Mantendo O Equilíbrio - Finale escrita por Alexis terminando a história


Capítulo 107
Capítulo 106


Notas iniciais do capítulo

Babados e BESTIES ♥



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Ao ouvir o portão de entrada bater, olho para o relógio na mesinha. Quando o Vini entra na sala, comento, pincelando tinta nas pecinhas que eu ajudava a montar na maquete dele:

— Quarenta minutos pra achar um cola de isopor?

— Não tinha na papelaria daqui perto, aí fui na outra, e tinha, inclusive, era o último tubo, mas aí meu cartão não tava passando e tive que deixar passar gente na minha frent...

— Não acredito que você passou cartão para um tubo de cola, Vinícius Garra.

— Um tudo de cola para isopor, mais um pincel e tachinhas.

Apenas pisco pra criatura, que fala serinho, embora sinto que esteja risonho por dentro. Continuo a pintar o que deveria ser um tronco de árvore. Quando você está alocada na casa alheia, não tem nada pra fazer e tem uma cara de pau sem tamanho, auxilia os anfitriões em suas atividades, mesmo sendo visita. Sou visita educada e prestativa, ué. Só não estava ajudando dona Ana no almoço porque Vini parecia estar mesmo precisando de outras duas mãos pra terminar aquela arrumação.

— Esqueci de tirar dinheiro do banco ontem, só isso. E a outra cola acabou.

— Até acabou o episódio de The O.C. Já tá passando Smallville.

Não minto que às vezes eu ficava à deriva na casa de Djane explorando séries antigas pela sua Tv a cabo. Agora, de “férias empurradas”, eu aproveitava. CLARO.

— Sou mais Smallville mesmo.

Vini às vezes cantava – ao jeito super engraçadíssimo dele – as músicas que fazem parte da trilha sonora. Além de lançar atores ótimos, tinha umas bandas bem bacanas, não posso negar – embora muitas músicas fossem bem fossa Clark e Lana.

Retoco o pincel na tinta enquanto espio uma cena da série.

— Tá no episódio que a Lana-chata voltou do além. Quando a gente acha que se livrou dela, voltam com ela pra trama. Mil vezes Lois Lane, mil vezes Cloe. Mil vezes Arqueiro Verde também.

— Arqueiro Verde, é?

Do outro lado da mesinha da sala, onde estou, vejo a sobrancelha atenta de Vini subir, conforme tira o lacre do tubo de cola. Ele sabe que tô provocando.

— Ô. Aquela capa... Aquela loirice. Aquela cara de sacana. Ele sabe arquitetar bem as coisas.

E aí ele provoca de volta.

— Os trambiqueiros se reconhecem, é isso.

— Melhores pessoas, admita.

Capturo um sorrisinho naquele rostinho dele enquanto se esquiva e checa rapidamente o telefone. Logo o larga em cima de uma almofada do sofá e se senta, pegando mais peças do que seria prédios de um condomínio na maquete.

— Mil vezes você. Mas demorei mais porque o Wellington chegou de viagem e a gente ficou de papo lá na porta. Daqui a pouco ele disse que aparece pra ter dar um Oi.

— Oba! Tenho mesmo uma coisinha pra perguntar pra ele.

— Tem, é? Que coisinha?

Faço descaso.

— Ah, só uma coisa que o Filipe mencionou ontem...

Sobre certas apresentações de escola que o Vini participou e possivelmente a Wanessa tem fotos dessa época.

— Muito bonito vocês ontem... Cheguei e tava todo mundo rindo e de segredinhos. Juntar vocês é o perigo, já vi!

Na verdade eu ainda tava zoando a Iara por conta do Sávio na festa de aniversário dela e Filipe aproveitou a oportunidade para jogar um pouco mais de lenha. Mas o namorado acredita? Nops. Iara que não queria estender história, porque estava de bochechas queimando o suficiente.

— Se bem me lembro, da última vez que você se juntou com o Murilo, fiquei foi com glacê no ombro.

Falo é mesmo!

— Acidentalmente, amor. Você não esquece, né?

Ele ri para maquete, enquanto ajeita as peças conforme consultava seus desenhos. Na despensa já tem uma coleção de suas maquetes, da faculdade. Essa, no entanto, é para o trabalho.

