Mantendo O Equilíbrio - Finale escrita por Alexis terminando a história


Capítulo 130
Capítulo 129


Notas iniciais do capítulo

AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA
tem tanta coisa boa nesse capítulo que nem sei dizer
enjoy!



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— A Flá tá por aí?

Pietro, cunhado de Flávia, falta me abraçar quando me vê no portão. Agitado, ele me puxa pela mão e, após fechar a porta, me reboca até a entrada da sala.

— Graças a Deus, minhas preces foram ouvidas.

— Preces?

— Digamos que alguém tá tocando o terror por aqui. Ela tá FULA com todo mundo. Mas que bom que você chegou. Finalmente alguém pra acalmar os nervos e colocar ela nos trilhos de volta.

Eu não tava entendendo nada.

— Mas o que houve?

— ELES ME COLOCARAM PRA DORMIR, FOI O QUE HOUVE.

Vejo um vulto loiro passar rapidamente pelo corredor da casa. Olho pra Pietro, ele olha pra mim, como que já tivesse delatado o suficiente, mas eu ainda não tinha entendido a situação. Sigo ele quando ele vai para a copa, onde tinha uma pilha de papéis.

— Pode explicar melhor isso?

— Depois que o pai dela conseguiu fazer com que viesse descansar, fez ela dormir. Com remédio. Algum calmante, sabe? Só que ela dormiu muito. Mais do que a gente esperava até. Eu já tava preocupado que fosse algum tipo de reação. Daí ela acordou, viu que já tava tarde, e tá chateada. Mais chateada porque... fizemos de um jeito sem ela perceber.

— ELES COLOCARAM NO MEU SUCO!

Outro vulto corre de um quarto para o outro. Pietro junta suas folhas.

— Eu não me orgulho disso – e até fui contra no começo – mas quando realmente vi a cara dela... Ela precisava, Milena. Agora que ela melhorou. Mas, de novo, como eu disse, não me orgulho de ter participado disso.

Então ele pede licença e segue para o corredor, sumindo por umas das portas. De relance, vejo o pai de Flávia com o mesmo semblante de Pietro, de quem não queria ter feito o que fez, mas se sentiu obrigado. Estava preocupado e arrependido acho. Acenamos um ao outro de longe mesmo.

Minha amiga enfim aparece na copa, com a mão na cintura, puta da vida.

— Dá pra acreditar? Eles não queriam que eu fosse ver o Gui.

Ao ver no rosto de Flávia o tamanho cansaço que carregava e pensar no que Pietro disse, posso compreender enfim a situação. Se assim ela tá melhor, imagina como estava antes. Olheiras é pouco. E zangada do jeito que se mostrava, o caso ficava mais difícil. Bem que poderia ter trazido um chocolate para amansar a fera. Gui concordou comigo de guardar um. Mas ninguém imaginaria que resolveria uma grande questão de vida ou assassinato.

Então começo com calma.

— Um descanso não foi tão mal, foi?

— Eles colocaram remédio no meu suco, Milena. Eles NÃO TINHAM O DIREIT...

Flávia vira para que os outros ouvissem o que estava falando, mas, por alguma razão, ela para sozinha e se vira para a geladeira, chateada. Não tenho ideia de como as engrenagens estão funcionando ali, e vê-la quieta, pegando um pouco de água, me deixa mais perdida ainda.

— Você está melhor?

Ela só bebe a água, virando um copo grande. Quando a Flávia fica nervosa, ela bebe muita água. Muita. Vê-la quieta e virando um copo assim me deixa um pouco apreensiva, porque parece que há algo a mais do que sua chateação.

Pietro surge de novo na copa, para pegar uma calculadora, e estranha a calmaria. Ele se chega mais pro meu lado e cochicha:

— O que tu fez?

— Nem eu sei.

Levanto os ombros, porque não sei mesmo explicar aquela cena. Flávia nem parece se dar conta que estamos ali e falando dela; está com o pensamento longe. Se fosse eu, eu diria normal. Mas é da Flávia que estamos falando. Pietro sai de fininho, acho que com receio de minha amiga explodir em agressividade de novo.

