Mantendo O Equilíbrio - Finale escrita por Alexis terminando a história


Capítulo 129
Capítulo 128


Notas iniciais do capítulo

A pessoa que está saindo de um estacionamento não quer guerra com ninguém =//



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Amanheci na sexta mais energizada. Apesar de ter ido dormir cedo, não acordei tão cedo assim – ia dar 10h. A primeira coisa que agradeci foi por não ter sonhado nada com nada, pelo que lembrava. Mas ainda me sentia um pouco desnorteada, tanto que fiz achocolatado sem leite e tive que refazer, de tão perdidinha da vida que me sentia.

Murilo aparentemente saiu cedo para acompanhar a alta de Lisbela e Lia, conforme vi no bilhete na cozinha. Lá dizia também que a torneira tava ok e que havia falado com dona Bia. No dia anterior houve falta de água na rua e ela deve ter esquecido de fechar a torneira. Estava se sentindo culpada, mas meu mano não quis que ela saísse do seu outro trabalho (o de cookies) para compensar pelo problema. Foi só algo que aconteceu e não teve prejuízos. Por fim, disse para eu não me preocupar com o almoço, que ele levaria.

Para despertar mais, decido arrumar um pouco da zona que ficou meu guarda-roupa depois da volta pra casa. Uma parte já estava de boa, outra ainda me pedia atenção. Com o celular zerado, deixei ele na tomada e sintonizei numa rádio qualquer só pra animar mais o espaço. Aparentemente, fazer tudo com calma pareceu bem rápido. Ou era eu que estava perdida assim no tempo. Aproveitei pra tomar um banho bem gostoso e reanimar meus neurônios de vez.

Saindo do banho, percebo que tinha esquecido de ligar o celular. Reativo o aparelho e o tempo para reiniciar a tela é o tempo que me troco. Quando pego o aparelho de volta, vejo tanta notificação que fico sem saber o que ver primeiro. Muitas mensagens e ligações. O celular não apitava porque ainda estava no silencioso. Enquanto limpava primeiro as atualizações chatinhas de aplicativos, Murilo me liga:

— Ei, já tô chegando em casa. Só queria saber se é líquido ou comprimido o remédio.

— Que remédio?

— O que você colocou na lista de lembretes na geladeira.

— Ah, verdade. Eu ia comprar ontem e esqueci... É comprimido.

Era o de cólica, que eu, gênia que sou, estava num shopping, com duas farmácias, e não lembrei num minuto só. Mas prefiro dizer que o papo com Iara tava tão bom que até da vida esqueci.

— Ok. Já tô indo pro caixa. Tô levando o almoço também.

Assim que desligo, passo para as mensagens. Entre as novecentas propagandas de plano de celular, bônus e afins, vejo duas da Iara. Uma dizia “me liga” e outra “assim que vir essa mensagem, ME LIGA”. Então liguei, ué. Deu caixa postal. Duas vezes. Tinha três ligações do Vini também, embora sem mensagens. Comecei a achar que tinha algo errado. E então vi que tinha algo de errado mesmo, quando abri as mensagens do Bruno, que voltou a me responder um pouco tarde da noite.

22h34

MLins

Pq? Tivemos novas vítimas?

23h45

Você não soube? O Gui foi assaltado.

23h46

B.

Não levaram muita coisa, mas o fato é que ele reagiu ao assalto e tá ferido. Levamos ele pra casa, já que não quis ir na emergência.

23h46

B.

Aff, meu sinal caiu. A mensagem vai chegar com atraso.

1h10

B.

A Flávia me falou aqui que eles foram na emergência.

8h15

B.

Tá tudo bem, ele não quebrou nada. Só tá um pouco machucado. Já tá medicado e em casa. Vou passar lá pela tarde.

9h33

B.

Tá por aí?

