Facção. Dos. Perdedores escrita por jonny gat


Capítulo 70
Deusicídio




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Um dia, Mormada Sparrow acordara em sua humilde casa na esquina, em um apartamento em cima de uma cafeteria que poucos conheciam e menos ainda freqüentavam. O número de pessoas que sabiam que alguém morava em cima da cafeteria era menor ainda. A casa parecia abandonada, de longe, enquanto que, mais perto, fundo de uma cena de um filme de terror. Nunca imaginariam que dentro dessa casa moraria um senhor de tão bom coração que todo dia antes que rumasse à estação de trem deixasse ração em cantinhos diferentes da rua para os cachorros e gatos que por ali viviam. Nunca imaginaram que dentro dessa casa moraria um senhor de tão bom coração que comprava sempre uma quantidade a mais de comida destinada a doações para os mais necessitados. Um homem que, mesmo sendo dono de uma empresa que produzia bastante dinheiro, vivia da mesma maneira e no mesmo lugar desde que saíra da casa de seus pais.

Seus empregados, ricos que aproveitavam a vida com todo glamour, teriam ligado para o seu celular caso Mormada tivesse um. Não via necessidade para um, estava na empresa das sete da manhã até as oito da noite e qualquer coisa que precisasse saber saberia quando chegasse ou durante o dia. Não precisava de um carro, também, estava acostumado a acordar às cinco da manhã para que pegasse o trem velho de sempre para o trabalho. Era como, antes de chegar à empresa e depois de voltar pra casa, estivesse vivendo o mesmo período da sua vida para sempre, e gostava de sua vida como quisesse. Quando chegava à empresa e enquanto estava lá, tudo era diferente de, por exemplo, cinco anos atrás. Cinco anos atrás, sua empresa era pequena e se localizava num pequeno estabelecimento de dois andares. O dinheiro mal era o suficiente para pagar os seus empregados e a si mesmo. Não gostava da idéia de despedir alguém, sabia que todos ali estavam dando seu máximo e preferia diminuir seu próprio salário ao que colocar um de seus colegas de trabalho na rua.

Vivendo humildemente, de alguma forma, o investimento começou a chegar e conseguiu aumentar sua empresa. Cinco andares. Sete andares. Dez andares. Mas, no dia em que esta história está sendo contada, o número de andares era algo que não era mais o suficiente para o tamanho de sua empresa. Descobrira isso ao chegar ao trabalho. Seus empregados desesperados, felizes, não sabiam a quem agradecer ou o que dizer ou pensar. Provavelmente agora eram mais do que ricos, tinham tornado-se bilionários da noite para o dia. A euforia infectava todo o prédio de dez andares enquanto todos pensavam como seria seu novo prédio, de vinte andares.

Mormada estava surpreso. De todas as vezes que sua empresa tinha crescido, esse era sem dúvida o maior crescimento percentual. Não saberia o que fazer com todo aquele dinheiro, não sabia o que qualquer um faria com tanto dinheiro. Na realidade, não precisava de tanto dinheiro assim, e, conhecendo seus empregados, sabia que todos ali ganhavam o suficiente para viver vidas humildes ou glamorosas, dependia da escolha de cada um. Ninguém precisava de tanto dinheiro assim, mas sabia quem precisava.

Para todos, o chefe parecia o mesmo de todos os dias. Andava, como sempre, para o elevador onde refletiria sobre a musiquinha estranha que ali tocava até que chegasse ao seu andar. Sentaria na sua cadeira e começaria seu trabalho. Estava assim hoje, também, apesar de tanta a euforia que contagiava o local. Mas isso não significava que estava ignorando as boas novas ou a alegria de todos. Seus olhos mostravam sua determinação. A determinação de um homem que mudaria o mundo com alguns cliques. A determinação de um homem que acabaria com a pobreza com alguns cliques em seu computador pessoal. A determinação de um homem que terminaria com tanta dor e sofrimento, e daria esperança àqueles que sequer a tinham mais.

Mormada aproveitou os segundos depois de tê-lo feito. Pôs seus cotovelos em cima de sua escrivaninha e encostou a palma de suas mãos. Apoio sua cabeça em seus dedos e, por um momento, deixou-se imaginar o mundo que seria aquele que acordaria no outro dia. O mundo que não mais sofreria, o mundo que todos teriam o suficiente para viverem sua vida. Tinha libertado muitas pessoas, e sabia disso. Tinha acabado com muito confronto, e sabia disso.

