Mantendo O Equilíbrio - Finale escrita por Alexis terminando a história


Capítulo 161
Capítulo 160


Notas iniciais do capítulo

UM MÊS INTEIRINHO DE UMA GRIPE TE-NE-BRO-SA QUE NÃO QUERIA ME LARGAR! Fui parar até na emergência!

E diferente de Djane (e do Vini e do Murilo, que estão agora de olhos entrecerrados pra mim), fiquei igualzinha a Milena: quieta, sendo boazinha, cuidei de mim, tô nas vitaminas e fiz somente o que dava (oi, trabalho) para poder voltar bem.

Cheguei até a sonhar que encontrava uma leitora num shopping e ela me dizia que tinha começado a ler MoE em janeiro e já tinha terminado todos os 6827304639840 capítulos postados e que era pra postar logo HAHAHAHA

Enfim, volto a lembrar vocês de irem no postinho de saúde e se vacinarem de tudo o que der :DD Não deu tempo pra mim, mas vocês podem ter uma chance.

AGORA PODEM SE DELICIAR COM ESSE CAPÍTULO NOVO QUE TÁ UMA LINDEZA SÓ! Sério, amei demais esse.



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Às vezes acho que o universo tem uma meta para bater a respeito das situações tristes que preciso passar. Triste não, embaraçosas. Sacanas. Doidas. Sei lá. Existe uma cota anual e aparentemente ainda não fechei minhas duzentas.

Permanece o acordo de não permitirem que eu tenha transportadores pela casa – mesmo o Vini e até o Murilo terem pedido que hoje fosse uma exceção. E ainda calhou de terem colocado o autorama no escritório da casa, por ser mais espaçoso para brincar, porém, esse era um dos ambientes mais longínquos. Assim levei uma vida pra chegar ao banheiro e já pensava no quanto teria que andar para voltar.

Considerava até estacionar na sala e sofá mesmo e esperar a chegada da Lia lá. Murilo tava aproveitando o máximo que podia para ele ser a criança da casa e eu não precisava testemunhar tudo.

Distraída, saio do banheiro para o corredor e topo com outro distraído. Só que a trombada é tão inesperada que eu quase me desequilibro. Filipe me segura a tempo pelos braços, me mantendo de pé. No entanto, num movimento meio sei lá que eu nem sei explicar, vez que mal pude ver, ele tropeça na minha bota e dá de cara na parede. Foi tudo tão súbito que eu fico até sem o que lhe dizer senão “ai, meu Deus!”.

Ainda mais quando vejo que do seu nariz desce um negocinho vermelho e aponto para ele. Filipe, por sua vez, coloca a mão sobre o rosto e se move para entrar no banheiro pra checar sua situação. Eu? Não deixo de pensar que “quebrei” o nariz dele pela segunda vez. Indiretamente, e nada de propósito, mas foi.

— Melhor levantar a cabeça. Ou deitar.

Com essa, acompanho-o para seu quarto, que fica quase de frente para o banheiro social, e a casa tá tão espalhada que não tem viva alma para nos perceber ali. A competição no autorama deixava poucos rastros sonoros pelo corredor, visto que a turma – Iara, Murilo, Vinícius, meus pais e Djane – estava confinada no escritório. O restante da calmaria se dava pelos idosos que haviam se retirado para seus descansos pós-almoço. Não iriam demorar muito, eu sabia, mas também não queria causar todo um alvoroço.

Por isso pego rapidamente um rolo de papel antes de seguir e apoiar Filipe até sua cama. Deito-o com calma e puxo um pedaço de papel para aparar um pouco do sangramento.

— Tá doendo muito?

— Um pouco só.

Poderia dizer que ele é como o filho, tentando amenizar as coisas, mas, na real, o Vinícius é tão dramático quanto meu irmão. Adoram chamar atenção.

— Isso é eufemismo pra “tá doendo pra caramba”, né?

— Estou bem, Milena. De verdade.

Bem bem sei que ele está, porque não foi algo estrambólico assim. De qualquer forma, faço o que faço de melhor: presto assistência ao acidentado.

Ainda mais que Filipe luta, esparramado de qualquer jeito na própria cama, para ajeitar sua posição, vez que as pernas estavam para fora e o corpo jogado ao meio do colchão. Coloco um travesseiro baixo só para confortá-lo mais.

