Mantendo O Equilíbrio - Finale escrita por Alexis terminando a história


Capítulo 152
Capítulo 151


Notas iniciais do capítulo

Como faz pro mundo me deixar escrever? Não faz, eu que driblo o trabalho e me volto para essas criaturinhas que tanto precisam de amor - vocês, inclusive.

ENTÃO BORA DE CAPÍTULO DE CUIDADO, BOMBAS E MAIS AMOR?
BORA!



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Uma vez que abri a torneira das histórias (a melhor delas), tudo foi jorrando com força e sem parar. O mesmo com o Murilo. Nossas histórias foram se embolando e se multiplicando que nem notamos o tempo passar. Mamãe foi lembrar do chá que preparou para nós muito depois. Por isso que ela demorou a aparecer na sala quando eu fazia os exercícios no pé e tornozelo. Bebemos frio mesmo, só pelo prazer de estarmos todos juntos. Me sentia um pouco cansada do dia, mas ali naquela bolha familiar, me sentia bem.

Ali também formávamos um núcleo em que permitíamos mamãe adentrar mais no nosso mundo. E não digo apenas pelas histórias. Era de como estávamos cúmplices, aceitando uns aos outros sem julgamentos. Mamãe, que se mostrou tão enraivecida em um primeiro momento, por ser distanciada das coisas todas, parecia mais relaxada.

O que muito lhe despertou a ira em relação às questões de Murilo foi quando saiu com meu mano para fazer compras de emergência (e a minha maçã) e lá no supermercado ela escolheu uma caixinha de chá, dizendo que seria muito bom para acalmar os nervos. Murilo escolheu esse exato momento para falar que a “terapeuta dele” também tinha lhe recomendado.

Foi a primeira vez que o Mu abordou o assunto com ela, coisa que a pegou de surpresa e a assustou um pouco. Tentou tirar a limpo a história com papai, ao que ele não disse muita coisa. A nossa conversa foi a cereja do bolo, comigo entregando um pouco da situação. Não havia como abafar ou tentar desviar. Até vovó já tinha sacado algo parecido. O máximo que pude fazer foi dar um suporte aos danos, o que mamãe respondeu melhor.

Foi determinante, eu diria, para esse momento a três, saboreando um chá frio de camomila, nossas conversas e um contato mais caloroso. Mamãe, inclusive, logo se tornou o centro de nossa bolha, todos de guarda baixa e sendo umas criaturas amorosas – justo o que pedi a ela: dar amor. Em troca, mimávamos ela com nossas infinitas histórias.

Até mesmo na hora de dormir. Dessa vez ela grudou em mim e decretou que não iria para o quarto de hóspedes, “o Murilo que se virasse”. Aí é claro que meu mano começou com seus ciuminhos e ela se derreteu toda. Terminou que ficaram os três no meu quarto: eu e mamãe na cama, Murilo num colchonete logo ao lado, porque ele não queria ficar longe, nem perder toda a nossa animosidade de últimas conversas. Estava bom assim. Dormimos mais leves assim.

Acordei flutuante assim.

Até quis ir com os dois para um passeio especial para esta tarde de sábado: mamãe finalmente iria rever a Aline e conhecer a Lia! Só preferi ficar em casa mesmo porque o esforço de ontem de minhas articulações do pé se revelou na madrugada com muita dor – uma câimbra na batata da perna que foi um Deus nos acuda, os dez ou quinze segundos mais infindáveis da vida de pura dor. Acontece que fiz mais do que deveria, principalmente porque tinha mesmo perambulado pela casa com a bota durante o dia e não vinha fazendo nenhum exercício no pé.

Quando sosseguei, depois de ter urrado de dor, Murilo ficou com uma cara de culpado. Na real, não era culpa de ninguém. Fazia parte do processo de recuperação. E nisso me comprometi de fazer mais exercícios, o combo “pé de bailarina” e “pé de palhaço” principalmente, de tempos em tempos, pra dar um suporte à musculatura. Ficar em pé sem a bota não precisava ser para agora. Terei tempo para isso.