Apreciava o momento. Era como se a sua vida tivesse acabado. Era como se viver não fizesse mais sentido porque parecia errado viver num mundo sem problemas. Porque parecia errado viver num mundo em que não precisaria dar esmolas para as pessoas. Mas era o certo, porque a idéia de todos felizes o fazia feliz também. Queria que o dia acabasse ali para dormir, para que pudesse acordar logo na quarta-feira que seria amanhã, para ver o mundo sem desigualdades que estava para florescer no outro dia. Para ser feliz...

Seu desejo foi atendido. Adormecera e o dia terminara. Um dragão tinha feito com que seu desejo se tornasse realidade. Adeus, mundo cruel... Olá, nada...

Enquanto muitos outros dragões aplaudiam as luzes belas que a destruição daquele universo tinha proporcionado, entidades galácticas divinas faltavam no aspecto de entender o que estava acontecendo. Por que estavam destruindo os universos? Ou melhor, por que estavam destruindo os universos que eles mesmo trabalhavam para manter girando, se expandindo, e ultrapassando cada dia um infinito maior? Os humanos divinos, aqueles que são um tanto conhecidos pelo leitor, sentavam em suas cadeiras pelo nada e se perguntavam, tentando construir teorias sobre o que tinham acabado de assistir.

Mesmo sendo detentores da divindade e de uma enorme sabedoria, ainda tinham muito a descobrir sobre tudo. Podiam observar tanto de onde viam, mais do que Don Ramon podia enxergar dos Confins do Universo, de lá, viam o que nenhum outro ser humano já tinha visto.

— Eu não posso acreditar que você estava certo, Arquimedes, então é realmente isso que está acontecendo? Não tem nada a ver com aquela história do plano de criar a raça humana perfeita, mesmo? – perguntou Aristotéles.

— Sim, como eu tinha previsto – e abrira seu pergaminho, com dificuldade, sua barba gigantesca geralmente o atrapalhava nas partes de alongar o pergaminho. – Da próxima vez acho que vou escrever em pedra... Ahn... Sim, como eu tinha escrito, o fenômeno dos dragões pouco tem a ver com o plano da civilização humana que busca obliterar todas as outras formas de vida, inclusive as humanas. Os dragões agem por si só, até por onde sabemos, e agem pelo além-multiverso, logo, não sofrem interferência do multiverso.

— Isso é ridículo, isso não faz sentido. – Édesia estava realmente estressada com as cismas de Arquimedes. Não conseguia agüentá-las mais.  – Esse mesmo dragão, que destruira essa imensidão de universos, servia de meio de transporte e de casa para um ser que se julgava um guardião do multiverso.

Aristóteles riu e olhou para Arquimedes, que também deu meio que um sorriso de desentendido enquanto andava ao redor da mesa em que seus pergaminhos estavam estendidos naquela sala de estrelas e constelações distantes. Olhavam um para o outro como se dissessem para o outro que a filósofa tinha esquecido um fato bastante importante.

— Tem uma coisa que você precisa considerar, minha querida Édia. – Arquimedes sabia que a filósofa não gostava de ser chamada assim e usava o apelido para provocá-la, mas ela já era grandinha o suficiente para saber quando que estavam manipulando-a e simplesmente ignorava isso. – Esse guardião em questão... Ele também é uma Essência da Vida, é altamente provável que tenha sido por isso que tenha conseguido interferir no comportamento do dragão. – Engolindo a risadinha que estava para sair, olhou para Aristóteles. “Ah, como amo esse homem.”, pensou.

Édesia não tinha um argumento contra isso. Por que, sempre que teorizava junto a esses dois filósofos, sentia-se numa competição de argumentos, e não realmente numa busca de respostas? Arquimedes era o seu inimigo dentro do ringue enquanto Aristóteles dava a ele suas dicas por fora da arena. Não era justo, por que Hipátia não estava ali para ajudá-la também? O que não era justo era que seu adversário tinha acabado de usar uma suposição que não teria como revidar.

— Estamos trabalhando com suposições agora? Altamente provável, é isso que vocês me dizem, Arquimedes e Aristóteles? Esses dragões não têm nenhuma comunicação com seres do multiverso? Porque, se acabarmos nossa sessão aqui concluindo que eles não têm nenhuma comunicação e, na verdade, eles tiverem, nosso erro matemático será monstruoso. Vocês sabem que quem faz todo o trabalho por aqui, de verdade, sou eu e Hipátia. Vocês dois apenas ajudam a ditar as regras. Na verdade, vocês nem são os primeiros designados para isso. Onde será que estão Platão e Temistocleia? Da última vez que chequei o cosmograma geral, eles que deveriam ditar as regras para os contextos matemáticos. Eu espero que, seja lá o que vocês concluam, estejam certos e eu não tenha que reescrever todas as fórmulas com os novos contextos. Porque vocês sabem quantos bilhões de anos isso toma para ser feito, não sabem?

