P.O.V . Peeta

Eu não sabia o que fazer vê-la daquele jeito me destruiu por dentro. Literalmente. Durante todo o tempo de nossa discussão, os flashbacks criados pela capital intercalaram a visão do que realmente estava acontecendo. Quando ela disse que a culpa pela morte dos meus pais era dela, as visões preencheram completamente tudo. Mas algo bem de dentro de mim me impediu de ter uma crise, seria a pior coisa para acontecer naquele momento, ela poderia interpretar como eu dizendo que é verdade, que eu a culpo, e a odeio por isso, parte de mim sente isso, mas não é uma parte verdadeira, é uma parte criada para sentir isso. Eu estou em constante conflito comigo mesmo, e a parte que sabe que isso é falso, me ajudou a me manter são. Quando ela me mandou ir embora, eu tive a súbita vontade de ir, as visões estavam ficando cada vez mais nítidas, eu poderia ter uma crise e matá-la ali mesmo, eu estava a ponte de fazer isso, de ter uma crise, eu precisava sair dali, mas se eu saísse como ela ficaria? Então quando as visões estavam quase me preenchendo eu tive que reagi “NÃO, AGORA NÃO!” eu gritei para mim mesmo com toda a força que eu pude. Quando abri os olhos ela não estava mais na minha frente eu a segui.

E aqui estamos nós, abraçados. É o primeiro contato físico que temos desde a revolução. A textura da pele dela está diferente, assim como eu tenho certeza de que a minha também está, mas ela ainda tem o mesmo cheiro, seu cabelo tem a mesma macies, eu senti tanta falta do corpo dela, e só agora eu percebi. Qual foi a ultima vez que estivemos assim? Na arena! O beija da revolução não conta, foi rápido, teve sentimento, mas era um sentimento confuso misturado por tantas outras coisas, tínhamos acabado de perder vários amigos, e o mais importante deles, Finnick, eu estava à beira de um colapso e ela também, de formas diferentes, mas ainda assim um colapso, aquilo foi bom para nós dois. Mas não conta como um afeto. Fazia mais de um ano. Acho que me acostumei ao privilegio de tê-la depois dos primeiros jogos. Eu sentia falta disso.

Ela pegou no sono, listando os nomes das pessoas mortas. Mas a ultima coisa que ela falou não foi uma pessoa foi uma coisa, “nossa antiga vida”. Eu refleti sobre isso por um segundo. A antiga vida que não durou mais do que alguns meses. A vida que nos foi tirada pela magoa, quando eu descobri o fingimento, pela fúria, pela capital. A nossa vida juntos! Percebo que todas as vezes que fui capaz de me controlar das crises, foi por causa dela. Nós temos que ficar juntos, assim um pode ajudar o outro.

— Ela não está totalmente morta! — eu respondo quando ela fala de nossa antiga vida. Mas acho que ela não conseguiu ouvir antes de cair no sono.

Já faz uma hora que ela está dormindo, eu tinha que fazer alguma coisa relacionada a obra. Era isso que eu ia fazer quando a encontrei, mas eu subitamente me esqueci do que era. A ajeitei de um jeito mais confortável, com sua cabeça em meu colo e os pés em cima do sofá. Tinha uma manta nas costas dele, então a cobri, tentando me mexer o mínimo possível para não acordá-la. Não consegui sair dali. Uma vez como terapia, me fizeram assistir aos primeiros jogos. Levou cerca de um mês para terminar porque sempre que eu via Katniss fazer alguma coisa eu surtava. Lembro-me de uma cena, em que eu estava com a perna ferrada, e ela estava exausta, eu falei para ela dormir um pouco, e ela me fez prometer que a acordaria dali algumas horas, eu não a acordei, porque gostava de vê-la dormindo, eu disse que ela perdia a carranca, e era verdade, ela parecia mais frágil. Alguém a que o Peeta demoníaco não iria querer matar. E foi isso que me acalmou, as visões pararam. Eu fiquei prestando atenção em sua respiração, quando ela começava a se acelerar eu afagava seus cabelos e ela voltava a um ritmo constante, deviam ser os pesadelos. Lembro do trem e de como eu não tinha pesadelos quando estava com ela. Eu mesmo cochilo algumas vezes.

Estou acordado quando a porta se abre e Greasy aparece.