Por uns segundos, só encaro a tela, procurando mais notícias. Não havia mensagens da Flávia. Não havia ligações da Flávia. Havia mensagens de outras pessoas, me perguntando se eu já tava sabendo e se tinha notícias do Gui, mensagens do Sávio, da Dani e até do Cardoso.

Quando aparece a Iara ligando na tela, nem hesito. Nem digo alô, já encho ela com meu nervosismo.

— Ele tá bem? Meu celular zerou e agora que tô vendo as mensagens. Não consegui completar ligação e... Caramba, me diz que ele tá bem.

— Ele tá bem, agora ele tá. Tô aqui na casa dele.

— E a Flávia?

— Não saiu um minuto do lado dele. Mas já está melhor também. Só... cansada mesmo.

— Vi umas ligações do Vini, só que também não consegui ligar.

— É, tá tendo uma quedas de sinal pela cidade, acho que desde ontem. Ele me disse que ia passar aí, mas não sei que horas. Foi só um susto, só isso.

— Eu preciso vê-lo.

— Ele tá descansando agora, mas pode vir logo mais. Tirei uma folga hoje e vou ficar um tempo por aqui. E... ah, tenho que desligar, estão me chamando.

— Ok. Me mantém informada.

— Tchau.

Sento na cama para digerir um pouco e convencer de que já tá tudo bem. Como Iara disse, foi só um susto.

Ouço o portão de casa e então a porta da sala. Um tempo depois, um Murilo quieto me espia pelo vão da porta do meu quarto. Ao me encontrar, parece suavizar sua expressão.

— Tava deitada?

Balanço a cabeça em negativa.

— Hum... está com dor?

— Não, agora não. Mas bom ter o remédio em casa.

— Você não tá com uma cara muito legal.

— Ah, é que eu acabei de saber que... O Aguinaldo foi assaltado ontem. E parece  que ele reagiu. Mas ele tá bem agora. Não quebrou nada. Eu só...

Eu só não consigo pensar direito nesse momento, tentando imaginar como foi, por que ele teria reagido, e como estaria minha melhor amiga.

Num segundo Murilo estava na porta, noutro estava sentado ao meu lado na cama, me abraçando. Aceito sua asa.

— Precisa vê-lo, né?

— Sim.

— Mas ele tá bem mesmo? Falou com ele?

— Falei com a Iara ainda pouco, que tá lá na casa dele. O Gui tava dormindo.

— A gente pode almoçar e logo sair, passar lá antes de ir pra empresa.

Levanto a cabeça do ombro dele, meio desnorteada, e:

— Ah. Por um segundo até esqueci do trabalho.

— Se te faz sentir melhor, tira a tarde de folga para vê-lo.

— Acho que não posso, no outro dia saí cedo e...

Murilo novamente coloca minha cabeça no lugar:

— Mas você não tinha um acordo com seu chefe para ir lá no tal evento acadêmico? E aí só voltou por conta do problema da frota? Ainda não foi resolvido?

Eu não tinha dito nada sobre o caso da Iara e minha pequena investigação solicitada pelo Filipe e assim manteria, porque Iara mesmo não queria que ninguém soubesse de suas inquietações. Algo que não recomendo, mas né, respeito.

— Foi resolvido, é mesmo. Você tem razão, acho que posso jogar essa pro meu chefe. Mas acho que vou ficar mais tranquila se avisar sobre o ocorrido. Não gosto de mentir assim.

Não queria parecer que estava me aproveitando de Thiago ou da faculdade pra folgar.

Murilo afaga minhas costas, consolador:

— Tenho certeza de que logo logo ele vai estar inteiro e... é, aquele palhaço de sempre. E ver você com certeza vai animá-lo.

Suspiro tomando essa esperança pra mim. Daí sinto o celular vibrar de leve ao meu lado e vejo a tela. Era o Vini. Atendo antes que o sinal despenque de novo.

— Oi, Vini. Soube ainda pouco do Gui.

— Tava te ligando desde cedo.

