Mantendo O Equilíbrio - Finale escrita por Alexis terminando a história


Capítulo 137
Capítulo 136


Notas iniciais do capítulo

Quem lembra de uma fala do (saudoso) Eric - que a Milena de vez em sempre lembra - quando disse que "sempre tem coisas acontecendo"? Hoje tem Murilices, Milenices e mais mistério para acompanhar esses coraçõezinhos!

ENJOY!



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Westlife – Uptown Girl

 

Amanheço na segunda-feira tão descansada e satisfeita que nem me importo com o barulho de obras da casa vizinha. Acordei relativamente cedo e estava flutuante. Flutuei do quarto para o banheiro, do banheiro para a cozinha e cantarolava Uptown Girl sem nem perceber. A versão que estava na minha cabeça era do Westlife, porque o Vini me enviou um vídeo ao vivo da música, que gamei demais. Se antes era uma música aparentemente sem graça, agora era para nós dois algo extraordinário. Penso até em enviar alguma mensagem para os artistas, mesmo sem saber como estão depois dos anos 90 e se tem ou não redes sociais. Bem, os Backstreet Boys eu sei que tem.

Beijo, Nick, te amo pra sempre!

Dona Bia logo entrou no ritmo enquanto eu tomava meu café. Ela disse que lembrava de uma música antiga assim e fui mostrar pra ela no celular a versão original e a versão mais recente. Logo ela saiu para o mercado e me deixou de vigia para meu mano não descobrir que ela estava com novos cookies para experimentarmos – só depois do almoço. Eu não sei como ela confiava a mim essa informação, porque totalmente babei só de saber, mas lembro que uma vez me disseram que eu tenho um jeito que a pessoa sente que pode confiar a vida, então respeito isso.

Uma vez que termino de comer, fico mais um tempinho respondendo umas mensagens e vendo alguma rede social. Tinha coisas pra estudar e pra mexer no notebook, porém, quando se está com a alma tão plena assim, os deveres parecem tão pequenos e longínquos. Mas a consciência bate e logo levanto.

Quanto passo pela sala, Murilo, deitado no sofá com o livro de vovó, me chama. Ele estava tão concentrado quando fui tomar café que quase não respondeu meu bom dia.

— Oi?

Fechando o livro, ele coloca na mesinha de centro e se senta, com um semblante estranho. Parece sem palavras. Esse é o efeito vovó, acho. Me aproximo para saber.

— Alguma coisa, Mu?

Coçando a cabeça, meio sem jeito, ele diz:

— Hã... Senta aqui um pouquinho?

Dou de ombros e sento perto dele.

— Tava lendo os últimos textos da vovó... Esses do livro. Tem um que fala sobre a gente estar mais aberto para as coisas que nos incomodam.

Lembro dessa crônica de instantâneo e me lembro da sensação estranha que senti na época, por meu mano estar tão distante e eu numa infinita e incerta espera. Mas coisas passadas.

— Tem algo te incomodando?

— Errr... Mais ou menos. Acho que fiz besteira. Duas besteiras grandes.

Murilo soa e aparenta bem apreensivo. Tento entender melhor do que se trata.

— Foi bem ou mal-intencionado?

Cheio dos receios, ele diz:

— Não exatamente bem-intencionado, mas com certeza não mal-intencionado.

— Hm. E foi com quem?

Com um fio de voz, Murilo confessa:

— Com você.

Não respondo de primeira. Os pedaços da conversa me deixam um pouco confusa. Acho que isso transparece de uma forma que Murilo solta logo a informação.

— Ouvi sua conversa. Com a Aline.

Tô boiando tanto que digo:

— Qual conversa?

— Aquela no quintal. Sobre a Lia e sobre construção de família. Eu JURO que não fiz de propósito. Foi realmente sem querer!

Murilo quase salta do sofá, gesticula e tudo, e de repente isso tudo é muita informação pra minha cabeça. Se num segundo estava boiando, noutro estou em total paralisia, porque não sei nem reagir. Murilo continua falando:

— Eu só cheguei e ouvi algo sobre a Lia e, não sei, não falei nada. Sabia que a Lis devia estar dormindo com a neném, por isso fiz o mínimo de barulho quando cheguei, mas aí vocês estavam, sabe... conversando e era íntimo e... não sei. Ouvi.