E sim, foram conselhos do Vinícius, de vítima (no passado) a agora consultor. Ele me encontra no sofá fazendo os ditos exercícios quando chega para uma visitinha. Não poderia ficar muito, para meu muxoxo, mas ficaria para o almoço. Hoje era Dona Helena e Murilo na cozinha, e isso rendeu um espaço pra a gente se esgueirar no meu quarto. Estava animada para saber dos babados da sua confraternização e para namorar um pouquinho. Sou gente, ué!

Vini me ajudou a andar até a cama, com a muleta, me orientando sobre como usar. Meu corpo já não doía ou não estava pesado como as primeiras 48h do incidente, dessa maneira conseguia experimentar esse instrumento de suporte, que, aliás, é difícil pra caramba. Quase larguei ela no meio do corredor. Vini ria, o sacana, mas também me incentivava, lembrando que era complicado só o começo.

Assim que me jogo finalmente no meu colchão, puxo-o para o meu lado, que nem se mostra interessado – pra não dizer o contrário. Estava com um sorriso de ponta a ponta ele. As suas histórias pareciam das boas. No entanto, começo a “apuração” com outra perguntinha:

— E esse band-aid aqui?

— Me arranhei com uns copos descartáveis. Tipo corte de papel.

Seguro um riso, avaliando sua mão e o dedo em questão.

— O quê, a namorada tá duvidando?

— Não, tô rindo porque já aconteceu comigo. Mas o que você fazia com os copos?

— Estava ajudando uma amiga da turma com uma apresentação. Ela tava bem nervosa. Fui me adiantar com os copos na sala, mas me atrapalhei todo quando ligaram o ventilador de teto e alguns dos copos iam cair. Na hora só senti a fisgada. Poderia ter me machucado feio ali.

Levanto os olhos para ele, que sorria e se fazia de vítima. Queria atenção. Melhor dizendo, queria algo mais. Poderia eu oferecer um beijinho? Poderia. Mas escolho ser a sacana da vez e fingir que não percebia suas segundas e terceiras intenções. Assim, invisto na história:

— Como foi a apresentação?

— Ela conseguiu ir bem e ganhou o projeto.

Brinco com seus dedos nos meus.

— Qual o nome dela?

— Gio. Giovanna.

Me ajeito para ficar de frente para ele e o que ele faz? Isso mesmo, intriga:

— Com ciúmes, namorada?

Balanço a cabeça em negativa, sincera e de boa. Porque estava mesmo era feliz por ele, vendo-o mais próximo das pessoas.

— Eu não.

— Certeza? Porque gosto de você com ciúmes.

Ouvir isso dele me lembra também de que minha vontade de ter mais contato com seu mundo e amigos e colegas era de não mais alimentar esse tipo de situação, nem mesmo de brincadeira. Nosso acordo era de sermos abertos um com o outro, comunicação antes de tudo. Aproveito o gancho:

— Eu gosto de confiar no namorado. E gosto que confie em mim. Não tem porque ter mais isso de ciúmes bobos de uma amiga ou colega, né? São relacionamentos diferentes. E ficar de marcação seria bem irracional, não acha?

Vinícius bem sabe que tô falando sério, mas escolhe ser dramático e eu entro na dele só para trazê-lo de volta à realidade.

— Ô! Pobre seria de mim, porque se for considerar o tanto de amigos que você tem...

— Seu chato! Acontece que gosto quando você fala de seus amigos. Só que fala tão pouco. Ou sou eu que falo demais.

— É difícil não ter muito o que falar, e você sempre tem muitas confusões, com investigação policial e tudo mais. Tem uma vida agitada!

— Como se a sua não fosse, bonitinho!

— Voltei a ser bonitinho?

— Um bonitinho charmoso que tem toda a minha atenção. Menos quando minha mãe tá no recinto.

— E em ambos os casos, você que agita meu mundo.

— Uma parte graaaaaaande do seu mundo sim. Quero saber da outra parte. Saber do Wellington, da Wanessa, da Suzana... Como vai a Suzana? Ou a... A Michelle?

— A Michelle me disse uma coisa interessante dia desses.