— Katniss? Ouvi dizer que você esteve na praç...— eu a interrompo, ela não tinha nos visto lá.

— Shhh! Ela finalmente conseguiu se acalmar é melhor não falar da praça agora. — ela vai até onde estamos e olho para a nossa situação, a cabeça dela em meu colo, minha mão passeando pelo cabelo dela, e sorri. — Não é o que você está pensando!

— Não estou pensando nada! — ela sorri. — O que aconteceu lá? Sebastian disse que a viu correndo pelo distrito, e uma amiga estava super feliz por ela estar bem e recuperada. Ela disse que até apertou a mão dela.

— É complicado. Ela meio que surtou um pouquinho. Já está tudo bem. Pelo menos por enquanto. A discussão não tinha acabado exatamente quando ela pegou no sono. Não sei como ela vai reagir quando acordar.

— Vocês brigaram?

— Um pouquinho!

— E ela simplesmente dormiu no seu colo depois da briga!

— Mais ou menos isso!

— Eu nunca vou entender vocês adolescentes.

— A gente tem quase 18, e já estivemos em situações que nenhum adolescente teria imaginado. Acho que não podemos ser considerados assim.

— Que seja. Para mim, vocês ainda são adolescentes! Eu vou fazer o jantar.

— Pode deixar que eu faço. Vou ficar aqui para quando ela acordar. — Quando foi que tomei essa decisão? Então eu me lembro do que eu estava indo fazer antes de achar a Katniss. — Só me faz um favor? — Na minha casa tem uma cesta cheia de pães, tem leite e queijo na geladeira. E café também, você poderia levar para o pessoal da minha obra?

— Tudo bem! Quer que eu volte mais tarde ou você vai... Ficar aqui?

— Eu não sei! Tem que ver como ela vai acordar. Mas acho que de qualquer maneira, eu vou ficar aqui de qualquer jeito. — ela sorri. Talvez isso tenha saído melhor na minha cabeça. Eu acho que estou corando.

— Isso é bom! Vocês dois.

— Não existe um nós dois!

— Isso é o que vocês pensam, mas sempre existiu um vocês dois. Só vocês que não percebiam.

— Greasy os pedreiros! Acho que eles devem estar com fome! —eu queria ser serio, mas já estou rindo e ela também.

— Tudo bem. Já estou indo.

Ela sai e fico sozinho com Katniss de novo. Ela tem o sono bem pesado para não acordar com essa faladeira toda. Será que ela tinha razão? Eu sei que Katniss não me amava do jeito que eu a amava, mas será que ela chegou a pelo menos me amar de algum jeito? E eu? Será que algum dia vou voltar a Amá-la do jeito que eu amava antes? Olhando para seu rosto tranquilo e sereno, eu penso que sim, agora que estou por um momento livre da outra parte, a parte que torna o problema existente, agora que ela está assim, tranquila, em um sono profundo, tão bem. Como ela pode estar bonita mesmo depois de tudo? Espere um pouco, o que? Eu realmente disse isso? Quer saber quem se importa. Eu estou me apaixonando pela segunda vez por Katniss. Bom pelo menos enquanto a parte problemática não parece.

Levanto-me com todo o cuidado para não acordá-la. Ela se meche um pouco, mas não acorda. Tento não fazer muito barulho na cozinha. Faço uma sopa. Que é algo que ela vai poder se virar bem sozinha caso quando ela acorde ainda esteja... Do jeito que estava antes. Quando termino a sopa eu volto para a sala esperar que ela acorde. Eu me abaixo ao seu lado, e sem nem perceber o que eu estava fazendo eu me inclino e beijo sua testa. Ela se meche e eu me apresso em sentar na poltrona que fica na diagonal do sofá. Seus cílios se mechem e então eu vejo seus olhos cinzentos. Ela me olha, eu a olho de volta, ela olha em volta, acho que ela está tentando se lembrar do que aconteceu antes, então ela volta seu olhar para mim.

— você ainda está aqui! — ela diz e se senta.

— Sempre! — me arrependo assim que digo, sempre é uma palavra que significa muito, não acho que seja bom ou recomendado dizer isso numa hora dessas. Eu espero a sua reação, não sei talvez gritar ou retomar a discussão de onde tínhamos parado. Mas ela não diz nada. — você não vai falar nada?

— O que você quer que eu diga?

— Eu não sei! Nós não terminamos exatamente a discussão.