Ouço o que ele diz e ainda não consigo esboçar uma reação propriamente. Se ele ouviu sobre a Lia, então ele ouviu tudo? Porque ele falou sobre construção de família. Meu Deus, ele ouviu tudo mesmo. SOCORRO!

— E, assim, a Aline já tinha comentado comigo algo do tipo, sobre esse distanciamento com a Lia, e depois eu comecei a perceber também, mas achei que era bom dar um tempo pra você. Daí quando te ouvi falando que estava desconfortável e não era nada a ver com a Lia, eu não recuei. Me desculpa, Lena. Me desculpa mesmo. Fala alguma coisa.

Murilo segura no meu braço, de leve, inseguro.

— Eu... Eu não sei o que dizer.

Ele fica quieto e eu fico também. Dura uns bons dez segundos nesse silêncio. Enquanto processo a informação e imagino um Murilo na cozinha durante toda aquela conversa incômoda, juntando todas essas peças, lembro de algo que ele falou no início:

— E qual foi a segunda?

— Segunda?

— A segunda coisa. Você disse que foram duas coisas.

— Ah. Essa foi a segunda na verdade. A primeira foi quando desgracei sua cabeça com aquele papo de gravidez e filhos e casamento, não é? Sinto muito, mana. Não achei que você ficaria com isso em mente. Foi... uma conversa idiota. Eu me sinto um idiota.

Ainda tô tão atônita que só consigo dizer:

— Que bom, porque eu sinto uma puta vergonha.

E enterro minha cara nas mãos.

— Vergonha por quê?

Abro só uma aberturinha para poder falar. Por mais que agora seja bem mais comunicativa em relação a meus sentimentos, ainda sou humana e quero que algumas coisas – minhas dúvidas e receios – não vazem.

Mas também não era pra ser um segredo. Era só... Bem, algo íntimo.

— Você me ouviu com a Aline lá, Murilo. Eu tava afastando uma criança porque ela faz todo mundo pensar no futuro e eu não me sinto pronta pra nada relacionado.

Murilo suspira e, calmo, recomeça:

— E como a Aline disse, ninguém está preparado. Eu sei que eu brinquei com o assunto, e de uma maneira muito errada, mas não há nenhuma cobrança aqui. Juro pra ti, juro mesmo.

Ele acaba por puxar minhas mãos do rosto, mas a sensação estranha permanece.

— Mas ainda me sinto esquisita. Porque agora você sabe também.

Pareço birrenta? Pareço.

No entanto, estou no meu direito. Era invasão de privacidade, afinal. Mesmo que tenha sido um acidente. Por mais que nossas conversas tenham super evoluído, há coisas que... Há coisas que não precisam ser compartilhadas assim.

Mas pode ser a minha insegurança falando mais alto também.

— Se houvesse uma maneira de desouvir uma conversa alheia, eu faria, mana. O que posso fazer agora é só pedir desculpas por desgraçar sua cabeça.

Murilo faz um carinho no meu cabelo e não sei o que é pior, a situação toda exposta, eu me sentir tão estranha ou ele ainda se autoafirmar como um monstro. Isso me faz acordar só pra negar tudo.

— Você não desgraça minha cabeça, Mu. Só tem coisas que... É esquisito, só isso. Acho que é meu medo de crescer. De passar de fase, sei lá. As coisas estão bem como estão agora, sabe? E eu sei que podem mudar de uma hora pra outra, como sempre muda, mas eu... Não sei. Antes tinha problema com todo mundo me achando uma criança e agora tenho medo de crescer. Sei que não faz sentido.

— Nossas dúvidas internas nunca fazem muito sentido se a gente parar pra pensar.

Ele ri e coça a cabeça, sem graça. Lembro de outra conversa nossa em que ele disse que faria de tudo pra reagir diferente do que sempre reagiu.

Por que estou com vergonha desse Murilo? Por que estou insegura assim?

Acho que eu só não queria encarar a situação. Não agora. E acho que é melhor assumir assim, meus sentimentos, e fazer o que estou postergando em fazer. Falar sobre isso com quem devo falar.

