Mantendo O Equilíbrio - Finale escrita por Alexis terminando a história


Capítulo 153
Capítulo 152


Notas iniciais do capítulo

DIZ QUE todas as noites dessa semana eu liguei o computador à noite pra vir aqui postar e todas as vezes eu acabava era escrevendo mais HAHAHA Eles falam, eu escrevo. Assim como foi com o capítulo de hoje, que tá mega recheado!

Tem MÚSICAS, tem CANTORIA, tem aconchego, tem insinuações, tem zoeira, tem grandes realizações, tem MEGA INFORMAÇÕES e coisinhas a mais!

Bora lá?



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The Verve – Bitter Sweet Symphony

 

Uma das músicas que serviu de trilha para muitas histórias que compartilhamos (eu e Murilo) com mamãe foi Bitter Sweet Symphony do The Verve, direto do pen-drive do Armando. É a que me vem em mente para amainar os ânimos junto a Daniela. Runaway do The Killers também.

Mas quando seu celular toca do meu lado uma música que não conheço, apesar de reconhecer a voz, sei por onde recomeçar com ela.

Quando Dani ressurge ao quarto, com uma carinha mais terna e um copo de água pra mim, mostro que sua mãe estava ligando. Ela sai rapidinho para atender. Ao voltar, já achei a letra completa da música pelo trecho que consegui captar: Starry Eyed da Ellie Goulding.

 

Ellie Goulding – Starry Eyed

 

— Não deixa esse telefone tocar perto do Murilo.

Como minha amiga ainda está avariada, se assusta com isso e uso essa história também pra melhorar o clima.

 - Por quê?

— Ele pegou traumas da Ellie quando eu usava uma música dela no meu celular. Vem, senta aqui.

Isso planta um sorriso leve ao seu rosto. Checo a tradução vez que fico em dúvida sobre o significado do título. Pensava ser “olhos que encaram”, do verbo stare, mas é “olhos estrelados”, do adjetivo starry. E ao escanear a letra, enquando Dani se ajusta perto de mim na cama, vejo que é...

— É uma música de pegação.

— É? Ainda não tinha conferido a letra.

— Olha aqui esse trecho. E esse aqui.

Aponto na verdade muitos versos na tela do notebook e isso vai se tornando tão curioso, apesar de bobo, que nos distrai e muda a atmosfera dessa visita. A música mais uma vez dando-nos um fôlego de vida.

— A Ellie tem um tom difícil de reproduzir, já percebeu?

— Sim! E se é difícil pra você, imagina pra mim, que sou uma reles mortal que cantava no busão.

— Ei, tu cantou no palco duas vezes!

O fato de ela falar assim, chamando atenção para eu não me depreciar, me dá um bom sinal para continuar me enveredando por esses tópicos.

— É, eu cantei... Não quer dizer que consiga chegar no tom da Ellie.

— Porque seu tom é mais... Avril.

— A Avril já tá marcado na minha cara. A Aguilera que tá marcada na tua.

Mais solta, Dani coloca uma mecha do cabelo para trás da orelha e me olha perdida nessa referência.

— Na minha?

— Fiquei encucada com aquela iluminação que você teve sobre Gennie In The Bottle, da Christina Aguilera, que também é sobre pegação.

— Caramba, tu lembra disso?

— Me apego a coisas bobas e boas. Como farofa no cabelo e aventuras de busão.

Ela abre um sorriso bonito, apesar de contido.

— E você consegue chegar no tom da Christina, que bem me lembro. Cantou uma vez no busão e todo mundo aplaudiu.

Com essa, ela fica pensativa, tentando recordar do fato.

— A gente tava junto?

— Não, você me contou essa.

Aí sim um sorriso mais satisfeito, que demonstra mais da nossa não esquecida relação. Para não ficarmos mais no silêncio, coloco para tocar outra que passo os olhos rapidamente na minha pasta de arquivos. Uma bem branda da Alanis Morissete.

 

Alanis Morissete – Everything

 

Ao começar os acordes leves, Dani deita no meu ombro e diz:

— Gosto dessa. Acho que não é de pegação.

— Se for, eu vou ficar de cara.

Não é, descubro, ao abrir a página de tradução. A melhor parte é que ela embala tão bem. A letra também não fica atrás, bem significativa. Diria perfeita até. Ao cantarolarmos uns trechinhos pela vontade que bate, me transporto total para minha relação com o Vinícius.