Assim que me vejo sozinha com ela de novo e que Flá deposita seu copo na pia, faço o que sinto que tenho que fazer – abraço ela, que parece soltar o fôlego e diminuir mais a tensão.

— Tá tudo bem, ele tá bem, viu.

Flávia me aperta e eu aperto de volta.

— De verdade?

— Sim. Ele tá sorrindo, fazendo piada e já levou até travisseirada na cara. Bom, o Vini levou por ele.

— Foi tão horrível, Mi!

Afago suas costas e sinto como ela está nervosa.

— Imagino que tenha sido mesmo. Só descobri hoje no final da manhã e também fiquei mal.

— Tentei te ligar ontem, mas a droga do sinal não completava. Quase nem consegui falar com meu pai. Ele ajudou tanto ontem, mas hoje...

— Ele estava vendo a filha dele muito mal, ele só quis ajudar. Mas entendo tua chateação. Quando o Murilo se engalfinhou com o André, eu quase não consegui sair de perto. E se tivessem me dopado, eu também taria chateada.

Fiquei tão louca naqueles dias que tinha hora que não respondia por mim. Vini teve que intervir. Lembro que enquanto esperávamos notícias de Filipe, para saber se André tinha aceitado o acordo, para que Murilo não fosse indiciado, eu dormi e tudo se resolveu, e eu acordei muito nervosa, achando que tinha acontecido o pior. Mas não falo isso para a Flávia. Eu não queria instigar seu nervosismo mais que o necessário. Mostrar que eu a compreendia era o que podia fazer no momento.

— Eu só... quero cuidar dele.

Me desvencilho dela para lhe passar mais tranquilidade.

— Ele está sendo bem cuidado. A Iara tá super dando suporte. Vim aqui porque tava preocupada contigo, poxa, sem notícia nenhuma. Mas foi só um susto. Podemos ir agora.

Seus olhos desfocam, um pouco longe. Ainda há algo na cabeça dela, só não sei dizer o quê.

— Algum problema?

Ela coça os olhos e faz que melhora, quando sei que não melhora.

— Nada não. Só vamos. Vou pegar minha bolsa.

~;~

Virando a esquina e entrando na rua de Aguinaldo, vi um cenão que não sei nem dizer. Primeiro, Filipe estava lá. Segundo, Daniela também. Terceiro, Daniela entrava no carro de Filipe. Ele, muito satisfeito, ainda me percebeu andando junto de Flá pela calçada antes de entrar no veículo. Apenas sorri de volta enquanto dava um tchauzinho. Eles saem antes de chegarmos na porta da casa.

E isso é a primeira coisa que pergunto a Iara quando entro. Flávia passa direto pra ver o Gui, mesmo que ele estivesse dormindo (de novo). Ela realmente não queria ficar distante. 

— Eu nem sei por onde começar, de tão sei lá que eu tô também. O que vi, Mi... Foi... liiiindo. Lindo. Queria até ter gravado pra ti!

— Aí tu me deixa mais curiosa, sua chata. Me solta tudo!

Iara passa um braço no meu e me leva pra cozinha, onde Vini tava terminando de lavar umas louças – aliás, que visão. O namorado me olha por sobre o ombro ao me perceber no recinto e dou um beijo rápido no rosto dele, apesar de lembrar que ele estava deserdado nos beijos até segunda ordem.

— Já tá contando sobre nosso pai?

Posso dizer que amei quando ele disse isso pra Iara? Porque amei. Nosso pai.

Sento na mesa para comer um pouco da pizza que eles tinham encomendado. Foi só o tempo de eu ir na casa de Flá que o pedido chegou, a galera lanchou e se mandou. Demorei um pouquinho na casa da minha amiga porque ela tava colocando mudas de roupa para levar na mochila. Essa noite ela iria passar com o Gui. Ou pelo menos, dentro da casa dele.

