Entre Segredos e Bonecas escrita por Lize Parili


Capítulo 106
Não solte a minha mão.


Notas iniciais do capítulo

Enquanto Sol se dirigia para o cinema, Cast e Maitê se dirigiam para a pizzaria.
Eles podiam imaginar qualquer coisa, menos que a noite deles começaria daquela forma.

ps. O cabelo da Maitê é amarante, um violáceo puxado para o vermelho, bem diferente da cor do cabelo da imagem, pois não consegui o tom na edição da imagem. Ainda estou aprendendo a fazer isso...rs



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# 31/03 #

Maitê escolheu seu look rápido. Ela demorou mais escovando os cabelos e decidindo se usava alguma de suas lentes de contato coloridas ou não, do que se vestindo. Em meia hora ela estava pronta, como dito ao jovem ruivo. Suas lentes ficaram na caixinha, tendo ela preferido o brilho natural dos olhos ao brilho das lentes.

Enquanto descia a escada, sem correr como de costume quando estava com pressa, pois sua anabela branca com solado de cortiça a distanciou 8 cm do chão e ela não queria arriscar uma torção de tornozelo, embora tivesse total equilíbrio sobre qualquer tipo de salto, lembrou da última vez em que esteve naquela pizzaria, que por sinal era frequentada por muitos dos seus clientes e colegas de trabalho.

Suas lembranças daquela noite gelada de inverno não eram boas, nem mesmo a alegria dos Rocabillys que compartilharam a noite com ela e sua companhia amenizou o clima tenso do casal, cujos planos de viverem sob o mesmo teto foi adiado devido uma jovem adolescente passar a ocupar mais que um pedaço do coração da tia. Naquela noite um tempo foi dado a ela, que precisaria reestruturar sua vida, que mudou drasticamente desde que a irmã caçula viajou para outro país deixando para trás sua filha de 14 anos.

Por diversas vezes o barulho do chuveiro abafou seu choro e a água quente levou para o ralo mais que o suor de seu corpo. Por diversas noites, sozinha e silenciosa ela lembrou, avaliou, questionou-se, cobrou-se uma atitude mais firme, soluçou e chorou até adormecer, algumas vezes por culpa de quem ocupava seus pensamentos, outras por sua própria culpa, mas todas por não ter coragem de fazer a coisa certa para si mesma.

Dentro do carro, antes de dar partida no veículo ela abriu o porta luvas, pegou seu pendrive e ao ver o enfeite pendurado nele, suspirou, fitou-o por um instante, desamarrou do pendrive, fitou-o novamente em sua mão, apertou-o com certo pesar, não de quem estava triste por se desfazer de algo importante, mas de quem havia demorado tempo demais para fazê-lo, e pela janela do carro o jogou no cesto de lixo ao lado de uma das colunas, errando o alvo. Ela pensou em deixá-lo ali mesmo, no chão, ao lado do cesto devido a pressa, mas sua consciência ecológica não permitiu. Ela saiu do carro, foi até o cesto e pegou o penduricalho.

— Isso não me pertence mais! — murmurou com ele na mão, pensando em quem a presenteou e não no penduricalho. — Eu mereço mais! — jogando-o fora. Apesar de um pequeno nó se formar em sua garganta ela se manteve firme, pois estava decidida a se divertir e substituir aquela última lembrança do túnel Rockabilly por uma nova, regada a risos, dança e diversão. Ela não deixaria o ruivo ser abraçado pela melancolia de ter sido passado para trás por sua sobrinha e em contrapartida, se divertiria a noite inteira ao lado dele.

Ela entrou no carro, guardou de volta o pendrive, desistindo de ouvir suas músicas, pois estava decidida a deixar o passado para trás, respirou fundo, deu a partida e saiu em busca do seu jovem amigo, parando do outro lado da rua, na outra mão, buzinando para chamá-lo.

Enquanto esperava ele atravessar a rua e entrar no carro ela baixou o quebra sol expondo o pequeno espelho retangular, que por muitas vezes a fez perder a atenção no trânsito enquanto retocava a maquiagem antes de um evento importante, deu mais uma conferida na maquiagem e no cabelo, arrumando a faixa vermelha larga, cujo laço se perdia nas ondas do seu cabelo, e sorriu expressivamente como se tivesse ouvido o espelho lhe dizer: "Você está linda, Maitê."