— Esqueço, mas é provável que eu revolva de volta de vez quando porque sim.

— Eu não duvido. Mas fico tranquilo, vou ter minha vingança.

Preciso dizer que nessa hora ele levantou o olhar dos papeis que consultava nas mãos e me perscrutou suspeitosamente? E preciso dizer que isso não me assusta? Vinícius não é um bom trambiqueiro, não tem porque fazer caso disso. Mas tá, se ele tá provocando, quem sou eu pra não devolver.

— Querendo dizer...?

Ele se volta para a papelada enquanto rabisca algo com um lápis e não larga aquele sorrisinho sacana do rosto. Aí tem!

— Querendo dizer que vou ter uma conversinha com dona Helena, minha sogrinha.

Como ele apela, Senhor! Não me faço de abalada – o que não abala mesmo. Pego outra peça dos prédios, vez que terminei os troncos.

— Ela ainda te liga?

— Às vezes. Mas ultimamente até que não... E não, não vou perturbar minha sogrinha no telefone só pra isso. Na verdade, vou ter que ligar mesmo... pra avisar que também vou pernoitar lá. Será que vai ter vaga pra mim?

— Pernoi...? Espera, você VAI na viagem????

Vamos rebobinar essa história um pouquinho antes de mais nada.

Ontem eu fiquei no apartamento com Iara e Filipe, já que de novo não fui pra aula, e queria companhia. Filipe se jogou numa pizza caseira na cozinha e eu e Iara fomos assistentes. Conversa vai, conversa vem, eu disse que precisava usar o notebook dela para entrar em um site de passagens de viagem, porque não tinha dado para ir na rodoviária nesses dias, mas aí descobri que lá tava sem internet. Logo depois ela deu um empurrãozinho no pai, que me fez uma proposta, que deixou até o Murilo impressionado. A criatura me ligou enquanto eu tava sozinha na sala, após fazer aqueles dois palhaços irem tomar um banho, vez que eu estava alugando-os desde cedo e a pizza ainda demoraria:

— E a pergunta que não quer calar: como ficou o lance das passagens? Conseguiu vagas?

— Na verdade, consegui carona.

Enquanto não tiro minha carteira de motorista, sou uma caroneira muito humilde. Porque se teimo em não aceitar, como boa pessoa que sou, pessoas teimam em me oferecer. Pode isso, sociedade? Como disse para o Murilo no outro dia, o que não falta é gente para cuidar de mim na ausência dele – não que eu precise. Mas tá, sozinho ninguém resolve nada, e sozinha não estou nessa.

Iara sabe mesmo convencer quando quer.

— Como assim, carona?

O cheirinho de pizza caseira soprou da cozinha do apartamento até a sala, onde eu estava – bem acomodada, diga-se de passagem, e salivei mordendo um petisco de queijo que capturei enquanto estava ajudando na limpeza da bagunça que fizemos lá, eu, Filipe e Iara.

— Filipe se ofereceu para nos levar... e quer pernoitar lá na casa de mamãe. Que tá surtadinha da Silva Lins. De um jeito bom, digo. Você sabe como ela é.

— Filipe na casa com mamãe? Conta essa história direito, Lena!

Fazia um tempinho que eu não ouvia o riso baixo dessa criatura e mordi mais o queijo para não me centrar na falta que ele fazia. Para falar melhor, peguei o controle da tv e abaixei um pouco o volume da novela que passava.

— É que fui dizer pra Iara que precisava comprar umas passagens, e eu ia comprar online, mas aqui tá sem internet, e aí ela disse que Filipe tava pensando em pegar estrada esses dias, e de repente ele lembrou do Silveira, que o rancho dele fica próximo... Enfim, Filipe tá pensando em levar o Vini e a Iara para visitar por lá, e como nosso interior é caminho, idealmente eles passariam a noite lá em casa. Mas ainda não tá tudo certo. A viagem vai rolar, só não se sabe ainda quem vai de fato. Nem com o Vini não conversamos sobre isso, só quando ele chegar.

— Meu Deus, como eu queria ver isso.

— Te faço relatórios constantes, juro juradinho. Eu e a Flá, quer dizer. Ela não perde essa papagaiada por nada!