Iara, voltando à sua pizza, detinha um tamanho sorriso, que nem a boca cheia e toda a pizza, conseguia esconder. Ela só grunhe de volta ao irmão, em confirmação, e eu faço o mesmo, mas cutucando ela, porque não tava soltando informações, apenas levantando suspense.

— Conta!

Iara toma um pouco de suco e limpa o rosto com um guardanapo, se deliciando mais por me ver curiosa do que com o lanche, posso apostar.

— Foi assim: naquela hora que tu saiu, deu uns dois minutinhos e papai apareceu aqui. Ele foi lá no quarto do Gui e tudo, que ficou bem surpreso e admirado, claro. Mas meu pai disse que estava ali como chefe e amigo. Chefe, pra ordenar que melhorasse logo, e amigo, para se solidarizar com o ocorrido – lembrou daquele assalto que ele passou uns meses atrás. Enfim, era pra ser uma visita bem rápida.

— Só que ninguém se tocou de que a Dani também tava aqui.

O namorado complementa ao sentar do meu lado e é outro com um sorriso do tamanho do mundo. Ele acena para a Iara terminar de comer, que ele iria contar. Fico tão TÃO que nem sei dizer, só sentir, por essa iniciativa, já que o Vini não é de me soltar as coisas direito, mas dou um voto de confiança.

 - É que a Dani tava com a tia ajeitando umas coisas no outro quarto. Logo depois a pizza chegou e ela veio pra cá. Daí quando foi nos chamar pra comer, ele a viu. Foi engraçado.

Iara admite, balançando a cabeça.

— Foi mesmo. Papai meio que paralisou e ficou atrapalhado, deixou o celular cair, e a gente lá, meio sem entender o que tava acontecendo, até que a minha ficha caiu e cutuquei o Vini. Com essa coisa toda do Gui e a conversa sobre o assalto, acho que deve ter deixado a gente um pouco aéreos.

Vini concorda e acrescenta:

— Daí a gente veio lanchar, papai com aquela cara, todo assombrado, eu e a Iara tentando fazer ele disfarçar, mas aí a Dani percebeu que havia algo... estranho.

— Como assim?

— Ele ficava encarando e não encarando, meio sem controle, meio emocionado.

Meu coração falta derreter só de ouvir isso. Vou mastigando devagar, ouvindo e imaginando a cena.

Iara, finalizando sua pizza, completa:

— Tive que apresentá-los formalmente, por assim dizer. Falei que papai era um grande fã dela e por isso tava um pouco nervoso. Ela quase nem acreditou. E aí ficou os dois agitados, conversando sobre a banda e a apresentação que ele assistiu uma vez. A Dani quase caiu da cadeira quando soube que ele assistia os vídeos dela no youtube. Até tirei uma foto deles, mas ficou uma no celular de papai e outra no celular dela.

— Vou já já pedir essas fotos. Preciiiiiiiso dessas fotos!

Vini faz que “dois” com os dedos e continua a história:

— Aí como ela tinha aquela reunião da banda pra ir, né, que eu tinha prometido levá-la quando fosse a hora, papai se ofereceu pra ir. Ele já devia ter voltado pra empresa. Como era caminho, se ofereceu e ela topou a troca.

— Ai, meu coração, sei nem reagir a isso.

Iara ainda me arrebata depois dessa:

— Precisava ver os olhos brilhantes de um pro outro, Mi.

— Quero é saber se olho um cenão desses deles ainda. E ainda bem que ela não voltou naquela hora com o Bruno pro evento. Até porque climão, né?

Durante o tempo que ficamos nessa tarde com Gui, Dani ficou grudada no Vini para não ficar por perto do Bruno. Eles coexistiam dentro do mesmo espaço e, como no outro dia no auditório, ele era gentil sem ir além. Ela, ao contrário, preferia ficar mais afastada. Quando deu a hora de ele voltar pra pegar umas palestras, ele ofereceu carona pra irem juntos, mas Dani preferiu ficar mais um pouco.