Castiel entrou no carro sem fazer alarde. Ele parecia meio envergonhado, mas na verdade estava um pouco tenso, pois assim que ouviu a buzina do carro tocar, chamando-o, sentiu a pressão daquele momento, pois aquela não era Emília, uma garotinha impressionável que mal sabia o que queria da vida. Aquela era Maitê, uma mulher vivida, madura, onde uma simples noite de diversão tinha um peso muito maior que para eles, adolescentes, pois suas responsabilidades, seu dia-a-dia, sua vida em si não lhe permitia gozar de noites como aquela sempre que queria, fazendo com que um momento, por menor que fosse, único seria, pois sabe-se lá quando poderia ser repetido.

Mas Castiel não era só tensão, ele também era curiosidade. Maitê não era mais uma garotinha, embora tivesse a altura e o sorrido de uma, e suas formas curvilíneas ficariam bem ressaltadas num traje de pin-up. Curiosidade que o fez corar, pois apesar dele não ter conseguido ver mais do que as ondulações de seu cabelo solto que caia sobre o decote da blusa vermelha de poá branco, aquela visão foi suficiente para mexer com seu imaginário. Ele quis olhar mais para ela, mas inibiu-se, com vergonha dela notar seus olhares e o achar um jovem pervertido.

— Gostei do seu laço. — comentou ele tentando disfarçar e até dispersar seu pensamento. — Ele se perde nas suas curvas... Do-o cabelo! — confundiu-se no elogio, virando o rosto totalmente rubro para a janela, fugindo do olhar dela, cujo sorriso expressivo que ele tanto adorava brotou em seus lábios acompanhado de um riso que o fez rir também, de tão gostoso que foi ouvi-lo, ainda mais depois de ter visto o reflexo daquele sorriso no vidro da janela.

— Ah, Cast. Meu laço, meu cabelo...ah, ah, ah... e até minhas curvas agradecem o elogio. — falou dando uma olhada rápida para ele, voltando os olhos rapidamente para o trânsito daquela avenida. Como olhar para Maitê o faria denunciar sua face corada, ele não tirou os olhos da janela.

Percebendo que o jovem amigo estava envergonhado pelo comentário às suas curvas, Maitê mudou o foco daquela conversa, que nem mesmo era uma conversa e lhe perguntou sobre seu tio e Cast contou que este estava passando uns dias com ele, omitindo os motivos que o fizeram ter aquela companhia em casa. Eles falaram do Dragon e até da paixão do ruivo pelo Rock in Roll, até que chegaram ao seu destino, mas como o lugar já estava cheio tiveram que estacionar na rua de baixo.

Eles desceram do carro, Maitê na calçada e Cast na rua. Ele fechou a porta e foi para a calçada, parando diante de Maitê que de costas para ele trancava a porta e acionava o alarme e a trava eletrônica. A luminosidade de um dos pouquíssimos postes de luz daquela rua, acima deles, lhe permitiu ver cada detalhe do traje daquela mulher, antes perdido aos seus olhos dentro daquele carro, até os mínimos, como os pequenos swarovski aquamarine que desenhavam a logomarca da Lemaitre num dos bolsos do shorts de brim branco, cuja cintura alta e corte ajustado ao corpo valorizavam suas formas sem chamar demais a atenção para seus quadris ou bumbum, visto que Maitê não gostava nadinha de vestimentas que lhe fizessem parecer vulgar. Ela era uma mulher de gosto clássico, com um leve toque de romantismo e sensualidade.

Roupas de corte clássico e romântico não faziam a cabeça do ruivo, que curtia um estilo mais Rock in Roll, mas as peças escolhidas e usadas por Maitê lhe caíam tão bem e combinavam tanto com sua personalidade serena e sua postura, ora tão mulher, ora tão menina, que ele achava lindo, nela.