— você sabe o que eu penso! Nada que ninguém diga vai mudar isso.

— Pode não mudar, mas pode fazer você compreender. — eu me sento ao lado dela de volta no sofá. — Afastar todo mundo não vai fazer a dor passar. Não vai fazer a culpa diminuir. Não vai fazer seu sofrimento acabar. Só vai te deixar sozinha com tudo isso.

— Talvez seja melhor! Todas as pessoas que estão a minha volta acabam morrendo ou acontecendo alguma coisa muito ruim com elas. Haymitch descobriu isso! É por isso que ele não está aqui.

— Eu acho que você sente falta dele. Vocês se davam vem, ele gostava de você.

— Ele sempre gostou mais de você!

— Mas você é mais parecida com ele, vocês se identificam, tirando a bebida, a idade, e a sanidade.

— Não posso ser considerada sã!

— Eu não disse que você era a sã! — ela sorri, a quanto tempo ela não sorri? Aquele pequeno sorriso me faz sorrir também, ao perceber isso ela morde o lábio inferior, e olha para o chão.

— você deveria fazer o mesmo que ele e sair de perto de mim! Via ser melhor.

— Sabe algumas horas atrás quando estávamos discutindo, eu tive alguns flashbacks, eu quase tive uma crise, mas eu consegui contê-la, porque você precisava de alguém, eu não podia deixar você sozinha! Eu consegui me controlar! Eu consegui suprimir o outro lado de mim, para te ajudar. Sabe a quanto tempo isso não acontece? Eu só consegui porque você precisava de ajuda mais do que eu!

— Obrigado! — ela diz sarcasticamente.

— É serio! Eu falei serio quando eu disse que nós podíamos ajudar um ao outro. E é por isso que eu não vou embora, Foi por isso que eu voltei. Nós só temos um ao outro agora. — ela fica um tempo em silencio.

— Me desculpe! — ela diz depois de algum tempo.

— Pelo o que?

— Por eu ter dito que você não entendia! você também perdeu sua família, eu fui insensível, eu nunca disse isso, mas eu lamento. Por eles, se eu pudesse ter feito alguma coisa eu teria feito.

— Eu também sinto muito, por Prim, ela era a pessoa mais doce que eu já conheci, ela não merecia aquilo. — tive medo de tocar nesse assunto. Mas ela apenas afirma.

— Não é estranho que nós estejamos falando isso apenas agora?

— Nós não estávamos em uma fase muito favorável! Mas agora é a hora! Sinto muito par sua mãe ter ido embora, sinto muito por Gale também! — apesar de não ser totalmente verdade, acho que se ele estivesse aqui, tudo seria diferente. Ele estaria aqui com ela e eu não teria motivos para voltar, e passaria o resto da minha vida em um clinica tentando voltar a ser eu. Eu queria saber uma coisa, mas temia não ser a hora certa. — você o culpa? Por... Você sabe! — ela da de ombros. — Vamos combinar assim, eu sou completamente sincero com você e você comigo. Não tem sentido esconder as coisas um do outro depois de tudo.

— Não eu não o culpo. Mas não sei se sou capaz de não associar a morte dela a ele. Não sei se seria capaz de conviver com ele sabendo que ele projetou a arma que a matou! Sua vez de ser honesto!

— O que?

— você realmente sente muito por ele ter ido embora?

— Não sei! Acho que nesse momento ele te ajudaria mais do que eu. Ele está saudável e são.

— Ele não me ajudaria mais que você, Ele não sabe a dor de uma perda, a família dele está viva e segura e junto dele. Ele não passou por duas arenas, ele não foi uma peça obrigatória em um jogo onde a mesma pessoa sempre ganhava. Ninguém me ajudaria mais do que você! — ela desvia os olhos de mim. Essas palavras acendem algo dentro de mim. Esperança? Esperança de que? De um nós dois?

— você está com fome? — digo para quebrar o clima.

Nos dias que se seguem eu e Katniss viramos o mais próximo de melhores amigos, ela não sai, nem fica perto das janelas, mas presta atenção nos meus relatórios sobre como estão as coisas, Greasy também tem ajudado, mas de agora em diante eu venho com ela. Nós temos conversado bastante. Acho que ela está voltando. Mas tem uma coisa que não vai ser só uma conversa aqui e outra ali que vão me ajudar.