Logo depois que Bruno saiu, ela recebeu a ligação do baterista, dizendo que ela poderia ir lá no estabelecimento para conversarem sobre a situação da banda, que estavam se estranhando desde uma discussão feia, que fez Dani sair temporariamente do grupo. Eu não sabia os detalhes, só torcia para tudo voltar ao normal. E com esse encontro com Filipe, tinha esperanças de isso ter reavivado um pouco de seu espírito.

— Tem pizza aí pra mim?

Flá chega ao recinto e empurro a caixa para ela, que tinha mais alguns pedaços. Ao sentar-se, Vini olha para minha amiga e depois para mim, surpreso pela aparência de cansada de Flávia. Tava de espantar assim mesmo.

Minha amiga estava tão exausta que sequer percebeu a troca de olhares entre eu, Vini e Iara. É como se ela tivesse num mundo só dela enquanto mordisca a pizza. Era estranho vê-la assim, tão abatida.

— E como está o outro?

Iara pergunta, como quem não quer nada.

— Acordou e dormiu de novo. Perguntou sobre vocês.

— É que essa criatura não sabe ficar sem a gente. Fez um drama enorme quando eu disse que ia na tua casa te buscar. Já tinha dito que entre ele e você, é claro que ficaria com a minha melhor amiga. Vocês podem imaginar o bico, digno de Murilo.

Flávia solta um meio sorriso ao meu espalhafatoso comentário. Ou seria um sorriso amarelo? Não sei dizer, mas definitivamente minha amiga não estava em si.

Iara também sente o clima estranho e interrompe com um novo desafio:

— E entre mim e o Gui?

— Claro que você, sua linda. Aliás, foi o que mais fiz nos últimos meses, não foi?

Ela sorri contente e orgulhosa. Já o Vini...

— Eu tenho até medo de perguntar.

E eu provoco, porque amo provocar:

— E eu tenho medo de responder.

— É o quê, Milena?

Seguro uma gargalhada para não me engasgar com a massa italiana e me inclino brevemente para o seu lado, apenas para dar um selinho em seu rosto, que ele não nega, apesar de estar com o semblante de falso zangado.

— Tô brincando, amor.

— Sei.

Ainda o acarinho, piscando os olhinhos, ao que Vini não parece dar muita confiança, embora risonho esteja.

— Parem de ser fofos vocês dois, não aguento tanta fofura num dia só.

Uma bola de papel voa ao espaço de nossos rostos e flagramos Iara mirando um novo tiro. Ela é quem se faz de falsa zangada, trocando de semblante com o irmão, que, muito palhaço, dá a língua pra ela e sorri para fazer invejinha.

Não acredito que vivi pra ver essa cena! SOU EU que não pode com esses dois!

E por isso mesmo, aproveito a deixa para provocar mais um pouco, porque não seria só eu a ficar nessa berlinda, nem que a vaca tossisse uma música inteira:

— E você, I, como fica entre seu irmão E seu melhor amigo?

Iara se recosta na sua cadeira, pensativa, fazendo caras e bocas e ponderando suas opções. Parecia uma batalha hiper acirrada. E eu, que sou eu, não perco mais uma deixa dessas, mesmo correndo o risco de ser deserdada pelo namorado dessa vez:

— Ih, amor, será que nessa você perde também?

Como assim “também”, Milena?

Muito pelo contrário do que eu havia cogitado, de que ele iria emburrar de vez, se afastar e decretar eu de deserdada, Vinícius faz é aproximar sua cadeira da minha, passa um braço por meus ombros e me abraça de lado, com o maior sorriso sacana.

— Eu me garanto bem. Mas não tenho problema com o melhor amigo de vocês... Afinal, meu amigo também.

Vinícius se mostrando uma pessoa maior? Eu poderia dizer que tinha o treinado bem. Entre trapalhadas, planos e muito amor, claro.

