Mas me prometa primeiro que não vai fazer nada. Nada nada nada mesmo.

– Errrrr... ok, eu prometo. Só que uma hora vamos ter de contar ao Vini e não vai ser lindo essa coisa tod...

E era bom eu começar a fechar mesmo as portas quando o assunto fosse sério, pois Djane aparece no vão da porta entreaberta. Sabe-se lá há quanto tempo estava ali e o quanto teria ouvido de minha conversa com seu Júlio, porém, pela forma com que, apreensiva e hesitante, se apresentava, eu cogitava que não devia ser muito senão esse suposto final.

– Como assim? Do que estão falando?

Apenas me volto para meu avô-sogro. Mais uma vez essa tarde eu havia plantado uma semente e deixava a critério do outro sobre o que fazer. Se deixar que brotasse, se deixar que permanecesse como semente, esperando melhores condições para se desenvolver.

Minhas esperanças se reavivavam.


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Notas finais do capítulo

♡♡♡♡♡♡♡♡♡♡♡
Há muita esperança, não? Quem tá torcendo pelo Filipe?
P.S.: algum fluminense ou botafoguense aí? Só digo que não sou de nenhum desses times.
Mas também não comemoro gol contra. Já é algo, né? ;)

Trechinho do próximo?

"Recostando-se na cadeira, coçando os olhos, minha amiga-barra-sogra concorda com a postura de Gui:
— Devia ter contado mesmo. E não apenas a seu amigo.
— Aiiin, Djane, vai também entrar na fila do “devia ter confiado em mim”?
— Não sei, quão grande ela já tá?
A mulher já não tava para apagar? Talvez fosse hora de arrastá-la para cama. Mas antes de resgatar forças para isso, apenas escondi o rosto na mesa. O que me entregou, na verdade.
— Nossa, enorme assim?
— Djane!"

XD

See ya!



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