Facção. Dos. Perdedores escrita por jonny gat


Capítulo 28
A vida não faz sentido.




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O gentil sábio, que caminhou de longe e arduamente a fim de chegar, lentamente, com passos de mocinha, até o centro do círculo de jovens de mantos alaranjados assim como o seu, estava pronto para dar a lição do dia para os aspirantes a monges.

– Então, jovens, hoje acordaram expirando ou inspirando? – ele perguntou. Era a mesma pergunta, toda a manhã, e ninguém levava a pergunta a sério.

Houve então pela primeira vez em mais de trinta anos de estudo o momento em que o velho professor pode ver pelo menos uma daquelas crianças erguerem o dedo a fim de responder sua resposta em meio à calorosa manhã nos montes, ainda com o orvalho respingando na mata.

Era motivo de espanto, havia até mesmo aqueles mais velhos que naquele mesmo feudo educacional estudavam há mais de dez anos e ainda assim nem conseguiam responder essa simples pergunta. Era sim uma simples pergunta, mas só para quem levava a Arte da Meditação a sério.

Como ao demonstrar o espanto, o professor cujas barbas crespas de um branco angelical quase que ergueu por total as sobrancelhas – só que é bom lembrar que as perdera há cerca de vinte a trinta anos. Estava sorrindo por dentro, finalmente encontrou no meio daquele bando de retardadinhos um garoto que pudesse satisfazer o prazer de dar-lhe a aposentadoria ao substituí-lo, é óbvio que esse havia de ter sido atraído pela disciplina da meditação.

Esse daí é um dos meus, podia até ser, mas esse mesmo daí tinha princípios maiores do que ser um professor.

A atenção das crianças estava voltada para um jovem moreno cujo porte físico era essencial para qualquer um que quisesse pelo menos uma vez na vida conhecer o sexo e a cama de uma mulher. Seu pescoço era tão grosso e másculo quanto o resto do corpo, mas era o formato que mais chamava a atenção; uma simetria belíssima.

Não havia nada de desproporcional em seu corpo, estava tudo corretamente distribuído, era um corpo completamente equilibrado. Não só no físico, porque sua mente era tão forte e poderosa quanto seu punho podia ser.

O jovem estava no acampamento de meditação por mais do que um mês, e o mestre senil percebia, o que estava na cara – esse moleque era muito melhor do que seus coleguinhas no princípio da meditação. O jovem, após levantar seu braço forte, levantou também o tronco e o corpo inteiro, colocando em cada pé metade do peso de seu corpo; e isso não é habilidade que qualquer um tenha, o equilíbrio corpóreo é uma técnica muito mais difícil do que se parece ser.

– Então, responda-me – exigiu o mestre, ainda desacreditado que havia sim alguém no meio daqueles molequinhos que poderia um dia substituí-lo.

– Inspirando – respondeu Robin.

O mestre aplaudiu, apesar de não saber se aquilo realmente fosse ou não uma verdade. Mas, de uma maneira ou de outra, ninguém nenhuma vez antes ousou levantar a mão nesse momento de praxe pela manhã. Foi a primeira vez que houve uma resposta. Era óbvio para os outros meditadores considerar que as palavras de Robin eram uma mentira, não dava para acreditar: menos de um mês de treinamento e o cara já quase dominava uma coisa que pessoas que passaram quase toda a vida tentando nem ao menos chegaram perto.

– Muito bem jovem. Eu já esperava isso de você, é um bom aluno – mentiu o mestre. Até parece que ficava observando quem é um bom aluno, o que importava mesmo era a estadia grátis que o acampamento lhe oferecia por ser um sábio ancião.

Muitas pessoas no acampamento também não iam muito com a cara de Robin. Se já não iam antes, com toda a certeza o odiavam ainda mais depois dessa tentativa de chamar a atenção do mestre. Havia um jovem igualmente careca e que vestia a mesma túnica laranja e com um grande lenço vermelho diagonalmente posto entre o ombro e a cintura. Esse jovem era uma pessoa quase que albina. Seu nome era Marcos.

