Facção. Dos. Perdedores escrita por jonny gat


Capítulo 106
O Segundo Guardião da Terra




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O prédio de comando principal das Forças Integradas de Inteligência e Defesa Continental da organização internacional F&EN (Fantasy & Estados do Norte) estava mais lotado do que nunca. Sua criação, após a Guerra do Fim do Mundo, fora justificada para facilitação da integração entre as tropas dos países acima da fronteira entre Fantasy e Economist em caso de uma Segunda Guerra do Fim do Mundo contra o EC&ES (Economist & Estados do Sul). O primeiro dia de trabalho árduo era hoje e decorrente da batalha entre dragões revolucionários e reacionários. Os reacionários perderam, a destruição dos quadrados agora era amplamente proibida e algumas pessoas foram teleportadas em toda a confusão dos movimentos dos dragões. Outras pessoas morreram. E outras só assistiram. O restante do planeta apenas assistiu na televisão. 



Ninguém sabia do que se tratava e esse era o motivo de tamanho desespero. Terrorismo? Ciberterrorismo? Black friday? Ataque nuclear de Economist? O resultado levava a essas possibilidades. O chão tornou-se arrasado, portador de seres misteriosos. O ar daquela região tornou-se mortífero e intragável. Os prédios estavam completamente destruídos e seus estilhaços gigantescos estavam espalhados e dispostos como para incapacitar a movimentação de qualquer um. Molly e Xupa socaram seu caminho para dentro e essa história fica para daqui a pouco. Molly já tinha dado os socos necessários e agora estava de terno e de volta ao trabalho público, mais ou menos.

 

Tinha algo charmoso com isso tudo. Vestir um uniforme repleto de medalhas, andar por prédios chiques construídos com dinheiro público, observar militares de patentes inferiores fazendo guarda de portas sem necessidade, tomar várias xícaras de café por dia e fazer amizades corriqueiras e bastante sinceras - ás vezes. Por mais mundano que isso tudo fosse, Molly encontrava alguma mágica que lhe tirava sorrisos. Durava pouco.  As traições, casos de corrupção, tragédias e vidas perdidas acabam por desgastar o querido caolho. 

 

Molly desertou de seu cargo como general antes de ir morar no deserto e viver suas aventuras do Frota. O renascimento levou-o a um esquadrão policial especial que fora criado e requisitado por motivos políticos daqueles que visavam lucrar com conspirações malucas e  políticas (e não conspirações interdimensionais) que apontavam para o recém-reencontrado herói de guerra Xupa Cabrinha. Sua prioridade tornou-se outra quando reencontrou Xupa e decidiu abdicar desse trabalho insensato. Ninguém se importou muito com o fato de não terem capturado Xupa Cabrinha porque as coisas mudam muito rápido nesse mundo moderno, a crise política tinha sido resolvida com as malas beges de um novo presidente muito generoso para com os membros do congresso e do senado. Assistindo o noticiário após as aventuras na zona estranha acertada pelos dragões reacionários que Molly soube do acontecimento da reunião que aconteceria no dia seguinte. Bebia sozinho em sua casa a segunda lata de 500 mL de uma cerveja amarga e barata para tentar dar paz àquele corpo cansado e aquela mente confusa e cheia de . Teve uma noite de sono gostosa, acordou sem ressaca e vestiu novamente a farda azul-marinho depois da cafeína matinal que lhe trouxe inspiração para retornar aos campos burocráticos das armas.

 

Os primeiros segundos no elevador super chique retiraram todo o bom humor das boas recordações que o uniforme trouxe de manhã. Estava em um daqueles elevadores de filme de ficção científica com suas paredes de vidro deluxe, com base e teto de aço pesado. Passava bem pela lateral do edifício, assim como os outros que tinham a intenção de subir os cento e cinquenta andares para a Divisão Superior. Fora em certas épocas um usuário comum deste edifício, mas perdeu algumas dessas reformas mais chiques e agora se surpreendia.

 

O edifício possui formato retangular em sua base, é claro. Ocupa o espaço de comprimento e largura equivalente a pelo menos cinquenta quadras. Seu formato muda repentinamente a partir do 155º andar, tornando-se cada vez mais achatado enquanto os cinco andares inferiores possuem apenas a função do trânsito das camadas inferiores para a camada superior. Nos últimos 10, uma esfera toma forma. De forma artística, o retângulo fecha-se como triângulo até encontrar-se como uma agulha atravessada em um tomate. 

 

O caolho era acompanhado por mais dez pessoas em um interior largo o suficiente para que não precisasse se preocupar a interagir socialmente com alguém. Os bons dias já haviam se esgotado na recepção e deixaram de ser fabricados assim que Molly percebeu que estava tão alto que tudo abaixo era uma maquete. Esperava ter tido a oportunidade de observar de cima o tamanho de toda a destruição, mas a velocidade tremenda do elevador depois de atingir o vigésimo andar o impediu. A vista tornou-se apenas um borrão e em alguns dez segundos a porta se abria. Agora tudo parecia uma maquete com um pequeno ponto de coloração roxa provavelmente causado pela perturbação de alguma criança sem paciência para usar pilotos. 

 

A frustração bateu de vez ao sair do elevador. Passou como um robô pelos chiques corredores de mármore do 150º, ignorando as pinturas dos magnatas donos daqueles país. Chegou a uma sala cheio de sessentões e setentões que eram representantes do capital e alguns outros ali se diziam representantes do povo. Molly sentiu de novo na pele aquele nojo e frustração, a ponto de suas pernas quase que enfraquecem sentado numa mesa larga e longa com mais de cinquenta pessoas ao seu redor.