— É, a Iara comentou sobre o sinal da telefonia, que tá com problema em vários locais. Mas tá tudo bem agora. Eu só não tenho todos os detalhes.

— Eu também não. Passo aí pra a gente ir junto?

Olho pro Murilo de soslaio me observando.

— Acho melhor a gente se encontrar lá. O Murilo me leva.

— Tudo bem. Até depois. Beijo.

— Beijo.

Encaro a tela por uns segundos, então começo a digitar uma mensagem pra Thiago. Ia ver o Gui. Isso devia amenizar meu coraçãozinho, né? Vou encontrar aquela peça fazendo drama e brincalhão – é o que tento me convencer. Preciso me animar, isso sim. Sei que Murilo está fazendo seu melhor de cuidar, mas no momento, não quero ficar só pensando no que aconteceu ou como aconteceu e ser consolada.

Tomo um fôlego e mudo a postura.

— E como foi com a Lisbela e a alta?

— Foi tudo bem. Já estão bem acomodadas em casa. Mas não precisamos conversar, se não quiser, mana.

Envio a mensagem pro meu chefe e me viro pra minha criaturinha com um sorrisinho mínimo ao rosto.

— Preciso de doses generosas de murilices pra reequilibrar as coisas na minha cabeça.

Um genuíno sorriso de orgulho e bobice se abre no rosto da criatura e apenas fico feliz por vê-lo e tê-lo aqui neste momento.

— Nesse caso, você não vai acreditar no que aconteceu.

~;~

É Iara quem nos recebe na porta.

— E aí, como ele tá por agora?

— Um pouco mais disposto, dormiu boa parte da manhã. Logo depois que falei contigo naquela hora, ele acordou, se alimentou e voltou a dormir de novo. Estava exausto. Os analgésicos ajudaram também. Ainda pouco que ele acordou.

— Bom. E a Flá?

— Foi pra casa mais ou menos naquela hora. Parecia mais abatida que ele. Acho que nem conseguiu pregar o olho direito. Só foi pra casa porque o pai dela veio aqui, senão ela não saía mesmo. Ele quem ajudou a levá-lo na emergência para... checar, né. Acho que chegaram aqui umas 3h da manhã.

— Aiiin.

É o que consigo dizer enquanto meu coração se comprime pelo ocorrido. Iara nos guia pela casa para seguir para o quarto.

— Ela deve voltar logo mais, embora devesse descansar também.

— E a mãe do Gui?

— Tá se fazendo de forte, como a Flávia. Ainda pouco consegui colocá-la para descansar.

Paramos na porta do quarto dele.

— E... na aparência, ele tá...?

— O rosto está um pouco inchado e um lado arroxeado. Mas ainda tá o velho anjo de candura resmungão.

Um “eu ouvi, hein” surge do quarto e Iara ri um pouco, o que ameniza a tensão do momento. De resposta, ela solta um “tava testando tua lucidez”.

Risonha, ela diz que podemos seguir para o quarto, enquanto ela vai dar uma olhada na mãe do Gui. Murilo me lança um “viu, ele tá bem” antes de entrarmos e suspiro de alívio de ver meu amigo sentado e encostado numa montanha de travesseiros. Coberto até o quadril com um lençol, dava pra ver algumas de suas escoriações pelo braço, mas não estava tão mal como minha mente queria me pregar peças. De alguma forma, ele parecia envergonhado por estar daquele jeito, ou só triste e chateado pelo ocorrido.

— Como se sente?

— Um pouco... famoso.

— Famoso?

Rio, me sentando próximo, na ponta da cama.

— É. Já veio o Sávio, a Iara. E agora você e o Murilo.

Minhas duas criaturas se cumprimentam com um movimento de mãos, o que obriga Gui a se mexer mais, e parece doer um pouco, porém, ele não deixa de cumprimentar. Parece realmente disposto.

— Ok, me sinto triturado. Moído. Músculos que nunca senti, eu meio que tô descobrindo agora.

