Facção. Dos. Perdedores escrita por jonny gat


Capítulo 71
Um conto sobre a vida.




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Em um dia de sua vida, ou melhor, de sua imortalidade como ser divino, Edésia viu uma mudança de cenário que não esperava. O que ela esperava para a sua vida? Bem, a única coisa que aconteceu durante toda a sua vida como ser divino e infinito: continuar entendendo a dinâmica multiversal, os efeitos contemporâneos da vida nos universos. Mas ao invés do quarto dimensional que sempre se sentava para trabalhar em seus projetos e equações, Edésia na realidade estava agora em um deserto sem vida, sem oxigênio, sem estrelas para admirar quando estivesse sem ideia de como continuar resolvendo os mistérios do universo que nem mesmo os deuses ainda descobriram.

 Deuses certamente não tem um tempo estimado de vida. Não se preocupam muito com o andar das coisas porque isso não é importante para eles, muitas vezes são eles que a partir de seu conhecimento que conseguem ditar o andar das coisas, e quase nunca se interessam por alguma coisa. Edésia se interessava por muitas coisas diferentemente de seus companheiros divinos. Ela se interessava por tudo. Por toda e qualquer ciência, ela não tinha uma favorita ou a que mais gostava de estudar, ela só estudava. Edésia não sabia qual grupo escolheria quando os deuses humanos decidiram dividir-se em grupos para começar o estudo científico no Alto das Constelações e ficou até o fim da reunião pensando no que escolher. Sua reflexão foi tão ávida que os milênios passaram e todos os grupos tinham sido divididos, e acabou sendo colocada no grupo de Teoria Multiversal Social-Exponencial porque foi o que tinha sobrado. Com o tempo foi percebendo que não, não apreciava toda ciência e que Teoria Multiversal Social-Exponencial era chata demais, mas ainda assim gostava de trabalhar nas fórmulas. Dos seus trabalhos, o que mais a deixava orgulhosa era a Equação da Vida, que, apesar de ter sido uma grande descoberta para a comunidade científica divina, era para muitos, como Arquimedes, apenas uma releitura da Teoria Vida-Espaço de Pitágoras. Mas não se importava com esses muitos.

Trabalhou com grandes mentes, como Arquimedes e Aristóteles, e os odiava. Descartes, com quem não se importava. Leviatã, que em sua mente era o ser mais indiferente do universo. Ela classificava a maioria como irrelevantes e chatos. Hipátia e Theano eram as únicas que ela realmente sentia saudades e se perguntava se estavam seguras ou foram mortas durante a invasão dos deuses humanoides azuis. Ainda não entendia se tinha acontecido.

Num momento de incerteza e angústia profunda, por uma pequena faísca dentro de seu coração estar dizendo a ela mesma que nada em sua vida tinha valido algo e que nenhum dos seus outros colegam tinham lhe dado o devido respeito, Edésia abriu os pergaminhos de seus trabalhos que tinha conseguido salvar. Por azar, não tinha conseguido trazer todas as cinquenta mil páginas da Equação da Vida. Só tinha conseguido salvar sete páginas aleatórias. Naquele momento de desespero, agarrou o seu trabalho atual que estava na sua frente. Queria terminá-lo, mas não poderia fazer sem ter as suas anotações que estavam em seu quarto cósmico, provavelmente povoado agora por aqueles monstros. Ela não sabia que caminho a tomar, entretanto, nesse seu trabalho atual. O conselho de seus colegas de trabalho, aqueles desgraçados desrespeitosos, era de não seguir o que ela achava o que era óbvio. O que eu vou fazer, então? Será que eles realmente estavam só caçoando dela ou estavam simplesmente tentando ajudá-la?

Ela se lembrou de todas vezes em que foram contra ela, que brincaram com o seu gênio apenas para provocá-la sem motivo nenhum.  Não eram os únicos, bastantes outros naquela comunidade científica caçoavam dela sem motivo algum. Estavam ali para discutir a ciência mesmo? Não, não era para isso que estavam. Era muito provável que a maioria só estava deixando que o tempo passasse sem se importar com nada que acontecia ao redor. “Eles me achavam boba por querer algo, então é isso? Como se eu não tivesse amadurecido que nem eles? Acho que eles que eram os que não amadureceram, desrespeitando meu trabalho só porque queriam. Deuses são uma piada mesmo, não sei se conheço mais de cinco que realmente fazem por onde de fazer alguma coisa boa ao invés de sentar a bunda naquelas cadeiras de pedras cósmicas e ficarem sorrindo um para o outro enquanto fazem piadinhas sobre meu trabalho. Eles estavam errados, sempre estiveram, como que eles poderiam saber mais que eu, que estudo esse e me interesso muito mais que eles?”, Edésia sentiu que algo estava errado dentro dela mesma. Não queria sentir todo esse ódio que estava sentindo, só queria, mesmo, estar calma para que pudesse pensar no que faria a seguir depois de conseguir escapar de uma situação tão problemática.

