Mantendo O Equilíbrio - Finale escrita por Alexis terminando a história


Capítulo 160
Capítulo 159


Notas iniciais do capítulo

E O NATAL CONTINUA - em pleno maio nosso - com muita badalação de corações!
Fica a pergunta desde já: é pra matar o Murilo ou não?



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Uma verdade conhecida sobre Djane é que ela sempre levanta cedo no dia a dia – até mesmo em dia de Natal. Ela me contou isso faz muito tempo, antes mesmo eu namorar seu filho, que, à época, estava de volta a sua vida, a sua casa e confundia meus sentimentos.

Mas hoje era um Natal diferente – BEM DIFERENTE – e com visitas em casa. Não sei nem que horas ela foi dormir, se 4h ou 5h da manhã, sei apenas que antes das 8h já estava na cozinha preparando o café. Vinícius o mesmo. Quer dizer, ele foi o anfitrião que arrumou a mesa, fez sala para meus avós e ainda deu um pulinho na cozinha para preparar as coisas todas junto de Djane.

Eu, por outro lado, amanheci às 8h30 com Murilo quase me empurrando da cama pra entrar no banho e me arrumar, para podermos ir à casa de seu Júlio. A criatura até tentou me roubar o celular quando sacou que eu estava concentrada demais no aparelho, por ter a reportagem completa do namorado, que mandava updates de sua casa desde as 7h53. Com fotos e tudo. Até solzinho no terraço pegou com minha avó e conversou aos montes com meu avô. Sem provocações. Sem picuinhas.

Uma dessas conversas começou por meu avô perguntar sobre uma das vigas da garagem e isso rendeu todo um papo sobre planejamento arquitetônico. Vini disse que não tava falando para impressionar, só mesmo demonstrando algumas coisas pela casa e como às vezes pensa em reformar uns pontos da propriedade. Não que Djane saiba ainda. É um segredinho dele que compartilhou com o vovô – e comigo.

— Anda, Lena! Dorme lá!

Eu juro que tava tentando não ser violenta com essa peste, juro mesmo. Mas ele me apressando desse jeito tava me dando vontade de ser mais lenta nos meus passos. Isso porque já estávamos de saída e era papai que estava demorando no quarto. Me levanto do sofá o mais devagar possível e com uma leve espreguiçadinha provocativa.

— Isso tudo só pra brincar com o carrinho?

Sério, considero comprar o raio de um autorama pra ele de aniversário de tanto que meu irmão ficou aficionado pelo brinquedo. Mas sei que não é pra tanto. Até porque a verdadeira história dos presentes de Vinícius se tratava de outra jornada, uma sua com seu pai. Não eram meros brinquedos, eram presentes acumulados de uma vida reconectando os dois. E conectando mais três e quatro e cinco, porque a pista de carros também atraiu a Iara, que levou o Sávio junto.

Uma das formas dela de distrair meu mano do incidente da piscina foi fazer o Sávio ir pro escritório pra ficar lá com o Murilo, assim ele não pegava no meu pé ou no de Vinícius.

— Vou ter pouco tempo até a Lia chegar.

A peste falta me puxar da porta para me empurrar pra fora de casa e pro carro.

— Ela só vai depois do almoço.

— E eu quero aproveitar o tempo antes do almoço.

— Ai, seu coisa.

— Também te amo, viu. Mais ainda se andar rápido.

Murilo permanece às minhas costas, todo agitado, pra incentivar meus passos. Incentivava uma retaliação minha também.

— Essa tu tem é que cobrar de papai. Afinal, cadê ele?

Mamãe também tava fora do mapa. Não sei se quero saber se eles dois estariam aprontando coisas no quarto.

— Se ele souber que tu já tá no carro, ele aparece, pode ter certeza.

E eu implico porque sim.

— Então eu sou só uma estratégia? Tô vendo esse amor.

— Drama tu também pode fazer lá. Agora, por favor, entra no carro?

 

~;~

 

— Oi, senhor arquiteto conquistador!