— Ah, sei bem como é.

Murilo solidariza, enquanto se senta numa cadeira ao lado.

Sei que Gui tá se fazendo de forte e sei que ele sabe que eu sei. Sabe porque fico olhando fixamente para ele, todo quebrado.

— Tô bem, Lena. Foi só um susto.

— Eu sei. Acho que só... queria te apertar.

— Daqui umas semanas eu autorizo. Por enquanto, aceito um beijo no rosto. Mas só desse lado.

Ele aponta para a região abaixo do olho esquerdo, que é o lado que não está arroxeado ou alto. Me posiciono melhor e me estico para fazer esse carinho que me pedia. Dou um beijo e afago seu rosto, fungando. Não tinha nem percebido que eu tava assim, mais emotiva. Me sento de volta à borda da cama e Gui pega na minha mão.

— Tô bem, é sério.

— Eu sei. Mas tô vendo meu melhor amigo todo quebrado e inchado e tenho o direito de fungar por isso.

— Foi mais ou menos o que eu disse quando cheguei.

Diz Iara voltando para o quarto. E complementa:

— Quer mais uma dose de analgésico?

— Não, por enquanto não. Obrigado.

E então ouvimos uma campainha. Com um “deixa que eu atendo”, Iara se prontifica e sai do quarto.

— Deve ser o Vini. Combinamos de nos encontrar aqui.

Murilo então se levanta, puxando a chave do carro do bolso.

— Então eu já vou. Preciso voltar.

Olho pra ele com doçura, mas traquina que sou, provoco:

— Saudades da Lia, né? Só te digo mais uma coisa: quero mais fotos!

Nada apagava o brilho de bobo apaixonado que meu irmão trazia ao rosto desde o nascimento da pequena. Já está mais estável, ao menos, pois nas primeiras 24h de Lia no mundo, ele chorou emocionado como nunca vi. Mas eu também não disse nada, não julguei, não apontei, nada, só mesmo abracei quando podia abraçar e felicitei quando podia felicitar. E disfarcei, claro, enquanto tava noiada com aquele sonho e todas as aquelas questões sobre gravidez.

— Quem é Lia?

Acho que meu coraçãozinho até suspira de alívio de ver meu amigo ser o perdido da história, como ele sempre é, mostrando que aos poucos ele tá voltando ao normal. Pelo menos em espírito.

— Minha afilhada nasceu. Aurélia. Lia.

— Ah, parabéns, cara! Como ela é?

— Um pacotinho que chora alto pra caramba e me deixa meio desesperado. Mas... é fascinante.

Eu ainda não tinha visto Lia chorar alto assim, fiquei muito pouco tempo com ela. Pelo que Murilo me contou, toda vez que ele pegava ela no colo, ela abria o berreiro e ele chorava junto. Era engraçado porque com a Aline, Lia era muito tranquila. Mas Murilo não vai desistir tão fácil, está determinado em conquistar a pequena, seja lá como for. Foi isso que me contou enquanto almoçávamos e, não minto, isso me fez rir um pouco sim.

— Tá vendo a baba daí, Gui?

— Escorrendo? Sim.

Murilo faz uma falsa cara de zangado e termina rindo, porque ele totalmente assume esse posto de tio babão. Assim que Vini entra no quarto, meu mano se despede de Gui, cumprimenta o outro e sai. O namorado, ao ver nossas expressões, se aproxima todo curioso.

— Posso saber do que vocês já estão rindo?

~;~

— É por isso que eu amo meu namorado.

Falo, graciosa, no recinto, enquanto Vini abria o carteado de Uno.

— Por guardar um jogo no carro para emergências? Se fosse por isso, não teria demorado tanto pra te conquistar.

— É que a vida... a vida gosta de complicar.