Mesmo depois de ajustar sua cabeça, me vejo fazendo carinho em seus cabelos e percebo que nunca cheguei tão perto dele assim. Ao ponto de tocar-lhe a cabeça ou os fios. Os cabelos brancos davam uns contrastes lá e acolá, não tão grisalho. E são macios. Fáceis de se deixar levar.

Filipe levanta os olhos pra mim, atrás de sua cabeça.

— Pode ir, se quiser.

— E te deixar aqui sozinho e dor com dor? Negativo.

— Quero que aproveite seu Natal.

— Eu tô aproveitando meu Natal, não se preocupe. Não tava nos meus planos detonar o nariz do sogrinho, massssss...

Filipe sorri e depois franze o rosto, em inegável dor.

— Vou ver se consigo um gelo pro senhor. Capaz de eu demorar.

Tinha que avisar, né?

Quando vou levantar, ele me segura pelo pulso que mal capta.

— Não precisa. Logo logo alguém deve aparecer.

Com essa, permaneço. Mas não parada. Removo o papel, limpo dos lados do jeito que dá e cedo novos pedaços enroladinhos para que enfie na entrada do nariz. Por um segundo ou dois me pergunto se a Iara usa tampão e como os dois lidariam com a situação de enfiar um absorvente interno às narinas. Eu nem queria rir.

— Me diga uma coisa, Milena.

Enrolando o papel usado sem muito olhar e jogar ao lado da cama, respondo:

— Duas até.

— Minha filha tá bem?

Quase paraliso com essa. Considero disfarçar e fazer de conta que não há nada com Iara, mas Filipe foi bem certeiro em sua pergunta e sinto demasiadamente suas expectativas. Mas, claro, não posso deixar de acobertar a I como eu prometi que faria. Fiz ela ir lavar o rosto depois de dançarmos bastante no seu quarto e dei-lhe a certeza de que não iam perceber nada em sua face porque eu a guardaria. Como ela me guardou e me guarda.

Mas pai que é pai sabe ver além da maquiagem – mesmo sendo toda elaborada, colorida e brilhosa ao estilo natalino de ser.

— Ela tá. Agora tá. Com o senhor, ela fica bem.

Sei que entende o que eu quero dizer pelo pouco movimento facial que faz diante de mim. Com essa, Filipe abaixa os braços, também do cansaço de segurar o papel ao nariz.

— Ela falou da avó?

— Sim. E me deu vontade de dar umas... pauladas... nessa velha cruel.

Apesar de um pouco sério, Filipe equilibra seu humor:

— Também nunca tive tanta vontade de bater numa velhinha como nessa avó. Mas Iara precisava de mim livre, não preso.

— Fez bem. E fico feliz que resgatou ela de lá.

— Não sei nem o que seria de mim sem a Iara.

— O senhor costuma dizer isso a ela?

— Sim. Mas acho que pensa que falo de trabalho. Em qualquer cenário, eu não sobreviveria sem ela. Se precisasse, desistiria de tudo. Venderia tudo. Esqueceria tudo.

Uma vez conversei com a I sobre a insistência de Filipe de ir atrás do filho, de saber se sempre se tratava do Vinícius por conta das loucuras que foi aquele nosso primeiro contato. O tempo acabou falando mais alto: nem sempre foi sobre o Vini, mesmo que tivesse pensado que sim às vezes.

Porque quando a Iara sumiu, o Filipe me ligou em busca de notícias dela, preocupado. E quando sente que ela está com problemas das quais não quer conversar, ele também me sonda. Como foi com as trocas de farpas com Sérgio.

Filipe sempre demonstra atenção ao bem-estar emocional dela. Mesmo quando passa do ponto. Ele não queria que a I procurasse pela família da mãe porque sabia que eles não estariam interessados em ter algum relacionamento e que seria mais um grande baque de vida. Ao mesmo tempo, ela queria uma resposta.

Só que nem toda resposta é uma boa resposta e isso é uma das coisas que faz com que Iara se isole. Dá pra entender porque ela se sente tão insignificante para as pessoas. Acontece que essas são as pessoas erradas a se atribuir algum valor.

— Mas não vai precisar.

— Eu faria isso, Milena. Juro que faria.

Filipe estica um pouco a cabeça para trás para me olhar e me afirmar isso. Volto a ajustar sua posição no travesseiro para que não sinta mais desconforto que o necessário.

