– Abra os olhos.

***

Cordélia havia sonhado com Misty. De novo.

Ela andava pela mansão balançando o seu xale, dando voltas em torno de si mesma, dançando sem musica alguma. Ela não precisava ouvir, pois podia sentir. Cordélia não precisava ver. O xale negro estampado com flores sombrias e vivas ao mesmo tempo, a expressão de uma criança inocente, os movimentos despreocupados. Tudo nela era paz. Misty Day, a bruxa, a mulher que trazia os mortos de volta a vida. Quando viu Cordélia parada no pé da escada, Misty se aproximou, sempre dançando e sorrindo, ela era divina. Puxou Cordélia para se juntar a dança e sem resistir ela foi. Cordélia podia ver. Elas dançaram por todo o salão principal, rodando e dando gargalhadas do tipo que enchiam toda mansão com seu som, elas pareciam sozinhas, nenhuma das duas se importava. Aos poucos Cordélia começava a escutar a musica, baixa e lenta e então alta e rápida, a escuridão começou a tomar o seu corpo novamente e ela lutou para se manter firme, viu a expressão de Misty ficar confusa e então não viu mais nada. Cordélia precisava ver. Cordélia abriu os olhos e os cabelos vermelhos de sua tia Mirtle estavam acima dela, radiantes e reais.

***

– Ela esta nas estufas, querida. Eu sei é o seu lugar preferido também. Ah muito em comum, você sabe, entre vocês.

Mirtle falava com aquele sotaque sofisticado, mas a voz arrastada estava sempre carregada de certa magoa prepotente. A expressão confusa de Cordélia que se olhava no espelho admirando seus novos olhos desiguais, porem uteis, fez Mirtle soltar um risinho abafado, era quase um gemido, um som estranho, mas Cordélia já se acostumara com as esquisitices daquela que a criou como se fosse sua mãe.

– Você sussurrava o nome dela enquanto dormia Cordélia. Enquanto eu dava vida ao seus olhos, você não gemeu de dor nenhum segundo se quer, somente o nome dela. Vezes e vezes.

– Você sabe o porque?

– Oh Délia, minha filha querida. Nem mesmo as bruxas mais poderosas podem entender os motivos do coração e eu sempre fui muito crente de que sonhamos apenas com aquilo que esta profundamente escondido em nossos corações.

Cordélia a olhou ainda mais confusa do que antes, mas temeu de que se aquela conversa continuasse as possibilidades eram de que ela ficasse ainda mais.

***

As estufas estavam frias e silenciosas, era assim que Cordélia gostava, a fazia se sentir desligada do mundo.

Misty estava realmente ali, analisava as sementes e poções de Cordélia tentando entender do que se tratavam todas aquelas coisa, mas ainda estava perdida. Quando a viu, sorriu. Seu sorriso era carinhoso e caloroso, era como mágica.

Cordélia sorriu timidamente para ela, era tão bom poder vê-la, não havia sentindo tanta falta da visão antes de Misty Day chegar a sua casa.

– Você pode...?

– Sim!

– Isso é...

– Eu sei...

Cordélia a cortou, sabia que a garota a havia admirado quando estava deformada e sem a visão, não queria ouvir que estava decepcionada ou algo do tipo, ela podia ver e era o suficiente. Perguntou o que ela estava fazendo e tentou ensinar a ela o máximo que pode sobre poções e as ervas que conhecia.

Misty havia ligado o som e era contagiante como ela não conseguia ficar parada quando ouvia a voz de Stevie Nicks. Cordélia que nunca havia se interessado pelo Fleetwood Mac se via cantarolando as canções com ela. Misty sorria e a abraçava a todo momento.

– Lindo.

– O que?

Misty largou os potes que estavam em suas mãos e se aproximou, assim como toda vez que fazia, Cordélia sentiu sua respiração falhar. Ela tinha um olhar tão profundo que pareciam ler a alma de Cordélia o que a deixava tão sem graça como poderia ficar. Ela envolveu seu rosto com as mãos e por um segundo ou dois Cordélia achou que ela fosse a beijar. Olhou seus olhos tão de perto que podia sentir sua respiração quente, era confortável.

– Seus olhos... Nunca vi nada tão lindo em toda a minha vida.

Seus corpos estavam juntos, Cordélia resistiu ao impulso de traçar seus braços pela cintura de Misty. Suas testas se tocaram, seus lábios a centímetros e nenhuma das duas teria sido forte o suficiente para impedir aquele beijo de acontecer, mas o destino conspirava contra elas. Um barulho de porta as fez se afastarem constrangidas, Cordélia se virou incapaz de encarar a outra nos olhos, mas Misty não entendia, não sabia como aquilo era errado.

***

Quando Hank se foi Cordélia estava em choque, havia sido tão forte, se sentia orgulhosa de si mesma e Misty estava ali parada ao seu lado a encarando com aqueles enormes olhos questionadores. Ela não podia lidar com aquilo no momento.

– Esse... é o seu marido?

– Ex marido. Estou cansada Misty, Mirtle aconselhou-me a não me cansar muito hoje.

Misty balançou a cabeça, compreensiva.

– Quer que eu te leve pro seu quarto?

– Não ah mais necessidade de ser carregada a todo canto.

Cordélia tentou usar o tom de voz autoritária, mas no segundo seguinte se arrependeu, talvez soasse grossa e essa não era a intenção.

– Me desculpe, é que tudo isso tem sido de mais pra mim.

Misty se aproximou e a abraçou. Forte e carinhosamente.

– Vá, descanse, escute um pouco de musica, tome.

Ela foi até a bancada e trouxe o rádio com o qual escutava Stevie todos os dias.

– Mas, Misty...

– Leve, me devolva quando não estiver mais cansada.

Mais uma vez naquele dia Cordélia teve vontade de beijá-la, mas se conteve. Se perguntou se aquilo era real e o que deveria fazer, queria tê-la, mas estavam em guerra e essa não era uma época boa para romances, ainda mais um que pudesse causar algum tipo de polêmica, não, não podia lidar com aquilo naquele momento, precisava ser forte pelo bem do Clã.

– Não, fique com seu rádio.

Se virou e foi embora.