Vini ri e planta um beijo no meu rosto. Iara volta ao quarto, levando frutas, que disse que ia fazer o Gui comer. Assim que ela volta, a criatura loira declara:

— Mereço mesmo. Primeiro um escorrendo a baba, agora esse daí, escorrendo mel.

Belisco o braço dele de leve.

— Olha quem fala, senhor-eu-amo-a-Flávia-e-não-largo-dela-de-jeito-nenhum. Falando nela, alguma notícia, I?

— Só aquela mensagem de mais cedo mesmo, dizendo que ia descansar um pouco. Ela ainda deve tá apagada.

— Hm. Acho que dou um pulo na casa dela logo mais.

— E já vai me deixar?

Não disse que ele logo estaria fazendo drama?

— Não, seu coisa. Eu voltaria pra cá, claro. Aliás, Thiago disse pra você melhorar logo, porque não me quer triste por tua causa.

Com o prato de frutas cortadas, dentre maçã e pêra, que Iara tinha colocado numa almofada ao colo da criatura quebrada, Gui leva a mão ao peito. Diz, com resistência e um pouco de dor:

— Não sei se fico tocado ou chocado com essa declaração.

— Mas bem alimentado tu vai ficar, isso eu posso garantir.

— Não tô com fome, I.

— Eu não perguntei se você estava com fome. Estou dizendo que você vai comer. Ou nem joga.

Iara cuidadora era uma graça. Eu mesma provei dessa sua postura no dia anterior, quando ela insistia em me levar pra roubar um banco. Quer dizer, espairecer a cabeça. E ali estava sendo apenas uma irmã que o Gui não tinha.

— É sério, tô sem fome.

Mesmo com uma carinha penosa, Iara não cedeu. Das minhas sim ou claro?

— É sério, ou come ou nem participa do jogo.

— Quer dizer que vocês iriam jogar na minha frente e eu aqui ia ficar só olhando é? Olha, não te conheci malvada assim.

Vini, não sei se por ciuminho de irmão, ou se apenas pra provocar e botar mais lenha na fogueira, alfineta logo quem? Eu, tão nobre alma.

— É porque tu ainda não viu como é a Lena. Ela tomava de conta da TV e nem olhava pra mim. E me esnobava.

Eu podia dizer que a sorte dele é que ele tava sentado mais aos pés do Gui, pra ninguém espiar as cartas de ninguém, mas nem a distância me faria menos vingativa.

— Eu só vou dizer uma coisa. Duas na verdade. Um, esse aí queria fugir com febre, e dois, sem beijo até segunda ordem.

Risonho, mas achando que se garante, Vini retruca:

— Viu como é?

Ele leva duas almofadadas na cara, uma minha e outra de Iara, num movimento rápido que fizemos ainda em cima da cama, que era grande e comportava todos nós. Gui, por fim, solidariza.

— Não demos sorte, cara.

E tão logo se conserta, sob ameaça de suas garotas:

— Quer dizer, demos sim, demos muita sorte.

A campainha toca e Iara faz menção de se levantar, mas eu me prontifico de ir.

Ao abrir a porta, me deparo com Bruno. Damos um abraço apertado e o convido para entrar, conversando sobre o ocorrido e como Gui estava. Acho que me ver mais descontraída é o que o deixa aliviado, porque significava que Gui tava realmente melhor.

— Mas, cara, como foi tudo isso? Acabei não perguntando porque o Gui não parecia muito disposto a falar e, sei lá, preferi quebrar a tensão primeiro.

Sentamos no sofá da sala. Bruno parecia ainda assustado só de lembrar.

— Eu só sei que eu tava saindo do banheiro lá do fundo, porque aquele do lado do auditório tava interditado, e vi o Sávio, acho que ele ia entrar. Ele tava parado no corredor, olhando pro outro lado, o lado do estacionamento, que tava um pouco escuro, e aí ouvi uns urros estranhos, com umas risadas, sei lá.

Bruno toma um pouco de ar, antes de continuar.