 

Haviam discussões acontecendo, mas decerto ninguém ali realmente sabia a origem do ocorrido. Molly descobrira, mas nada poderia dizer para eles. Pouco confiavam na capacidade e na eficiência desses olhos tão cegos e ignorantes. Além do mais, o que poderiam fazer? Montariam um mecha gigante para tentar auxiliar Molly na tentativa de fazer alguma coisa. A verdade era que Molly questionava realmente se havia algo a ser feito, mas se fosse feito teria que ser por si mesmo. O mundo precisava manter-se e sobreviver. Molly observou quieto para a leitura de gráficos de energia, apresentação de relatórios e investigações. Pouco se falou das criaturas espetaculares que ali surgira. As coisas ainda estavam em andamento e de forma muito devagar. Algumas pessoas começavam a falar de alienígenas e Molly sentiu um calafrio vindo de Jimmy Colson, o vice-chefe das forças armadas de Fantasy. Não duvidava que essa reação fora a mesma em par com o silêncio impregnado na sala após alguns segundos da leitura de uma certa análise biológica. O esquisito é que nenhum radar ou drone conseguiu capturar algum UFO estacionado ou qualquer coisa assim. “Tudo muito esquisito”, diziam os entreolhares.

 

A reunião acabou três horas depois e Jimmy Colson decidiu trocar umas palavras com Molly no corredor. Jimmy fora professor de Molly na academia militar há alguns bons anos. A idade trouxe-lhe rugas e um bom humor. Fazia piadas de tudo geralmente, mas não houve piadas nessa conversa. Jimmy começou com um sorriso ao cumprimentar o prezado aluno. 

 

— É verdade, não é? Xupa não matou Sparrow. - Introduziu-se com um velho tópico. Na escalada da crise política de Fantasy as manchetes com Xupa Cabrinha estavam falecidas e esquecidas na consciência popular. As polícias e a política também esqueceu, porque depois de algumas semanas repararam para pensar que ninguém sabia de onde saiu essa ideia de verdade.

 

— É… Nunca soube de onde tiraram isso - Molly respondeu com uma sinceridade para libertar-se dos sentimentos agonizantes da reunião. Precisava relaxar. Foram caminhando para a máquina de infusão de bebidas 3000XXX77783C próxima a uma janela chique. 

 

Jimmy colocou as mãos nos bolsos e olhou para os dois lados, deixando-se relaxar e apoiando as costas na parede. - Rapaz… Eu também não.

 

Molly escolheu na interface digital e por toque da máquina de infusão o chá de folha de maracujá e logo na primeira dose quente no copo chique de cerâmica pôde sentir-se mais livre.

 

— Sobre o incidente… Você realmente acha que pode ter sido…– Sei tanto quanto você, Jimmy - mentiu.

 

— Mas acho que é algo que vai além do que podemos compreender, de fato. - Isso foi verdade.

 

Bateram um pouco de papo. Molly apreciava o chá libertador e a companhia enquanto esperava a maioria dos participantes retirarem-se até os elevadores. Queria ir sozinho e estar mais relaxado também antes de olhar para aquele cenário novamente.

 

— Molly… Você acha que poderia nos ajudar em alguma de nossas missões? Tenho certeza que conseguiríamos ir muito mais a fundo e obter muito mais informações com você - Jimmy quase suplicava.

 

Molly tomava um dos últimos goles do chá e engoliu lentamente para pensar em como dispensaria a participação nessas missões. Não queria ser desrespeitoso nem displicente com a tragédia bizarra e as vítimas desaparecidas, ou com o medo das pessoas comuns e que até afetavam os lagartos como Jimmy.  

 

Depois virou sua face para encarar Jimmy e mentir que sim, estava disposto para participar nas missões, sentiu que provavelmente era a última vez que estaria com ele. Que seria a última vez que pisaria naquele edifício, que observaria a tragédia ou que andaria por Fantasy. Molly foi aos elevadores só pois Jimmy tinha muito a tratar. 

 

No elevador, o retrato continuava o mesmo. Pelo menos dessa vez os nervos de Molly puderam reagir com tranquilidade a toda a situação e até à sensação de perda que cada vez mais se aproximava de seu peito. Sentia que já era uma realidade. Caminhou da região dos edifícios públicos e militares até as primeiras ruas de um centro comercial de mais de dez quarteirões. O povo por ali andava e andava. Muitas pessoas e bastante sacolas. Pessoas de todas as idades. Passou por todo e virou à esquerda, para passear por outros bairros. Molly passeou e passeou. Pensava nas pessoas queridas que conhecera nesse planeta maravilhoso, belo e cheio de vida. No fundo, esperava ter encontrado seu querido amigo Frota em sua caminhada longa de mais de doze horas.

 

Quando era noite e assistia a cidade ir dormir em uma praça com jovens que se divertiram jogando futebol, Molly voou para além das estrelas e para muito mais além. De volta às costas de Shangri La, observou de forma plena a geometria das possibilidades dos quadrados e como cada um se movia. Brevemente, a Anciã o encontrou e ela reparou que Molly estava diferente.

 

— Esperava pela sua chegada.

 

— Anciã, o quanto nós perdemos em nossas batalhas?

 

— Ela sabia o que ele perguntava, além das palavras. - Molly… Batalhamos para que sejamos nós que percamos a vida. E não nossos queridos…

 

Molly compreendeu.

 

Caminharam até passarem pelo templo construído por Ramon e chegaram próximos à cabeça de Shangri La. O olhar do dragão e do careca tornaram-se o mesmo ao se encontraram. Molly há muito havia recusado essa responsabilidade. Estava pronto para empunhá-la, desta vez, como Guardião da Terra. 


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