Era costume de Marcos não ir muito com a cara dos novatos do acampamento. Afinal, novatos costumam estar sempre por aí, perdidões, de olhos abertos durante as sessões de meditações sem nem ao menos fingir o respeito à doutrina. Para ele novatos eram idiotas. E como. Marcos era levemente mais alto que Robin, mas seu físico era muito menos atlético – era magro e tinha a típica barriga quase que transparente sob a túnica de um monge indiano com problemas de vermes. Seu cabelo era naturalmente grisalho, mas era uma pessoa nova, e sua face tinha traços grossos de um africano. Nem por isso as jovens o rotulavam como feio. Seus olhos verdes eram tudo o que precisava para ter um ar de tímido misterioso.

Uma vez terminando a sessão de meditação da manhã, estavam todos caminhando sem rumo para o meio das árvores a fim de conversarem e outros para observarem a natureza. Não era à toa que era um acampamento de meditação, porque não seria possível ter a mente vazia com a poluição da cidade grande. Marcos decidiu seguir Robin.

– Olá Robin – disse Marcos.

– Eh... Oi – cumprimentou. Robin não era muito bom com pessoas que desconhecia.

Marcos aproximou-se um passo a frente e deu um sorriso cético de relações-públicas. Robin tentou fingir que estava indo com a estranha simpatia do jovem loiro com o mesmo sorriso, só que um pouco menos amarelo e mais vivo.

– Eu gostaria de saber – disse – se você não se importaria em conversarmos um pouco.

– Já estamos conversando meu amigo. O que tiver de dizer, eu creio que agora é hora.

Tudo bem, Marcos podia lidar com Robin. Dava pra dizer que era uma pessoa fácil de manipular e de bater alguns papinhos.

– Por que não conta por que está aqui?

É uma longa história...
Pela janela daquele avião, na classe econômica, era possível ver que o tempo já ia fechar. Rupert podia prever isso porque era um homem que passara tempo demais olhando para o céu com fome nas praças sujas do centro da cidade, durante a noite e a tarde. De manhã ele costumava pedir esmolas sem ter grande sucesso, mas uma vez na vida ele jurou que iria se levantar e procurar um emprego. Foi graças ao pai que ele largou a incrível preguiça e deixou a fome de lado, só por alguns segundos, para encontrar o cartaz que legou ele ao lugar onde estava. Comida, estadia, roupa... Não eram mais problemas.

Agora podia dormir, mas seu espírito de mendigo lhe disse que dormir na iminência de uma chuva vai deixá-lo todo molhado. É melhor procurar um teto. Ops, eu estou dentro de um avião. Fechou os olhos para dormir e esperava que acordasse no horário do almoço, ou da janta ou até mesmo do café-da-manhã. Desde que acordasse comendo alguma coisa, porque sempre acordava com uma fome infernal.

Rupert Palma sentiu que seus braços estavam cansados, que seu estômago estava voando junto com as borboletas e que sua cabeça estava zonza. Não daria para comer algo ao acordar – não com aquele estado intestinal. Não daria para dormir com uma mente tão zonza como agora. Precisava acalmar-se, estava muito nervoso com essa viagem. Seria a chance de Rupert sair da mendigagem para que pudesse voltar a sua vida comum de burguês, uma coisa que realmente estava precisando. Não que tivesse algo contra a vida de pobre, na verdade realmente não gostava, mas Rupert sempre sonhou em ser algo na vida. Sonhou em ter um emprego, em que suasse de verdade, em que pudesse confiar no seu colega de time, em que pudesse cumprimentar com suas mãos o seu técnico e concluir, depois de uma grande vitoria, “foi um bom jogo professor”. Ele tinha noção que não ajudaria em nada a vida desportiva a que aspirava ao trabalhar de segurança pra uns fanfarrões em um cassino de burgueses, mas precisava sair daquela vida de merda e para que pudesse subir a escada da vida, essa experiência seria os chinelos.