Ficamos aporrinhando uns aos outros e ainda assim Flávia permanece distante. Tenho o feeling de que tem algo errado mais uma vez e não sei bem o que fazer com esse sentimento.

~;~

Configurando meu celular depois de uma tamanha queda que o aparelhinho levou e me deu um baita frio no estômago, mal vejo quando meu irmão aparece à sala e, com o controle que pesca ao meu lado, aumenta o som da televisão, que eu mantinha no baixinho, e passa os canais. Quando aceitei esse celular do Vini, estava praticamente todo configurado em seus pormenores, de modo que quase nem mexi, só aceitei da maneira que estava e fui me adequando.

Ao achar um filme finalmente, Murilo senta no sofá e quando dou por mim, ele coloca uma almofada sobre mim e pousa sua cabeça, deitado de lado. Alguém estava pedindo atenção, pelo jeito. Apesar de ainda estar com dor no coração da queda do celular, larguei um pouco o aparelho e cedi ao pedido silencioso da criatura. Eu sentia falta de nossos momentos de maninhos, mais do que outra coisa. Não havia celular esse que me roubaria da peste. Nem se eu ganhasse na loteria e fosse avisada por mensagem.

Bem, isso certamente seria um trote.

Amorosa toda, abraço o momento com um velho cafuné. Os fios do meu mano estavam um pouco baixos de seu último corte, porém, nada impedia o carinho. Tento reconhecer o filme que passa na telinha e não tenho a mínima ideia. Também não tenho a mínima atenção, quero é ficar perto da criatura, que parece entretida e com uma preguiçinha.

— Como ficou o Gui?

— Melhor. Pelo menos em espírito. Ele vai ficar quebrado por um tempo, mas não no coração. Apesar de estar chateado, claro. E alguém aqui sabe bem como é ter que ficar de molho assim, não é?

— Sei é?

Só vejo a testa da criatura se levantar junto às suas sobrancelhas.

— O Eric também sabe.

— Ô, Lena. Nem me lembra disso.

Murilo se remexe, coçando a cabeça.

— Desculpa. Não era nem isso que eu queria dizer. É só que... Situações diferentes, condições semelhantes? Ele tá sendo bem cuidado.

— Não me orgulho do que fiz com o Eric. Não mais. Você sabe, né?

— Sei sim. A conversa demorou, mas saiu. E foi no momento certo.

— Você ainda teve notícias do Anderson? Ou do primo dele... Como era o nome mesmo?

— Kevin. Depois daquela miniconferência, em que pudemos falar com ele, e enviar uma cópia do caderninho, até hoje estamos esperando resposta. O que pode ser nunca. Só sei que fizemos o que devíamos, e por isso me sinto mais tranquila.

— E o Vini, em relação ao Anderson?

Tomo uns segundinhos pensativa.

— Acho que depois de um tempo, o Anderson parou de procurá-lo. Entendeu o recado, sabe? Se ele tivesse conversado com o Vini na época, eles poderiam... sei lá, ter dado um jeito. O Vini teria compreendido e até ajudado, acho. Mas ir pelas costas, e ter feito o que fez... Eu nem questiono mais. A minha real intenção de ter falado com o Anderson, depois de tudo aquilo, quando a história ficou às claras, era só de saber do Kevin. E fazer a verdade chegar até ele. Em algum momento, o Vini também entendeu isso. Então fizemos o que tínhamos para fazer. E foi muito importante poder contar com vocês.

Murilo puxa um dos meus braços para que ele possa beijar e ter consigo.

— Sempre, mana, sempre. E agora o Gui, ele também pode contar com a gente.

Uma explosão na tela marca um grande acontecimento no filme e intensifica um pouco do som. Com o controle perto, Murilo abaixa o volume. Não sei dizer se era pra manter o som baixo pra continuarmos conversando ou se ele realmente prestava atenção.

— Sabe uma coisa que me preocupa?