Saúdo o namorado próximo da escadaria da varanda, que me avalia todo garboso. Chegamos praticamente juntos, um carro (cheio) atrás do outro. Como quase de praxe já, fui deixada para trás pelos meus familiares. Vinícius, no entanto, me esperou.

Me esperou também, aposto, para me provocar sobre a brincadeira de ontem. Ops, de horas atrás.

— Olá, namorada... hmmmmm... sedutora.

— Eu, onde?

— Você tá com o cordão.

Levo a mão de imediato ao pingente de smile rosinha que ele me presenteou faz um tempinho. Foi o dito cordão que ELE me seduziu pra aceitar. Porque eu era – sou ainda?— orgulhosa assim. Apostei errado, pelo jeito, agora e naquela época.

Mas me faço de boba, claro.

— E você, ué!

Vinícius toca o seu pingente e até ajeita para ficar por cima da camiseta.

— Seu avô perguntou dessa bonequinha também, sabia? Ele tá cheio das perguntas agora, todo interessssssaaaado.

Abro um sorriso ainda maior, toooooda interessada também.

— E o que disse?

— Que era você, ué. Que seu apelido na minha turma da faculdade é “bonequinha”.

Gargalho de levar a cabeça pra trás porque até eu esqueço isso às vezes. É também uma coisa que quero investir mais no ano que virá, se a monografia não me triturar por completo. Ao menos mais aparições para começar.

— Tu faz é rir, né? Também ria no meu sonho.

— Sonhou comigo hoje, namorado?

— Sonhei com muitas coisas desse Natal aloprado.

A expressão misteriosa de Vinícius instiga, assim como o passo para frente para se juntar mais a mim, de maneira que pega meus braços para levar ao seu pescoço e depois suas mãos alcançam minha cintura, para logo mais descer para dentro dos bolsos de trás do meu short, o que aprecio bem demais, desejosa de ter um momentinho off só com ele.

Mas é Natal e em família e famíliaS grandeS. Fica só a vontade mesmo pra outro momento. Pra bem breve, se possível.

— Parece um sonho muito bom.

— Você não faaaaaaz ideia. Aliás, não faz ideia do que foi fugir do Murilo ontem. Quer dizer, na madrugada.

— Fugir?!

— Sim, de repente todo mundo queria pra eu tirar a camisa.

— E o que tinha a camisa?

— Você não lembra, namorada? Vou ter que penalizar você.

Mordo o lábio com graça e ainda voando no tópico.

— Dependendo da penalidade... Mas o que tinha camisa?

— Seus souvenirs. Poderia explicar os arranhões nas costas, mas a mordida...

Solto um estalar de língua em sinal de “eita” e deito a testa ao seu peitoral, sem saber o que dizer e querendo rir loucamente do perigo que nem notei passar. Parecia a história da camisinha surpresa na sala da casa de novo. Dessa vez não daria pra responsabilizar os duendes ou deixar apenas interrogações. Seriam certezas e certezas íntimas demais a público. Os detalhes de felicidade que não devem ser compartilhados senão pelo casal.

Meus pelinhos do pescoço se eriçam todos ao passo que Vinícius se abaixa mais pra mim e roça pela pele da região. Enquanto ri nervoso da situação passada, sua respiração quente me ativa eletricidades ademais.

— Por pouco meu pai não viu também. Fiquei driblando um e outro, porque, né. É algo pra ser só entre nós dois....

E com um beijo quase mordido ao alto do meu pescoço, ele sela:

— Algo bom entre nós dois.

— Fez bem, namorado. Ou não teria sobrado muito de seu rostinho pra contar história. Dou até beijinho pra sarar mais rápido.

Divertida, dou de fato um beijinho ao seu ombro por cima da camiseta branca, mais ou menos no ponto do tal souvenir, o que acaba por o atiçar. Juro que dessa vez não era a intenção, mas em arte de flerte a gente pode perder a mão em dosar algumas coisas.

— Acho que vou precisar de algo mais.