I can be an asshole of the grandest kind

I can withhold like it's going out of style

I can be the moodiest baby

And you've never met anyone

Who is as negative as I am sometimes

I am the wisest woman you've ever met

I am the kindest soul with whom you've connected

I have the bravest heart that you've ever seen

And you've never met anyone's

As positive as I am sometimes

 

Posso ser uma idiota das grandes

Posso me fechar como já não se faz mais

Posso ser a criança mais temperamental

E você nunca conheceu alguém

Que é tão negativo quanto às vezes eu sou

 

Eu sou a mulher mais sábia que você já conheceu

Eu sou a alma mais amável com a qual você já teve contato

Eu tenho o coração mais valente que você já viu

E você nunca conheceu ninguém

Tão positivo quanto eu sou às vezes

 

Vejo também que tem um efeito interessante na Dani, que fica mais molezinha e relaxada.

 

You see everything, you see every part

You see all my light and you love my dark

You dig everything of which I'm ashamed

There's not anything to which you can't relate

And you're still here

Você enxerga tudo, você enxerga cada detalhe

Você enxerga toda minha luz e você ama minha escuridão

Você endende tudo de que eu tenho vergonha

Não há nada com que você não se identifique

E você continua aqui

 

Quando a música finaliza, ela mesma coloca pra repetir e propõe:

— Vamos cantar essa? Gostei muito da letra. Acho que nunca tinha me percebido desses significados todos. Fui essa valente amável e essa tola temperamental também. E você continua aqui.

— Não só eu continuo aqui, sabia?

Ela entende que falo do Bruno. Isso a faz ficar um pouco mais quieta por um momento e então responde.

— Espero como nunca que seja verdade. E... Lena?

Dani me chama de volta porque preferi olhar pra tela para não me ter encarando seu instante pensativa.

— Oi.

Ela me abraça de lado e me aperta contra si, outra vez deitada no meu ombro. Devolvo o aperto, mais felizinha de vê-la correspondendo bem.

— Obrigada por isso. Obrigada por tudo.

— Disponha.

E assim coloco Everything para recomeçar e sermos reles mortais cantando para espantar os difíceis males. Alanis abre nosso show particular de ritmos leves, descobertas e redescobertas – do coração, da vida, de tudo.

I'm the funniest woman that you've ever known

I am the dullest woman that you've ever known

I'm the most gorgeous woman that you've ever known

And you've never met anyone's

As everything as I am sometimes

Eu sou a mulher mais engraçada que você já conheceu

Eu sou a mulher mais estúpida que você já conheceu

Eu sou a mulher mais bonita que você já conheceu

E você nunca conheceu ninguém

Que seja tudo quanto eu sou às vezes

 

~;~

 

Estava fuçando um vídeo da banda que Daniela mencionou ter um erro de gravação engraçado quando ouvimos a campainha. Só assim percebo que já não era tão cedo assim; anoitecia.

— Será que é o Vini?

— Deixa que eu vou abrir. Tudo bem pra você andar?

— Tudo. Vai lá que encontro vocês na sala.

Mais ativa, Daniela segue para atender a porta e eu me preparo para levantar. Faço rapidamente o exercício no pé e alongo a mão, que acho que exagerei mexendo no notebook. Nada demais, só um pequeno incômodo. Quando chego no corredor, ouço a voz de Djane. Assim que consigo, a passos de tartaruga, chegar no sofá, ouvimos a garagem sendo aberta. Murilo chegava com mamãe.

Dani fica no braço do sofá ao meu lado enquanto Djane senta no estofado do meu outro lado ainda comentando o novo corte de cabelo da minha amiga. Deu um ar completamente novo a ela, isso era fato.

— É, eu senti que precisava mudar um pouco. Marcar uma nova fase.

Sempre gentil, Djane considera a ideia.

— Acho que vou no cabeleireiro depois dessa.

Nisso, entram de repente pela portinha da cozinha minha mãe e o Vinícius. Devem ter chegado junto que nem ouvimos. A surpresa, entretanto, não é essa. É que mamãe surge com um papel ao rosto, fungando. Mesmo andando lado a lado a ela, Vini parece ser o último a perceber, mas é o primeiro a perguntar.

— Aconteceu algo, dona Helena?

