A sala de jantar estava pouco iluminada, mas Cordélia não se importava, nem ao menos podia enxergar. Sabia da confusão em que sua casa estava, sabia que suas meninas estavam em perigo e que quase matara a mais forte aliada que tinha, mas naquele momento não estava pensando nisso. Mais tarde, é claro, se perguntaria como pode se esquecer de algo tão importante, como pode se esquecer que precisava, acima de tudo, proteger as bruxas que ali moravam.

Suas mãos estavam cruzadas sobre a mesa, seu olhar vagava na imensa escuridão que a sua vida havia se tornado, tudo era escuridão para ela. Uma imagem muito viva não saia de sua cabeça. Misty Day. A imagem da visão que teve de Misty sorrindo e indo ao seu encontro, das flores que as rodeavam, tudo aquilo só podia ser uma visão ilusória. Não conseguia encontrar uma outra explicação e talvez por isso que estava sentada ali tão tarde da noite, porque odiava não ter respostas. Como, em um tempo tão sombrio, ela conseguia ver flores na sua cabeça? Quem era a pessoa que Misty beijava? Como aquela mulher podia ser tão simples e ao mesmo tempo tão poderosa? Essas eram perguntas que Cordélia não conseguia responder.

***

A sala já estava silenciosa há quase meia hora, as três mulheres ali sentadas eram tão diferentes, mas tinham tanto em comum que nem ao menos notavam.

Cordélia tentava de qualquer jeito pensar em uma maneira de acabar com aquilo tudo, Fiona e Mirtle brigavam o tempo todo, Queenie estava desaparecida, Madison andava pela casa igual a um zumbi masoquista e ela, cega, era quase inútil. Sua expressão variava de reflexão a decepção e ela não sabia que mesmo com o rosto quase todo desfigurado alguém a achava linda.

Misty observava cada movimento de Cordélia, sentada com as pernas em cima da poltrona ela olhava calada para a mulher que tanto admirava. Sua expressão era de quase adoração. Ela nem parecia notar a garota sentada no sofá observando toda aquela cena, mas sabia que Cordélia não podia vê-la. Talvez pudesse curá-la, pensou, mas nunca havia feito algo assim antes, no geral ela só trazia os mortos de volta a vida.

Madison já estava calada a mais tempo do que achou que aguentaria, porém, a curiosidade não a deixava interromper o momento. Misty era do tipo que estava pouco se fodendo para os outros e ela gostava disso. Sorriu internamente a se lembrar que Cordélia não podia ver Misty a encarando feito uma psicopata.

– Você não vai chegar a nenhuma conclusão? Já esta olhando pra ela a mais de meia hora. Parece às vezes em que eu era obrigada a visitar galerias de arte e as pessoas passavam horas olhando aquelas obras horríveis.

Cordélia se mexeu incomodada, reconheceu a voz de Madison, mas não sabia quem era a outra pessoa de quem ela estava falando.

– Me desculpe, mas é lindo.

Misty falou com aquela sua voz sonhadora e Cordélia tentou não corar. Ela franziu o cenho, passando a mão em volta dos próprios olhos duvidando que fosse verdade. Escutou Madison dar um riso de desdém, mas não viu a cara feia que Misty deu a ela.

– Enfim, isso é uma chatice. Estou cercada de gente velha e chata. Vamos, eu te pago uma bebida.

Misty a olhou, confusa, não respondeu, mas também não se levantou. Madison deu de ombros e saiu.

Cordélia abaixou a mão sentindo uma presença muito perto de si. Sentiu os dedos de Misty tocarem sua face, primeira sua testa e então descerem circulando toda a extensão de seu ferimento. Misty contornou o rosto de Cordélia com as mãos, verificando se era possível, se conseguiria salvar sua visão, mas não entendia como aquilo funcionava e provavelmente não entendia como aquele ato afetaria a outra.

– Pare!

Cordélia segurou as mãos de Misty e as afastou, sentia-se completamente desconfortável, mas assim que ouviu os passos de Misty Day saírem da sala onde estavam ela soltou a respiração que havia prendido e nem ao menos havia notado.