Encaro seus olhos intensos e enquanto considero a proposta, nossa bolha é estourada por Filipe que surge à porta da casa, e, com um pigarreio, nos interrompe:

— Milena, o Murilo tá chamando por vocês dois.

Por trás do ombro de Vini, assinto em agradecimento pelo recado e com um sorrisinho só até o ponto de Filipe entrar de volta na casa.

— É sério, eu vou matar o Murilo.

— Não vai não. Não em dia de Natal.

Suspiro com essa ao encarar a expressão de determinação de Vinícius.

— Golpe baixo, sabia?

Um novo roçar de seu nariz no meu é sua resposta junto de um “sabia” sussurrado.

— Talvez até deixe seu irmão ganhar na pista.

— Negativo. Tem que detonar aquela peste.

 Então nossa bolha é estourada outra vez e... Por meu pai. Na mesma posição de Filipe segundos atrás, só que com a postura mais séria. Sim, papai sério e assustador pro genrinho dele.

— Milena.

De instantâneo, Vinícius me solta, como que pego com a mão na botija – o que, de certa forma, ele estava.

— Vou em um minuto. Ele sabe que não tenho como andar mais rápido.

E por isso mesmo, irei ainda mais devagar.

Assim que papai some, dou mais um beijinho ao namorado, dessa vez ao rosto, que, piscando os olhos rapidamente, só assim parece acordar do transe.

— Respira e bora, que o perigo já passou.

— Isso até seu pai me encarar de novo.

Vinícius de fato toma um fôlego, todo desconcertado, o que eu nem queria rir. Então inverto a situação – ou melhor, sua sensação:

— Ele não morde, eu mordo.

Isso sim o traz de volta, pois exclama:

— Esse é o tipo de perigo que gosto.

 

~;~

 

Ouço uma música baixa passar através da porta do quarto de Iara antes de eu dar umas batidinhas lá. Não reconheço bem a melodia, só sei que o trecho que capto é calma como uma música de ninar. Seguro o trinco e percebo que a porta está trancada.

— I, tá se trocando?

Será que me ouviu?

Filipe só me disse que até ainda pouco ela estava no banho e possivelmente estava de ressaca, pois bebeu bastante vinho na festa e demorou pra aparecer pro café da manhã. Iria ver como estava, mas preferi eu vir. Tinha eu um bom argumento para convencê-la a aparecer: assistir o Vinícius detonar a peste naquele brinquedo.

Faço uma nova tentativa.

— I? É a Milena. Tá me ouvindo?

Ouço que a porta é destrancada e, sem entender, encaro a madeira como se fosse revelar algo. Com cautela, abro um pouco e enfio a cara no curto espaço.

— Tá tudo bem por aqui?

 

Evanescence – Good Enough

(4:40)

Pelo trecho que ouço melhor sei que é da Amy Lee – ou melhor, do Evanescence – apesar de não sacar de primeira qual canção é. Com certeza não é My Immortal. Fico uns segundinhos só observando o quarto num estado meio abafado e escuro, com as janelas fechadas, tentando me situar.

Evanescendo, ou seja, já desaparecendo, a música recomeça com um piano em um claro repeat. Iara não me responde, só se deita na cama, escondendo o rosto na zona do seu lençol embolado, abatida.

Me movo para entrar por completo e fecho a porta.

— De ressaca, é?

Iara só diz, baixinho:

— Tranca, por favor.

Passo a chave antes de encarar ela de volta.

— Algum problema?

— Se alguém perguntar, eu tô com dor de cabeça.

— E você tá?

— Um pouco.

— Tomou algum remédio?

— Não. Só preciso ficar quieta agora.

— Quer que eu fique aqui?

— Se não se importar.

Sento à beira de sua cama, próxima de seus pés encolhidos ao corpo.

— Não me importo. Só preciso saber o nome dessa música que tô aqui sentindo que conheço e não tô lembrando.

— Good enough.

Tenho a vaga lembrança de que essa tem clipe oficial da banda, algo que poderia conferir depois.

— Tá enjoada?

— Não por exato.