— Nada não, querido.

Murilo vem logo atrás, todo sorridente.

— É porque ela se apaixonou pela Lia.

Cochicho rapidamente para Dani que se tratava da afilhada do Murilo.

Já mamãe, resmunga perante a sala:

— É que agora meu bebê tem um bebê!

Com essa, o sorriso sacana do Murilo passa para um protesto:

— Mãe!

Pra ajudar a criatura, tento dispersar com uma piadinha besta:

— O Murilo dá uns vinte bebês, mãe. Olha o tamanho dele.

Ela, no entanto, leva a piada como um elogio e faz um carinho na criatura quando meu irmão para ao lado dela.

— Para sempre meu bebê lindo. Mas daqui pra frente sei que meus bebês podem gerar bebês.

Nessa é inevitável protestar junto. Reclamamos sim, porque... sim!

— MÃE!

— Ai, seus chatos. Depois eu que sou sentimental.

Fala ela dobrando o papel que minutos atrás enxugava as emoções dela por conta da Lia. Eu nem me digno a olhar a cara do namorado ou onde foi sentar depois dessa. Não sei se Murilo percebe. Quando levanta a sacola em mãos, acho uma boa distração. Mamãe, como boa anfitriã, ao menos vai na onda.

— Quem quer bolo? É de chocolate.

Dani levanta a mão, risonha da cena.

— Eu quero!

Já mamãe interrompe, cumprimentando rapidamente Djane e:

— Que falta de educação a minha! Vocês querem algo? Água, suco?

Penso eu na falta de educação minha também que não ofereci nada pra Dani a tarde toda. Acho que estávamos tão imersas no nosso mundinho de canções que até de lanchar algo esquecemos.

— Pode ser só água mesmo, não quero incomodar.

Com essa resposta de Daniela que mamãe se apercebe melhor dela.

— E quem é essa jovenzinha aqui?

— Essa é a Dani. Lembra dela do vídeo?

E nessa hora mamãe olha da Dani pra mim e para um pouco no tempo. Ou melhor dizendo, nos avalia de fato.

— É impressão minha ou vocês andaram chorando também?

Dani que nos salva ao declarar:

— É que a gente tava conversando sobre ser nosso último ano juntas na faculdade e ficamos relembrando algumas músicas que...

— Ah! A garota do vídeo!

Surpresa e animada com a lembrança, porque acho que mamãe não tava associando Dani do vídeo com a Dani agora de cabelo curtinho, ela dá uma abraço na minha amiga, que aceita de bom grado. Acho fofo, porque é bem o que Daniela também precisa – doses de amor.

Vejo rapidamente que o Vinícius passa com Djane para a cozinha e fico eu sozinha apreciando esse momento das duas.

— Garota, você tem uma voz maravilhosa!

— Obrigada, dona... Lins?

— Helena, me chame de Helena.

Uma curiosidade que não conto é que Lins Albuquerque é de minha mãe e Camargo do meu pai e que mamãe muitas vezes só chama a gente até o sobrenome Albuquerque porque era assim que a mãe dela, no caso, minha outra avó, a chamava. Papai? Às vezes ele se faz de chateado, mas na hora de uma confusão ele não reclama desse não reconhecimento de seu sobrenome.

— Dona Helena, então.

— Olha, amei mesmo o vídeo de vocês juntas. E a-ma-ria ver vocês cantando de novo.

Mamãe joga essa e Dani corresponde bem ao nos entregar:

— Já estávamos pensando em algumas.

Dona Helena bate palminhas, toda satisfeita, que esquece até do bolo. Espio os outros na cozinha e assisto os três observando de volta a gente, igualmente divertidos. Djane que se aproxima e joga logo a proposta implícita:

— Agora vocês têm que cantar!

Escolhemos All About Us do duo t.A.t.U, vez que foi uma das últimas que estávamos escutando. Foi depois de Gomenasai, que cantamos brevemente, já sem tanta pressão de nossas emoções, embora ainda mexesse sim conosco. Isso porque Gomenasai significa “perdão” e nesta tarde Daniela não só vomitou tudo o que lhe revirava, como também se redimia.