— Sei que faria. E no fundo, acho que ela também sabe. Mas alguns machucados como esse, e por tanto tempo como foram, podem demorar um pouco a sarar. E esse amor real é o que vai cicatrizar. Hoje, no entanto... Acho que a Iara precisa de pessoas que assoprem em seus machucados ao invés de só tentar fechar, sabe? Entender que ainda estão com ela. E isso não significa que não dá para ser feliz ainda assim. Só talvez demore um pouco para ela perceber que merece amor. Enquanto isso, enfatize sempre.

Termino com uma batidinha em sua testa que me arrependo no mesmo segundo. Filipe, porém, não parece se dar conta e acho até bom.

— Entendo. E obrigado por sua atenção com ela.

— Eu também amo ela, sabe?

Ele assente, mais satisfeito.

— Gosto de vê-las juntas.

Com uma pausa, o sogrinho tira o papel do nariz e dou-lhe outro pedaço.

— Ela também falou do Vinícius? Dos presentes do Vinícius?

— Do mural, você diz?

— Não, dos presentes acumulados. Estava feliz de finalmente poder entregar um dos brinquedos que tanto guardei, mas depois me peguei pensando se isso tinha refletido de alguma forma na Iara. Quer dizer, os acumulados dela já a presenteei faz um tempo. Muitos, inclusive, foram doados quando fizemos a mudança.

— Hum. Não sabia desses. Mas acho que não bateu de maneira ruim nela não. Acho que ficou realmente feliz de ver o senhor tendo esse momento com o Vinícius. Sei que não tenho como afirmar... É só o que sinto.

Sei que não posso confiar cem por cento nos meus instintos e percepção. Ninguém pode e é sempre bom ir atrás da fonte.

— Poderia perguntar essa pra ela, não?

— Não sei. Não sei se eu me sinto inseguro ou se tenho medo de que ela se sinta insegura. E agora descubro que meu filho também é muito inseguro. Digo, pelo que ele revelou na hora de dizer do que não se orgulhava.

— Todos somos, de uma maneira ou de outra, em algum momento.

Dou de ombros porque é verdade e ele mesmo confessou isso na sua vez.

— Creio que sim. Só não tinha conhecimento disso mesmo, da maneira com que o Vinícius contou.

Divago um pouco, lembrando de como ele costuma surtar um pouquinho e de como vacilava quando lhe batia sentimentos difusos.

— Nem ele, eu acho. Começou a perceber mais nesse último ano. E perceber que não é um traço bom de alimentar. Demorou um pouco também pra ajustar isso. No geral, ele fica beeeem confuso.

— Imagino que seja difícil para vocês dois.

Filipe afirma essa outra vez me olhando por cima de sua cabeça. Assinto também.

— Muitas vezes é. E às vezes é até um pouco engraçado quando ele fica com ciúmes – até ele ter um comportamento agressivo e dar ruim. Acontece que, de alguma maneira, na cabeça dele bate essa sensação de que vai perder a pessoa.

Filipe arqueia as sobrancelhas, tentando me acompanhar ou me ver atrás de si.

— A pessoa?

— É, o senhor não ouviu? Ele com ciúmes de Djane? Ele tem uns ciúmes assim. Do senhor também.

O sogrinho só não estaca porque a surpresa é ainda maior.

DE MIM? Vinicius tem... ciúmes... de mim? Milena?

Com um “eita, merda, o Vini vai me matar” em pensamento, umedeço os lábios e depois amasso um no outro com força.

— Então...

Com quem?

Eu ia dizer do Murilo? Não ia. Diferente do namorado, eu não ia entregá-lo assim. Apesar de as coisas me escaparem por vezes. Escapar é diferente de entregar, né? Vou de malabarismos porque é o que me sobra.

— É só que... teve aquele período que ele se afastou e aí muitos de nós... acabamos nos aproximando do senhor. Eu na empresa e... até Djane estava conversando já. E aí... Ele se sentiu pra trás. E então viu que, na realidade, estava com saudades. Ele só não queria admitir. E é bem difícil de falar sobre esses receios, desse medo de perder outra vez alguém. Daí faz umas besteiras. Até ver o que isso é de verdade.

Eu falo de ciúmes e saudades e Filipe liga os pontos da insegurança.

— Será que estraguei meu filho? Ele também tem grandes desses machucados?

— Ele... Ele tem alguns machucados sim. Que estão cicatrizando. Mas não diria que o senhor o estragou. Foram muitas circunstâncias difíceis e incontroláveis que... né.

