Facção. Dos. Perdedores escrita por jonny gat


Capítulo 27
O pepino. E continua.


Notas iniciais do capítulo

Esse é o final da segunda temporada. Postarei a continuação, a terceira, semana que vem :p



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Era de fato praticamente impossível para Dom Picone encontrar seu celular de noite. A noite não era um fator muito relevante, de qualquer maneira era praticamente impossível conseguir encontrar seu Iphone no dia-a-dia. Não podia se atrasar mais ainda, portanto teve de apelar para a mais moderna tecnologia da atualidade.

Dom Picone tinha vários celulares, mas o seu favorito era decerto aquele Iphone vermelho que brilhava no escuro. Era por isso que preferia procurá-lo com a luz apagada a que acesa, pois quem sabe assim conseguiria vê-lo na imensidão escura como uma luz rubra ao fim do atraso. Ainda não o havia encontrando, não brilhava; sinal de que estava descarregado. Ok. Vamos fazer o seguinte e apertar uma tecla qualquer do bipe para que possamos enfim encontrar essa desgraçada.

Desgraça coisa nenhuma, Dom Picone, se pudesse, já teria casado com seu Iphone com uma rede Wireless de gigabytes ilimitados. Mas era apenas heterossexual, nunca esteve a fim de aparelhos eletrônicos.

Apelou para a mais alta tecnologia que inclusive em tempos atuais estava revolucionando toda a empresa de aparelhos tecnológicos de pequeno porte. Celulares, controles remotos e até mesmos consoles de bolso eram encontrados a partir de ondas radio. Seu tão querido celular saiu voando de um entulho de roupas direto para a sua mão, e lá estava ele.

Já estava praticamente atrasado, isso se levasse em consideração o fato de que apenas faltavam alguns minutos para que começasse o tal jantar e ainda estava há mais de um quilômetro de distância do local marcado. Isso tudo porque estivera dormindo por um tempo que não devia, um tempo precioso que estava é reservado para que analisasse a situação financeira de sua firma e procurasse maneiras de retirá-la da iminente falência. Mas isso era tão entediante quanto contar moedinhas de um centavo até conseguir um real ou mil desses, e obviamente caíra no sono como faz um idiota pássaro ao petiscar o milho rente à caixa ligada pela linha e que fora rapidamente puxada pelo jovem com sorriso maligno d’outro lado da rua, bem atrás de uma moita.

Mas, de maneira ou outra, estava atrasado, mas era necessário andar um pouco mais rápido até para que não pagasse vexame. Não havia mais problemas, em seu ver, de atrasar-se, contudo queria chegar ao jantar antes que os outros negociantes terminassem-no e se cansassem de tanto esperar Dom Picone. Desceu rapidamente as escadas já sabendo que encontraria uma enorme dificuldade para tirar seu carro do estacionamento; era hora do rush, os empregados já apareciam ao fim do dia estacionando seu carro.

Sua sorte era que mais da metade dos habitantes daquele mesmo prédio cinzento e mal-humorado eram pobres e tais não tinham nos bolsos o direito de comprar um carro, por isso recorriam aos ônibus, mas de qualquer maneira, estes também atrapalhavam, pois o tráfego de ônibus àquela hora era intenso. Ou seja, engarrafamento era certo.

Por um momento Dom Picone desejou saber voar ou ter o dom do teleporte, mas tinha mais que isso, ou menos – a interpretação depende obviamente do ponto de vista, e, para Dom Picone, naquela situação, suas habilidades eram quase quanto inúteis.

Sentia que lá fora seu Porsche Cayman estava sem gasolina e provavelmente teria de parar no posto para enchê-lo de gasolina, a não ser por um simples detalhe que predizia o fator eletricidade. Se Dom Picone assistia em um apartamento longe do centro comercial, era porque tinha como dom a grande humildade que jurava vir de seu pai, já que sua mãe sempre fora cruel com o pobre filho. Era podre de rico, mas o seu sócio de fato era mais que tal.

O caso da empresa de Dom Picone era que a empresa teoricamente não era sua, segundo certo papel. No cartório fora escrito apenas junto ao nome de seu amigo como líder da firma e Picone nem ao menos fora mencionado, na verdade, apenas estava lá para receber cerca de onze salários mínimos. Isso era um agradecimento. Picone havia vendido sua idéia para seu querido amigo e em troca disto ganhava esse salário robusto, mas o de seu caríssimo amigo dobrava o triplo daquilo que jazia a riqueza do galã.