Para criar um climinha, ligo a televisão e sincronizo ao Youtube para a gente poder ver a letra na tela, quase como um karaokê. Era uma letra simples, porém, tinha trecho que eu não lembrava bem. Fazia um bom tempo que não ouvia nada dessas artistas. Sabíamos as duas (talvez o Murilo e Vini também) o que elas representavam em suas canções – relações homoafetivas – mas ali os versos seriam interpretados como um renovar da nossa amizade.

t.A.t.U. – All About Us

 

Nos organizamos ao espaço do sofá mesmo, já que preferia não ficar de pé, e logo Djane e Vini voltam com seus pedaços de bolo para assistir. Murilo e mamãe se juntam a eles do outro lado da sala para poder apreciar melhor.

Sem muito preparo, como foi no nosso último ensaio, Dani dá partida na música, de olhos fechados, assim que dou play:

— They say, they don’t trust. You… me… we… us.

Continuo, sem olhar para aquela plateia na expectativa:

— So we'll fall…if we must, 'cause it's you… me. And it's all about… it's all about.

Nos encontramos no refrão, bem ritmadas, mexendo os ombros ao próprio: embalo:

It's all about us, all about us, it's all about, all about us, all about us. There's a thing that they can't tooouch, 'cause you know… ah-ah. It's all about us, all about us, it's all about, all about us, all about us, we'll run away if we must, 'cause you know… ah-ah.

E era sobre nós, mesmo, se resgatando. Penso nisso quando entoo o final do refrão, alternando com ela:

— It's all about us (it's all about us)

— It's all about us (it's all about us)

— In you, I can trust (it's all about us)

— It's all about us.

Como a próxima estrofe é minha, arrisco olhar para a televisão e vislumbro ligeiramente nossa plateia em transe conosco. Respiro rapidinho pra não me afetar com essa emoção e sigo com a canção e com a sintonia que vou encontrando, vez que é uma música crescente. Em poucos segundos mesmo já me sinto mais imersiva.

— If… theeeey… huuurt… yoou… theeey… huuurt… meee… too. Sooo… we'll… rise… up… Won't stop. And it's all about, it's all about…

Dani puxa o refrão e a acompanho, mergulhando mais na música e me deixando levar. Sem pensar demais e sem... sem me apegar à velha vergonha que por vezes me toma quando cantava perto de pessoas conhecidas.

Ao chegarmos no clímax da música, alternamos outra vez, interagindo uma com a outra, como se estivéssemos conversando e trocando... versos. Dramática, até balanço a cabeça pra entrar na personagem, ao que Dani me lança suas mãos e seguro forte.

— They don't know… they can't see… who we aaaare. Fear is the enemy.

— Hold on tight, hold on to me… 'Cause toniiiiight…

— It's all about us.

— It's all about, all about us.

— There's a thing that they can't touch… 'Cause you know... ah-ah.

Um último refrão e terminamos sorrindo uma para a outra. Palmas tomam a sala e fico toda sem graça de novo. Por isso, tento amainar esse sentimento ao perguntar:

— Agora é hora do bolo, né?

Mas mamãe e Djane se juntam pedindo outra, coisa que só aceito porque vejo o quanto isso faz bem pra Daniela. Pra perturbar um pouquinho, escolhemos Ellie Goulding. Uma mais fácil, claro, que não precisava forçar tanto a voz pra acertar o tom da cantora.

Acerto o Youtube com um vídeo de karaokê mesmo, pra não cantarmos a capella e nos lançamos nessa empreitada gostosa.

~;~

Vez que não tinha comida para todo mundo, tentamos improvisar uma macarronada para complementar o jantar, mas quem disse que havia macarrão suficiente? Duas pizzas salvaram a gente.

Após nossa reuniãozinha improvisada, com conversas, cantorias e bobeiras, Djane se ofereceu para levar Daniela para casa. O clima era de que não queríamos acabar a brincadeira, então prometemos repetir em algum tempo.

Antes de Djane ir embora, a chamei de canto para uma coisa que eu não poderia esquecer. Apenas disse que havia algo importante para lhe contar, mas que, pelas circunstâncias do momento, não poderia. Por isso pedi que me ligasse mais tarde, depois de chegar em casa e só depois de um belo banho tomado, coisa que ela merecia. Informei de antemão que se tratava sobre o lance com Max e que eram novas informações.