Dessa vez é ele quem olha para a brincadeira que tá rolando entre nossas mãos, em que ele tenta agarrar e segurar meus dedos e eu tento desviar do seu ataque.

— O que ela disse?

— Bem, tava preocupado com certa pessoinha e ela me perguntou o que era mais importante. Respondi “ser feliz”. Ela disse para eu imaginar você como uma policial, investigadora ou juíza, algo assim. O fato é que o melhor que posso fazer é te amar e te apoiar, não só viver de querer proteger. Algo que o Murilo também já me falou.

Gostei dessa analogia. Gosto também da sua resposta, sobre “ser feliz”.

Tento, com graça, equiparar nossos rostos baixando o meu até o nível do seu.

— Então vocês conversam sobre mim.

— Eu e a Michelle ou eu e o Murilo?

Vinícius levanta a face de repente e faz uma cara engraçada, como que pego no pulo e tentando abafar, mesmo que já não dê tempo. Sei que faz isso de palhaço mesmo, porque era de conhecimento meu que ele conversava sim. Só estou aporrinhando ele, que deixa a zoeira e responde com sinceridade.

— Às vezes. Com o Murilo e com a Michelle.

Também sei que sim porque foi através dela, que faz Psicologia na mesma instituição do Vini, que ele soube de algumas técnicas para minhas crises de pânico. Sobre respirar e sobre procurar um profissional, como fez o Murilo. O que são outras histórias.

— E a Suzana? Foi pra confraternização ontem?

— Foi e a gente pagou o maior mico lá.

Diz, fechando os olhos com certa vergonha e me deixando mais curiosa.

— Detalhes, eu quero detalh...

Antes de terminar meu pedido, mamãe anuncia sua presença com uma batida na porta e entra sem cerimônia:

— Almoço pronto! Vamos?

Logo na hora dos babados!

— Ah, mãe, logo agora. Pode dar uns minutinhos pra gente?

Pela cara que ela faz, mamãe não curte muito. Com uns três segundos considerando meu pedido, ela termina por bater na minha perna com o pano de prato que trazia no ombro e diz:

— Dez minutos cronometrados e só! Que é o tempo de colocarmos tudo na mesa. E quero saber de mais exercícios nesse pé.

— Juro que tô cobrando, sogrinha.

Isso a deixa mais satisfeita, que logo sai sem mais reclamações. Eu, por outro lado, bato um ombro no dele, me fingindo de chateada.

— Tô vendo esse amor e apoio contigo me entregando assim pra minha mãe.

— É assim que você quer aproveitar nossos minutos?

O namorado, ele sabe tocar no ponto certo, com o sorriso certo.

— Tá, mas é melhor soltar tudo!

~;~

— What I thought wasn’t all, so innocent… Was a delicate doll, of porcelaaain…

Uma voz melodiosa, triste e baixa toma conta do espaço quieto de minha casa. Era a Daniela, agora, no meu quarto. Ela chegou depois que o Murilo e mamãe saíram. Como o Vini ficou enrolando pra sair, ele que abriu a porta. Dani vinha pedindo uma visita desde o ocorrido e hoje me pareceu o dia ideal.

Não esperava que estivesse tão agoniada, mas posso entender que não deve estar sendo fácil lidar. Eu mesma precisei – e ainda preciso – de tempo para assimilar tudo. Tive e tenho com quem contar; ela, no entanto, não sei dizer. Sei que não estava bem.

Desde o momento que atravessou a porta da sala e me abraçou apertado, senti sua perturbação. Pelo modo com que o Vini se despediu de nós, sei que também percebeu. Ela estava diferente e não digo isso pelo seu visual novo – o cabelo que antes batia abaixo de seus ombros, agora bate no meio do pescoço – porque havia algo a mais ali.

Termino de lavar as mãos na pia do banheiro, pensando sobre essa música que sinto que conheço, que não faço ideia de qual é, e atravesso o corredor com cautela, ainda de bota. Ao me ver, Daniela se aproxima para me dar algum suporte de volta à cama. Sentamos juntas. Apesar da sua expectativa de me ver, também sinto que está sem jeito. Por isso quero que se sinta o mais confortável possível comigo e por isso vou na onda dela, de como puxa o assunto.