Ouvia assobios enquanto descia as escadas. O elevador estava ocupado e não estava com vontade de esperá-lo, nunca fora decerto um homem paciente e pensava que descer aqueles onze andares era melhor e mais eficaz, poupando mais tempo, do que esperar alguns segundo enquanto o elevador chegava. Dom Picone pulava de quatro em quatro degraus, seria perigoso andar assim pelas escadas se de fato alguém as percorria. Havia três ou mais elevadores no edifício, as escadas eram utilizadas por ninguém. Mas Dom Picone dizia aos outros que as preferia, pois era isso que mantinha-lhe a forma e os músculos bem-dotados de força. Apenas uma desculpa esfarrapada, na verdade o fazia casualmente porque simplesmente não era a mais paciente pessoa do edifício. Enquanto os outros conseguiam esperar o elevador descer ou subir, Dom pulava feito um louco.

Mas decerto o destino estava brincando com ele quando decidiu colocar na escadaria do sétimo andar a jovem Karla Choles. Houve o choque e todos os livros que Karla segurava até agora pouco estavam perdidos degrau a baixo. A sorte de tais era que a queda fora de menos de dois degraus, estavam ilesos e prontos para prosseguir se não fosse à cortesia que Dom Picone aprendera desde pequeno sempre ao reconhecer belas mulheres.

Não havia jeito na extravagância digna de um cavalheiro que Dom Picone tinha. Qualquer mulher que reconhecesse como bela seria alvo de seus modos e a trataria como uma dama ou uma rainha, normalmente as cumprimentando com o beijo típico na mão que as levava às alturas. Mas Karla Choles não tinha tempo para esses tipinhos, gostava de viver a vida como uma grande aventura com musculoso sem camisa que se autodenominavam personal trainer, apesar de nem um diploma tiverem.

Dom Picone em seu físico era o típico personal trainer, mas não demonstrava toda essa voracidade quando vestia sua blusa social sem terno, apenas com uma gravata. Quando assim, ao avistar a bela mulher, era cavalheiro pra caramba e as mulheres preferem os caras que as bofetam na cara.

Logo o cavalheiro foi descartado e Karla voltou a recolher seu material de estudo e ir para casa.

Picone passaria a noite inteira triste com tal bolo, mas preferia pensar no seu diário, pois todo dia era ao menos uma vez descartado, discurso de reanimação. Coisa que sua tia Teté o ensinara. Há sempre outra chance, seu idiota. Não fique triste só porque é feio, pelo menos você é alguma coisa.


Picone voltou ao seu caminho e viu-se cada vez mais próximo do estacionamento. Ele correu alguns metros até encontrar seu carro. Aliás, o estacionamento encontrava-se no subsolo do edifício, e estava atualmente lotado de pessoas. Todo tipo delas.

Havia apenas uma saída e essa mesma era considerada uma entrada para os mais apressados que preferiam não terem de esperar toda a fila que os esperariam caso tentassem adentrar pela entrada mais casual. Dom Picone percebeu que estava ferrado e demoraria mais tempo tentando sair dali do que no trânsito. No momento deu em sua cuca a súbita idéia de sair correndo dali e pegar o ônibus. Mas seria ridículo chegar ao restaurante mais cinco estrelas de Economist de ônibus. Seria motivo de chacota dos magnatas que de quebra também estariam ali. Então foi pegar seu carro e simplesmente saiu ferrando todos, Picone então acabou a quebrar seu próprio retrovisor esquerdo e quase acabando também com o capô do garanhão.

Era veloz, mas mesmo assim não o suficiente para conseguir ultrapassar o engarrafamento mais que quilométrico, podia ser medido a partir de anos-luzes e o carinha que fizesse essa mesma conta acabaria encontrando incrivelmente um número inteiro. Isso só um carro teleportátil faria, mas nunca realmente conseguiu-se transportar tanta matéria apenas com o método simples de condensá-la em energia – o problema maior das concessionárias nesse quesito era que as antenas eram muito falhas, além delas engoliam fortunas.

Dom Picone foi mais esperto ao adentrar por dentro, já que normalmente não havia tanto engarrafamento pelo subúrbio. Mas por ora havia se enganado e se metera em talvez engarrafamento maior.