Não ia mais gastar seu tempo, que mesmo sendo ilimitado preocupava-se em procurar a maneira mais rápida de resolver tudo e poder...

Qual era seu objetivo mesmo? Completar o seu projeto atual? Só isso? E Hipátia? E seus poucos, mas queridos amigos que prezava? Ela não desistira deles e do lugar que considerava sua casa desde o início de seu tudo, estava pronta para encontrar uma maneira de voltar pra casa e recuperá-la. Não tinha ideia de como faria isso sozinha contra o exército que havia invadido seu lar.

Respirou os gases da atmosfera daquele geoide que fazia seu trajeto lentamente em torno da estrela a alguns anos luz e sentiu seu corpo adaptar-se ao ambiente. Sentiu sua natureza humana com seus pulmões trabalhando os gases que entravam e no final do ciclo respiratório seu nariz eliminava óxidos de elementos com nome muito estranhos para qualquer um tentar decorar. Depois de sentir sua mente latejar de tensão e estresse, seus sentou-se na areia e deixou seus dedos nos pergaminhos para que pudesse ler cada centímetro. Não o lia como um texto, mas como admirasse um retrato. Não eram os símbolos matemáticos que ditavam seus horizontes da ciência, mas sim o cenário que juntos formavam. Eram as páginas remanescentes da Equação da Vida, uma coleção de cinquenta mil cenários lindos das maneiras que a vida pode florescer, era assim que ela via.

Era a sua obra de arte favorita, apenas descobrira isso depois de terminá-la e admirá-la na parede cósmica de seu quarto pessoal. Passava uma página por uma e admirava sua descoberta com suas pupilas distantes com a mente além do que seus olhos viam. Sua mente estava nos mundos distantes em diversos universos em que a vida estava sendo formada e conseguia entender e acompanhar cada página com cada fenômeno que estava acontecendo em cada intervalo de tempo que um formoso elétron girava em torno do querido núcleo de hidrogênio. O tempo que passara encarando aquelas cenas e aquela equação dividida em cinquenta mil partes foi o tempo em que eras geológicas diferentes surgiram e desapareceram. Em sua cabeça estava gravada a Equação da Vida e, foda-se Arquimedes, não é uma releitura da Teoria Vida-Espaço de Pitágoras. Foda-se Pitágoras também.

Seu Magnus Opus era como a palma de sua mão. Então, com sua mão esquerda, reescrevera todas as cinquentas páginas no terreno arenoso do planeta estranho em que se sentava. Sua pena e tinta tinham se tornado apenas uma rocha, e com a rocha pôde ter o prazer de formar o cenário mais belo que já criara. Uma quantidade imensurável de tempo tinha passado para que cada símbolo e algarismo fossem escritos. E, no final, houve vida. O sorriso de uma pequena vida primitiva, pequenas bactérias que iam para aonde a corrente de magma as levassem, pequenos peixes que zanzavam como bem quisessem pela água, pequenos lagartos rochosos que observavam parados o entardecer e ao anoitecer deitavam-se com os olhos abertos. Edésia sorriu o sorriso de uma jovem como se esse fosse o final do capítulo e tudo terminasse bem. Não terminou, todavia isso não significa que as coisas estariam indo para o lado errado. O tempo estava passando tão rápido para seus olhos divinos que nem percebera quando aqueles primatas humanoides com pintas na testa e guelras na bochecha de pele com coloração verde esmeralda chegaram para cumprimentá-la pela primeira vez.

— Oooohn? – Eram três, o primeiro a notá-la fez Oooohn e os outros dois repetiram o barulho em uníssono ao olhar a caricatura humana da deusa.