Segurei o Vinícius um pouco mais em casa por isso – também porque não queria que este dia fosse de sustos por essas valiosas informações. Enquanto esperava o tempo passar, aproveitava a companhia dos dois homens da minha vida. Vez que o Vini nos contava algumas de suas últimas aventuras da faculdade, Murilo solta de repente:

— Eita, nem contei.

— Não contou o quê?

— No outro dia fui na universidade. Na biblioteca de lá, na verdade. Fui pronto pra encarar minha multa gigantesca.

Me viro pra criatura com essa.

— Mentira! E deu quanto?

— Zero reais. Alguém devolveu o livro, acreditam?

Não acreditamos. Eu mesma fico de cara. Tanto que exclamo:

— Preciso contar essa pro Sávio.

Preciso contar muitas coisas mais, porém, não digo isso.

O namorado? Quase me belisca com essa e esclareço:

— Precisa, é?

— É que ele é um tanto encucado com isso de multas. Fica calculando a de todo mundo. Também não sei porque, só é engraçado ele fazendo as contas.

Tanto é que quando descobrimos esse “segredo” do Murilo, ele foi o primeiro a pensar nesse detalhe.

Meu irmão não liga pro ciuminho besta do namorado e só continua.

— Na época, colocaram o registro de que algum aluno achou num ônibus, viu o carimbo da biblioteca e devolveu.

A criatura volta a se esticar e deita a cabeça no alto do sofá. Vinícius também não deixa de comentar, pasmo:

— E esses anos todos você pensando que não podia nem mais pisar lá. Cara!

Isso me faz dar conta de que...

— Isso significa que você pode dar a palestra, não é? No teu curso.

Fazendo pouco caso, Murilo boceja e acena a cabeça em afirmação, apesar de não esconder sua carinha faceira. Quando dou um soquinho no seu ombro, ele para de graça.

— É, eu aproveitei pra dar uma passada lá. Conversei com meu antigo coordenador, agora diretor do Departamento de Geografia. Ele disse que podemos remarcar para o próximo período.

Pego uma das almofadas e bato nas suas pernas, muito feliz por ele, que nem liga pra almofadada que recebe. Faz é sorrir um sorriso bobo e contido.

— Mu, isso é... INCRÍVEL!

— Foi tudo bem inesperado.

Vinícius também dá um tapinha de parabéns por trás de mim com um “parabéns, cara” e logo mais traz uma boa questão:

— E o que te fez ir lá depois de tanto tempo?

— Acho que... apenas determinado a não deixar mais as coisas para trás por insegurança. Pelo mínimo de insegurança que seja.

Bato palminhas e nessa hora mamãe vem do corredor, passa por nós a passos corridos, dizendo que também quer saber da animação. Ela estava numa ligação com uma colega de trabalho no quarto, vez que teve que vir tão às pressas pra cá. Esperava eu que Djane ligasse enquanto isso, mas tenho algumas artimanhas para distraí-la se preciso. Como o vídeo da minha cantoria que ela não havia terminado de ver.

— É só seu filhinho dando orgulho.

— ACHO BOM!

Ela passa de volta, brincalhona, e segue para o quarto de volta. Em poucos segundos, mamãe ressurge com toalha e seus apetrechos para tomar banho. Consigo ver que ela leva shampoo e condicionador para o banheiro – o do quarto do Murilo, vez que prefere deixar o do corredor disponível para mim – e parece que o universo está colaborando.

— Volto logo, crianças.

Assim que ela some, peço para que os dois homens da minha vida me acompanhem para meu quarto. Sem entender muito bem minhas intenções, eles só me ajudam a dar os passos com a muleta.

No meio do caminho, em outra colaboração do universo, meu celular brilha o nome de Djane na tela. Era chegada a hora.

 

~;~

 

Peço para que o Murilo fique na porta do meu quarto, fechado, para vigiar qualquer movimento de mamãe. O que tenho para falar não é nada demorado, deve valer por todo o banho de dona Helena – provável que até menos. Só que como não mencionei coisa alguma para nenhum dos ali reunidos, ninguém tá entendendo nada da situação.

Murilo me encara lá da porta, as mãos nos bolsos da bermuda, enquanto o Vini também troca olhares com ele, sentado comigo na cama.

— Pronto, Djane. Podemos conversar.

— Querida, que informações são essas?

Nesse ponto, Vini olha para mim, surpreso. Apenas me ajusto melhor na cama, como estive com Daniela hoje à tarde, o namorado exatamente onde ela esteve, e o meu celular no viva-voz entre nós.