Chegaria ao atraso, atrasadíssimo, e isso era um fato imutável. Teria de se contentar em chegar e poder apenas visar o prato e a taça de vinho, de seu negociante, totalmente vazios, e um olhar de pavio muito curto encarando-o. Já estava acostumado a isso, mas nesse caso era diferente. Normalmente não se importava com os caras que o olhavam com olhares de poucos amigos e simplesmente o deixavam de lado, contavam piadas e desculpas esfarrapadas engraçadas sobre o porquê de estar atrasado – os caras não costumavam cair nessa e permaneciam com poucos amigos.

Dessa vez era um amigo que contava com Dom Picone para que servisse de quebra-galho. Não podia deixar um amigo na mão.

Não bem um amigo, mas alguém de grande influência e logo, como um bom executivo, o galã tinha de chamá-lo de amigão caso realmente quisesse alguns créditos ou grana extras. Como prova disso, a oportunidade que tinha nesse caso era muito fluente a sua simpatia, não discutiremos aqui sendo ela falsa ou não.

Por outro lado havia um restaurante chique e de ricos cujo pai de certo presidente, ou ex-presidente, estava sentado a tomar alguns drinques de vodca com limão. O sabor era incrível, na verdade tinha maior preferência ao wisky que o deixava de total louco. Dia como esse, hoje não era apto para ficar louco, já estava quase com sua paciência ao fim e isso não estava nem um pouco relacionado à morte de seu querido filho.

Havia feito tudo que devia em relação ao filho. Dera-lhe alimento, um irmão insano e mais novo, superpoderes e também um cargo como presidente. Matou também sua ama de ventre, mas isso era irrelevante na cabeça do velho bebum. O que era relevante era que alguém também estava atrasado, sua reação era desenhar com uma navalha de seu apontador na cadeira uma grande obra de arte. Alguns gravetos, provavelmente alguém conseguiria interpretar aquilo como a típica forma que nos ensinam de como os caras da antiguidade descobriram a matemática.

Tinha seu raríssimo Iphone no bolso para ficar desenhando no Paint, mas tinha medo que alguém dali o assaltasse.

Na concepção de Mormada Sparrow, qualquer um que fosse menos rico que tal, era automaticamente um pobre. Bill Gates, Eike Batista e toda essa panelinha do ranking mundial dos mais ricos do planeta terra babavam aos pés de Mormada Sparrow, era um dos grandes banqueiros de Economist, apesar de não saber o que significava aqueles números – só colocou alguns vagabundos pra trabalhar, e deu no que deu. Agora O Banco Central de Economist, o primeiro e único, arrecadava milhões e bilhões com investimentos e também empréstimos. Mormada também revolucionou a empresa econômica com os números malucos que simplesmente apareciam em sua cabeça e colocava em um papel.

Criou a fórmula mais simples pra desenrolar altas granas de uma maneira baratíssima e que nunca acabasse. Uma fórmula que apenas tal e seus amigos intelectuais da Universidade Econômica de Economist, apesar de nem eles entenderem.

No ranking mundial dos mais espertos do mundo segundo os humanos – pois na verdade o primeiro nessa listagem deveria ser um golfinho, Sor Lionel Gibson do Oeste do Atlântico –, estava lá Mormada Sparrow em um dos, sei lá, dez primeiros lugares com toda a sua humildade de velho senil, patriota e cheio de grana.

Mas agora era só o entediado Mormada Sparrow com sua navalha e pronto para matar o atrasado. Desta vez não estamos falando de Dom Picone, e sim do homem magrelo e totalmente pálido que chegava: Heringe Lima.

Era de fato tão magro que nem a carne existia em suas bochechas, conseguia-se ver por total as maçãs de seu rosto assim como a estrutura de suas veias. Uma por uma, ultrapassavam todas em tons diferenciados. Mas era pálido mais do que se podia dizer da lua, isso porque desde criança estava acostumado mais a ficar em casa a que estar na rua brincando ou fazendo merda – o que é mais estereotipado na infância. Heringe tinha uma série alergia ao pólen das flores, apesar do cenário no mundo agora ser tão metropolizado, antes havia tantos arbustos que a mãe de Heringe o proibia de pôr o pé para fora de casa. Era também de origem pálida, já que seus antepassados eram de Pinball Wizard e todos sabem o quão frio é lá.

O jovem era mais idiota do que um burro. Estava ainda na casa dos vinte. O motivo de estar falando com alguém tão importante como Mormada? Heringe simplesmente era-lhe um filho, literalmente.

Heringe Lima nascera de um incesto, Mormada Sparrow após vários drinques da mais cara e pesada bebida decidiu dar uma visitinha à sua irmã cega e só deus sabe o restante dessa desgraça.