— Ah, não se preocupe, tempo não é um problema para nós.

Édesia estava para pronta para enfurecer-se de raiva. Estava cansada de servir de piada para aquele casalzinho que ficava rindo mentalmente um com o outro das falhas o de qualquer coisa que ela fazia. Não merecia esse tipo de humilhação. Queria esfregar a cara deles no chão para que sangrassem pelos próximos milênios.  Mas sua fúria teve que ficar para depois. Uma voz que se encontrava tanto distante quanto próxima materializou-se em volta de algumas estrelas que se chocavam por aquela sala. Um grande fenômeno estava para acontecer, Édesia nunca tinha visto duas estrelas se chocarem mesmo na infinidade de anos em que ali estudava, produzia, e devorava conhecimento. Seus olhos tiveram que mudar de foco para o visitante, que se materializava em frente ao festival de luzes. Queria vê-las, as luzes, mas infelizmente alguém tinha aparecido ali.

Normalmente os visitantes apresentam-se antes dos de casa. E os filósofos ali reunidos tinham em mente esperar uma apresentação, pois não o conheciam, na verdade, nunca tinham visto seres azuis entre eles.

É difícil tentar explicar tudo que acontece na história ao mesmo tempo. Universos são destruídos, personagens morrem, ressuscitam, são deixados de lado, ganham na loteria, destroem montanhas, desaparecem, reaparecem, não fazem nada, sentam, comem, fazem cocô, lêem livros, usam luvas, viajam no tempo, morrem, mas renascem na mente de outro, mas, no fundo, fica tudo tão confuso. A história é tão grande e os universos também. Ás vezes estamos lidando com um personagem e tudo deixa de fazer sentido porque em outro universo isso não faria sentido, não é mesmo?

Por exemplo, a morte de Mario foi um fato chocante para os alienígenas, sim, aqueles alienígenas. Os alienígenas que ajudaram Mario a conseguir sua máquina do tempo. Sim, aquele Mario, o primeiro Mario que tu conheceras naquele fatídico flashback sobre a simulação em que ele vivia. Bem, agora Mario estava morto, e alguns cientistas que lidavam com as amostras que Mario provia-lhes em troca da horrível máquina do tempo portátil que os aliens tinham-lhe dado agora estavam meio desesperados. Só alguns mesmo. Alguns que não sabiam que as amostras que eles mesmos estudaram alguns meses ou anos depois foram estudadas por cientistas mais e mais renomados, e os estudos já estavam entrando em fases de teste. E, bem, quando descobriram o que fazia Mario divino, todos se empolgaram e queriam fazer eles divinos também.

Injetaram a divindade num alien de sua mesma espécie cobaia e também criaram artificialmente um alien de sua espécie divino. Bem, depois que os testes terminaram e eles conseguiram criar as divindades sem problema, eles aproveitaram a grande descoberta científica para fabricar um exército de divindades para conquistar todo o universo, nada poderia parar-lhes. Depois, então, decidiram viajar entre universos para conquistar outros universos. Até que, um dia, as divindades perceberam que estavam perdendo tempo derramando sangue mortal por aí e seguiram para um lugar além. Os mortais ficaram boquiabertos, não esperavam que seus deuses fossem abandoná-los da forma que abandonaram, do nada, sem avisar nem nada. Agora poderiam parar de conquistar galáxias e começar a administrá-las. Tinham muitas coisas a construir de tudo que tinham destruído com a ajuda de seus deuses.

Os deuses tinham percebido que não fazia sentido ganhar território na terra dos mortais. Sabiam que havia território para além do cosmo que poderiam desfrutar da beleza da eternidade e usufruir de seu conhecimento para o que lhe fosse necessário. Guerrear por estrelas não e algo digno que deuses fazem.

Diferente das divindades humanas, as divindades alienígenas azuis não tinham nome, não tinham personalidade. Diferente das divindades humanas, aqueles deuses foram criados no laboratório, não pelo desenrolar comum da evolução da vida. Eles não tinham consciência total ainda do que eram ou do que deviam ser, para o que deviam utilizar a sua força e para o que deviam utilizar seu conhecimento. Desde o início de sua recente imortalidade tinham proporcionado feitos derramando seres de outras criaturas para clamar para si mesmo terras. Isso fazia deles monstros que as divindades humanas não poderiam lutar contra. Aristóteles assistiu a Arquimedes ser o primeiro a ser brutalmente assassinado pelo monstro humanóide azul.


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