Sem ouvir meus pensamentos, Murilo parece que entende, pois diz:

— Tem uma coisa que eu concordo com a Aline.

— O quê?

— Você vai ter que dividir isso com o cara.

— Eu sei.

— Sabe mesmo?

Me permito ser sincera:

— Sei. Quer dizer, me sinto desconfortável com como as coisas desenrolaram, eu afastar a Lia e me afastar das pessoas... Mas ao mesmo tempo... Com o Vini, eu me sinto segura. Não estou dizendo que vou me casar ano que vem, se vou casar, se... sei lá. Eu só não tenho planos. E não sei se quero ter planos. Mas...

— Mas...?

— Mas, é como eu disse, com o Vini, eu me sinto segura. E gosto dessa sensação.

Nossa última grande conversa me afirmou totalmente isso.

— Gosto de como ele confia em mim. Ele me contou, por exemplo, que ouviu a voz de Viviane. Não ela cantando, mas falando... umas conversas que ficaram gravadas na fita. Ele ouviu e contou só pra mim. E enquanto eu vivia esse momento com ele, me senti assim, no lugar certo, com a pessoa certa, no momento certo. Senti que ele me faz feliz. E por mais incômodo que seja, quero conversar de peito aberto com ele sobre isso tudo. Sobre expectativas e planos. Se existem.

Murilo solta um suspiro que me representa também. Alívio.

— Fico muito feliz de ouvir isso. Nossa, me tira um peso. Tava agoniado de falar alguma coisa e piorar.

Ele ri um riso comedido e eu o acompanho.

— Eu entendo bem a sensação.

Acho que é como a Aline falou mesmo, não se trata de pensar na opinião dos outros. Isso diz respeito a apenas duas pessoas. Ao casal. Não Djane, nem Filipe, nem vô-sogro, nem Murilo, nem... Nem meus pais.

Só é esquisito também pensar em futuro e dividir isso com as pessoas.

— Sabe de uma coisa que eu lembrei?

Murilo me chama de volta à Terra.

— Quando te acordei uma vez depois de um sonho em que você casava com o meu colega de trabalho, Alberto.

Sorrio um pouquinho e ele pode até pensar que é pela neura com que me acordou à época, em busca de um anel no meu dedo, mas na verdade é porque lembro que o Vinícius ficou com ciúmes de um sonho que nem era meu. Quer dizer, porque eu casava com esse tal cidadão. O Murilo, por outro lado, foca na questão do famoso discurso.

— Quero que que você saiba, mana, que eu faria um brinde se você me pedisse. E te apoiaria se não quisesse nada disso. De casamento, digo. Pra mim, estar no teu presente e futuro já me vale demais.

Como não derreter depois dessa?

Mas então eu lembro de uma outraaaaa coisa e isso me dá peso na consciência.

— Ai, criaturinha. Você vai me fazer dizer, né?

— O quê? Que me ama?

Ele fecha os olhinhos, todo gracioso. Eu? Risos nervosos, sem graça.

— Também, mas algo pior que isso.

Murilo muda de expressão, desconfiado.

— Não sei se quero saber.

Junto uma mão na outra, de repente embaraçada.

— Ok, preciso contar. Então. Uma vez estávamos num shopping, eu não lembro o que eu tava comprando, só sei que você saiu da loja e eu te segui. Você entrou numa loja de brinquedos.

Assisto a brincadeira sair do semblante dele e tomar uns tons de... encabulado.

— Eu continuei te seguindo. Pela loja, digo. E ouvi sua conversa. Com a boneca. Uma boneca falante. O que foi fofo e mostrava o quanto você tava mexido em relação a ter filhos e eu só queria cuidar de ti. Mas não queria que ficasse... Bem, assim, como está agora. Tentando enfiar a cara em qualquer lugar. Pronto, falei.

Coçando a cabeça, Murilo faz que não tá tão sem graça, mas está. E eu acho até engraçado, num sentido bem fofo.

— Se sente melhor agora?

Rindo um pouco por ter virado o jogo, digo:

— Ah, tô sim.

— Você ainda pode cuidar de mim agora.

Murilinho tentando virar o jogo de volta? Sim. Pego uma almofada do lado e bato no seu braço. Nada violento de verdade e tudo que aumentava um sorriso gostoso na cara dessa criatura.