Continuo a puxar assunto, pra ver se consigo colher mais do que a voz fraca de minha amiga.

— Não sabia que você curtia Evanescence também. Essa música te acalma?

— Não por exato.

Não sei bem o que pensar, mas vez que está receptiva a mim e respondendo sem mascarar seus sentimentos, sinto que posso fazer perguntas importantes e não só tentar eliminar suas más sensações. Com calma, claro.

Começo por tocar em sua perna para que saia da toca que é o seu lençol ao rosto.

— I... Quer me contar alguma coisa?

Ela não responde, só suspira cansada. Me arrasto na cama para mais perto dela.

— O que está sentindo? De verdade.

A música chega ao seu cume e pesco alguns versos e sentidos. Em um trecho, a cantora pergunta “eu sou o bastante para você me amar também?” e isso me faz pensar que houve de fato algo de ontem para hoje.

— Discutiu com o Sávio?

— Não. Quer dizer... É, a gente não brigou. Mas ele percebeu.

— Percebeu o quê?

Iara enfim sai da toca, de enrolada em si para ficar de barriga para cima e encarar o teto. Apenas espero sua resposta.

— Bebi mais do que demonstrei. Bebi antes mesmo de chegar na festa. Tomei umas goladas ainda na casa do Sávio. Sem que percebesse na hora, mas depois ele desconfiou.

— E por que bebeu assim, I?

— Estava... ansiosa e nervosa e... conflituosa. E não sou de beber mesmo. Mas como vinho é algo que se bebe socialmente, né, as pessoas aceitam mais fácil.

Ela se move um pouco, colocando os braços ao rosto.

— O que mexeu tanto assim com você?

Outra vez ela suspira, mas não deixa de responder. E tão logo levanta o tronco do corpo, de modo que se apoie nos cotovelos ao colchão e me encare, mesmo quebradiça.

— O Natal. Eu sonhei por muito tempo com isso, Mi. Você sabe o quanto. Ou deve imaginar o quanto.

Assinto. E ela solta novamente o corpo à cama e seu peso reverbera por todo o colchão.

— Acho que só foi um pouco demais pra minha cabeça. Pras minhas lembranças. Pras minhas referências de Natal... A-acho que estraguei tudo.

Sua voz embargada me quebra um pouquinho, mas tento, como foi com Vini mais cedo, inverter a situação.

— Não estragou não, tá? Só mesmo o tapete branco quando descobriu sobre a gaveta de calcinhas.

Ela não ri e isso demonstra a seriedade. Ou uma sobriedade cansada. Não era hora de piadinha.

— Acho que só quis me despedir dessa música ou ressignificá-la, mas acontece que ela ainda me machuca. Minha avó ainda me machuca.

Isso explica muito.

Me aproximo um pouco mais dela para lhe fazer um carinho, mas Iara desvia ao levar a mão ao rosto e passar os dedos aos olhos, aparentemente, marejados. Então confessa, de olho para o nada e para as paredes ao mesmo tempo.

— Ela sempre me dizia... como eu era um nada. Me fazia sentir que não era o bastante. Que não havia nada o que eu pudesse fazer. E acho que não tinha mesmo o que eu fazer pra ela gostar de mim.

— Ela é uma pessoa bem mesquinha e cruel pelo que você sempre conta.

Com certo sarcasmo e ressentimento, Iara responde – embora pareça mais para si do que para mim:

— E eu não conseguia ser mesquinha e cruel com ela. Não conseguia dizer não a ela. Não conseguia dizer meus próprios sentimentos... Não conseguia... Ser o bastante. Pra ela.

Essa é uma dor e tanto e que o tipo de dor que realmente vem em situações que ativam pesadas memórias, como eventos familiares e comemorativos. Natal pode ser uma data bem complicada pra muita gente. Que só precisam de abraços e ombros e ouvidos.

Me mexo só o suficiente para deitar de lado com ela, que me cede um espaço. Fico em silêncio e a música termina por preencher o ambiente, além de nossos pensamentos, até que Iara se recompõe um pouco e assim me situa na sua história.