— Daí quando me aproximei dele pra entender o que tava acontecendo, o Sávio só disse pra eu chamar os seguranças e saiu correndo. Corri pra chamar os caras, que estavam até perto, e quando cheguei com eles lá no estacionamento, o Gui tava no chão, deitado, e o Sávio tava se assegurando do estado dele.

Levo as mãos ao rosto, aflita só de imaginar a cena. Estava, claro, muito agradecida pelo Sávio e pelo que Gui soltou mais cedo, sobre ter contado com ele, e até mesmo ter recebido uma visita de manhã, embora Gui ainda estivesse dormindo. Dava pra ver quão grato Gui estava. Ainda assim, era uma situação difícil.

— Foi um pouco difícil de levantar ele, porque reclamava de muitas dores, então ele ainda ficou um tempo lá no chão. Mas estava consciente e conversava com a gente. Levaram só o celular e a carteira. Acho que não deu tempo de pegarem as chaves do carro.

— Acho que eu nem pensaria no carro nessas horas.

— Sim, claro, a vida é mais importante. Mas, sei lá, na hora o Gui falou umas coisas desconexas, de que um dos caras preferiu conversar? Parece que até tiraram foto dele no chão?

Minha expressão deve ser tão de uma tamanha interrogação que Bruno complementa com um “eu também não entendi”. Penso em falar com o Sávio mais tarde, ou mesmo o Gui, se estiver mais disposto.

— Com muito custo que a gente conseguiu levantar ele e colocar no carro. Só a galera mesmo pra segurar a Flávia, porque ela tava de muito nervosa. Ficou ela e o Acácio no banco de trás, o Sávio no volante, e eu fui no meu carro atrás. Se a Flávia tava difícil de lidar, a mãe do Gui foi mil vezes pior, quando viu a gente entrando.

Caramba, ela deve ter ficado muito assustada mesmo. Lembro de algumas vezes que Djane surtou por conta do Vini e é horrível. Que mãe não ficaria transtornada de ver o filho entrar em casa carregado, né? Iara conseguiu fazer com que ela tomasse um calmante para poder dormir depois toda essa confusão.

— Como ele tava muito sujo, levaram ele pro chuveiro. Ficou a mãe dele, junto com o Acácio e o Sávio lá pra ajudar o Gui a ficar de pé, e eu fiquei aqui com a Flávia. A gente tava insistindo em levá-lo pra emergência, mas o Gui não queria. Acho que com as dores aumentando, ele acabou cedendo. Mas aí já era de madrugada.

A Flávia devia estar tão abalada que não conseguiu nem mesmo falar comigo, penso. Não que eu pudesse fazer algo pelo estado em que me encontrava na noite passada, acho. Mas ao menos pra conforto. É estranho, porque em outras situações drásticas, ela sempre me ligava. Como na vez que a mãe do Gui a atacou. Mas pra não conseguir ligar assim, só consigo pensar que minha amiga estava inconsolável. Mentalmente agradeço a Deus por ela não ter ficado sozinha. Tinha o Bruno, tinha o Sávio, e até seu pai.

— Eu só soube quando liguei pra Flávia mesmo, hoje de manhã. O que foi um milagre ter completado a ligação com essa queda de sinal aí. Só sei que o pai dela veio ajudar. E foi um grande alívio ele não ter quebrado nada, sabe? Acho que... chutaram ele. E, caramba, por que tô te contando isso?

Bruno percebe o quanto a história tava me afetando, que fico nervosa, fungando novamente e triste pela situação como um todo. Tomo um fôlego e mais uma vez tento quebrar a tensão neste dia, porque era o que me sobrava.

— Tô bem, eu só... Bateram no meu melhor amigo, sabe?

Tal qual Murilo nessa manhã, ele passa o braço por meus ombros e me puxa para si, num consolo. Deito no seu ombro, aceitando bem.