Seu nariz parece ter dado uma trégua, mas seus pensamentos não, agora deixando-o quieto e agitado ao mesmo tempo. Mas em poucos segundos parece voltar a si e a mim nesta situação doida. Filipe respira e novamente me dirige o olhar, cuidadoso.

— Obrigado por sua gentileza e sinceridade, Milena. Eu n...

E aí que não sei o final do que iria dizer, porque a voz da criatura que quero decepar ecoa pelo corredor, nos interrompendo:

— MILENA? SE PERDEU FOI? A LIA CHEGOU, A LIA CHEGOU!

~;~

Com o sol ameno das 16h, a Lia foi liberada para o seu primeiro banho de piscina – mesmo que para ficar deitada flutuando em uma grande boia do Bob Esponja. O Murilo, claro, era seu Patrick: um bobão bem parça. Como mudava de um espírito criança para um cuidador de crianças em segundos é uma coisa que sempre me impressionou – sem falar de ser muito fofo.

Fofo também era seu biquíni – o da Lia, digo. Um maiô todo azul bebê com desenhos de solzinhos, como estava este belo dia de descanso. A comitiva da pequena – incluindo a madrinha Aline, a mãe Lisbela e o pai Alfonso (que teve seu A também como letra determinante para o nome da filha, a combinar com Lia de Lis, algo que descobri hoje) – integrou-se bem às nossas famílias, apesar de no começo terem ficado acanhados de irem para piscina. Porque somente eles – e a criatura – iriam.

Murilo até que convenceu a Iara, mas uma cólica chata – das verdadeiras – a tirou de campo. Quer dizer, preferiu não entrar na água dessa vez. O Vini deu a desculpa que queria ficar de companhia nossa, já que eu também não poderia entrar, se ainda tinha a bota ortopédica. Sorte minha e dele eu estar com o pé imobilizado, né? Pra alguma coisa ao menos serviu.

Como a criatura tava um alvoroço só por conta da Lia, ele foi liberado de limpar a cozinha. Depois do nariz machucado de Filipe, até eu me voluntariei pra ajudar a I e o Vini. Djane também quis, mas empurrei ela pra mamãe que, contagiada pela afilhada de Murilo, logo a deixou apegada também pelas fofurices.

Até seu Júlio foi pra assistir a bagaça contagiante que era a casa cheia – coisa que ele ama demais. Ditou logo de cara para reservarem uma espreguiçadeira a ele. Filipe também garantiu espreguiçadeiras pra vovô e vovó. Seria a única oportunidade de eles conhecerem a pequena Aurélia. Fora que ver o Murilo animado como estava pela criança era algo extraordinário mesmo.

Demorei um pouquinho na cozinha com o Vinícius e a Iara, mas mais porque o namorado ficava provocando a irmãzinha dele – coisas como sujar ela de espuma e os dois ficarem lambuzando um ao outro de sabão líquido. O que também era outra fofura. Uma zona completa, mas fofos. Ao finalizarmos, Iara ficou de pegar a câmera e os jogos de tabuleiro, enquanto que o Vinícius ficou responsável por arrumar a mesa e os lanches para o jardim. Eu? Minha função era só chegar lá, de bonita que sou e lenta que estou.

Ao chegar na varanda, encontro meu pai sozinho no banquinho e estranho.

— O que faz aqui, pai? Por que não ficou no jardim?

— Estava esperando você.

— Ah. É que ainda tinha alguns lanches pra finalizar.

Ia apontar para irmos para o jardim quando ele bate no espaço ao seu lado, para eu sentar. Papai parece um pouco distante, pensativo, então não questiono muito, só me junto a ele. De pronto, ele passa um braço por meus ombros e me traz mais para si. Aproveito para deitar a cabeça em seu ombro. Fazia um bom tempo que não ficávamos juntinhos assim. Não sabia o quanto sentia falta de sua asa até estar aqui aninhada nele.

Ainda de olhar distante, mirando para o espaço a nossa frente com carros e, mais ao fundo do jardim, a família ao redor da piscina, ele começa:

— Filha, me promete uma coisa?

— Se tiver no meu alcance de prometer e de cumprir.

— Acho que você vai tirar de letra. Na verdade, quero que tire de letra.

Vinícius passa por nós levando alguns potes, panos e utensílios, sem se dar conta de mim e papai ali na varanda. Iara vai logo atrás, com uma toalha ao estilo piquenique aos ombros e o tabuleiro de damas nas mãos, com a câmera em cima. Apesar dessa pequena quebra da bolha de pai e filha, isso não nos interrompe por completo.