E agora o Vini escolhe essa hora pra dizer que vai. Ontem ele ficou um pouco balançado, não quis dar resposta de imediato. Ele também tem aula e trabalho, não tinha mesmo como responder de supetão. O namorado anda tão calmo esses dias sobre o que anda rolando que, sei lá, acho que me deixa mais tranquila. Eu realmente não imaginava que ele ficaria assim, tão de boa na lagoa. Talvez nossa conversa no carro sobre o pouco que conheço do Silveira tenha surtido algum efeito para essa decisão.

Por outro lado, aconteceu tanta coisa desde sua descoberta – tipo, MUITA COISA MESMO – que Vini mal teve tempo para folhear o dossiê, que dirá lê-lo por completo. Fora nossas confusões de vida, tinha matéria pra estudar, prova pra fazer, artigo pra terminar de digitar, trabalho pra resolver, maquete pra montar. Só porque eu tava ignorando minha vida acadêmica por um tempinho, não queria dizer que os outros estavam fazendo o mesmo – e eu não incentivava (por mais que o Gui dissesse o contrário!).

— Tem certeza, Vini? Vocês têm todo o tempo do mundo para essa viagem ao rancho. E não estou tentando boicotar sua vingancinha, só...

— Eu sei. Só fiquei pensando que... Seria bom começar por um lugar que fosse especial para ela, sabe. Minha mãe. Antes de ler o dossiê, digo. Seria uma viagem super rápida, também sei, mas... Acho que eu gostaria de entrar em contato com algo além de papeis frios. É tudo muito novo. Fora isso, poderia dar um beijo na sogrinha e na sua avó, principalmente que o Murilo nem vai poder ir ao lançamento dela.

— Se eu não tivesse hospedada aqui esses dias acho que ainda estaria descrente que isso tudo tá acontecendo – e ao mesmo tempo. É tão estranho.

Não eram mais horas, mas dias, sem o Murilo. Me perguntava se foi assim que a criatura se sentiu quando eu tive que ficar fora... Impotente e na expectativa de qualquer coisa. Mas diferentemente daquela minha outra viagem, aquela no meio do ano pela faculdade, que tinha duração certa, sabe-se lá quando meu irmão vai voltar. Podia ser na semana que vem, podia ser no mês que vem... Nada está traçado.

Estremeço só de lembrar quando ele me falou daquela vez que sentiu um aperto. Mesmo se tratando de Denise, nunca mais quero ter aquela sensação. Balanço a cabeça e acabo me lembrando dele sendo dramático ante sua catapora. Essa sim é uma lembrança melhor – embora posso imaginar que a criatura não concordaria. Catapora e conjuntivite. Só o Murilo mesmo, nessa altura da vida. Tadinho dele. Todo empomadado e medicado. Eu não queria nem rir. Trágico é pouco a se dizer sobre isso.

— O que é engraçado?

— Murilo com catapora. Parece que foi há anos atrás. Eu tive que deixá-lo, e agora ele teve que me deixar.

— Ele não te deixou, Lena.

— Eu sei. Só sinto demais a falta dele. Nível “eu falo pra ele quantas vezes posso” quando estamos no telefone. Ainda pouco ele me mandou mensagem, só dizendo que ia sair com a tia Letícia para ela espairecer um tantinho.

Ela precisava, sério. Murilo me contou ontem umas paradas sobre sua estada quando perguntei como andavam as coisas por lá:

— Nada muito novo. Titio teve que resolver algumas coisas no trabalho e no banco, então não teve muita conversa a respeito... Sabe como ele é, reservado, aí fica tudo mais às entrelinhas mesmo. Aproveitei para descansar mais e conversar com a tia Letícia. Ela tá tão abatida... É tão complicado ver que ela se ilude fácil com a Denise. Pelo que eu soube, até pouco tempo ela tava crente que era algum tipo de engano. E agora ela acha que Denise não fez por mal. Bom, ela é mãe, né? Tento não interferir... Imagino que seria o mesmo que mamãe faria se eu tivesse ido preso por, você sabe, coisas do passado.