— Sei, e tá tudo bem se sentir assim. Também não dormi muito bem. Fui trabalhar mais empurrado que outra coisa. E também não consegui descansar muito, vim logo pra cá. A Flávia tá aí?

— Não, foi em casa. A gente imagina que ela esteja dormindo, vez que ficou de plantão por aqui. E, antes que esqueça de perguntar de novo, o Gui comentou sobre quantos foram? Porque pelo que me disseram era mais de um, não? Que assaltou?

— Eram uns três caras, se não me engano. Mas passou, né? Passou.

— Obrigada por me contar.

— Tô meio arrependido aqui, te vendo desse jeito, mas acho que era o que você precisava saber, né?

Assinto, ainda deitada no ombro dele.

— Tá ficando muito sábio, Oliveira. De qualquer forma, fico agradecida.

Ficamos um tempinho em silêncio, ainda juntos ao sofá, até ouvirmos uma risada gostosa do Gui ao fundo, o que quebra todo o climão de tristeza. Apesar das dores e de toda a situação, era bom saber que era só o que todo mundo tava falando – um susto, que passou.

Me desvencilho do meu amigo e seguimos enfim para o quarto. Da porta, já pergunto:

— Quem é que já tá fazendo minha caveira aí?

E a criatura retruca, enquanto Bruno cumprimentava os outros.

— Tava aqui imaginando se tu tinha te perdido pela casa para demorar isso tudo pra voltar. Mas já que perguntou, entrego logo, é o Vini.

Estirado numa cadeira, com os pés cruzados na borda cama, Vini ri, sacana. Quando fuzilo o namorado, ele tenta se defender.

— Eu só tava contando histórias da minha mãe. De quando a gente sequestrou ela. E do teu plano. E de como minha mãe foi torturada.

Não deixo de rir brevemente pela lembrança de Djane fula com todo mundo, principalmente eu e Renato, os cabeças da operação.

— Djane é uma figura quando tá doente, gente. E tu também, bonitinho, não ri não. Eu diria, no mínimo, que vocês são farinha do mesmo saco.

Chove um monte de “wow” dos nossos amigos, sentindo o clima de provocação. Me sento na ponta da cama, enquanto Bruno segue pra uma cadeira perto de Iara, do outro lado do quarto. Por fim, Vini se ajeita na cadeira dele como se fosse revidar e diz, risonho:

— Eu amo minha garota, apenas isso. Até mesmo quando me esnoba durante uma febre e me chama pra sequestrar pessoas.

Comendo das frutas que Iara persistia em oferecer, Gui retruca:

— Ah, não. Lá vem o mel de novo.

Perdido na história, Bruno vira pra Iara e pra mim, perguntando silenciosamente do que se tratava. Provoco a criatura loira de volta enquanto respondo.

— É porque ele quer ver as pessoas dizendo que ama ele e somente ele, esse ciumento. Se empurrar fruta não é amor, se matar trabalho por ele não é amor, eu não sei o que é. Mas agora me pergunto se esses analgésicos estão fazendo outros efeitos.

Gui ia responder algo mais e Iara enfia os últimos pedaços de fruta na boca dele, para a risada de todos. Logo depois, ela pede pra não fazermos muito barulho, porque a mãe do Gui ainda tava dormindo. Com o pratinho de frutas finalizado, Gui ganha um “muito bem” de Iara, que segue para ir na cozinha. Vini vai logo atrás, pra ir ao banheiro. Me sento do lado da criatura porque sentia que devia estar mais perto, mesmo vendo-o tão bem. Ouvimos outra campainha.

— Deve ser a Flávia. Pode ir lá, Bruno?

— Posso.

Assim que Bruno sai, fica só eu e o Gui. Com dificuldade, ele se deita um pouco, acho que cansado. Puxo mais do seu lençol, ajudando a se acomodar melhor. Observo mais uma vez como está machucado e me dói no coração.

— Não mente pra mim, tá, Gui.

Ele parece ficar um pouco nervoso com a minha abordagem.

