Facção. Dos. Perdedores escrita por jonny gat


Capítulo 107
Não-deuses entenderão.




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O roxo estranho e as cinzas faziam que Xupa se lembrasse de um lugar anterior que visitara, ou melhor, que fora sequestrado para. Seguia o conselho daquele velho homem vestido de herói do capítulo 14 e por isso era o exato oposto do caolho ao seu lado. Decerto, ambos abdicaram de guardar o planeta e todos aqueles universos há anos atrás enquanto treinavam com Ramon. O trabalho ficara para um pirralho e Molly perguntava-se onde estava o pirralho, controlando-se para não encher-se de raiva para evitar mais destruição e estresse desnecessários.

Ele olhou para os olhos de Xupa, mas esse foi fraco e não pode encará-lo nos olhos. Em Molly crescia a culpa de toda aquela morte e destruição, Xupa apenas negava para si mesmo escondendo-se por trás dos conselhos do misterioso homem. Se ele mantesse-se seguro, tudo sairia bem no final. Mas seria isso verdade? O ressentimento veio com ao engolir a saliva grossa da consciência, e o cérebro de Xupa lentamente saiu da inércia conformista que havia se tornado.

O caolho seguiu o caminho em passos longos e lentos. Culpava-se pela morte de seu mestre e pela morte de todos aqueles que ali viviam, porque era seu dever e sempre foi. Ele sempre disso, com esse poder, então por que desperdiçou tanto seu tempo com pormenores? A apoiar e trabalhar a serviço de ricos paranóicos e perdidos. Isolar-se no deserto. E foi Frota, não foi? Que sem querer os colocou de volta nos trilhos das batalhas e para que morresse bravamente.

Olhou para trás e Xupa saiu do transe do começo da corrupção de sua conformidade. Seguiu em passos lentos e de cabeça erguida, não que houvesse confiança mas em sua mente brilhava a faísca de que deveria agir. Era algo como ter engolido um copo inteiro de café pelando sem as queimaduras na mucosa bucal.

E então eles seguiram pelo cenário esquisito interminável. Sons distantes brotavam, assimilaram juntos sem precisar de discussão que só poderia ser o som de alguém com dor de barriga e isso fortaleceu seus espíritos para a busca de sobreviventes, por mais difícil que pudesse ser. Com a energia carregada e podendo recarregar facilmente (ainda era um meio dia ensolarado lá fora) ao se afastaremda região necrosada não pouparam forças para tornarem-se feixes de luz e buscarem pelo raio de dez quilômetros. Demoraram cinco minutos mais pelas pausas de alguns segundos que fizeram. Nunca praticaram essa habilidade por períodos maiores que vinte segundos e tinham medo de, sei lá, simplesmente não conseguirem retornar ao normal. A cada milésimo de segundo a consciência espalhava-se em uma velocidade que a mesma só conseguia processar devido a alta carga energética nos seus feixes. De milésimo em milésimo, seus cérebros vibravam com um prazer incontrolável que sussurrava em seus ouvidos para deixar-se ir. Não queriam se tornar eternos feixes de luzes por enquanto.

Pausaram.

— Não há corpos. Ou restos ou sangue - disse Molly, lentamente.

Xupa assentiu.
Seria possível que todos teriam sido levados ao pó? De qualquer jeito, antes de discutirem e levantarem a hipótese correta de que boa parte do pessoal tinha sido teleportado para outro lugar aleatório dos quadrados - o que é tipo morrer -, ouviram barulhos de entulhos sendo revirados bem nas costas deles.

Era roxo e possuía olhos verdes profundos e selvagens. Um sapo robusto do tamanho de um pré-adolescente saltava na direção de Molly. Surpreso com a visão enquanto virava-se, não havia tempo para defender ou atacar. Tornou-se apenas sua projeção de luz e a criatura atravessou-o direto. Xupa atirou um fino e veloz feixe de energia pelo seu dedo indicador sem fazer muita pose e a criatura caiu enquanto pousava do primeiro ataque.

— Que porra é essa? Morreu? - perguntou Molly. Xupa aproximava-se para analisar enquanto na posição de transformar sua mão esquerda em uma espada de energia.


Líquidos de diferentes cores começaram a ser excretados pelo corpo da criatura, caída de costas para os rapazes. Seus pezinhos traseiros pequenos demais para o seu corpo começaram a mostrar atividade nervosa abrupdamente, remexendo-se sem razão alguma. Xupa deixou de caminhar e Molly entendeu que algo estranho poderia estar para acontecer.