Heringe e sua mãe, Narta, viviam apenas da pensão milionária que o velhote tinha de pagar. O jovem era burro, quase um débil-mental e sua mãe quase não mantinha sua própria subsistência. Seu pai na lei era um vagabundo que desapareceu após ver que a cega estava grávida. Simplesmente meteu o pé, fugiu a qualquer hora e na primeira chance que teve – na primeira mesmo, ela era cega, na primeira mesmo.

Vestia um terno grande demais para o seu número, é provável que a verdade por trás disto que não se fazia mais ternos abaixo de PP. Como resultado, o terno estava totalmente amassado. E era bege, caia muito bem com os olhos azulados do jovem Heringe que mais pareciam verdes à distância. Mas ainda assim era magro demais. Heringe não sabia o que era colocar comida na boca há mais de sete meses, e isso por pura opção.

Enquanto discutiam sobre alguma coisa irrelevante demais para a estória, outros jovens também estavam a jantar nesse mesmo dia naquele restaurante majestoso e chique no centro de Economist. Num bairro rico, de fato, até porque não se podia construir tamanha obra de arte – até mesmo no principio da arquitetura, o restaurante era formado em um hexágono e era necessário subir uma escadinha e acessar estrela adentro.

Por outro lado, Mormada Sparrow era um velho enrugado e não era mulher. Se fosse, estaria na gestação e com quase nove meses. Estava para completar oito. Estava diretamente relacionado à bebida no quesito dessa barriguinha sagaz. E andava por aí com seus pelos peitorais aparecendo mesmo, a blusa social que usava – isso mesmo, sem terno! – era pequena demais para o seu barrigão, logo boa parte ficava amostra.

Os olhos eram profundos e totalmente verdes, com o cabelinho bem arrumado na parte de cima. Isso era quando não estava na hora de cortar, pois quando estava... Cabelos rebeldes costumam se rebelar quando reúnem cabelo o suficiente para combater o governo do cabeção. Esse era o caso, e normalmente também é quando se trata de homens.

Hoje o prato da casa, do chef, era do bom e do melhor. O bom e velho Pepino a la Lariga Infernable – basicamente só uma rodela de pepino frito com molhos, nada demais.

Quem realmente adorava esse prato era Gepeto, mas nesse dia infelizmente estava ocupado demais em uma reunião com o governo pra ver se iam ou não iam financiar o seu projeto desgraçado que lidaria com as divisões do átomo. Gepeto queria provar de forma bastante intelectual e na prática que as partículas como nêutrons ou prótons também se dividiam.

Mas por outro lado havia uma pessoa por lá que era mais do que um breve conhecido de Gepeto.

É bom lembrar que coincidências não existem. Estamos falando de um dos melhores restaurantes do continente e você não pode ignorar isso, ou seja, haverá gente importante pra cacete, mas talvez fosse mesmo uma coincidência haver um João Ninguém nesse mesmo restaurante. Próton William Smith nas últimas semanas teve uma viagem bem alucinógena no fundo do mar e estava hoje a fim de tirar um descanso. Mais que isso, queria poder provar o tal pepino frito que um amigo riquinho rico tanto elogiava. Queria prová-lo que não era apenas rico que tinham os maiores privilégios, mas Próton também estava gastando uma grana legal com essa reserva que foi marcada, na realidade, com mais de um ano de antecedência. Não era previsto a tal viagem pirada no fundo do oceano, simplesmente aconteceu.

Will nunca provou muito as drogas, mas houve certo contato na faculdade. Faculdade é faculdade. Pois é. Mas a maior sacanagem foi descobrir que nada que rolou durante os tais meses doidões na água aconteceu de verdade. Will ficou bolado, afinal grandes coisas aconteceram nesse período de tempo.

Demoraria um pouco para que o prato do dia ficasse pronto, o prato que inclusive colocara o restaurante como o melhor do continente, antes era apenas um restaurante chique na central de Economist. Todavia agora era o restaurante do tal do pepino boladão na central de Economist. O termo chique não era mais necessário, pepino já substituía mais que bem esse verbete interessantemente.

Queria superar o trauma depois de sua falsa aventura com homens-peixes e por isso solicitira – enquanto o grande pedido não chegava – algumas lagostas e frutos do mar. Queria comer um golfinho, já que estes foram os grandes vilões de sua história. No enredo maluco de Próton, os golfinhos eram mais inteligentes que os humanos e podiam

– Ahn, – havia esquecido o gosto de tamanha satisfação após devorar as lagostas – e eu paguei por isso.