Murilo move a cabeça para me encarar, muito atento. Acho que eu não era exatamente uma pessoa que falava de maneira aberta sobre minhas preocupações assim e ele também ficou surpreso pela minha abordagem.

— O quê?

— Não sei dizer por exato... É que a Flávia não me parece bem. Anda estranha.

— Estranha como?

— Como se não fosse ela mesma. E há algum tempo atrás ela me confessou ter feito algo ruim, que não podia especificar. E vendo como ela ficou depois do assalto do Gui, de como ele ficou debilitado, ela... sei lá. Ela ficou mais estranha. Mais distante. Eu já perguntei algumas vezes e também já disse que ela pode falar comigo se precisar. Eu só fico na dúvida, se preciso fazer alguma coisa ou se espero que algo aconteça. Faz sentido?

Murilo se remexe no sofá, de modo que fique de barriga pra cima. Disperso, ele demonstra que está considerando os pontos que mencionei.

— Faz sim. Você está se perguntando sobre os limites, certo?

— Justamente.

— Não sei muito bem como funciona a sintonia de vocês, mas eu vejo como vocês dão suporte uma à outra. Talvez mostrar mais suporte? Oferecer ajuda de maneira mais direta e amistosa?

Essa é definitivamente a versão do Mu que eu queria levar para a vida.

— Sim, algo do tipo. Lembro que... Ela me flagrou estranha naquela vez que eu tentava, inutilmente, esconder a história de Anderson e o caderninho da Hello Kitty. Mas é a Flávia, sabe. Ela não é como eu. Ou como eu fui. Ela não tem histórias escabrosas. E ao mesmo tempo, é tão estranho ela se fechar.

— Talvez seja a hora que ela mais precise de alguém.

De fato.

— Vou falar com ela. Obrigada, maninho.

— De nada. Agora volta pro cafuné.

Eu mal tinha notado que eu havia parado. Apenas rio e acato o pedido quando ele se ajeita para a posição anterior, deitado de lado.

Que tempos são esses!

— E como estão as coisas com a Lia? Ainda te fazendo chorar?

— Estaria mentindo se dissesse que não.

Meu mano ri um pequeno riso, rindo da própria desgraça.

— Hoje eu nem peguei ela para deixá-la mais tranquila. E também porque a Lisbela tava mais desconfortável. Preferi não ser um fator de estresse para as duas.

— Fez certo. E falando na Lia... Posso perguntar uma coisinha?

— Diz aí.

— No outro dia, quando que ela nasceu... Você não parou de chorar, Mu. Entre você e o pai, não dava pra saber quem tava mais emocionado. E, tipo, super entendo que é sua afilhada, só fico na dúvida se isso é... sabe, saudável, você ligado assim.

Murilo suspira, de repente, afetado.

— Eu sei, também fiquei espantado comigo mesmo. E não era só pela Lia, mas o que ela representava pra mim. Digamos que ela me pegou em um momento... intenso.

— O que quer dizer?

— Ainda tô digerindo meu encontro com a Denise. Teve uma coisa que ela me disse quando estive na penitenciária. Que ela não fazia nada, eram as pessoas que faziam suas escolhas. E, na opinião dela, eu sempre escolhi destruir as coisas.

Quase salto do sofá. Murilo até levanta a cabeça, porque ele poderia ter caído. Era a primeira vez que ele estava falando abertamente sobre esse tópico e eu queria que ele sentisse todo meu suporte, mas não posso deixar uma coisa dessas passar assim.

— O quê? QUÊ? Isso não é verdade!

Mas vendo minha indignação, ele acaba sentando.

— Pro Murilo que ela conheceu, talvez fosse verdade.

— Não diz uma coisa dessas, Mu, PORQUE NÃO É verdade.

Ele abaixa um pouco a cabeça, sério.

— Preciso te lembrar do Eric? Do nosso último Natal?

Faço questão de fazê-lo levantar de novo. Mesmo que ele não me encare.

— Preciso te lembrar do Filipe? De Djane? Do Vini? De quando você foi me buscar no apartamento da Iara?