— Ah, seu coisa!

Depois dessa, levanto, porque realmente tinha que começar as atividades da faculdade. Quando estou a meio passo do corredor, Murilo torna a me chamar.

— E, Lena?

— Hm?

— Acho que você tem que conversar com o Filipe também. Afinal, você e a Iara ficaram... hã, esquisitas depois. E pelo que eu sei, a relação de vocês é também de sempre conversar.

Faço um muxoxo de ainda ter que fazer mais essa parte desconfortável. Ao perceber minha cara e pouca disposição para tal, Murilo se aproxima:

— Você não quebrou um vaso na cabeça de ninguém, mana. Podia ser pior.

— Eu tô considerando quebrar agora.

— Quebraria a cabeça do seu mano que te ama?

Eu mereço mesmo esse Murilo. Eu mereço.

— Não. Agradeceria pelo mano sincerão que me ama.

Ele afaga minha cabeça e planta um beijo de pai ali. Em seguida, passa por mim, sem deixar de comentar:

— E esse mano sincerão ainda quer te contar muita coisa. Mas, por enquanto, converse com os homens da sua vida.

Eu não poderia ter melhor visão e notícia.

~;~

Assim que passo pelas catracas da entrada e o guardinha da faculdade olha discretamente para seu relógio de pulso, só consigo pensar em um plano para reverter minhas faltas da faculdade. Tá ficando uma coisa insustentável.

Talvez se eu sair mais cedo do trabalho? Eu teria que entrar mais cedo na empresa, pra compensar. Talvez mudar de turno? Acho que Thiago não veria problema nisso, porém, iria me bagunçar toda. Então não. Mas vou ter que ver com ele algum jeito de fazer essa conta bater, porque, apesar de querer arrumar esses horários logo no fim de semestre, eu não quero reprovar por falta. Já tive cagaço demais quanto a minhas notas e reprovações. Só sei que tenho que fazer algo a respeito.

Já que está tarde demais para o professor Sanches me deixar entrar para o primeiro horário, sigo pelo saguão do prédio para a sala de Djane. Mais cedo ela havia me enviado uma mensagem para passar em sua sala quando pudesse. Poderia apostar meu lanche que se tratava de algo sobre o Vinícius, suas descobertas e o desafio dela de se manter perto e dar espaço. Por todo o domingo ela me olhava, fazia que ia comentar algo e depois deixava. Eu já disse pra ela não se preocupar. Mas é Djane, né?

E Djane é minha amiga. E sogra. E orientadora. Irei amainar o coraçãozinho dela sempre que possível.

Chego à antessala, onde fica a mesa de Glorinha, que não está no recinto e sei que tem algo estranho. Também porque avisto um Max deitado na numa das poltronas, urrando e emburrado, sozinho. Quando ele mexe a cabeça, me vê na porta e eu vejo o estado de seu rosto, de quem levou na cara, sei que tem algo muito errado. E, por ele estar segurando as costelas e demonstrando dor, me assusto mais.

— Max! O que houve?

— Vai pra aula, Milena.

Ignoro totalmente sua frieza, largo minhas coisas no pé da porta e me ajoelho ao seu lado para analisar melhor ele todo. Eu não conseguiria sair sem poder ajudá-lo em algo, não é de minha índole.

— Mas você tá todo machuc...!

— Vai pra aula, senhorita Milena. Eu... não quero... ter que falar mais uma vez.

Max soa enfurecido, mas não me atenho a isso.

— Bom, eu não sou de ignorar pessoas quebradas. Agora, cadê todo mundo? Quer que eu pegue um gelo? Ou te ajude a chegar no carro? Ou chame alguém?

— Milena, por... favor. Vai. Pra aula.

Max fala de olhos fechados, arfando, mais uma vez agoniado. E eu não desisto.

— O professor Sanches só vai me deixar entrar no segundo horário, então até lá, eu tô aqui, valeu? Pelo menos pra te fazer companhia.

Ele balança a cabeça, nervoso. Sinto que estou mexendo com uma fera com uma vara curta, mas dado ao estado dele, eu tava preocupada de verdade. Quando acho que ele desistiu de me mandar embora, que vejo seu corpo relaxar na poltrona, ele faz um esforço pra se levantar e não deixa que eu o ajude. Ao se encontrar de pé, ele respira fundo, o quanto consegue, aponta para a porta e... levanta a voz pra mim.