— O meu vizinho Luan me emprestava o diskman dele com alguns CDs, como os de Evanescence. E por uns anos, sempre no Natal, eu ouvia essa música. Ou só cantarolava mesmo. E esse ano pensei em me despedir. Ou me torturar, sei lá. Porque no primeiro verso veio junto com o vinho voltando. E o porquê de eu ter bebido e exagerado. E esse sentimento terrível de não ser amável para as pessoas. O que pode ser ainda o vinho falando.

Eu quero ouvir, dar meu ombro e abraços e consolo e tudo, mas não consigo não querer xingar essa velha podre e fazê-la queimar pela própria língua peçonhenta.

— Quem é terrível e não amável é essa velha caquética!

— Uma velha caquética que não sai de mim. Conseguiu estragar até o presente do Vinícius.

Viro o rosto para olhar melhor para ela.

— Como assim?

— O Luan também tinha uma câmera. Foi com ele que aprendi a mexer. Uma vez ele me emprestou por uns dias e minha avó encontrou no meu quarto. Ela quase quebrou! Disse que eu “não era pra essas coisas”. Que não devia nem pegar no que era do outro. Que eu...

Estico o braço num movimento rápido a fim de pausar a música em seu celular, na cômoda ao lado, que continuava a repetir e trazer todo um sentimento pesado. Até eu que não tomei uma taça inteira – que dirá várias goladas mais – me sinto nauseada de repente, como se a bebida estivesse voltando. Isso porque a letra por si só tem trechos semelhantes ao que Iara conta e por isso as memórias tão intensas. Sei que não tenho nenhum direito de ditar músicas que ela devia ouvir, mas tenho direito, concedido por ela, de parar. De dizer alguma coisa. De fazer alguma coisa. De ouvi-la também.

Com o vácuo da música, fica só o barulho longe do ar-condicionado ventilando e nossas respirações. A dela um pouco alterada pelo barulho na cabeça, observo.

— O que Murilo falou naquela hora... sobre ser melhor... Também tô tentando, Mi.

Mexo em alguns fios de seu cabelo, para tirar-lhe do rosto, e, com a mais calmaria que consigo diante da raiva da avó dela, deixo claro o que Iara representa pra mim. Ou melhor, o que de bom desperta em mim.

— Eu sei. E você tá indo super bem. Quem tá de mal a pior é essa mulher infernal. Que me faz querer tacar pauladas nela, mesmo sabendo que não posso me deixar levar pela ira. Que também posso escolher fazer algo bom. E escolho estar com você. Entre milhões de pessoas, escolho você, I. Escolho mimar você, escolho amar você. Escolho outras músicas se você quiser. Escolho tudo o que te traz boas sensações. Escolho aprontar junto, escolho... Escolho, de verdade, estar aqui com você. E preencher esse mural com você. Com as mais insanas e gostosas memórias.

Sei que minhas palavras nesse momento são só palavras bonitas, porque é algo que está além de mim e neste instante, além de Iara. Nem me cobro (ou a ela) de não ter notado nada por exato durante a festa, até porque ela estava em seu momento de atriz. Ao mesmo tempo, fico mais aliviada que o Sávio soube notar. E que sinalizou.

Permanecendo num tom baixo e quieto, continuo. Até parece que a música grudou em mim, por levantar alguns conflitos e questões significativas como a letra faz. Talvez meu modo de ninar esse coração tão ferido.

— Eu sei que esse sentimento ainda vai ficar um tempo com você, I. E que eu posso te dizer todas as coisas incríveis sobre quem você é como pessoa, o quanto significa pra mim e quão parte de nós é, e ainda assim isso pode te pegar.

Conflitos assim me pegam também vez e outra, entre confusões sempre. Mas o que faz meus olhos marejarem mesmo é ver o quanto isso machuca e machucou Iara. Fungo e sigo injetando determinação nela, mesmo que signifique fazer suas lágrimas descerem devagar.