Antes que o sapo pudesse virar-se completamente o herói de terno branco (sempre) saltou em um ataque violento para partir o sapo ao meio. Quase escorregou em algum líquido rosa excretado pelo bixo, mas ergueu-se novamente para olhar o resultado do ataque. As duas partes da criatura seguiam para atacar Molly, que estava ciente que apenas o poder do sol poderia destruir o demônio. Brilhou incansavelmente. Um raio bem grosso rasgou o ar do centro do abdômen de Molly, transformando os dois meio-sapos em pó quando esses preparavam os botes com os dentes demoníacos.

Acabou acertando algum prédio também, muito longe. Que parecia ter desabado pelo barulho. Molly esperava que tivesse sido na zona necrosada e que tudo estivesse bem, rsrs.

— Essa desgraça não é desse mundo - disse Molly. Olhava para frente onde imaginava seu inimigo, e talvez estivesse ali no meio daquelas poeiras que voavam na penumbra púrpura.

— Não mesmo. Os sapos daqui são bem diferentes - disse Xupa. Considerava os sapos terrestres bem graciosos.

Molly percebeu que ia precisar resolver esse problema dos sapos antes que dessem a louca à noite fora da zona necrosada, ou em qualquer dia que não fosse próximo dos 40 ºC. Pegou o celular e verificou que a previsão dos próximos dias era de chuva, que começaria naquele fim de noite.

— Vamos precisar resolver isso antes que chegue para os idiotas resolverem - franzia o cenho, não tinha paciência em pensar nos idiotas.


— O problema é que nós não detectamos eles no nosso modo feixe radar.
— É, e não vai ter como. Precisamos de sistemas de alta energia solar para lidar com esses sapos horrendos. Gastar mais energia como feixe radar…

— Não é sustentável.


Concordaram em prosseguir a busca por pessoas antes de pensarem em como lidar com os sapos, se houvessem mais - e provavelmente haveria alguma outra esquisitisse.

Eventualmente, encontraram alguém. Na segunda busca. Era três da tarde.

Ela não estava machucada e nem suas roupas pareciam ter sofrido com a explosão. Talvez fosse tão forte quanto um sapo. Edésia parecia adormecer bem e tranquilamente em seu vestido florido e perguntavam-se como acordá-la. Por mais que estivesse estranhamente bem, seria melhor que fosse para fora daquela zona morta, né?

Xupa abaixou-se para balançar suavemente o ombro de quase puro osso da moça.

— Senhora, você está bem?

— Hã? - Edésia facilmente acordou.

Aquele era um rosto. O rosto sanguinário do homem possuído pela espada destruidora de deuses, Gram. Edésia afastou-se assustada assim que retornou à consciência. E o rosto de alguém... Alguém em geleiras congelantes.

— Espera!! V-você está bem?

Edésia, que corria, parou.

— O quê? Estou…

— Você é a primeira pessoa que nós encontramos aqui.

Edésia para se reambientar encarou o cenário.

— Onde estou?

— Você não sabe o que aconteceu? - perguntou Molly.

— Eu estava no ponto de ônibus e fui atacado por… - hesitou, encarando Xupa. O rosto poderia ser igual, mas o Xupa Cabrinha portador da espada possuía um físico mais avantajado e algumas cicatrizes no rosto e braços.

— Por quem? - perguntou Xupa.

— Por um homem com uma espada flamejante. Geralmente eu não fujo de otários, mas essa espada poderia me matar. - Os outros dois não entenderam a frase. - Não lembro direito o que aconteceu, mas eu fugi e… Alguém me ajudou, não lembro direito o que aconteceu depois…

— Uma grande explosão aconteceu nessa parte da cidade. Tudo que foi atingido está assim. Destruído, com esse sol roxo, esquisito e também com sapos demônio. Não encontramos outros sobreviventes e muito menos corpos.

Edésia estava curiosa, surpresa.

— Esse homem da espada flamejante… Você acha que poderia ter a ver com ele?

— Acho difícil. Ele parecia estar num estado de grande fúria e descontrole, sim, mas não acredito que ele possuísse tamanho poder. Afinal, seu único poder era a espada, que destrói deuses e não cidades.

— Quê? Deuses? - perguntou Xupa, antes de Molly que também estava boquiaberto.

— Sim, deuses. Assim como eu.

— Senhora, você está bem?

— Como pode ver, sim. Por quê? Continuando… Ele também não parecia estar na sanidade mental de preparar algum plano para grandes explosões. Não acho que ele já pensava em ir me perseguir e me assassinar logo de manhã, apesar de eu ser uma deusa e ele ser um portador da espada.

— E por que a senhora acha isso? Você não conhecia ele, né? - perguntou Molly, de braços cruzados.

— Não, mas… Aristóteles me disse, no jornal. A quinta coisa que eu toco irá querer me assassinar…

— Eu acho que precisamos ir mais devagar, senhora - disse Xupa, um pouco assustado.