Mas era melhor do que viver para sempre com seu trauma.

Enquanto devorava toda aquela comida vegetariana demais para o seu gosto, principalmente a parte verde vinda do mar, William Próton tinha que pensar em alguma forma de dizer para sua mulher onde esteve durante o tempo que passara fora de casa sem mencionar drogas e maconha.

Era fato que Próton era o único desempregado rente àquelas figuras ignoráveis e esnobes em sua frente. Estava desempregado, sim, mas isso não queria dizer que estava na merda. Não estava na merda ainda. Não havia ali pessoas que estavam na merda, havia vários que passavam por grandes problemas executivos nos negócios de suas respectivas empresas – isso no máximo.

Jacken Carter, filho de um revolucionário, astrônomo e também engenheiro químico estava ali com uma mulher (n’outro dia provavelmente estaria lá outra) e outras loirinhas de vestido tomara-que-caia que estavam, cada uma, prontas para serem amanhã a que sentava a seu lado e compartilhava do mesmo vinho e do mesmo carrão.

Muitos e muitas dali estavam ali para simplesmente jogar o papo fora, pois estavam cansados demais da vida de empresários ou ricaços para trazer o trabalho até mesmo para fora do escritório. Presentes também aqueles que traziam, por exemplo, havia duas mesas que de fato a conversa girava em algo importante. Nessas duas, os notebooks estavam ligados e os olhos focados no vídeo pornô ou na qualquer coisa que estivessem olhando.

As gatinhas só estavam mesmo presentes para encherem a cara e também os ricaços, que nem ligavam muito para isso, estavam no restaurante só porque era o ponto das mais altas gatinhas. Só dois ou três dentre os mais de trezentos que lotavam as mesas e não possibilitavam a entrada de qualquer um cliente espontaneamente – por isso as tais demoradas reservas, vide Próton – estavam para provar o pepino.

Todos de terno, bem bonitos, o orgulho do papai.

Houve então uma figura que quis destruir todo esse estereotipo da moda do terninho negro sob a camisa social. Houve aquele que chamou a atenção de Will, por ser um tanto mais humilde, e de cara lançou um olhar sagaz esse diretamente para as gatinhas. As gatinhas, por um momento, não ligaram.

Outro vinha atrás desse hipster.

Mas quando Dom Picone chegou, foi claro que a atenção das jovens continuou na mesma. Ninguém liga para um cara que chega a um restaurante chique de ônibus.

As mesas eram qualquer coisa menos aquilo que Dom Picone conhecia como sério (afinal, tal verbete não ocorria em seu dicionário mental). Era impossível para qualquer marinho de primeira viagem no navio em questão não cair na gargalhada pela primeira vez. Próton já se engasgara demais com os frutos do mar. Mas este ria por outras causas, não que a mesa não estivesse envolvida.

O local como um todo aparentava ser sério demais, afinal, era o local dos mais do que ricos. Mas, mais do que isso, a maneira que eles tentavam soar aquilo como um lugar mais do que sério era mais do que engraçado. Era engraçadíssimo, era o cúmulo da ironia. Os garçons também adoravam ouvir aquela risadinha típica de iniciante no mundo dos negócios ao virar as costas.

Essas mesmas coisas também podiam ser consideradas aquilo que tirava o local do sério, e traziam; além das mais importantes reuniões relacionadas à economia mundial, os outros que apenas visavam à diversão e bebidas.

Mormada Sparrow estava ali para cuidar de algo importante, não dessa vez para dar a pensão atrasada ao seu filho; simplesmente para tratar coisas importantes que é melhor você não saber. Não é de seu interesse, agora voltemos a Dom Picone.


Heringe era um bom garoto.

Costumava tomar banho sempre assim quando lhe era mandado pela mais; pois se ninguém o ordenasse, acabaria esquecendo e fedendo. Era normal apenas molhar-se assim quando começava a cheirar mal, pois só assim sua mãe conseguiria saber como era o estado higiênico do filho. Mas não era de escovar os dentes, pois não acreditava em dentista nenhum.

Como resultado seus dentes eram amarelos o quanto sua falta de higiene permitia, e sempre que necessário tinha de ir ao dentista junto com seu pai – inclusive era essa a única atividade entre pai e filho dos dois, no restante das ocasiões, apenas estava lá para entregar a ele o cheque. Mas no dia em questão, enquanto dois esperavam os pepinos serem servidos, tiveram a sua conversa casual em anos. Era a simples conversa em que Mormada perguntava as boas novas e tal, apesar de não dar a mínima para sua cria.