— Que bom te ver de pé.

O sorriso dela não chega aos seus olhos, observo.

— É cansativo, mas é bom manter esse exercício.

Dani não parece relaxar, porém, se ajeita mais na minha cama, ficando com as pernas cruzadas de frente pra mim enquanto abro o tecido da bota para minha perna ficar mais livre. Posiciono de maneira que fique bem esticada, já na almofada de praxe, que está bem ao lado dela.

— É, tem que fazer exercício. Eu não cheguei a ficar muito tempo com a bota, mas pra isso tive que fazer bastante alongamento, colocar gelo e tudo mais.

— Ah, é mesmo, você machucou o pé no final da viagem! Tô tão fora do ar esses dias que tem hora que nem lembro de coisas básicas.

— É, eu tenho... Tenho ficado assim também.

Cabisbaixa e tensa, Dani parecia alguém que precisava vomitar. Vomitar pensamentos, angústias e medos. Apesar de não ser sentimentos bons, me enche o peito ela vir até mim para desabafar. Nossa amizade já vinha sendo resgatada aos poucos, porém, depois do incidente dessa semana, a perspectiva mudou numa virada intensa de cuidado e proteção uma para com a outra.

Independentemente do que aconteceu conosco no passado, quero que sinta que estou aqui por ela. Sempre estive, na verdade. Mas agora ficou diferente. Agora aconteceram coisas que nem eu sei explicar como se sucederam. Ela esteve no meio disso tudo e também deve ter suas dúvidas. Se posso fazer algo a respeito é acolher ela.

Assim, toco no seu joelho para que olhe para mim.

— Você não parece estar bem.

Quando levanta o rosto, Daniela entrega todo o tormento que estava tentando esconder, sem mais querer acobertar. Os lábios, mesmo apertados um no outro, tremem, e seus olhos estão cheios d´água.

— Porque n-não estou bem.

Me arrasto na cama para tomá-la em meus braços, que, tão logo se vê grudada em mim, libera o seu choro. Consolo como fui consolada.

— Ei, tá tudo bem agora. Vai ficar tudo bem.

— V-vai?

— Vai sim. Te prometo. Com o apoio de quem te ama, com certeza vai.

Isso de algum modo a faz chorar ainda mais.

— Você contou pra sua família?

De rosto molhado, ela se solta um pouco de mim.

— Contar o quê?

Afasto a franja de seus olhos com carinho.

— Sobre o que teve na faculdade, nosso último dia de aula. Você passou por um susto e tanto.

— Ah. Não falei diretamente não.

Ver ela passando a mão no rosto pela água que escorria me fez lembrar de um pouco de papel que tinha na cômoda ao lado. Me estico para pegar enquanto ouço ela falar.

— Quer dizer, foi inevitável mencionar quando saiu no jornal da cidade, mas eu falei que tava longe nessa hora. Que estava com a turma. Achei melhor não dizer que estava no meio da coisa toda, porque meus pais iriam querer fazer algo e não quis envolvê-los. Mas fiquei bem mal, o que chamou atenção da minha tia e acabei contando mais ou menos. Que eu estava no prédio nessa hora e... e que o tal aluno ameaçou minhas amigas.

Daniela fala e o que eu processo é:

Saiu no jornal da cidade?

Não à toa Djane falou que estava tão atarefada e cansada, fazendo tanta coisa às pressas. Se teve polícia e jornalistas no prédio, ela deve ter se desdobrado em cinco, junto com Fabiano, para estabilizar as coisas. Aquele e-mail da instituição foi só a ponta do iceberg. Além de lidar com tudo isso, Djane ainda teve que lidar comigo fazendo perguntas apressadas. Se minha cabeça estava em fuso, posso imaginar como a dela deve estar.

— Saiu. Você ainda não viu? Postaram nos grupos da faculdade e tudo.

— Postaram tanta coisa ali que não consegui acompanhar. Até porque tive que parar para cuidar de mim. E me deixar ser cuidada também.