— O que seria?

— Quero que confie mais em si mesma.

— E quer que eu tire isso de letra?

Ele ri meu sorriso favorito dele – bobo e contido, mas compreendendo bem a situação.

— Me prometa que não vai ter mais vergonha de ser quem é e de fazer o que faz.

— E o que eu faço? Ou quem eu sou?

— É minha filha, ué. Minha filha linda. Independente, competente e... de uma voz incrível.

— Fala daquele vídeo meu cantando que vazou?

Me vem aquela sensação esquisita de novo, de não querer ser vista, mesmo sabendo que tenho de deixar à mostra e que não existe problema. Papai também pressente isso e, com seu imenso carinho de pai amoroso, me toca as bochechas pra desfazer essa contração facial, o que também me deixa sem graça.

— Sim. Você estava fantástica lá, querida. Mas não estava maravilhada ou nada empolgada quando soube que eu soube. Ou quando sua mãe viu. Você não nos contou e nem queria que soubéssemos. Isso me pegou um pouquinho, pequena.

— Awn, pai. Desculpa.

Me escondo mais na asa dele, que gosta, mas me puxa de lá para falar sério. Dessa vez, ele toca meus cabelos e me olha nos olhos.

— Não quero que se sinta mal com isso, Milena. Pelo contrário, quero ver mais dessa vivacidade em você. Que não tenha vergonha de algo que é maravilhoso pra você. Que te faz feliz. Sendo boa nisso, então...

Papai deixa a frase no ar que pego sem dificuldade. Falava exatamente dessa sensação estranha que me bate, que me faz sentir exposta e com vontade de esconder das pessoas, e tento me convencer de que isso é bom. Quer dizer, eu sei que é bom, embora difícil de assumir. Então não tento fingir que não sei do que ele tá falando ou algo do tipo, coisa que antes teria feito. E de que não me orgulharia.

Esse seria meu critério daqui pra frente. Um que faria ainda com grandes receios, noto, ao deitar a cabeça mais ainda no ombro do meu pai.

— É que é um campo um pouco confuso pra mim. Acabei me acostumando a esconder algumas coisas.

— É, entendi melhor quando você falou sobre o que não se orgulhava. Sei que está consciente agora. Mas quero reforçar esse pedido. Quando sentir esse impulso da vergonha, que vai vir, eu sei, quero que apenas sorria e siga. E se alguém elogiar, porque vão elogiar minha filhota, diga “obrigada”. Sem esconder o rosto e sem se esquivar. Sei que você pode fazer isso. E você vai, né?

Acanhada, pisco um pouco os olhos, sabendo do desafio que teria, mesmo que disposta a ele. Termino por assentir.

— Vou levar em conta no daqui pra frente.

— Milena, Milena.

Papai sente minha resistência, por isso me chama a atenção segurando meu nariz. Assim eu inspiro, deixo que um sorrisinho ameno de uma linha só no rosto apareça e tento parecer mais confiante.

— Pode deixar, pai. De verdade.

Ele sorri mais satisfeito.

— Te disse que iria tirar de letra.

— Ai, pai.

Papai me aperta a ponta do nariz e eu rio besta.

Nesse momento, Vinícius parece nos achar e só nos cumprimenta com um aceno encabulado ao passar por nós novamente, para buscar o restante das coisas. Acho que entendeu que era um momento pai e filha e dos raros.

Isso me fez lembrar de uma coisinha. Me fundo mais ao seu corpo, o que ele parece apreciar bem.

— Pai, tenho uma confissãozinha a fazer.

— O quê? Tem outro show seu que não tô sabendo?

Contra suas costelas e um perfume característico seu, começo:

— Não, outra coisa. É só que... Hmmmm... Ontem, quando a Iara apareceu lá em casa e você e a mamãe fizeram mil perguntas pra ela sobre o Sávio... eu fiquei um pouco mal. Acho que com um pouquinho de inveja. Porque quando vocês me pediram o dossiê do Vinícius, eu evitei o assunto. Mas ali com a Iara, senti que queria responder as perguntas também. Muito boba eu, né?

— Não é nada boba, não. Mostra que está reconhecendo também suas atitudes.

Me desvencilho dele para lhe lançar minha dúvida:

— O senhor ficou chateado naquela época? Por eu não querer falar?

Papai faz uma expressão um pouco desgostosa, mas dessas que não representa exatamente um problema, só algo que ele foi se acostumando. Termina por dar de ombros, embora fique claro que o seu baixar de ombros é o que predomina.