Ela se surpreendeu. Era como se estivesse em coma durante os milênios que observava o florescer da vida que ela mesma tinha criado e só agora tivesse acordado. Nesses anos, nenhum pensamento além daquele em relação àquilo que ela observava passou sobre sua mente. Não pensou nas companhias que faltava ou no seu projeto inacabado, e nem no seu lar. Era como se, em tão pouco tempo naquele planeta, já estivesse se sentindo em casa.

As perguntas de “quem eu sou?”, “onde estou?”, “o que estou fazendo aqui?”, “o que aconteceu enquanto estive observando a beleza da vida?” começaram a surgir na sua mente. Não respondera suas perguntas primeiro, pois queria cumprimentar a primeira forma de vida que tinha mostrado interesse na sua presença.

Não sabia o que responder, mas seu instinto tinha dito para fazer o mesmo barulho que os três tinham feito. Sem pensar muito, fez um Oooohn mais forte do que queria que fosse e se arrependeu por isso. Estava incerta se essa era a forma certa de respondê-los e olhava-os sem saber o que realmente estava acontecendo.

A reação deles foi de um breve espanto, recuaram e entreolharam-se. Ooh’s foram trocados e o que apresentava cabelos cinza em sua cabeça e apenas uma pinta vermelha entre seus olhos levantou-se. Edésia, que esteve sentada por milhares de anos, também, e sentiu um pouco de cãibra ao levantar, mas nada que fosse incomodar uma deusa. Levantados, o líder dos humanoides aproximou a mão à deusa, abriu-a completamente e a encostou no ombro. Estava tentando se comunicar com ela e Edésia não fazia a mínima ideia do que aquilo significava. Imitou-o para ver o que acontecia, porque só via isso como opção. Confusa, viu os outros dois reagindo e levantando-se também. Iriam tentar atacá-la?, perguntou-se. Não estava preocupada, nenhum mortal pode acabar com uma divindade. Mas acreditava que aquelas formas de vida não seriam hostis, porque essa era a sua intenção quando escrevera a fórmula. Não a atacaram, óbvio que não, mas continuaram a fazer sons e gestos. Alguns minutos depois, se foram para debaixo do mar de magma e Edésia se perguntava se os veria novamente.

Os veria, sim, no outro dia, e no dia seguinte. A cada dia que se passava era como se mais dois ou três juntassem-se aos três que conhecera no primeiro dia para trocar gestos e sons com ela. Com o tempo, Edésia foi percebendo como aquela espécie se comunicava a partir do teste. Por exemplo, percebeu que sempre que seu Ooooh era mais alto e desafinado que o do primeiro que fazia o som, ele recuava e levantava-se. Isso significava que o sujeito a reconhecia como uma forma de vida não hostil também. Aparentemente, esse primeiro Ooooh significava algo como “não estamos aqui para lutar”, apesar de não saber a diferença desse primeiro Ooooh para os outros Ooooh. Talvez só significasse isso quando fosse dirigido para outra espécie pelo de cabelo cinza.

Ele parecia ser algum tipo de líder, porém a deusa lembrou-se que não havia espaço para líderes na equação que escrevera. Não existiam castas sociais em qualquer forma de vida. Talvez ele era o primeiro a fazer a se comunicar por ser o mais espontâneo, o mais curioso, o mais experiente, o eleito pelos outros, ou qualquer outra opção. Mas isso não fazia com que fosse um líder, que tivesse poder sobre os outros.

 No fim de cada dia, Edésia sorria e olhava para a sua criação. Quantos anos já havia se passado? O tempo era algo complicado fora do Alto das Constelações.

Piscou os olhos e começaram a surgir variações de Ooh. Piscou os olhos e um jovem de cabelo laranja trouxera uma pequena pedra com desenhos do Sol roxo que era o centro daquele sistema solar. Ela sorriu e piscou de novo. Piscou e percebeu que eram milhares que estavam lá para interagir com ela e assistir a única humana daquele universo. Ela sorriu para tudo aquilo que estava acontecendo. Sorriu para as espécies que conviviam em paz e para a beleza do mundo que tinha construído. E lembrou-se, depois, mais tarde no mesmo dia que um ancião tinha dado-a um amuleto de rochas que era usado por todos os membros da vila. Sentiu-se lisonjeada e feliz, abraçou o ancião que não tinha entendido muito o que o gesto  significava, mas mesmo assim abraçou-a de volta, sorrindo. Abraçou todos que encontrou no caminho de volta para o oceano e sorriu com todos.