Ele me expulsa com toda a raiva que preenche seu peito.

— Sai. DAQUI. AGORA. Pega tuas coisas e... vai-em-bora. SAIA!

De onde estou, levanto. Se a fera despertou, a minha fera interior também. Olho bem para ele, que, de tão nervoso, está todo vermelho e ofegante, e uma raiva me sobe. Sinto meus olhos se encherem de água e de ódio. Nem meu pai, que é meu pai, nem Murilo, que é o Murilo, levantariam a voz para mim assim. E nem deles eu aceitaria essa violência. De ninguém.

Fosse o que ele fosse, um professor (ou um falso professor), um oficial, um investigador, o que seja, ninguém fala assim comigo. NINGUÉM.

Caminho devagar para a porta, onde ele está, para me expulsar novamente e me aproximo com toda a raiva trincada dentro de mim. Ao ficar a centímetros dele, não hesito. Não me importa quem seja, dou-lhe um tabefe. Pelo silêncio do espaço, soa alto. O rosto dele vira e Max sequer volta para mim, olhando para o lado, ainda enervado. Minha mão arde um pouco e mesmo assim não saio do lugar, pois quero ver se ele vai encarar de volta ou não. Eu quero gritar e eu quero bater mais, porém só bufo diante de seu comportamento. Ele pode tentar me ignorar, mas agora também deixei uma marca de ignorância nele.

Pego minhas coisas e antes de sair dali, viro-me uma última vez pra ele, que faz questão de não me encarar de volta.

— Nunca mais fale comigo neste tom, Max. Nunca mais.

Furiosa, fecho a porta com um estrondo.

~;~

Depois de uma passada no banheiro, de jogar bastante água ao rosto, fazer exercício de respiração e estraçalhar um rolo de papel higiênico em silêncio pra liberar a raiva de Max, entro em sala. O professor Sanches me alerta sobre o horário e só assinto, sem ter o que dizer. E por toda a turma estar dividida em pequenos grupos, ele explica mais ou menos que era um trabalho e diz para que eu arrume logo uma equipe. Por uma vista rápida, sei que nem o Gui, nem a Flá estão presentes.

Ainda me encontrava tão atarantada que iria sentar em qualquer rodinha, sem nem perguntar, a que fosse mais próxima. Por sorte, Sávio me vê e puxa uma cadeira para eu sentar com ele e Acácio. Caminho até eles, perto do janelão, do outro lado, e não sei se consigo esconder meu estado de espírito. Não era um momento para falar, tampouco para entender o caso. Eu iria ver Djane no intervalo, teria que aguentar só mais esse horário.

Quando sento, Acácio me passa a folha de perguntas, enquanto ele termina de consultar e responder a segunda questão. Eu olho o papel a minha frente e não consigo assimilar nada. São oito perguntas e não tenho cabeça pra compreender a questão, que dirá saber a resposta. Termino por passar a Sávio, ao meu lado. Percebo que Acácio vê meu movimento e também o do amigo, quando me pergunta baixinho se há algum problema. Com a mão ainda ardida do tapa que dei em Max, fecho e abro a mão com bastante força ao punho. Respondo para que os dois ouçam:

— Desculpa, gente. Hoje... Hoje eu só quero poder esmagar uma pessoa. Mas até lá, melhor eu ficar quieta. É pra quando essa atividade?

Meio sem jeito, Acácio diz:

— Hoje mesmo. Daqui a pouco.

Sávio intervém:

— Mas a gente faz, né, Acácio?

— Claro, de boa.

Isso me faz sentir culpada. Suspiro.

— Sinto muito, gente. De verdade. Eu só...

— Nada. Você já ajudou a gente em tanta coisa. E não tá difícil assim. Se vocês quiserem conversar por bilhete, de boa também. É só o Sanches não perceber.

Enterneço, ainda preenchida de culpa. E pelo jeito ele também já tinha percebido minha troca de bilhetes com Sávio nas últimas aulas.

— Obrigada, de verdade. Mas agora acho que é melhor eu ficar quieta. Ajudo a copiar algo se for o caso.