— Pessoas como Denise passam despercebidas talvez por isso. Ela se aproveita da situação e das pessoas o quanto puder. Se eu não tivesse achado aquele caderno, eu provavelmente... Eu não teria desconfiado acho.

— Me sinto perdido em mundos paralelos quando ela fala da “doce menina” dela. Acredita que eles nem sabiam que ela ia casar? Se é que haveria um casamento mesmo.

— É tudo tão triste nessa história que nem sei o que dizer.

— Pelo que eu entendi, parece que ela não tem chance nem de pegar um habeas corpus. Além de pega em flagrante, Denise já vinha sendo investigada, lembra?

Nós relemos algumas matérias que saíram. Denise não só saiu no jornal local, como regional e nacional. A gente ignorou por um tempo, mas se tornou impossível com tanta coisa estourando de uma vez só. Ela fazia parte de uma quadrilha que se infiltrava em casa de pessoas influentes da sociedade, pessoas que ela sabia manipular, e nesse último caso ela foi pega no sequestro da própria sogra. Sequestro fraudulento ainda por cima, porque Denise foi levada junto como “vítima”, estando por trás do esquema todo. Pegaram ela justo na hora de estourar o cativeiro. O que não falta é crime pra ser contabilizado. E olha que a polícia não conhece o passado dela.

Bom, imagino que não.

Brinco com bolinhas de isopor que se acumulam ali, no canto da mesinha que eu estava, e não me demoro a retornar à realidade em que estou.

— Paciência, eu sei, paciência. E se você vai mesmo na viagem... Não devia fazer as malas? A gente vai sair de manhã.

Eu disse pro Filipe que não precisava sair pela manhã, mas ele quer aproveitar o máximo possível de tudo. E, bem, ele é o chefe, sabe deixar a empresa por um dia sem que ela se exploda.

— Faço em dez minutos, Lena. Quando já se viveu de um lado pro outro, a gente aprende a fazer rápido e só o essencial.

— Tá dizendo que eu demoro?

Vini larga os papeis um segundinho para me olhar.

— Não, tô dizendo que quero aproveitar minha namorada enquanto ela está aqui.

Como quem não quer nada, retruco:

— Espero que ela saiba que sorte tem.

E aí, com aquele sorriso sacana ainda dançando em seus lábios, ele deixa a papelada de lado e se levanta para se sentar ao meu lado.

— Sempre disse isso pra ela, sabe, desde o começo. Acho que agora ela acredita.

Pois é, agora acredito, penso enquanto recebo um beijo delicado seu.

Quem diria...

~;~

— Vai cuidar dela? Olha lá, hein!

— Pensei que tu confiasse em mim, coisa.

Gui está de braços cruzados, de mochila nas costas, atrasado pra aula, e não arreda o pé dali, na esquina da casa de Flávia. Do trabalho, dessa vez pegamos o busão juntos e ele estava me acompanhando até a casa dela, voltaria para a aula.

Vou ficar ajudando a Flá em algumas arrumações até o Vini me buscar.

Tô turistando a semana todinha na casa dos outros MESMO.

— Só estou garantindo a minha garota.

— Que possessivo. E pensei que eu fosse sua garota também.

— Mas a Flávia é a Flávia.

Nem comento da Daniela, porque esses dois ainda não estão se bicando.

Apesar de pouco movimento pela hora, não estava exatamente deserto. Com uma lanchonete que abrira faz pouco tempo e um salão de beleza atendendo várias clientes, já não era tão perigoso andar por ali.

— A Iara também vai, seu chato.

— Por isso mesmo já passei 20 pratas pra ela.

— Só acho muito bonito que meus amigos ganham dinheiro quando sou eu quem faço os serviços. Vai logo pra aula, Gui!

— Tá me enxotando? Eu, seu mais fiel e cavalheiro melhor amigo? Que...

Antes que ele mesmo se venda, remendo logo:

— Alguém tem que ganhar a vida nos estudos. Eu sei que vou ser reprovada em alguma matéria. Vou ter que arrumar jeito de pagar disciplina sem atrapalhar o trabalho. Vou atrasar tudo, já tô vendo.

— E é assim que se faz um velório antes de morrer na praia, senhoras e senhores.

Quando sou dramática, sou dramática mesmo. Mas nessa altura do campeonato, eu já nem via tanto como drama, só realidade. Futura, mas realidade.