Percebeu que estava na hora de ir embora, de se isolar. Assistir e participar da vida que ela mesmo criara era lindo, era emocionante, queria poder fazer isso para sempre, mas sabia que não podia. Não podia ser a causa do princípio da incerteza de Heisenberg nesse experimento, isso tudo devia acontecer sem ela, a presença dela nessa sociedade por mais anos afetaria demais aquela sociedade e o resultado não seria o esperado. Foda-se Heinsenberg, duvidava muito se ele teve qualquer sentimento bom como esse que ela sentia nesse momento. Provavelmente não, desperdiçara toda a vida que pensava que nunca teria um fim bebendo café e desrespeitando o trabalho dos outros.

Sentou-se numa caverna vida com seus manuscritos ao lado. Durante dez mil dos quarenta e sete mil anos que tinha se isolado, escreveu um pouco de uma equação qualquer, brincou com as pedras dentro da caverna e observou os insetos, fungos, plantas e bactérias ali presentes. Nos outros trinta e sete mil anos, ela dormiu e sonhou. Foi um sonho breve, um pesadelo. Encontrara um de seus antigos colegas de trabalho, Aristóteles, que a perguntara:

— É tudo um experimento, então? Você não se importa com nenhuma dessas vidas que você criou?

— Claro que não, é muito mais do que isso, não é só um experimento. A vida é bela e não é um pecado criá-la.

— Mas você só a criou para satisfazer seus objetivos, não é mesmo? – Aristóteles olhou para o lado, onde apareceu sua cabeça, e apenas sua cabeça, de seu namoradinho Arquimedes. Uma xícara de café quebrou ao cair no chão do quarto cósmico e ela ouviu, de um lugar distante, a voz de Heisenberg:

— Você tem alguns problemas, Edésia. Você é muito diferente de nós, sempre soubemos disso. Você não consegue ver beleza no que você não consegue entender, ou, pior, naquilo que não se move. Por isso, talvez, que seja tão obcecada com a vida. Por isso, talvez, que esteja tão obcecada com seus estudos ridículos. Por que perderíamos nosso tempo estudando, com todo conhecimento que nós já temos? Há muito que não sabemos, que não conhecemos, mesmo sendo deuses e tudo bem não saber isso. Não precisamos saber isso. – E então, magicamente surgiu Rutherford, e Rutherford olhou para uma estrela gigante, onde provavelmente era de onde a voz de Heisenberg vinha, e deu o mesmo olhar e risinho que Aristóteles e Arquimedes faziam.

O amuleto que o ancião a tinha entregado repentinamente caiu no chão. As rochas quebraram. Chocou-se. Entristeceu-se. Gotas de lágrima caíram. Era verdade, então? Era egoísta que não conseguia entender como as coisas funcionavam? Que não conseguia ver a beleza no que não entendia e por isso era fissurada em seus trabalhos? Que não conseguia ver beleza no que estava parado e por isso era fissurada na vida?

 Todas as estrelas do universo perderam a luz e Edésia olhou para Aristóteles, o único que sobrara no lugar. Seus olhos ainda lacrimejando, com pouca força em seus braços para segurar o restante do amuleto devida à angústia que a sufocava.

Depois de trinta e sete mil anos, estava novamente acordada. Não que tivesse colocado um despertador ou algo do tipo, mas foi quando teve visitantes em sua caverna. A luz de uma lanterna estava focada em seu rosto.

— E-está vivo? – Comentou o arqueólogo com o outro.

Edésia lentamente abriu seus olhos, despreguiçando-se mentalmente para acordar. Sentia-se como se tivesse dormido trinta e sete mil anos. Não esperava que seria acordada por luzes de lanterna ou por intervenção externa, sua intenção era acordar naturalmente. Não se surpreendeu, todavia, com esse fato e nem com o fato de os mesmos seres que tivera encontrado anos antes terminaram desenvolvendo uma linguagem similar a sua, tinha incluído essa parte na equação também, mas não tinha se lembrado disso naquele momento. Sua mente ainda estava um pouco borrada e olhos tontos. Esfregou seus olhos e sentou-se lentamente. Disse, então, instintivamente: Ooooh.

— Ooooh? O que você? – perguntou-se o arqueólogo que não segurava a lanterna.