— Acontece que depende de você acreditar. Escolher no que acreditar e em quem acreditar. Essa pode ser, inclusive, a última vez, o seu último Natal dolorido. Assim espero. E espero que pra breve você descubra de verdade a pessoa maravilhosa que é. Você fala pra mim e eu falo pra você, pode ser?

Ela assente com um fechar de olhos vagaroso e um leve balançar da cabeça.

— Quando cair a ficha, e tenho certeza que uma hora ela vai cair, aí sim você vai ver quão libertador é. E quero estar com você, lá e cá, e em quantos momentos forem necessários.

— S-só... Só continua me mostrando isso, tá? Me d-dizendo isso.

Contenho a emoção pra lhe confirmar.

— Vai ser um prazer.

Iara enfim toma um fôlego e passa o lençol ao rosto.

— Obrigada por estar aqui.

— Obrigada você por estar aqui.

E é aqui que posso, acho, acrescentar algo para suavizar seu coraçãozinho.

— E por me dar ideias doidas e geniais.

Me viro só pra pegar o celular na cômodas às minhas costas e me volto para a mesma posição, embora ajeite o travesseiro para a cabeça ficar mais alta. Fuço rapidamente os arquivos de Iara e assisto sua expressão mudar para uma mistura de atordoada e perplexa quando dada música ressoa de seu aparelho e me movo para poder levantar da cama. Era a tal de ontem que não dançamos.

Não era nada nova e ainda assim ela poderia reconhecer em milênios, tenho certeza.

 

Fergie – London Bridge

 

Deixo para trás o peso da existência que Evanescence destacava e me permito me abrir para as novas possibilidades de expressão que a Fergie determinava. Por uma boa causa, claro.

Nos primeiros versos estou ainda me posicionando, sem olhar para minha amiga. Começo estalando os dedos e deixando o ritmo me contaminar devagar. Logo estou de caras e bocas e pequenos passos meio rapper de como lembrava do auge de sucesso da canção. Chego a balançar os quadris e tudo antes do refrão.

A cara de Iara? Falta ir ao chão.

Enquanto sigo com a música, vou explicando, conforme dá:

— Pra você ver e sorrir... até danço de bota pra ver que... você é importante assim... assim pra mim. Que você é... das minhas pessoinhas preferidas. Porque eu não dançaria essa pra ninguém... Nem pro Vinícius... Pra você ver o nível.

Dou uma rodadinha no máximo que a bota protetora me permite e não paro:

— Um segredo meu e seu... que ficaria melhor se você tirasse uma foto... Porque é um momento único... não, melhor seria se dançasse comigo... Um mistério só nosso pro mural... O que acha? Se você conseguir.

Balanço a cabeça ao ritmo quando retorno a ficar de frente para minha estarrecida amiga. Quando achei que ela não se mexeria, Iara senta na cama. E me mostra que aperta no botão de colocar a música para recomeçar.


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Notas finais do capítulo

Ai, meu coração, gente.

"Escolho, de verdade, estar aqui com você. E preencher esse mural com você. Com as mais insanas e gostosas memórias" e "Você fala pra mim e eu falo pra você, pode ser?" *funga e assoa o nariz, pq o coração tá pequenininho*

MANDEM AMOR PARA A IARA QUE ELA MERECE MUITO MUITO MUITO AMOR ♥

Trechinho do próximo?

"- Eu também amo ela, sabe?
Ele assente, mais satisfeito.
— Gosto de vê-las juntas."

e

"Com um “eita, merda, o Vini vai me matar” em pensamento, umedeço os lábios e depois amasso um no outro com força.
— Então..."

e

"- Pai, tenho uma confissãozinha a fazer.
— O quê? Tem outro show seu que não tô sabendo?"

e

"- Caramba. Nunca achei que teria que defender o cara de você.
Entrecerro os olhos e ele faz que não é com ele.
— Tá dizendo que sou malvada?"

QUANDO EU ACHO QUE JÁ TENHO MEU PREFERIDO, VEM UNS CAPÍTULOS ASSIM QUE ME ROUBAM O CORAÇÃO.



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