— Pois é, logo eu, a mais responsável de nosso grupo.

Naonde tu é a mais responsável?

Quase gargalho por ele se achar mais responsável que eu. Embora farinha do mesmo saco, Aguinaldo ainda tem muito feijão e arroz pra comer.

— Deixe-me refrescar tua memória danificada pelo álcool: a gente, numa festa, no break daquele encontro de Administração, todo mundo virou o copo e eu que fiquei de babá.

— Porque tu escolheu ficar sóbria.

Na verdade, foi porque imploraram. Ficamos eu e Sávio de babás. Sávio é outro que nem trago pra conversa, porque o assunto era bem mais longo e com muitos buracos pra cobrir.

— E eu lembro que o Murilo te pagou pra ficar de olho em mim. E adivinha pra quem sobrou?

— Se bem me lembro, tu arrancou 40 pratas de mim na graça.

Essa é uma das minhas boas lembranças sobre aquela bagaceira toda.

— Na verdade foi 60 e nem disso tu lembra direito.

Sob a iluminação da rua, Gui parece queimar os neurônios pra validar se estou zoando ou não. Reviro os olhos. Ele não lembra mesmo. Até então eu não tinha mencionado nada a respeito, talvez à espera de uma memória repentina por parte dele, mas com o tempo eu fui esquecendo junto.

— Tu deixou a carteira cair na boate. Eu achei e disse que merecia 20 reais. Tu nem hesitou. Pra você ver o quão lúcido estava.

O sacana ri.

— Eu realmente não tenho a mínima lembrança disso.

— Ficar sóbria tem suas vantagens.

— Mas que eu posso fazer se fico preocupado?

— Você não me parecia nada preocupado naquele dia.

— Tô dizendo agora, Lena. Eu sei que vou te ver na segunda, assim como à Flávia e à Iara, e não tô de marcação, sério, só...  acho que queria fazer alguma coisa, sabe?

Eu sei. E esse showzinho todo não é como nossas discussões passadas. Elas têm um toque de brincadeira e companheirismo, sem um e outro falar muito sério, embora tenhamos argumentos bem válidos. É a velha implicância que nos torna... Bem, nós. É saudável. Estamos, afinal, em fase de recomeço.

— Você já me cobriu na faculdade a semana toda.

— E ainda assim parece tão pouco.

— Eu tô bem, ok? Pode não parecer, mas estou. É uma situação nada ideal, mas vá lá, uma hora isso ia acontecer. E eu tô bem ok com isso. Pra falar a verdade, ando mais bem do que imaginava, sabe?

Eu, o Vini, o Murilo, papai, Djane, Filipe... a gente tava vivendo dias intensos e sorrindo com eles. Ok, não sorrindo como um bom domingo de traquinagens em família, mas rindo, confiando, apoiando... Tentando. Me parece que depois de tudo o que vivemos, bem, foi nos preparando aos pouquinhos e agora era a prova final. Da gente era exigido o exercício do que vínhamos aprendendo ao longo desse tempo. E pensar em conjunto fazia o raio de uma diferença tamanha.

Pelo menos nessa matéria eu não reprovaria.

— Mas agradeço, de coração, você se colocar à disposição. Prometo que levo mais cookies da dona Bia pra você na volta.

— Eu sei que você comprou aqueles na lanchonete.

Agora que a lanchonete é mais um ponto de venda do mais novo empreendimento de dona Bia, ficou mais fácil suborn... mimar os amigos. E eu paguei minha dívida direitinho. Levei o fone de ouvido pra ele também.

— Se correr, ainda entra pro terceiro horário.

— Pode deixar eu me despedir da minha amiga com jeito, Milena?!

— Bestie

— Quê?

Até parece que ainda não usei o termo com ele.

Bestie é melhor amiga, melhor amigo.

— Então diz melhor amiga, ora. Bestie é... esquisito.

— Tudo pra ti é esquisito, Gui.

Me viro fingindo que seguiria caminho só pra ver se ele ia mesmo pra faculdade e Gui faz é me acompanhar. Andamos devagar pela calçada como se tivéssemos todo o tempo do mundo.