— Descobri algumas coisas que Dani me falou hoje. Coisas que você precisa repassar pro Max. Melhor anotar, professora.

Prefiro que ela repasse, porque não quero ter que me colocar outra vez numa situação delicada com Max – nem de ir até ele, nem de ele vir até minha casa. Djane é a melhor pessoa para tal ação.

— Pode falar, Milena.

Vislumbro rapidamente as duas estátuas me encarando e só começo:

— Ela me falou de alguns códigos. “Princesa” e “donzela”. “Princesa” é quando tem algum serviço sujo pra fazer. Já “donzela”, é quando tem uma vítima específica.

Ouço ela rabiscar e continuo:

— Quem falou isso pra ela foi o Yuri. Aparentemente, ele vinha soltando uma coisa aqui e ali para ela, que só foi juntando as peças. Mas pelo que deu a entender, não sabe bem do que tudo isso se trata. Sabe, no entanto, que o Yuri tem alguma rixa intensa com o Juliano, pois estavam brigando por algum tipo de comando. Um falava que ia derrubar o outro.

Sem qualquer resposta dos presentes, até mesmo da professora, vou explicando conforme compreendi os fatos.

— Parece que o Pompeu também estava ameaçando o Yuri e usava a Dani como ponto fraco. Acho que como o Hermani tentava me usar para atingir o Sávio. Ela também sabe que o Sávio defendeu nossos amigos desse traste...

Nesse ponto, fecho os olhos relembrando quando descobri a verdadeira relação de Sávio com aquele maldito e que, mesmo sendo uma história muito insana, eu escolhi não deixar passar. Daniela agora sabe como é essa sensação.

— Porque o Yuri tem ou teve uma dívida com o Pompeu. O Yuri até chegou a avisar ela várias vezes para se manter longe e Dani sentiu mesmo que estava sendo rodeada. E, não sei dizer como, mas o Pompeu também tá interligado com o Hermani.

Em mente, passam as imagens de como Yuri também tentou me alertar. Não foi do modo mais educado ou conciliador, mas ele tentou. Só que isso já estava além do alcance dele.

— E não, ela não contou isso pra ninguém mais, além de mim. Inclusive, foi visitar o Yuri depois que ele foi liberado da delegacia. Pelo que ouviu, foi preso por porte de drogas. Tanto ele quanto o Juliano. Algo que imagino que você já saiba, porque estava no carro deles na faculdade.

Falo isso mais para que Djane saiba que agora sei também. Apesar do meu tom sério para comunicar tudo isso, uso uma sobriedade e serenidade para equilibrar. Não à toa segurei essas informações por horas. Acontece que quero fazer isso de um modo que não prejudique meu coração mais do que já foi nessa confusão toda. Meu papel aqui é de informar. Me concentro em condensar o que sei e só.

Tomo um fôlego para poder prosseguir.

— Ela também me explicou como foi parar no pátio na hora que o Juliano fez a Flávia de refém. Acontece que tinha ficado presa no banheiro dali e quando finalmente conseguiu sair, ouviu a comoção toda e... é, ela não pensou duas vezes. Principalmente porque ele falou o tal código. Ou foi só o jeito dele de falar “princesa” para a Flávia. Foi a hora que ela pegou o cano dos andaimes.

Tomo mais um fôlego para enfim encerrar.

— Por enquanto, é o que tenho. Espero que ajude, Djane.

— Acho que vá ajudar sim, querida. Muito obrigada também pela discrição. Continue se cuidando, tá?

— Cuide-se a senhora também. Até amanhã.

— Até.

Ao enfim desligar, não encaro nenhuma das duas figuras ao meu quarto. A ligação, como bem já sabia, ia quebrar todo o bom clima que estávamos tendo. Por isso mesmo prolonguei o máximo que pude, aproveitei o dia como deu e fiz o que estava no meu alcance também para trazer a Dani para o lado bom e amoroso da força.

Só que o silêncio dos dois me faz pensar que podem encarar minha atitude de outra maneira. Por isso, esclareço, olhando difusamente de um para o outro:

— Não estava escondendo de vocês. Pelo contrário, estava esperando o melhor momento para reunir os três. Como Djane ressaltou, com discrição.