O arqueólogo não sabia o que esse Ooooh significava, mas alguma coisa em sua mente fez com que percebesse que aquela criatura de uma espécie desconhecida estava ali apenas para conversar. Foi a memória coletiva de sua espécie, guardada no fundo de seu cérebro nos seus instintos mais profundos na estrada mais distante de seu cérebro que fez com que tivesse essa certeza. Ficou paralisado por um tempo, perguntando-se se era certo estar certo disso. Agora, tinha dúvida na sua certeza. Não estava certo em sua certeza, porém tinha certeza em sua dúvida. Fazia sentido ter dúvida do fato de achar que a moça fosse, assim como ele, um ser da paz. Começou a perguntar-se se estava tudo bem em dizer que também vinha em paz, ou simplesmente vinha em paz, porque não tinha certeza se ela realmente está em paz.

—Eu venho em paz – disse o outro, que segurava a lanterna e que não estava passando por uma crise existencial por causa do efeito de uma onomatopeia presente desde as gerações mais passadas de sua espécie.

Edésia levantou-se. – Eu também – disse, sentindo a incerteza em um e a confiança no outro, que estava feliz, era a primeira vez que tinha feito uma descoberta realmente reveladora nesses últimos dez anos de carreira como arqueólogo.

Os seres que se encontrava diariamente há milênios atrás agora pensavam de uma forma que pudesse entender a eletroquímica nos neurônios de seu cérebro. Mesmo não sendo especializada em Evolução da Vida Mortal, tinham evoluído da forma que tinha esperado. Não tinham, como ela, a coluna ereta e não tinham deixado suas guelras para trás, até por serem seres que viviam no mar de magma daquele planeta. Seria essa a era que ela pretendia acordar ou ainda era muito cedo? Descobriria assim que pudesse ver o quanto aquela espécie tinha evoluído como uma sociedade. Perguntaram-na o que era, e ela respondeu que era um ser humano, perguntou-lhes como se chamam e responderam serem os Prósperos.

Tinha saído da caverna e agora podia observar a beleza de como aquela nova sociedade estava habitando a superfície. Era um planeta cheio de arquipélagos desérticos e oceanos gigantescos de magma. Os seres marítimos já começavam a estabilizar colônias de tamanhos consideráveis na superfície, Edésia acompanhou os arqueólogos até o local onde especialistas de diversas áreas questionariam o que ela era e sua existência. Ela não omitiria a verdade, seria objetiva e dir-lhes-ia que era uma deusa, não com essas palavras, mas daria as coordenadas científicas necessárias para que entendessem que ela era o ápice da forma de vida de sua espécie. Sabia que aquela sociedade já estava pronta para aceitá-la. Eles a ajudariam, porque ela os ajudaria a desvendar todos os segredos do universo que precisariam desvendar. Julgava-os, já que fora ela que os criara, dignos de obter todo esse conhecimento e não teria problema em dá-los.

O que ela havia planejado seguira de acordo. Os próximos dias seguiram com visitas de diversos acadêmicos de diferentes áreas que a perguntavam sobre cada detalhe de seu trabalho matemático. Era difícil explicar, ás vezes, pelo fato de ter que explicar operações fundamentais nas suas descobertas que eram muito simples em sua visão. Passou a se perguntar se não tinha acordado cedo demais para que pudessem a ajudar enquanto observava o chão desértico e as paredes de calcário que observava enquanto uns saiam e outros entravam. Não sabia se estava ali há horas ou há dias, mas o tempo passava muito mais devagar enquanto sentada ali do que quando observava a vida florescendo no planeta. Num dado momento, sentira que seus atuais visitantes não tinham duvidas, mas certezas, e seguravam essas certezas com suas mãos em um dispositivo eletrônico portátil. Eram cinco, com pintas diferentes, cabelos de raízes e cores diferentes e olhos completamente castanhos, como todos os outros da espécie.

— Entendemos a sua equação da vida, mas não podemos ajudá-la ainda.

Edésia não precisou perguntar “por quê?” e não perguntaria mesmo se a resposta não tivesse vindo de bandeja para ela como veio. Edésia, por algum motivo, sentia-se muito indisposta para demonstrar qualquer ânimo. Era como se tivesse chegado à parte chata do filme e estivesse querendo dormir, mas a aula era daqui a duas horas então era melhor terminar o filme mesmo do que dormir tão pouco. Estava com o saco cheio de alguma coisa, mas não sabia o motivo.