Digo essa última como incentivo junto ao papel que lhe entrego. Também puxo um pedaço para passar ao rosto de minha amiga.

— Acho que ainda não consegui parar... Tem estado um barulho tão grande na minha cabeça. Tanta culpa, tanta raiva, tanto desgast...

— Culpa? Culpa pelo quê, Dani? O que você fez não foi exatamente errado.

— Ai, Lena, eu nem...

E assim ela começa a chorar de novo, o que fico dividida entre querer saber o que era essa história e querer que ela libere isso do peito. Escolho a segunda opção, porque ela realmente precisava. Como escondeu até dos pais, deve ter barrado todo sentimento relacionado, coisa que eu bem sei como é.

Ficamos uns minutos assim, ela só liberando o que precisava liberar. Inevitavelmente, choro junto, porque eu também não tava numa situação tão diferente. Entendia bem essa necessidade.

Quando ela recupera um pouco do fôlego, parece novamente receosa e insegura, passando o papel rente aos olhos.

— Desculpa t-te alugar assim. Eu não sei... Não sei o que deu em mim.

— Não precisa ter vergonha do que sente. Quer dizer, eu... entendo essa sensação. Entendo demais essa sensação. E você não precisa sentir isso sozinha.

Passo a mão nos olhos, toda desajeitada, porque em mim também ainda tem brotado muita água. Não é um assunto que dê para se passar incólume. Mas não é que eu queira esconder minhas emoções, eu quero é poder dizer as coisas certas sem tropeçar nas palavras.

— O que quero dizer é que... Fico agradecida que veio até mim. Fico agradecida que tá aqui e confiando em mim para dividir isso. Porque eu bem sei que não é fácil.

Abatida, Dani parece se afetar ainda mais e outra vez se coloca cabisbaixa, com uma contração ao rosto pelo que ainda mantém consigo.

— Me desculpa.

Fungo, piscando os olhos, pra dispersar mais.

— Desculpa pelo quê?

— Me desculpa por ter feito tanta merda.

— Eu também fiz muita merda.

Tantas que eu não poderia enumerar, mas isso guardo pra mim, principalmente porque essa conversa não se tratava de mim e porque vejo Dani se rebaixar ainda mais.

— Eu fiz... fiz você se afastar. Toda aquela confusão com o Gui... e o Sávio... e depois o Bruno. Eu não sei, eu não tava em mim.

— Você tava no seu direito de questionar.

Ela levanta a cabeça nesse momento, apesar de seus olhos não encontrarem os meus. Na verdade, parece que ela está em um transe, vendo o nada na parede de trás, e assim declara:

— Mas não tava no direito de agredir.

Nessa eu tenho que concordar.

— Não, não estava.

Dani passa o papel no nariz, funga, e novamente se coloca cabisbaixa, fazendo do papel uma bola que ela vai amassando.

— Eu só... Eu não sabia mais como resolver ou como reaver as coisas. E senti sua falta. Muito.

— Também senti sua falta.

Com os olhos marejados, ela levanta o rosto.

— Sentiu?

— Claro! Você é importante pra mim, poxa. Não queria que tivéssemos que passar por uma situação de perigo para isso ficar claro, mas... entende?

Ela faz que sim com a cabeça, embora não pareça muito certa disso. Deixo o restante do papel de lado e pego sua mão na minha.

— A gente já vinha conversando mais, né? Isso me dava muita esperança.

— Eu também. Mas tinha tanto medo... De ser só aquilo, de estar me enganando. De você nunca me perdoar.

— Eu perdoo quem se arrepende e quer tentar de novo. Quem quer fazer dar certo. Quem merece uma nova chance.

Ela suspira, o que aparenta ser um alívio e uma tortura ao mesmo tempo.

— Eu... Eu devia ter confiado na tua palavra. Ou ao menos respeitado mais, mesmo sem entender. Não sei nem dizer porque fiquei daquele jeito.

— A minha teoria era de aquele era seu modo de me defender. Da loucura que eu tava fazendo.