— Não diria chateado. É só que antes vocês nos contavam tudo. Tudo mesmo. E de repente, nada. Hoje em dia a gente tem que se contentar com o que nos contam. Mas tudo bem, filha, porque é a lei da vida. Quer dizer que você e seu irmão estão bem grandinhos. Claro que sentimos falta de vocês... e compreendemos essa fase de vocês.

Me ajeito no banco, tomada novamente pela sensação de falta. Ou de falha.

— Também quero mudar isso, pai. Ficaria, inclusive, muito feliz de responder suas perguntas. Se ainda as tiver. Quer dizer, claro que tem. Sempre tem, né?

A expressão dele logo muda, como de um grande sábio e observador que é.

— Agora já sei muita coisa sobre ele.

Falando nele, Vinícius ressurge à varanda, dessa vez anunciando sua presença, de que iria passar, para que não fôssemos pegos de surpresa. Tanto eu quanto papai nos viramos para vê-lo levar mais coisas aos braços para o grupo afastado. E continuo:

— Mas deve ter algo mais que ainda não sabe e queira perguntar, não?

Papai faz uma cara misteriosa que indica que sim e então vem com a cara mais lavada do mundo para me jogar sua pergunta capciosa:

— Vocês vão casar?

E eu, também de supetão, respondo tão na lata e sem hesitar que ele se assusta. Tipo, assusta mesmo, que até gagueja.

— Não.

— O q...? Ele não... Ele não é bom pra você?!

Olho para além do nosso espaço, como que procurando o Vini dentre as pessoas ao longe e as risadas que vinham de lá. Dou de ombros.

— Ele é a melhor pessoa pra mim.

— Mas então?

Suspiro e me volto para papai.

— Eu que não quero casar. Ou ao menos não tenho pretensão nenhuma no momento. Posso mudar de ideia, posso não mudar. Por agora, é isso que tenho em mente.

Papai ainda está de sobrancelhas em pé.

— Vocês já conversaram sobre isso?

— Não.

Ele toma um fôlego.

— Caramba. Nunca achei que teria que defender o cara de você.

Entrecerro os olhos e ele faz que não é com ele.

— Tá dizendo que sou malvada?

— Um pouco.

Faço um bico. Um digno Lins Albuquerque CAMARGO. Que ele sente na alma e por isso trata de se explicar.

— É só que... Eu sei o que vejo, Milena. Ele te ama de verdade. E eu gosto de provocar o moleque.

— Moleque, pai? Sério?

— Tá, gosto de provocar seu namorado. E acho que gosto dele. Acho que torço por ele até. O caso é que te ver feliz conta muitos pontos. E o Vinícius parece ser bem responsável. Estuda, trabalha, tem uma boa família, foi aprovado por seu irmão, seu av...

Papai é interrompido pelo próprio de quem ele falava, que diz que seria a última vez a buscar os materiais na cozinha, só que Vini tropeça em um dos degraus e quase dá de cara no chão. Eu e papai até nos levantamos para dar amparo, mas o namorado desvia da gente e sai de fininho, com a cara mais amarela do mundo. Coitado.

Sentamos novamente no banquinho e acho que até papai perdeu o fio da meada do que dizia. Sem que possamos falar coisa alguma, Vinícius passa de volta num jato e eu fico com a maior dó dele. Acho que papai percebe, pois ele pega minhas mãos nas suas e dá umas batidinhas nelas, como que para passar essa impressão, dizer que tá tudo bem.

— Ele é um bom garoto.

— Ele é mesmo.

— E ele sabe cozinhar?

— Sabe um pouco.

— E sabe lavar a própria roupa e fazer faxina?

Agora é minha vez de mexer com as sobrancelhas, não entendendo para onde meu pai quer levar a conversa.

— Até onde sei, sabe.

— Já lidou com privada entupida?

Depois dessa, é difícil não rir e difícil não questionar também:

— O senhor já?

Papai abre a boca e a fecha, de repente sem palavras, porque agora também peguei ele. Pelo que me lembre, sempre foi mamãe que lidou com as coisas de casa e quando não podia resolver, chamavam alguém. Papai não tomava a frente.

Cruzo os braços com essa.

— Não é curioso que o senhor quer que ele faça tudo na casa, mas não se importou em nenhum momento quando eu tive que dividir as atividades com o Murilo? Sendo que a peste enrolava e sempre sobrava pra mim? E o senhor também nunca deu conta de nada disso.