— Temos que trabalhar em uma outra equação, uma equação que faça com que saibamos em que situação devemos usá-la. Demoraremos bastante, gostaria de saber se contamos sua ajuda, já que você é a pioneira nessa questão entre nós.

— Eu não entendo.

— Entendemos que você não entende, provavelmente é difícil pensar que exista uma equação feita para que você saiba quando essa equação deve ser utilizada. Grande parte da sua vida eterna passou num lugar divino e celeste, onde não tinha ninguém para que te observasse e dissesse que podia ou não fazer isso, assim como nós não temos isso pelo fato de ter tirado isso de nossa equação da vida. Não temos líderes entre nós, mas as leis da natureza mandam em nós. Não podemos permanecer muito tempo fora d’água, por exemplo. Não que realmente não possamos, mas não fazemos porque zelamos por nossa própria vida assim como dos outros de nós. Não queremos que catástrofes aconteçam e por isso que estamos trabalhando nesse estudo de quando usar essa fórmula. De quando devemos usar essa vida.

Edésia deu uma coçadinha no lado do nariz, entendia o que estavam dizendo, mas não sabia se era o certo a fazer. Era estranho.

— Eu entendi – disse, com um tom de ingenuidade.

— Você pode nos ajudar?

— Como disse, não entendo muito desse negócio de quando usar, mas posso tentar com o que sei.

— Tudo bem.

Ouvir essa proposta fez com que ela começasse a repensar as suas ações. Trabalhou por bastante tempo com os poucos vinte envolvidos no projeto, e descobriram que o projeto era muito complicado para que fosse completado em apenas uma geração. Viu os que trabalhavam com ela morrerem e outros desconhecidos chegarem. Não sabia o que sentir sobre isso até por ser a primeira vez que acontecia com ela, de perder pessoas próximas. Foram os primeiros a respeitarem seus trabalhos, perguntava-se se isso era um motivo para ser feliz ou se não, já que aquela era uma espécie claramente em estado de desenvolvimento ainda. Será que chegariam ao mesmo status, algum dia, que ela? Sabia que chegariam, porque as probabilidades são infinitas. Provavelmente alguns deuses Prósperos que viam no seu local sagrado o passado do seu povo e observavam cada passo que sua espécie fez como sociedade até o momento. Que tipo de deuses eles seriam? Não sabia dizer, até porque não tinha encontrado outros que não fossem os que sujaram sua casa de sangue, mas esperava que não se tornasse assim, e tinha certeza que não se tornariam.

Depois de anos de trabalho, o projeto tinha terminado. Conseguiram descobrir a Equação Contra Catástrofe e, antes que começassem a ajudá-la em troca do conhecimento e ajuda que a divindade os tinha dado, usaram a equação para descobrir se esse evento seria perigoso ou não. Depois de algumas resoluções diferentes e testes, descobriram que não teriam um fim problemático ajudando-a, mas, Professora Alderich acrescentou que:

— Lembrem-se disso, essa equação apenas pode prever eventos de catástrofe. Não podemos dizer se ajudá-la trará qualquer bom para nós, para ela mesma ou para o coletivo. É bem provável que os envolvidos não conquistem nada nesse caminho, ou que percam sua própria vida. Não preciso inventar uma Equação da Probabilidade da Morte para isso, mas é um fato. Viajarão para locais que até a própria não conhece, pois seu objetivo é o fim: o Alto das Constelações. Seria uma descoberta fantástica se de fato acontecesse, mas não estamos prontos o suficiente para isso. Nem agora e nem nunca. Lutaremos contra outros de genes perfeitos, assim como Doutora Edésia, e não poderemos lugar de igual para igual.

Edésia não sabia como derrotá-los, mas tinha pelo menos uma ideia. Não saberia se era uma boa ideia ou se conseguiria tirá-la dos pergaminhos, ou se poderia confiar naquela espécie para conter tamanho poder. Provavelmente a última sim, eram bastante responsáveis e pacíficos, e isso os ajudaria bastante, mas, conseguiriam colocar no papel? Ou seria complicado demais para, não só essa espécie, mas para qualquer uma? Seria um dispositivo muito complicado de ser produzido, e seria um simples dispositivo, pequeno, portátil, que você poderia carregar na mão: o dispositivo que mudaria toda a dinâmica do universo.


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