— Na minha cabeça, sim, mas do jeito que eu fazia, só dava muito errado. Por fora era dura, mas por dentro, ficava no ponto de chorar. Porque não conseguia compreender mesmo. E aí comecei a perder um a um de vocês. Não imagina quantas vezes quis apenas... apenas parar tudo.

— Eu também. Queria dar um pause em tudo. Mas as coisas foram acontecendo, uma atrás da outra, e não havia muito o que dizer.

— Cheguei a cogitar até...

Dani não completa e sua expressão não me parece nada boa, o que me deixa receosa do que queira dizer. Ela balança a cabeça, mas eu insisto, preocupada.

— Até?

— Uma bobagem.

— Que tipo de bobagem?

De mãos dadas ao embaraço, ela esclarece e me alivia:

— Nada sério. É só que... Tinha uma música, Gomenasai, que não saía da minha cabeça. Me acompanhou durante muito tempo, porque não sabia como me desculpar ou como consertar. Pensei em cantar ela com a banda, mas nem dei ideia porque sabia que eu ia mais chorar do que cantar. E também porque foi na época que briguei com eles.

— Awn, Dani.

— Meu jeitinho de me expressar, né? Se não conseguia com palavras, que fosse... em versos. Porque até nos gestos eu tava dando muita bola fora.

Suspiro, porque foi muitas bolas fora mesmo, um período confuso pra todo mundo e sem respostas. Lembro, por um acaso, de quando Gui me contou que escolheu o Sávio para ser seu alvo fácil diante de tanta coisa que vinha passando e isso meio que me dá um clic também. Porque, por mais que ela tenha se chateado com o Sávio pela merda que ele fez na viagem, tenha cortado laços e tudo ter virado uma bola de coisas sem noção, isso não tem relação com o que aconteceu conosco no último dia de aula. Tem?

— Mas, Dani, eu não tô entendendo uma coisa... A culpa que você falou minutos atrás. E o que isso tem a ver com a gente.

— É que você tinha razão sobre o Sávio. Sobre dar outra chance pra ele. Porque ele fez coisas incríveis das quais ninguém sabia. Ele nos defendeu do Hermani.

— Pera, como você soube disso?

— O Yuri. Ele vinha me contanto umas coisas nos últimos tempos. Também ouvi uma conversa do Gui com a Flávia na faculdade. E...

— E...?

— Você deu um voto de confiança pro cara. Você não faz isso de graça pra qualquer um ou por qualquer coisa que eu sei. Tem sempre um motivo muito forte. Ainda mais depois de toda a confusão com o Gui. Você sabia de algo que ninguém mais sabia. Mas isso demorou muito pra entrar na minha cabeça. Por muito tempo eu só... esbravejei. Gritei. E me arrependo. Me desculpa, de verdade.

Fico sem palavras com essa.

Termino por dizer o mesmo que falei para a Flávia um tempo atrás:

— Acho que não é bem pra mim que você tem que pedir desculpas.

— Tenho que falar com o Sávio em algum momento, sim, mas eu também te magoei. Tenho que pedir desculpas pro Bruno também. Isso tem me consumido mais do que qualquer outra coisa.

— Mais do que aquilo que aconteceu com o Pompeu?!

— É difícil dizer, acho. Ali foram tantas coisas... Mas acho que me culpo por ter demorado a ouvir as coisas. A entender o que tava acontecendo. A levar a sério o que o Yuri me dizia e o que você me pedia. Mas quando fiquei presa no banheiro e depois me deparei com o Juliano fazendo a Flá de refém... De repente, tudo se encaixou.

— Espera, Dani, agora foi informação demais. Eu, Yuri, banheiro e... o Juliano?

— É que depois do intervalo, fui no banheiro do pátio. A trinca do privado emperrou e eu fiquei presa lá. Sem celular. Chamei ajuda, mas não devia ter ninguém na área pra me ouvir. Fiz de um tudo pra ajeitar a trinca, forçando a porta, chutando e insistindo. Até a hora que consegui. E quando saí, eu ouvi o Pompeu falar. E você gritar. Então vi que ele estava com a Flávia. Que ele queria sair dali com ela de refém. E eu não poderia deixar. Porque era a Flá e ele... Ele falou o código.