Um pouco retraída, mexo no celular para colocá-lo de lado e espero mais uma vez algum tipo de resposta. Pelo que percebo só por visão periférica, o Murilo já tem os braços cruzados e o Vinícius continua imóvel onde está, os dois só trocando olhares.

— Estão chateados?

Meu irmão sai de seu posto, ainda de braços cruzados, e senta pesadamente ao lado de Vinícius, apenas minha perna esticada entre os dois. Mais uma vez eles se encaram de um jeito indecifrável e espero com cautela a resposta que nunca parece vir.

Por fim, Murilo expira e solta os braços do corpo.

— Poderia ter nos dito algo.

— Poderia, de fato. Mas não quis que isso roubasse nossa atenção das coisas boas. Haveria um momento para isso. Este momento.

Vinícius então se manifesta, ponderado:

— Acho que o Murilo quer dizer é que também queremos participar mais, não só saber das coisas na hora.

— Desculpa, gente, eu não queria aborrecer vocês.

Digo, desalentada, esmorecendo um pouco no travesseiro que abraço.

Murilo esfrega uma mão no rosto, maldisposto.

— Só quero que isso acabe.

— Acho que finalmente está acabando.

Afirmo, apesar de aparentar pouca animação com isso.

Vinícius então se atenta para outro fato, pensativo:

— Por isso que... Naquela hora que a dona Helena perguntou sobre as expressões de vocês... A Dani tá bem?

Ele deve ter lembrado de como a viu chegar e a diferença ao sair. Isso me faz levantar um pouco a cabeça do travesseiro que abraçava.

— Agora ela está. Ou pelo menos se encaminhando para ficar bem. Precisava de alguém para lhe ouvir, lhe acolher. Precisava de alguém de confiança. Como eu precisei e fui acolhida.

— Fez bem nesse ponto.

Minha mente maquina e complementa de imediato que “não fiz bem no outro ponto”. Sei que o Vinícius não fala isso pra magoar – muito pelo contrário, vez que usa de uma postura calma e conciliadora – mas fico um pouco triste por colocá-los nessa situação. Por estarem tendo que ser tão cautelosos comigo.

Aperto novamente o travesseiro ao corpo e deito a cabeça ali.

— Desculpa mesmo, gente.

Sinto a mão do Vini na minha e sem me dignar a levantar o rosto para olhá-lo, só ouço.

— Entendi o que você quis fazer, Lena. Entendemos. Só nos pegou de surpresa. E com informações tão... cruciais.

Ainda quieta e lastimosa, respondo:

— Também me senti assim quando a Daniela foi falando. Veio tudo muito embolado com todo o medo que lhe acometia.

Sem me mexer, encaro-o dessa vez.

— Você viu como ela chegou, Vini.

— Acho que eu tinha esquecido que ela também esteve envolvida.

— Por isso mesmo não poderia deixá-la para trás. Ela nos defendeu e eu faria o mesmo. Vocês sabem que sim.

Com isso, Vinícius acotovela meu irmão, que tá muito do calado. Não sei se era pra passar despercebido, sei que vi, e o namorado afrouxa um pouco de sua seriedade. Tomo como uma bandeira branca e tento não ficar tanto na defensiva.

— Ver ela cantando com você acabou distraindo bastante a gente.

— Foi meu modo de resgatar ela, como o Mu fez comigo. Doses de amor precisam vir primeiro, né?

Vinícius suaviza ainda mais sua expressão.

— Tem razão. De qualquer maneira, estamos aqui por você.

Ouvir isso me dá certo clic. Falar sobre o incidente e como Daniela surgiu ao cenário, me faz pensar na Flávia. Dessa vez, no entanto, não afasto o pensamento. Apenas deixo que venha.

Será que está se cuidando? Será que saiu do estado catatônico? Será que está sendo acolhida? Compreendida? Será que...?

— Estou pensando em uma coisa... que quero dividir. Talvez agir.

Vinícius se prontifica, ainda centrado em mim:

— Agir como?

— Ligar pra Flávia. Só pra me certificar de que ela está bem. Ou que fique bem.

— Quer que a gente fique aqui?

Me sinto melhor com essa proposta atenciosa de Vinícius, mas agora acho que já tem muita gente no meu quarto para essa ligação. Estico um pouco o pescoço para me direcionar ao meu irmão, ainda quieto.