Rupert não teve a oportunidade de acordar tão cedo assim, dormira a cerca das quatro da tarde e acordara ao meio-dia do outro dia, seu companheiro de cadeira obviamente estranhara demais, como alguém podia dormir tanto assim? Mas para Rupert aquela cadeira, por mais que não fosse macia, era o manjar dos deuses. Suas camas nos últimos dez meses haviam sido alguns pedaços bastante desgastados de papelão, a evolução era clara. Poder dormir melhor, mesmo que num jato comprado acima da hora para levar alguns matemáticos e misteres parrudos para um arquipélago, já era algo que Rupert agradecia com toda a vontade para Deus, se houvesse para ele realmente algum Deus. Havendo ou não, supõe-se que Rupert teve a decência de ao menos o agradecer antes de dormir – afinal era um jovem educado.

Rupert acordou com a cabeça dolorida e com os olhos muito mais leves, não haviam mais aqueles borrões em torno deles para indicar as péssimas noites de sono, provavelmente haviam diminuído bastante após aproximadamente vinte horas de sono. A dor de cabeça não era a das melhores, e, apesar de feliz por ter dormido e dormido bem, teve que ir ao banheiro para tentar lavar o rosto, depois disso procurou algum atendente para que solicitasse algum remédio ou algo assim. Rupert estava começando a suspeitar da sua sinusite, que há tempos não atacava de uma forma tão crônica.

Por mais que Rupert preferisse o atendimento das belas aeromoças, teve que se conformar com a ajuda de um humilde aeromoço. Obvio que esses atendentes não estavam preparados para essa viagem, tudo havia sido organizado de penúltima hora, não haviam remédios nem qualquer coisa assim dentro do avião, pelo menos não que os atendentes soubessem.

– Eu posso procurar algum doutor por aqui, se precisar – propôs o aeromoço.

– Por favor – suplicou.

Todas as esperanças do atendente estavam obviamente no vagão dos matemáticos inteligentes, os chamados doutores. Segundo Homdizio, todos ali deveriam ser tratados como doutores e sem nenhuma contestação. Todo mundo teve que concordar, ate porque não era algo muito difícil. Entretanto não esperavam que fossem doutores em matemática e não em medicina, Rupert não podia ser ajudado por matemáticos. Mesmo sem esperança, andando bem sem vontade como se já esperasse um “não senhor, a gente não pode ajuda-lo porque somos todos fortes mas somos idiotas, então pegue a foda fora antes que eu pegue meu músculo e enfie ele na sua bunda” retornou o nariz dentro ao vagão de Rupert para então perguntar. Rupert estava aguentando firme, sentia a dor mas obviamente não a iria expressar assim tão dramaticamente – era um homem controlado, com senso, afinal.

As expectativas foram obviamente subestimadas. Robin sempre levava algum tipo de remédio assim, tinha alguns problemas em suas narinas, principalmente na esquerda que estava sempre congestionada, e esse remediozinho e mais algumas duas aspirinas amarelas acabam com qualquer problema respiratório que não precisasse de medidas incrivelmente drásticas como cirurgias e etc.

Robin então ajudou Rupert com a sua dor, emprestando os seus remédios e explicando que o remédio era realmente bem forte, viu? Tome cuidado, porque vai acabar dormindo demais se tomar ele. Espetacular, Rupert matou dois coelhos em uma rajada apenas. Dormira por mais três horas e meia para enfim acordar, muito mais dispostos do que antes, e, obviamente, RUPERT QUERIA COMER.

Esfomeado, levantou-se de seu local pedindo licença para seu colega de viagem para que pudesse ir ao bar comer alguma coisa. Encontrou Robin.

– Voce não dormiu tanto, normalmente esse remédio resulta em umas dez horas de sono – disse Robin enquanto bebia um copo de vinho tinto bem barato, por conta da casa.

– Digamos que eu havia dormido o dobro disso antes de tomar o remédio – disse Rupert.

– Dormir faz bem, mas creio que não em excesso. – Tragou um gole bem amargo.

– Nada faz bem em excesso. Provavelmente isso que tenha me levado ao me estado de doença que estive quando acordei. Minha cabeça estava quase estourando, nunca havia sentido nada assim antes.

– Talvez tenha sido o avião. Nem sempre a primeira experiência em um é maravilhosa, é sempre melhor se você sentar na janela é claro, mas isso depende muito da pessoa. Tem medo de altura?