Mormada dificilmente se importava com algo que não fosse com a barba grisalha que necessitava sempre aparar de uma em uma semana. Mas dessa vez se importava com o filho, um pouco, apenas dessa vez. Nas demais, Heringe era visto como o sexo que até hoje pagava em parcelas de dez mil a cinqüenta da mesma casa (dependia de seu humor). Estava ficando velho, pensava, e não tinha ninguém para passar a herança.

Pois dentre seus filhos, apenas havia um que ainda não fizera de sua vida algo. Ikovan e Sparrow já haviam criado seus próprios impérios, respectivamente, como um soldado e outro como presidente. Heringe demonstrava o único com deficiências para ser alguém na vida, e o velho gostava de ver seus filhos como homens grandes. No momento apenas enxergava o garoto magricelo como o reflexo de um fracassado, um garoto pequeno cujas chances de tornar-se grande alguma vez na vida estavam fora do possível. Seu intuito era bater um papo de homem para homem com o filho, mas não sabia uma maneira de dizer “larga de ser otário moleque!” sem parecer ofensivo e com um tom apropriado para um otário.

Havia uma forma mais fácil, uma maneira que seu filho poderia tornar-se grande sem grande dificuldade. Pois o mundo é movido pelo dinheiro e o dinheiro move o homem, se alguém ousar meter deus nesta frase estará completamente errado, porque deus não pode ser o dinheiro e nem o homem; deus apenas pode ser posto em provérbios felizes e alegres, não em um que retrata tão bem a vida como este.

O dinheiro que Mormada já havia adquirido em toda a sua vida era uma quantia exorbitante, o suficiente para construir uma outra empresa e prosseguir lucrando mais e mais. Mas Mormada não pensava assim, pois nascera pobre e pobres param de trabalhar sério a partir do momento que começam a receber uma grana alta. Não queria investir em mais nada, isso seus estagiários fariam por ele agora.

Mormada estava ficando velho. Velho demais. Tinha aproximadamente bilhões de anos e já estava na hora de pensar n’um herdeiro. Olhar para o seu filho débil-mental e desnutrido não fazia Mormada sentir pena, mas conseguia ver que no fundo dos olhos daquele jovem, havia uma incalculável vontade de poder ser grande.

Só iria dar um empurrãozinho. Apenas um empurrão básico era necessário, e decidiu que isso faria depois da noite.

Mas esse empurrãozinho teria mais efeito em si do que em seu filho. Na verdade, haveria um grande efeito nos dois, só que aquele que mais obteria sofrimento como conseqüência seria Mormada. Mormada teria de morrer para dar sua fortuna ao seu filho, e essa era a intenção. Pouco se importava com sua vida, seus bilhões de anos foram mais do que chatos e não queria passar os outros trilhões, sentado em uma cadeira, esperando o jornal de cada dia. Era rico mas toda a sua fortuna praticamente não significava nada; queria ter aproveitado a vida mais. Levado-a menos a sério, principalmente após ter tornado-se um milionário. A bebida era a única coisa que mexera na vida de Mormada, e não da melhor forma. Tinha certeza que seu filho faria isso em nome do pai, aproveitando cada centavo da fortuna para conhecer sua mulher e ter filhos.

– Família em primeiro lugar moleque – dissera para fora, talvez esta fosse a fórmula secreta para que seu passado fosse mais divertido.

– Sim... Sim.

Imaginava que Heringe conseguia entender o motivo da posição privilegiada da família no ranking das coisas mais importantes na vida; pois tal sempre era aquele que cuidava de sua mãe que desde os tempos que sempre se lembrava esteve de cama. Há mais de um ano a mulher estava para morrer e Heringe rezava ao deus que estava pelos céus para dá-la uma ajuda.


Dom Picone estava procurando um relógio.

Pensava estar atrasado, mas o fato de não ter encontrado seu amigão em mesa alguma a partir de uma vista panorâmica ao entrar no restaurante; começara a dizer a si mesmo que provavelmente o horário de verão havia acabado e ele nem sabia. Ou não. Talvez seu negociante amigável estivesse atrasado. Mas essa idéia era um ultraje, Picone que tanto batalhou para chegar antes que o lobo da meia-noite uivasse... Sentia-se traído ou algo do mesmo gênero significativo da palavra.