Papai pego no pulo sempre é uma situação engraçada. Qualquer pessoa, não? Fica todo sem jeito. Eu, por outro lado, ajusto minha posição ao seu lado para que possamos estar mais dispostos um ao outro.

— A geração de vocês é diferente.

— E ainda assim o senhor não mudou nos últimos anos.

— Algumas coisas são mais difíceis de mudar. Mas vocês não, vocês têm muito mais abertura.

— É sua maneira de dizer que não quer que sua filha seja “empregada” de um “moleque”?

O sorriso torto logo lhe entrega.

— De certa forma. Minha princesinha tem muito a oferecer, mas servir a marido ou namorado, não é uma dessas coisas.

— Só ao Murilo, né? Aí pode.

Eu belisco mesmo porque sim.

— A vida não facilita. É bom aprender e ter referências.

— O mesmo eu digo ao senhor. Não existe só a loja, viu. Pra mamãe tem a escola, a loja e a casa. Poderia ser assim para o senhor também.

Enfim ele meneia a cabeça e corresponde aos meus ares de sabedoria.

— Tá, entendi a alfinetada. Posso continuar minhas perguntas?

Assinto, toda melindrosa. Até vir uma pergunta bem descabida.

— Um já viu o outro vomitar?

— Quê? Que raio de pergunta é essa?

Ele insiste, todo sério.

— Já ou não?

— Não. Mas ele já viu o Murilo vomitar. O que foi horrível e doido ao mesmo tempo, porque, o senhor sabe, eu sou o tipo de pessoa que é capaz de vomitar junto se vir alguém vomitando, e aí eu saí da sala e o Vinícius ficou. Ele ficou e ajudou o Murilo.

— Hum. E já tiveram alguma diarreia nos últimos meses?

— Pai! Não. Que coisa.

— Ele já tirou os sisos?

— Não que eu saiba?! O Murilo também não tirou e espero que eu não precise. Mas isso é realmente relevante? Não é o tipo de coisa que entra no dossiê. Em que vai influenciar saber se o Vinícius... ou a Aline... se já tiraram os sisos?

— Só quero saber como vocês lidam com situações desconfortáveis.

Com essa, eu que tomo um fôlego.

— Bem, a gente já se encontrou em hospitais e em delegacias, já vimos coisas um do outr...

Milena!

Por um segundo, não entendo sua expressão vergonhosa, até que me bate a resposta. Não acredito que ele pensou que eu tava falando de sexo! Deus me livre desse ponto da conversa!

— Pai, eu tô falando que já vimos o pior um do outro e em várias situações. E escolhemos ficar. Não vai ser um siso ou uma diarreia que vai nos assustar.

Ou assim espero, né.

— Além de que eu não quero um guarda, um protetor ou... O senhor entendeu. Quero um companheiro de luta. E o Vini é um ótimo companheiro.

E meu velho respira, só respira, diante da metralhada que acabo de lhe dar.

— Você gosta mesmo desse rapaz, não gosta?

— Gosto. De verdade.

Papai meneia a cabeça, pensativo e um pouco nervoso, agoniado.

— Vou te dizer a minha verdade. Tenho um pouco de medo dessa tal insegurança dele.

— Quem não tem inseguranças?

— É, mas... E se ele te machucar? Como os homens costumam machucar as mulheres.

Agora sim as preocupações dele fazem um pouco mais de sentido, embora suas perguntas descabidas nem tanto. Não hesito, no entanto, em responder essa.

— Ele sabe que deixo ele em dois segundos e não volto atrás.

E lá estavam as sobrancelhas dele levantadas de novo. Já eu, deito a cabeça de lado, para amenizar a situação.

— Tô brincando, embora não seja de fato mentira.

Papai desvia o olhar, como eu ainda pouco, a procurar a pessoa de quem fala do outro lado da casa.

— É só que quando ele falou da insegurança dele... Aquilo me acendeu um alerta.

— Que o senhor já pode desligar.

Belisco ele no braço, sem força, só mesmo para chamar atenção. Mas ele se volta para mim recheado de interrogações.

— Será, Milena? Será que devo? E se isso desencadear algum tipo de violência? Você ouviu o que ele falou. Ou melhor, sabia o tempo todo.

Dessa vez, sou eu quem pega suas mãos nas minhas, procurando palavras.

— Pai.