— Nem vou entrar nessa, porque esse papo é pra depois. Muito depois.

— Já disse pra deixar esse lance quieto. Fabiano vai quer...

— Pelamor, Lena, o que um cara tem que fazer pra poder se despedir decentemente?

— Me passar 20 pratas.

A minha cara nem treme.

— Minhas pratas já se foram. Tô pobre, lembra?

— E eu que sou sentiment...

Antes que pudesse terminar o que dizia, a criatura enfim me para e me abraça. Um abraço daqueles de quase desmantelar a pessoa. No caso, eu. Eu que me fazia de forte até estar com os olhos cheinhos d’água. Abraço-o de volta e por uns segundinhos ficamos calados. Só porque estou indo bem não quer dizer que não ande mexida. E não é nem como se ele não estivesse metido em problemas complicados também... Mas uma coisa de cada vez, né? Mesmo que o universo cruzasse várias numa tacada só.

— Manda um beijão para dona Helena e dona Marília. E juízo, Milena, juízo.

— Quando não tenho? Não responde.

Sorrimos e nos desvencilhamos.

— Juízo pra ti também, bonitinho. A gente vai ficar off só uns poucos dias, então vê se não participa de assaltos a bancos, incêndios ou tiroteios.

— Eu? Vou é maratonar matérias e séries. Mas é provável que mamãe me explore também. Ela anda movendo umas coisas dentro de casa, pra ajeitar o escritório, e... enfim, ajudo sempre que posso. 

— Você não me disse depois como ela reagiu aos papeis do divórcio.

Gui desvia o olhar pra rua e ajeita a mochila no ombro enquanto aperta os lábios com um “huuuum” seguido de um sorrisinho sem graça e sem dentes.

— Pois então... ela não reagiu. Porque eu não mostrei.

— Aguinaldo Vi-lla-ça! E tu ainda diz pra eu ter juízo, né?

— Ah, isso não é questão de juízo, Lena. É... sei lá. Você a viu naquele dia na festa.

— Eu sei. E a papelada caiu de paraquedas. Mas tem que entregar, cara.

— É só que... Ela tava tão melhor esses dias. Com as arrumações do escritório, parecia mais distraída... ou mais focada. É duro ter que estragar isso.

— Entendo... embora não concorde e embora provavelmente eu faria o mesmo. Mas esses papeis vão reaparecer de outra forma se não forem entregues por você, tu sabe né? Sempre vai estar acontecendo coisas, não tem jeito.

— Vou pensar a respeito, prometo. Mas não quero falar sobre isso agora. Já que tô aqui, vou logo dar um beijo na minha garota. Melhor, correr, né, tu ficou me alugando aqui demais.

Às vezes não sei quem tem mais cara de pau, eu ou ele.

Mas de fato, ele cumpre. Caminhamos para a casa de Flávia e tocamos a campainha. A irmã dela quem atende e deixa o Gui passar assim que ele diz que tá atrasado e só precisa entrar rapidinho. Fico na porta esperando ele voltar pra assim fechar, já que a irmã da Flávia sai para ver algo na cozinha. Dali a três minutinhos, a criatura volta num rompante e sai batido sem nem se despedir mais. Rio balançando a cabeça por essa figura que Gui é e logo que estou fechando a porta da casa, ele grita da rua e eu só coloco a cabeça pra fora numa fresta:

— HEY, BESTIE!

— Que tu ainda quer?

— BOA VIAGEM!

Nem se eu quisesse, eu sei que não estaria sozinha.


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Notas finais do capítulo

E tem como duvidar ainda, Milena?

Trechinho do próximo? Ok!

"Mamãe bate palminhas, animada, e sai do quarto para ir atrás da rede. De sobrancelhas levantadas, sigo ela com o olhar até sumir. Volto a desembaraçar meu cabelo conforme Iara busca em sua mala uma muda de roupa para o almoço em família. Afirmo logo:
— Essa é minha mãe. Entrega logo que tá aprontando algo.
— Ela é ótima!
— Ela é mesmo. Então acho que vamos ter uma festa do pijama. Agora me pergunto é o que mamãe considera como festa do pijama. Que filmes será que ela anda vendo?"

Essa viagem, hein, promete!



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