Não podia mais confiar no seu relógio de bolso, ou no horário descrito em seu Iphone. Ambos diziam o mesmo horário.

Mas seria muita coincidência o horário que dois mesmos relógios diziam estarem igualmente errados. Repentinamente lembrou que seu Iphone era uma graça de deus por sempre atualizar o horário de forma automática ao término ou ao inicio do horário de verão. Mas estava no outono, não rolava horário de verão naquela época.

Então não estava no horário de verão seu Iphone estava certo porque era sofisticado demais para errar e o relógio também por demonstrar os mesmos números.

Levantou-se novamente para tentar procurar aquele que o convidara, e pensou em ter levado um bolo e ser idiota demais por realmente acreditar que uma pessoa tão importante o convidara para um jantar de negócios. Ia chorar se não fosse por ter avistado algumas jovens solitárias em uma mesma mesa. Estava com tudo para chegar chegando.

Mas nenhuma jovem em busca de milionários trocaria palavras ou até mesmo cumprimentos com um cara que vem de ônibus para o Restaurante Central de Economist. O mesmo era Will que, se tivesse chegado com um Gallardo ou até mesmo um Camaro – as jovens provavelmente chegariam à hipótese que aquele Camaro era de coleção, e que havia carros muitos melhores na sua garagem que eram apenas utilizados em momentos importantes – teria sido o grande alvo das damas. O problema era chegar lá de transporte coletivo, demonstrando ser um total pobretão; todos veriam sua chegada, o restaurante era uma estrela feita de vidro.

Havia um arquiteto em Economist que cismava com o vidro. Simplesmente porque era mais barato do que qualquer outro metal, e ficava muito mais característico do que um prédio qualquer cinza. Foi usando o vidro, um vidro que podia tanto refletir a imagem daquele que o via quanto mostrá-lo o que havia dentro, que ganhou milhares de prêmios relacionados ao design e inovação. Roberto Paul era seu nome, e este mesmo fora acusado pela literal caída da Bolsa Econômica Central de Economist há cerca de dois anos.

Era uma obra sua, de fato, e os chefões queriam acusá-lo por ter feito o local com um material tão vulnerável a força do som. Na verdade a idéia de começar a fazer as coisas de vidro veio do preceito de que bancários e economistas, sim, esses carinhas que ficam gritando no telefone e coisa e tal, são barulhentos demais. Não dá pra ler um jornal básico da manhã enquanto esses carecas estão discutindo com seja lá quem for enquanto a bolsa está caindo; então, os chefões simplesmente decidiram dar essa idéia ao arquiteto responsável pela reforma da Bolsa, já que estavam cansados do barulho infernal nos andares de baixo. Essa era a primeira obra de Roberto e então ele passou a aderir esse estilo “espelho” em todas suas seguintes plantas.

Dom Picone era infeliz por não saber que seu amigão era importante demais para estar numa daquelas quaisquer do restaurante. Molly estava na área Vip, degustando mais o vinho do que nervoso com o atraso de Picone.

Molly estava curtindo um ótimo coquetel de frutas, porque o vinho não o agradava. Era razoável, conhecia bares no gueto que conseguiam dar-lhe a dádiva de provar um gosto mais azedo. Vestia o casual terno que em momento algum parecia ser formal. Na verdade, o terno era algo tão casual na época que era possível dizer que não era mais considerado um traje formal. Os estilistas precisavam inventar algo novo, porque de casual só existia ainda o terno feminino.

A jovem discípula do caolho, portanto, não vestia uma roupa forma. Aos olhos de Molly, eram claras as intenções que a jovem tinha ao visitar o chiquérrimo vestido que investia em todas as suas curvas. Era de um roxo tão brilhante que era possível ver os vestígios do diamante implantados em suas curvas e como brilhavam a cada movimento. Da pedra mais preciosa, que na realidade era apenas o material mais simples, para a mais humilde não tinha diferença – a jovem conseguia ser bela de qualquer maneira. E o decote mostrava até mesmo aquilo que não deveria.

Estava indecisa, insegura, incapaz de simplesmente chamar o garçom por estar envergonhada. Molly tinha a hipótese de que toda aquela sedução era proposital para a atração dos milionários ser bem sucedida, mas a beleza não era tão proposital quanto parecia. Ino só usava o mais belo vestido que tinha, nem comprado pela ocasião era, e infelizmente esse vestido era belo demais.

Mas Molly fez o favor de chamar o garçom.