— Código? Como assim?

— “Princesa”. É quando tem algum serviço sujo pra fazer, sabe. Tem outro código, “donzela”, que é quando tem uma vítima específica. E eu ouvi ele falar “princesa”.

— O qu...?

— O Pompeu... Ele vinha me provocando faz um tempo. Me provocava pra atingir o Yuri. Pelo que entendi, o Juliano fazia parte do grupo do Hermani. Ou o Hermani que fazia parte do grupo do Pompeu. Não sei bem como funciona. O Yuri me dizia umas coisas soltas.

É tanta informação de uma vez que só consigo dizer:

— Dani do céu!

— Eu não vi o canivete, só depois. Foi um impulso tão forte que quis bater mais e mais com aquele cano. Foi o que encontrei ali na área. E aí bati. Por mim, pelo Yuri, pela Flávia.

— Meu Deus, Dani, isso foi muito arriscado!

— Não tinha como pensar muito. Vi o cano e me vi em ação, só. Tenho certeza de que na minha posição até você teria feito o mesmo, não teria?

Suspiro, inquieta, porque a resposta é sim, o que não deixa de ser preocupante.

— Ele mereceu, Lena!

— Eu sei que mereceu, não é essa questão. É que foi perigoso e você poderia ter se machucado também. Tive muito medo quando te vi. Só queria tirar todas vocês dali.

— Assim como eu só quis proteger vocês. Era só uma de mim e ainda assim pude fazer algo. E ainda bem. Porque não poderia suportar a ideia de ele fazer algum mal pra vocês.

— Isso tudo é muito sério, Dani. Não contou mesmo pra ninguém?

— Só conversei com o Yuri, mas não sobre tudo isso. Eu consegui falar com ele ontem, rapidamente, depois que foi liberado na delegacia. Os pais dele quase não me deixaram entrar, porque tava uma confusão na casa. Mas o todo todo, tô contando agora.

— O que o Yuri tem a ver com o Juliano, afinal?

Solto sem pensar na pergunta direito e Dani pelo jeito não quer mesmo guardar mais nada. Não comigo.

— Ele tinha uma dívida, pelo que entendi.

Isso explica muito em uma frase só. Como quando descobri a história de Sávio. Seria o Yuri mais um dos manipulados, como foi com o Sáv...? E aí lembro do evento meio Gossip Girl que Daniela comentou meses atrás que ocorreu em sua classe, em que vários celulares tocaram em sincronia ao receber uma mensagem. Até mencionei o caso pra Max.

Mesmo com o Hermani fora, os esquemas não terminaram. Sávio e Acácio se livraram da pressão, mas, ao que parece, não o Yuri.

Vez que Dani me permitiu adentrar nesse espaço, ouso mais uma pergunta:

— E o Yuri te falava essas coisas, assim, simplesmente?

— Às vezes sim, às vezes nem tanto. Sei que eles têm algum tipo de rixa, porque tem um tempo que ele diz que ia “derrubar” o Juliano em alguma coisa. Numa dessas, ele bebeu pra caramba e me ligou de repente. Queria saber se “alguém tinha feito algo” pra mim. E não, não tinham feito nada.

Nem sei reagir a essas novas informações. Eram enormemente privilegiadas, como as minhas. Tão maiores até.

— Acabei indo atrás dele no barzinho perto do apê dele. Tava meio insano com esse papo todo.

— Insano como?

— Dizia coisas... Dizia que eu “era melhor” e o outro “o pior”. Que ele não era “um fraco como o Hermani”. Que “tinha virado o jogo”. Mas que se preocupava comigo, que “o Pompeu era perigoso”. No começo eu não tava muito pra conversar, só queria levar ele pra casa, mas ele parecia precisar me falar essas coisas, sabe. Então comecei a entrar nesse papo e fui fazendo umas perguntas... Pra tentar entender.

— E essa rixa deles, ou dívida, é de quê?

— Não faço ideia. Mas ontem quando estive lá no apê, ouvi uma pequena discussão de seus pais sobre... drogas. Encontraram drogas tanto no carro dele quanto no do Juliano naquele dia. Não foi algo que saiu na reportagem.