Eles dois sabiam que coisas esquisitas existiam nesse mundo, mas não sabiam sobre deuses perambulando pelo mundo deles. Ramon teria dito, se soubesse. De fato, Don Ramon nunca soube. Pela maior parte de sua longa vida os deuses estiveram no Alto das Constelações, muito além.

Edésia não tinha intenção de estender qualquer discussão sobre sua divindade. Fazia parte da existência de seres humanos mortais que não compreendessem a existência de seres humanos deuses.

— Senhora, precisamos te levar para um local seguro - Molly foi direto. Ainda tinha que ver os sapos e isso traria tanta dor de cabeça.

— Como pode ver, estou bem.

— Sim, mas tem sapos do dobro do seu peso nessa zona de destruição. De outro mundo, com certeza. Sapos que não adianta cortar a cabeça e só perdem a vida quando a força da fissão nuclear os leva ao pó. E... acho que não deve ser o lugar que você queira estar, não é? Esse céu roxo horroroso… - disse Molly.

— Eu acho que quero estar aqui. Esses sapos que você diz parecem ser bem interessantes. E, afinal, também quero entender o desfecho disso tudo. - Edésia deu de ombros. - Sério, eu me cuido. Vocês vão entender.

Xupa encarou Molly e ambos cederam.

— Aliás, meu nome é Edésia. E o de vocês? - sorria. Era uma pergunta estranha para conhecidos heróis históricos de guerra que estariam em qualquer livro didático e que também tinham estado na manchete dos jornais há poucos meses.

Então, se apresentaram.

Edésia partia para o horizonte roxo lenta e despretensiosamente, tentando encontrar o que fosse na imensidão de poeira e destruição. Os rapazes acompanharam.

— Você tem o poder da fissão nuclear? - Molly perguntou, não escondendo seu lado engraçadinho e simpático. Estava curioso para seja lá o que fosse. A sobrevivente divina e os sapos imortais era o que tinha para entender o que for que se passava e ela pelo menos não queria matá-lo.

— Não… Sou uma deusa da matemática e da natureza. E você, possui esse tal poder? -Também estava curiosa.

— Sim… experimentos e coisas do tipo - respondeu Molly.

Era uma conversa simples e honesta. Xupa sentiu-se um pouco de fora e perguntou:

— De onde você é, Edésia?

Pararam e se encararam.

— Sou do… Alto das Constelações. É uma dimensão acima daqui, acima dos dragões e dos quadrados. - Falar isso fez com que lembrasse de Aristóteles e qualquer momento que pensasse nesse desgraçado tinha vontade de socá-lo.

— Há algo além dos dragões e quadrados?

— Uhum.

Os rapazes estavam meio que em choque. Ela deveria ser mesmo uma deusa.

— Sobre os sapos… Eu acho que posso resolver isso pra vocês. Vou mandá-los para outra dimensão ou coisa assim. Não gosto tanto da ideia de desintegrar criaturas, mesmo violentas e sanguinárias… Não sei de onde são e não tenho equipamento necessário para descobrir, mas pelo menos pouparei os outros simpáticos humanos de sangrarem.

Edésia sem hesitar retirou um pedaço de uma rocha para riscar a terra arenosa amargurada pelo sopro de um dragão reacionário.

— O-outra dimensão? Como assim? T-todos eles? - perguntou Xupa, genuinamente surpreso com a naturalidade das falas e das ações com a mulher, que não pareciam condizer de jeito algum.

— Sim. - Tinha terminado a primeira parte da equação e prosseguia a desenvolver. Algum bom tempo que não praticava a matevitália (nome feio e menos brega para a “matemática da vida”, ou a forma de manipular a vida com a matemática, algo assim, sou apenas um ser humano mortal então não entendo). Não praticava desde antes de…

— Não pode obter um para nós? Isolado? - perguntou Xupa. - Poderíamos analisá-los. - Não tinham um cientista na equipe, mas buscariam.

Fez sim com a cabeça. Molly calmamente não sabia dizer se ela era louca. Uma louca poderia ter inventado que existe uma dimensão que envolvesse quadrados e dragões? Difícil. Algo dentro de si dizia que ela estava certa mesmo. Xupa era um pouco mais expressivo com sua ansiedade momentânea demonstrada em sua postura.

Edésia concluiu a terceira linha e levantou.


— Vocês não falaram de vírus hemorrágicos de pósitrons e pôneis microscópicos, mas deixei um de cada pra vocês analisarem também.

Da palma da mão de Edésia surgiram três esferas douradas. Giravam intensamente e desaceleraram enquanto a deusa erguia a mão até que se encontrasse novamente com as pequenas esferas. Pousaram e lentamente seguiram até a frente dos olhos dos rapazes. Completamente paradas, eram como bolas de gude douradas com algum desenho no centro. Ao reconhecerem o sapo entre as três figuras, perceberam que ela era a deusa acima deles.

 


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