– Eu quero – disse o caolho ao garçom – um copo da melhor bebida que tiver aqui. – Soava arrogante, mas não era por sua humildade que se sentava na área dos mais ricos. Era um dos mais ricos, fizera isso por merecer na prática, e tinha o direito de desfrutar do melhor assim como os safados no ar condicionado vendo os farrapos soarem.

Era pedir demais. O garçom não sabia qual era a melhor bebida do local, e não sabia qual resposta dar ao imperador solar. Então, como se fosse mais simples coisa do mundo trazer a sagrada bebida, fingiu saber dela e chamou ao chefe. O chefe estava ocupado demais, e deu-lhe um nome qualquer.

O garçom voltou. - Essa bebida não consta mais no estoque, senhor. – Molly na realidade já esperava uma resposta dessas. Não se encontra em restaurante algum uma bebida que você pode confiar toda sua reputação nela, chamando-a de “melhor bebida que tem aqui”. Se alguém for contra essa nomenclatura, você vai perder toda sua moral tê-la dado à bebida.

– Tanto faz – disse Molly, o mais educado possível. – É que essa bela jovem quer alguns mariscos.

Frutos do mar, peixes e o resto de coisas do mar que ninguém sabe o nome são a especialidade do Restaurante Central de Economist.

– O elemento está demorando demais, mestre – disse a jovem encabulada.

– Sim, mas acho que isso não é problema. Esse elemento sempre foi muito problemático, deve ter ser distraído demais com as jovens do andar debaixo ou simplesmente preferiu nem vir. É um vagabundo.

– Mesmo assim ainda precisamos dos reforços, você sabe disso.

– Acho que você está preocupada demais com a chuva que ainda está por vir. Não se preocupe tanto, afinal ainda poderá comprar até mesmo o mais vagabundo guarda-chuva aos quarenta e cinco minutos do segundo tempo e ainda assim ele servirá para alguma coisa. Garanto que por certo tempo ele poderá segurar as gotas que caem do céu, mas não todas. – Molly estava incorporando o seu dom poético; ocorre muito quando seu cérebro consta em seu corpo o álcool.

– É sempre bom se adiantar.

– Você não precisa se adiantar. Se há uma coisa que você já se adiantou demais nessa vida foi com ela mesma. Mas nos seus estudos, ou no seu trabalho – disse. – Eu acho que você é bela demais para ficar simplesmente ralando dia e noite sem ter ninguém te esperando em casa. – Ino já percebia onde a conversa estava chegando. – Precisa de um namorado – concluiu.

– Eu gosto do que faço.

– Gostaria mais se tivesse alguém para compartilhar tudo o que faz, é por isso que as pessoas usam o facebook ou qualquer outra rede social. As pessoas gostam de compartilhar as suas idéias, as pessoas querem ter voz.

– Todos têm voz, não precisamos gritar para que saibam disso – argumentou a jovem.

– Mas as pessoas não vão saber disso. – O assunto era totalmente contraproducente, a própria jovem certas vezes se perguntava como conseguia dar-se bem com alguém com opiniões tão diferentes. – Se você não gritar, as pessoas pensarão que você é muda.

– Não sou muda, percebe-se, pois estou falando com você.

– O que eu vejo ou ouço pode não ser o mesmo que o outro ouve.

Era chato ter essas discussões filosóficas com Molly em seus momentos de embriaguez e momentaneamente era melhor dar uma espiada por cima do ombro, esperando a chegada do humilde garçom que usava preta e tinha uma espécie de babador enfiado de forma irregular no V de seu terno. Era o clássico garçom, com um bigode clássico.

Era perceptível que não era o mesmo: o garçom anterior era um jovem moleque que estava apenas por lá de meio-período, tinha um moicano ousado ao melhor estilo craque futebolístico e vestia um blazer. Não era um terno, mas era um blazer, o que empolgava muito mais as gatinhas – mas tinha um fator importante; garçons não entram em campo nesse jogo.

O gatinho de meio-período foi simplesmente jogado para fora porque havia negado algo para alguém importante na área vip. O problema era que foi na área vip, logo na grande oportunidade da carreira de garçom dele. Ninguém nega algo a alguém da área vip, - normalmente você enrola ou arruma uma desculpa – mas o jovem viu a necessidade de dizer a verdade. Não se pode viver uma vida só de mentiras.

Os mariscos chegaram.

– Mas como ficam os reforços? – Ino perguntava, com o mesmo grau de preocupação.

– Mantenha-se calma, eu acho que conheço alguém.

Nada vinha à cabeça de Molly.


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