— Drogas?

Inevitavelmente me vem o dia do aniversário de Sávio, a blitz e depois Max me dizendo que não tinha nada a ver. Queria ele só me tranquilizar? Ou me despistar?

— E ele nem tem o perfil disso, Lena. Tipo, drogas. Pra consumo ou venda. Mas não posso afirmar nada também. A gente nem sempre sabe o que se passa na vida dos outros, por mais próximos que sejam. E, ai, nem sei mais o que pensar sobre isso.

O corpo alerta da minha amiga de repente desfalece, sem forças, se derramando sobre o colchão. Ao meu lado, Daniela parece tão mais pequena quando se encolhe como uma bola de espasmos, por seu choro contido e olhos sem vida.

Tomo as mãos dela nas minhas para passar a energia certa.

— Primeiro você cuida de si. Se não, não vai sobrar muito de ti pra contar história. Você tá segura agora e é o que importa no momento. Vem, senta e vamos só respirar.

Ela aceita minha iniciativa, embora sem muita vontade. Passa o papel novamente ao rosto, olhos e nariz e se equilibra nos quadris para sentar numa posição melhor. Quando encontra meu olhar cuidadoso, se concentra enfim em mim e segue meus passos para respirar, como um dia ela também fez comigo quando fui ao ensaio e me passou orientações sobre aquecimento de voz. Dessa vez, no entanto, era para recuperar seu fôlego.

Só respirar, observando o crescer e abaixar de nossos troncos, vai aliviando aos poucos a tensão e angústia do momento. Dividir esse momento com ela também me sossega o peito, o que imagino ter sido a sensação do Murilo comigo nos últimos tempos. E agradeço demais, em pensamento, por ela me dar essa passagem.

— Melhor?

— Sim.

Ajeito sua franja, para tirar dos olhos, como também fui cuidada, e anuncio:

— Vou pegar um copo d’água pra você. Vou demorar um pouquinho, mas volto.

Dani, por outro lado, se prontifica:

— Deixa que eu vou. Aproveito pra passar uma água no rosto no banheiro.

— Acho uma boa. Enquanto isso, vou procurar uma música legal pra a gente se derramar e se reerguer. Do seu jeitinho.

Sinto seu ânimo agradecido pelo gesto aos olhos que agora demonstram mais brilho e por seu aperto em minhas mãos. Dou as coordenadas de onde mexer no armário da cozinha e ela me passa o notebook que estava na mesinha.

Assim que me encontro sozinha, me vejo armada com tantas informações mais, que preciso repassar, porém, não nesse minuto. Ela é mais importante. Como o Murilo, estou aqui para injetar algo de bom que ela possa segurar neste tornado. Lembro também que ela mencionou a música Gomenasai, que identifico ser a que ela cantarolava mais cedo, já não mais necessária para expressar seus sentimentos, vez que Daniela enfim encontrou as palavras para tirar a dor do peito.

Agora era hora de descansar – seu corpo, sua mente, seu espírito, seu eu.

Com amor, cuidado e o suporte que ela precisa.


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Notas finais do capítulo

apenas que DANI DO CÉU, é muita bomba e ao mesmo tempo EXPLICA MUITO.
também fiquei bege de ouvir essa história toda.
agora a pergunta que não quer calar é: QUAL FOI O MICO DO VINÍCIUS? hahaha
vem aí

trechinho do próximo?

"- Caramba, tu lembra disso?
— Me apego a coisas bobas e boas. Como farofa no cabelo e aventuras de busão."

e

"Pra ajudar a criatura, tento dispersar com uma piadinha besta:
— O Murilo dá uns vinte bebês, mãe. Olha o tamanho dele.
Ela, no entanto, leva a piada como um elogio e faz um carinho na criatura quando meu irmão para ao lado dela.
— Para sempre meu bebê lindo. Mas daqui pra frente sei que meus bebês podem gerar bebês."

e

"Murilo esfrega uma mão no rosto, maldisposto.
— Só quero que isso acabe.
— Acho que finalmente está acabando."



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