— Eu tenho que perguntar essas coisas, Milena.

— Tudo bem ter essa dúvida. Mas pensa aqui uma coisa comigo: o que seria se o pai da Aline estivesse lá na sala, como o senhor esteve, ouvindo o relato do Murilo? Sobre ser violento. Sobre... surrar pessoas.

— Ele ficaria bem temeroso pela filha dele. Como estou agora.

— O senhor está temeroso pelo Murilo?

— Não. Porque sei que ele está trabalhando isso dentro dele.

— Assim como Vinícius também está. Entende? Ele também reconheceu. E optou por fazer melhor. Isso o senhor também ouviu, né?

— Ouvi sim. Só queria que soubesse que... Independente da distância e da idade, você é minha princesa. E sou capaz de matar se...

— Eu sei. Eu entendo. Enquanto isso, o senhor pode só defender ele de mim.

De assassino para um bico de Camargo, ele fica meio incerto sobre isso também.

— Não sei se quero agora. Tem que ser malvada sim.

— Pai.

Não sei se rio, se relevo ou se só belisco de novo.

— Tá, só quero você feliz.

— Eu tô. Tô bem feliz. Eu sei que o papo de casamento pegou o senhor de surpresa, mas é também algo que... É só que não é a hora, sabe? Ainda temos muita coisa pra viver. A gente só quer estar junto, sem rótulos ou expectativas. Só isso mesmo.

— Tudo bem. Volto a defender o garoto.

— O garoto tem nome.

Papai faz uma cara engraçada, como se tivesse engolido algo azedo.

— Tá, volto a torcer pelo Vinícius. Vocês têm minha benção.

— Pensei que o senhor já tivesse nos dado no ano passado.

— Dei por força da situação que tinha na nossa casa. O moleq... O seu namorado de cabeça quebrada jurando que ia cuidar de você. E todo mundo me olhando na mesa de jantar. Foi uma benção provisória, de teste.

Seu Camargo quer provocar, isso sim. Ainda assim, aprecio.

— E agora deu a oficial. Obrigada.

— Te amo, querida.

Com seu beijo de pai à minha testa, ele volta a me abraçar. Beijo o seu ombro e me aconchego em seu corpo, não querendo soltá-lo tão cedo, mesmo sabendo que temos muito para aproveitar neste dia.

Por coincidência, um som vem da piscina, uma música que eu só ouvia um zumbido longe e agora alguém aumenta o volume, fazendo a melodia e os versos me alcançarem. Me aproprio dela para cantar um pouco diretamente ao meu pai.

 

Pitty - Equalize

 

E eu aaaacho que goooooosto mesmo de vocêêê... beeem do jeeeito que voooocê éééé...

Ao notar o que estou a fazer, ele se desvencilha para me assistir, que fecho os olhos para apenas deixar a letra fluir.

Eu vou equalizaaaaar vocêêê... numa frequência que só a gente saaaaabe... Eu te transformei neeessaaa cançãããão... Pra podeeer te gravaaaaar em miiiiiiim...

— Que coisa linda, filha. Muito linda.

Faço o que me pediu. Já de olhos abertos, sorrio satisfeita e digo:

— Muito obrigada.


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Notas finais do capítulo

Primeiro foram os avós agitando corações, agora os pais tendo grandes momentos. COMO NÃO SORRIR SATISFEITA - ATÉ MESMO DA MILENA COMETENDO DESLIZES COM O SOGRO E AFIADA COM O PAI? Mas também, hein, tio Camargo fez cada pergunta hahahahaha

Um trechinho do próximo porque vocês estão merecendo:

"Coloco Boulevard of Broken Dreams do Green Day, que também tocou no nosso piquenique e marcou uma cena bem INSANA com a descoberta generalizada de que existia, ESSE TEMPO TODO, [SÓ LENDO PRA SABER]"

e

"- Eu sei que eu não facilitava também.
— Nenhum de nós dois, né.
Divago enquanto puxo o esparadrapo dele e corto em mais pedaços, pra poder distribuir no curativo.
— É apenas incrível como a gente acredita em algo com base em nossas inseguranças. Eu acreditava que ia te perder por minhas falhas. E você, que eu ia te abandonar por... falhas. Mas onde você quer chegar?"

e

"- Será que ela também tá uma pilha?
— Você a conhece melhor do que eu pra responder essa."

e

"- Você ainda tem aquele CD que te pedi pra guardar?
— Que CD?"

EM BREVE!



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