– Difícil encontrar alguém que não tenha. O ser humano nunca foi tão baixo quanto é atualmente – riu Rupert, um verdadeiro filósofo. – E eu duvido que tenha sido o avião, eu já havia andando em um, inclusive mais potente do que este, e digamos que essa sim foi uma experiência nada feliz. Houve noites e dias de vômitos.

– Ah, e o que fizera viajar em um avião tão jovem? Tão jovem quanto eu, difícil pensar que já tenha vivido diversas experiências – implicou Robin.

– Minhas experiências foram poucas, principalmente por parte daquilo que mais me agradou durante toda a minha adolescência e aquilo que não pensei antes de virar um mendigo. Meu pai tinha bastante influência, ele conseguia conseguir qualquer coisa que eu quisesse. Ingressos e passagens para Geren, a fim de ver o jogo de Nova Gerondia.

Apesar do atleta deixar esta brecha, Robin decidiu não fazer a pergunta do que seria os tantos aquilos que Rupert deixara em duvida na cabeça de Robin durante esse diálogo. Ao ver de Robin eram coisas pessoais demais, e o jovem de terno não era íntimo o suficiente dele para entrar nesse tipo de conversa.

– Quantos anos você tem? – O assassino preferiu mudar de assunto.

– Vinte e três – respondeu Palma como se soubesse isso de co, o que não era o caso. Sempre teve probleminhas para lembrar-se da idade.

– Vinte e quatro. – disse também Robin. – Digamos que as influências de meus pais não me permitiram ter o mundo tão aberto assim. – Sorriu.

Naquele momento Robin percebeu que ele e Palma seriam grandes amigos.

A viagem para o Cassino estava apenas no inicio, uma vez que a localização dele não era uma das melhores. Ele se localizava em um lugar após as Ilhas das Bananas, um lugar de não muito fácil acesso se você não tiver uma licença ambiental para sobrevoar um local – sendo a ilha a segunda maior reserva ambiental do planeta -, e como Homdizio não queria gastar aquela graninha a toa foi esperto e preferiu dar a volta ao mundo. Uma ideia sensacional, ainda mais em um jato tão lento quanto aquele.

Mas a nossa historia não apenas se encaixa entre os jovens Rupert e Robin Wood, temos também o jovem Hector Hama que, apesar de atualmente não ser muito importante, ele continua sendo o grande jovem inteligente que sempre foi desde criança. Grande no sentido figurado, principalmente por ter 1,70 de altura e cerca de 29 anos de idade. Velho? Não se sentia assim, sentia-se em sua mais linda juventude.

Foi com Hector Hama, um pouco mais tarde, que Robin conversou. Apenas o velho espírito de bom homem dizendo-o que tem que simpatizar com os outros colegas de viagem. Hama era um bom homem, matemático, filho de um magnata, apesar de não gostar da fama de sua família, os Yup. Foi então que Hector, após consumir junto a Robin e Palma algumas taças de vinho tinto – do mais barato – decidiu tocar num assunto interessante.

– E pensar que eu apenas estou nessa viagem completamente estranha porque não tenho um lugar sem que a sombra dos Yup venha a me cobrir – disse, aflito, porem com um sorriso no olhar e com um brilho nos lábios.

– Interessante – disse Palma, fraco em relação as bebidas alcoólicas e sem consultar ninguém decidiu tomar um pouco de gim. O nome parecia interessante, mas a sensação era como se estivesse girando. Estava próximo a visitar, e provavelmente pedir a Robin mais alguns remédios na manha seguinte. Essa viagem não poderia estar melhor para Rupert.

– Pelo menos conseguiu se livrar – disse após beber um trago.

– Sim – refletiu Hector por alguns segundos. Hama sentia-se bem, era uma das poucas vezes na vida em que podia sentar e conversar com alguém sem que essa pessoa o julgasse pelo sobrenome. Sentiu que seriam grandes amigos, pelo menos enquanto essa viagem acontecia. – Mas e você, Robin? O que o traz a esta viagem?

Era uma longa historia, e bastante humilhante para o assassino.


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