— O-o que quer dizer?

— Você tá bem mesmo?

Ele fecha os olhos por um instante e posso ver que relaxa mais, embora sua voz pareça tensa. Ao seu lado, não resisto em fazer carinho em seus cachos, já mais crescidinhos.

— Ainda tá tudo doendo... e... por um momento achei que o pior fosse acontecer.

— Por que você reagiu?

— Reagi?

Espantado e surpreso, ele olha pra cima pra me encontrar, para logo voltar à sua posição, mas olhando para o teto.

— Não reagi. Mas também não entendi o que aqueles caras estavam querendo. Quer dizer... Eles me cercaram e pediram celular e carteira. Entreguei. Então um dos caras abriu minha carteira, pegou minha identidade e falou meu nome, e outro tava mexendo no meu celular. Então levei o primeiro soco, me empurraram pra cair e me colocaram de joelho. Acho que tiraram uma foto. E um dos caras disse “chuta, chuta” e o outro me chutou, sem que eu pudesse fazer qualquer coisa. Eu tava um pouco zonzo, mas ainda me chutaram mais uma ou duas vezes, até que ouvi o Sávio gritar alguma coisa, e os caras sumiram. Te juro, Lena, eu não reagi.

Meus olhos se enchem de água mais uma vez neste dia e é o momento que deixo a lágrima escorrer. Pelo menos uma.

— Tô bem, tô em casa. É isso que importa, não é?

Dessa vez não resisto e abraço meu melhor amigo, que enrijece, e sei que ele não se importa pela dor que sente, pois aceita de bom grado a atitude.

— Te amo, Gui.

— Te amo também. Mas não chora não, tá?

— Uhum.

Me desvencilho dele para respirar e enxugar o rosto antes de a galera voltar. Olho para a porta estranhando a demora e quase posso rir por minutos atrás ter sido eu a sumir. Ajeito o carteado – que foi proibido pela Iara – de volta na caixinha e quando me preparava para deitar junto de meu amigo, ouvimos um toc toc na porta. Uma cabeça paira no vão da porta e diz:

— Posso entrar?

— Dani! Entra sim.

Bruno entra logo depois e consigo imaginar o porquê da demora deles. Daniela parece um pouco abatida enquanto se aproxima da cama. Aceno de volta quando ela me cumprimenta à distância.

— Trouxe chocolate. Não sei o que se compra nessas situações ou se você pode, mas trouxe mesmo assim.

— Aceito um beijo no rosto da minha garota, do lado que não tá doendo, e podemos dizer que tá tudo bem.

Me aconchego mais na cama, preguiçosa, assistindo essa cena. Até um tempo atrás, Dani estava afastada e estava de mal até com o Gui, mas nada como uma situação dessas para reavivar o amor que temos uns pelos outros e reunir todos num mesmo recinto.

Vini volta com Iara, pra completar o cenário. Ao me ver deitada, o namorado pergunta baixo enquanto os outros estão numa conversa paralela:

— Tá com dor, amor?

Ele tava se referindo às cólicas que estava tendo nos últimos dias. Não sentia no momento, porém assinto, porque ainda tinha alguma dor no coração pelo tanto de coisa ruim que tinha acontecido nas últimas horas.

— Tá passando.

Então agarro um chocolate quando Gui me passa a caixa que Dani trouxe e penso que meu remédio era tudo isso. Meus amigos juntos novamente, rindo, conversando, e cuidando uns dos outros.

Era o tipo de coisa que, mesmo na atual circunstância, me energizava tal qual uma boa noite de sono.


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Notas finais do capítulo

Quem só quero guardar todos num potinho e proteger para sempre?
Por outro lado... haha coisas estão acontecendo e eu não posso contar!

Trechinho do próximo?

"Ele se chega mais pro meu lado e cochicha:
— O que tu fez?
— Nem eu sei.
Levanto os ombros, porque não sei mesmo explicar aquela cena."



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