Apertando as mãos ao colo, ele responde, calmo. Eu, por outro lado, não me sinto nenhum pouco calma.

— Você tinha fugido de mim, mana.

— Eu não tava com a cabeça no lugar.

— E eu também não. Eu não vou negar o que fui, quem eu fui, o que fiz no passado. Eu fui assim. Não sou mais. Ou pelo menos estou fazendo de tudo para não ser mais isso. Eu sei que a Denise tava tentando fazer minha cabeça. E a prova de que já não sou mais uma fera é que eu estava cara a cara com ela e isso...

— Isso...?

Murilo termina por levantar. Estaria eu não lidando bem com o assunto a ponto de ele querer se afastar de mim? Ou ele estava só se explicando mesmo? Não quero que se sinta pressionado; por outro lado, tampouco que se deixe levar pelas coisas que Denise diz. E, por isso, fico receosa de qualquer movimento meu.

Coçando um pouco a cabeça, confuso, Murilo volta a se sentar. Não me olha diretamente, mas também não se afasta mais, o que me alivia por um momento. Ele toma um fôlego e parece estar com o pensamento longe. Muito provável estava lembrando da conversa. Ao responder, parece sério e ainda assim calmo, como poucas vezes o vi quando se tratava de algo assim.

— Eu disse a ela que, para a sorte dela, eu não era mais aquela pessoa. Eu tinha escolhido ser feliz. Então ela disse que eu estava pior, pois havia “amolecido”.

Ele ri um riso sem vontade, fazendo aspas ao ar. Então complementa, desta vez, cheio de si:

— E eu falei: “Quem é você para dizer algo? Você tá presa e não te faltam acusações. E eu sei o que te incomoda. E vai te incomodar a vida inteira”.

Surpresa com esse trecho da conversa (e ainda mais com o portar-se do meu irmão), faço a pergunta que me cabe:

— O quê que a incomoda?

Então Murilo levanta de novo e me pega de surpresa de novo, desta vez com um sorriso engasgado:

— E eu sei lá?!

Paralisada, encaro as costas da criatura seguindo para a cozinha. Vejo ele pegar um copo, abrir a geladeira, encher de água e tomar. Ainda estou processando as novas informações. Até que finalmente... abro uma gargalhada. Porque eu realmente não esperava algo assim e vindo logo do meu mano.

— Como assim, Murilo? Você que disse!

Murilo retorna à sala, ainda de copo na mão e de bochechas estufadas pela água na boca. Ao engolir, ele meneia a cabeça, rindo um riso pequeno e sacana.

— Sim, eu estava jogando com ela. Ela vai ficar tentando adivinhar. E isso vai incomodá-la também.

Abraçando a almofada que estava em meu colo, jogo a cabeça pra trás numa nova gargalhada, sem aguentar. A tensão se dispersa num segundo. Fico de cara pela traquinagem. Onde ele tinha arranjado esse espírito sacana num momento tão... pesado? Não sei, apenas fico feliz que ele deu essa reviravolta.

— MeuDeusMu, eunãoseinemoque... dizer.

Tô enxugando a água que começa a sair dos olhos, que graças a Deus, não é de angústia ou tristeza, e Murilo volta com o tom calmo. Sério sim, mas não triste. Explicava enfim o que eu havia perguntado... Sua grande emoção em relação a Lia.

— Eu não vou usar mais a força para controlar as coisas. Não quero mais controlar as coisas. A chegada da Lia, por assim dizer, marcou essa nova fase da vida. Ela é essa pessoa tão pequenininha que deixa os adultos paralisados, sabe?

Os olhos marejados de meu irmão de repente se tornam os meus olhos marejados. Dessa vez não de risos. Era emoção, amor e superação. Pulo para mais perto dele e aperto suas mãos nas minhas. Então ele parece um pouco envergonhado. Vulnerável. Não me encara, porém, libera o sentimento que carregava no peito:

— E eu a amo tanto. Pra mim foi como ver uma luz no final do túnel. Um recomeço, sabe? Meu merecido recomeço.