Senti que Sávio quis insistir e por isso mesmo me prontifiquei ao trabalho. Ao menos fazer o mínimo, né? Mesmo errando. Meus amigos relevaram quando troquei duas questões. Faltando cinco minutos para acabar o horário, conseguimos entregar.

Queria pedir licença para o professor, pra sair mais cedo, porém, como eu tinha chegado atrasadona, achei melhor esperar mais um pouco. Os cinco minutos mais intermináveis. Ao ponto da turma ser liberada, eu saí feito bala, que não via nada, nem ninguém. Ao chegar na porta do departamento, fechado. Nunca esteve fechado. Eu, pelo menos, nunca encontrei fechado.

Tem algo muito errado rolando.

— Lena?

Sávio se materializa ao meu lado, preocupado. Pelo burburinho do saguão se enchendo de alunos, acho aceitável falar baixo.

— Tem algo acontecendo. A sala tá fechada.

— Talvez seja uma reunião.

— Não. Não sei. O Max...

— Que tem ele?

— Eu o encontrei todo quebrado. Aqui. Naquela poltrona que fica perto da mesa da Glorinha. Ele tava sozinho. E a gente discutiu. Ele me expulsou. E eu... Eu bati nele.

Sussurro a última parte e assisto meu amigo se assustar.

— Espera, me conta melhor isso.

Dou de ombros, agoniada, porque não sei dizer mais que isso.

Então Sávio me puxa pelo braço, sem chamar muita atenção, para a gente sair do saguão e ir mais pra portaria de trás. Quando estamos num local mais vazio, torno a dizer a mesma coisa. E acrescento:

— Eu só sei isso. E que tem algo acontecendo. Eu não sei, Sávio. Eu tô preocupada.

— Deve ter uma explicação razoável.

— Eu tô falando do Max. Eu tô real preocupada com ele.

Conto sobre o outro dia na biblioteca. Conto também sobre a chamada de atenção dele quanto a nossa infeliz brincadeira de aniversário.

— O que quer que seja, Milena, não há o que fazer. Não nós. Protocolo, lembra?

— Eu sei. Sei até demais. Mas... Argh. Eu tô tão... Tô com tanta raiva. E com medo.

Novamente meus olhos se enchem de lágrimas. Não sei mais se por ódio, se por medo, se tudo. É uma droga se sentir assim, impotente.

— Ele sabe o que tá fazendo.

— Será, Sávio, Será?

Também impotente, meu amigo suspira, tenso, diante da minha pergunta.

— A gente tem que confiar, Milena. Temos que torcer pelo melhor. E assim que der... Droga.

Sávio, que não é de se deixar levar assim, parece se conter de algo.

— O quê?

— Assim que der eu dô uma lição nele. Mas, por enquanto, vamos confiar. Vamos dar um jeito de confiar.

Seus amigos são os melhores quando se trata de você.

De repente, toda a raiva cai por terra. Ele está certo. Max e Sávio.

O que Max fez é inadmissível, claro, mas não é o momento pra isso. Há muito tempo há algo maior que nós. Se podemos fazer algo, é colaborar.

— Obrigada. Estava precisando disso.

Estava mesmo. Não de brigas, eu precisava era de clareza.

Ainda mais quando nos encontramos tão no escuro assim.

— Vai dar tudo certo. Em algum momento, isso vai acabar.

Assinto, mesmo nesse clima complicado. E digo:

— Que seja breve.

Ele assente também.

— Que seja breve.

Além de dar um jeito de confiar, tínhamos que dar um jeito de esperar e, né, colaborar. Mesmo que fosse difícil assim.


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Notas finais do capítulo

Se não fosse Max e seus esquemas, acho que fecharíamos o dia de coração quentinho, né? Poréeeeem... sempre tem coisas acontecendo.
Massss... "Você não quebrou um vaso na cabeça de ninguém, mana. Podia ser pior."

Trechinho do próximo?
"- Eu e você. No intervalo! Sem falta!
— O quê que houve?
— Até lá tu vai descobrir.
Deixo a coisa toda no ar só pra assustar mesmo, maldosa e palhaça."

Sempre tem coisas BOAS acontecendo também!



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