— Se importa em esperar lá fora, Mu? Também pro caso de mamãe aparecer.

Sem muito o que dizer, ele responde um “tudo bem” fraco e se levanta. Vinícius vai logo em seguida para fechar e passar a chave, conforme peço em gestos, para um pouco mais de privacidade.

Pego o celular e demoro uns segundinhos para apertar a opção ligar. Vinícius dessa vez dá a volta na cama para se sentar ao meu lado. Nem dá tempo da ansiedade se espalhar, pois, com dois toques, ouço a Flávia gaguejar do outro lado.

— A-alô?

Ouvi-la depois de tudo o que aconteceu, desde que fugi da casa do Gui ao fatídico dia que ficou refém, me deixa sem palavras num primeiro momento. Uns chiados surgem e Flávia força um pouco mais de presença na sua voz.

— Alô?

— Oi.

— Oi.

Acho que ela também não consegue dizer muita coisa. Preencho esse vazio sem pensar direito, só falando as coisas que me vem.

— Eu... Errrr... Só liguei pra dizer que estou bem. Com alguns roxos pelo corpo... Mas bem.

Sem dar chances de respostas, também emendo:

— Mamãe tá aqui em casa. Te mandando um beijo.

Tô tão incerta que até começo a me coçar.

— Manda u-um para ela também.

Não deixo de notar outra vez o vacilo de sua voz. Como deve estar sua cabeça?

— E... Como você está?

— Eu? Eu... Errrrr.... Não sei.

— Pois se cuide, viu. Toma vitaminas.

— É, eu vou... eu vou tomar.

— E se alimente bem. Faça todas as refeições. E frutas. T-tá bom?

— T-tudo bem.

— Então... Acho que é isso.

Um novo silêncio.

— Tchau.

— Milena, espera... Eu só... Muito obrigada, tá? Por ligar. E por ter me defendido. Me salvado. Muito obrigada.

— Tudo bem. Tchau.

— Tchau.

Encaro o telefone nas minhas mãos, a ligação finalizada. Vinícius me envolve em seus braços e me dá um beijo no rosto. Então ouço outra conversa, dessa vez vindo do corredor, de mamãe encrencando com meu irmão. Acho que ele ainda estava de vigia na porta, pois diz:

— Não, mãe, ela tá numa ligação.

— E por que não posso entrar?

— Porque... Porque é bom dar privacidade.

— O Vinícius tá lá?

— Tá sim. Ela teve uma briga com a Flávia antes do incidente e é bom deixar elas conversarem.

— Ah, por isso que não vi a menina Flávia esses dias. Estava estranhando. Mas por que ela não veio aqui?

— Ela também se machucou lá na faculdade. E aí ficaram as duas impossibilitadas de se verem. Mas conversar é um começo.

— Isso é. Espero que fique tudo bem.

Aceito o abraço de Vinícius e me permito deitar em seu ombro. Quando acho que a conversa lá fora acabou, ouço:

— Agora só me admira tu ficar tranquilo com o Vinícius de porta trancada com a tua irmã.

— Mãe, eles não fariam nada com a gente aqui.

— Tá muito confiante, viu. Eu? Eu vou é ficar de olho.

— Tá bom, mãe.

Isso me faz deitar mais ao ombro do namorado, respirando seu cheiro. Sei também que ele ouviu e não dizemos nada.

Depois de um tempo, só me repito:

— Desculpa mesmo, Vini.

— Tudo bem. Só foi inesperado.

— Obrigada por ficar.

— Obrigado por confiar em mim.


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Notas finais do capítulo

Apenas guardem a música da Ellie, que ela ainda vai voltar para perturbar o juízo de certa pessoinha hohohohoho

Trechinho do próximo?
"- Mãe, como vai ser o Natal?
— Como assim, como vai ser o Natal?"

e

"Por isso respiro longamente e faço um pedido categórico:
— Tranca a porta.
Vinícius, por outro lado, entende de uma maneira completamente equivocada. Ele chega a rir, coçando a cabeça, do que parecia sua desgraça.
— Tô ferrado assim?
[...] Acho que pensa que eu iria começar ali uma DR com força total."

PRECISO DIZER QUE JÁ QUERO POSTAR ESSE TAMBÉM?
pera, tenho que revisar.

VOLTO EM BREVE!



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