— Ah, Murilo.

Ia abraçá-lo, mas Murilo me impede por um momento. Ele tinha algo mais para dizer. Pra mim e para si.

— Eu sei que tem horas que não boto fé em mim mesmo, e tá tudo bem isso. Só estou seguindo com a vida. Não preciso estraçalhar ninguém. Só fazer a Lia gostar de mim.

Um sorriso digno enfim vem, mesmo entre alguns espasmos de seu choro livre. Eu também me percebo chorando e sorrindo. Passo assim uma mão no rosto da minha criaturinha, porque é com carinho que se cura corações. Afasto o choro porque quero vê-lo sorrindo mais e mais.

— Ela gosta, eu tenho certeza. Aliás, uma coisa que estava pensando mais cedo era sobre o dia nascimento. Porque você pegou ela e ela não chorou nem nada. Então, o que houve de diferente nos outros dias?

Murilo funga, também afastando o choro e tentando se concentrar na parte boa.

— Não sei.

Vasculhando mais uma vez minhas memórias daquele dia, lembro de uma coisa que ocorreu, antes de Murilo ter me deixado na empresa Muniz, que passou batido por nós.

— Acho que tenho uma teoria.

— Teoria?

Com graça e com toda sua atenção, penso em não entregar tudo de bandeja. Só mesmo pra atrair mais ainda o Murilo para a parte boa. Levanto, já dando sinal de que encerraríamos por ali, muito sacana eu.

— Mas só falo amanhã, porque já está tarde e preciso ir pegar meu certificado lá no ECAD logo pela manhã, na força de uma coragem que nem sei se tenho.

Meu mano? É claro que ele se estica todo pra agarrar uma ponta da minha camiseta do pijama e me puxar de volta ao sofá, que caio sentada aos risos.

— Tu sabe que te levo. Mas não sai daqui até me contar essa teoria.

— Murilo, preciso ir dormir.

— Eu também, ué. E tu vai varar a noite comigo se não me contar.

Ele me olha de um jeito determinado-palhaço-sacana que sei que ele faria isso mesmo. Puxo minha camiseta das suas mãos, mas ele não solta. Pelo jeito, não confia quando me visto de traquinagens assim. Bem, não é pra confiar mesmo.

— Tá, tá, eu conto. É só que... Lembrei do seu perfume. Naquele dia você saiu com o meu perfume, porque o seu tava no finalzinho. E nos outros dias, você já tava usando o seu de novo. Talvez a Lia não goste do seu perfume. Talvez ela prefira os mais suaves.

Meu mano fica disperso por uns segundinhos, provavelmente investigando também suas memórias daquele dia. Ele enfim solta minha camiseta e termina por menear a cabeça, concordando, sem deixar de ficar um bobo estupefato. Porque era uma coisa tão simples e ao mesmo tempo crucial, e que passou batido.

— Acho que... faz sentido.

— É claro que faz sentido. Agora essa nobre alma tem que ir dormir.

Deixo ele pensando a respeito e caminho para meu quarto. Quando estou chegando lá, ouço quando ele levanta a voz:

— HEY, EU TAMBÉM SOU NOBRE ALMA, VIU!

— EU SEI, CRIATURA, EU SEI.

Eu sabia bem demais.


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Notas finais do capítulo

Filipe encontrando a Daniela
Iara e Vini falando de Filipe
Iara e Milena sacaneando o Vini
Murilo babão
Murilo se abrindo
Murilo se mostrando uma pessoa maior
Murilo sendo Murilo
Milena sendo Milena
NÃO SEI LIDAR COM ESSAS PESSOINHAS

Trechinho do próximo?
"Empolgada de novo, ela faz suspense.
— Quando eu descobri, Milena, a primeira pessoa que pensei para contar, foi você. [...] Acho que é a mesma sensação de quando você diz que achou ouro.
— E qual é o ouro?"



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