Era a primeira vez que ele a via de shorts. Mesmo suas corsários mais justas, tipo de bermuda que ela gostava muito, não marcavam demais seu corpo. Ou talvez ele é quem nunca tinha prestado atenção naquelas pernas torneadas na medida certa, sem ressaltar demais a musculatura, deixando-a uniforme, como as pernas de uma dançarina, que embora pequenas pela sua baixa estatura, 1.63m, estavam alongadas pelos 8cm de salto da anabela branca, e que naquele dia ele pôde ver bem por estarem descobertas. Na verdade ele já havia prestado atenção, sim, mas não com aquele olhar que lhe fazia corar as bochechas. As dezenas de bolinhas brancas da blusa vermelha de babadinho e decote princesa que ela usava, justa ao corpo, escondiam-se atrás das onduladas e longas madeixas daquela pequena mulher, como se estivessem envergonhadas pelo olhar curioso daquele rapaz que naquela noite teria que fazer um esforço enorme para controlar seu hormônio juvenil, pois estava longe demais do seu chuveiro gelado.

— Vamos!? — disse ela, virando-se, fitando-o com seus olhos que brilhavam como um raro par de crisoberilo[1], guardando a chave dentro da sua pequena bolsa Dupont preta com alça de correntinha dourada, fazendo-o voltar seus olhos para frente, fugindo novamente dos dela.

Cast nunca se ruborizou tanto quanto naquela meia hora e isso o estava desconcertando. Ele não estava acostumado a ser ele o encabulado quando com uma garota, muito menos ficar sem saber o que fazer.

— Vamos. — respondeu ele, dando os primeiros passos rumo à pizzaria.

— Eeiiii. Onde você pensa que vai? — perguntou Maitê, com ar de séria.

— À pizzaria. — respondeu ele, parando a poucos passos dela, que não arredou o pé do lado do carro. — Não é para lá que vamos? — perguntou, confuso.

— Sim, é... Mas hoje, somos um par. — respondeu, estendendo a mão para frente, como se estivesse aceitando um contive para valsar. — E pares andam juntos! — sorrindo de forma convidativa, querendo que ele segurasse sua mão.

Cast, que ouviu "par" como "casal", sorriu e segurou sua mão, lembrando de imediato de tê-lo feito noutro dia, enquanto uma vampira trajada de branco colhia seu sangue. Ele desistiu de tentar esconder seu rubor, visto que a noite seria longa e ele não ia passar aquelas horas se escondendo dos olhares dela. Mas embora ele conseguisse disfarçar seu nervosismo, sua mão gelada e suada não negava que aquela mulher o desconsertava.

Maitê já havia percebido que Cast estava nervoso em estar com ela naquela noite, mas se fazia de boba, para evitar que ele ficasse mais nervoso, afinal de contas ele era só um garoto, lindo e especial, mas ainda assim um garoto, perfeito para sua sobrinha se ela não fosse tão imatura e ele tão turrão.

Ela deu uns passos na direção dele, que ofereceu-lhe o braço, pois suas mãos o estavam denunciando.

Cast teve que diminuir a velocidade dos seus passos, pois Maitê, embora fosse rápida no andar, seus passos eram mais curtos que os dele.

— Fiu-fiu... — um assoviou interrompeu a conversa daqueles dois.

— Ei pin-up. Deixa o James Dean no lyceé e vem ficar com um bad boy de verdade! — gracejou um carinha de cavanhaque metido a gostosão, de dentro de um carro preto com outros 2 universitários, a caminho de uma boate que ficava a algumas quadras da pizzaria. — Ele nem vai saber o que fazer contigo, mas eu vou!

Maitê perdeu o sorriso, sem graça. Noutro momento, mesmo nervosa ou assustada, ela teria assumido uma postura bem séria, como sempre fazia, enquanto levaria a mão a sua bolsa e seguraria sua pequena arma de choque ou seu spray de pimenta, mas além da sua pequena bolsa ter apenas seus cartões, documentos e maquiagem, estar com Cast a fez se envergonhar daquela cantada inconveniente.

Será que seu shorts estava muito curto? Ou seu decote ousado demais? Foi este o pensamento que ocupou a mente dela enquanto apertava o braço do ruivo, que fechou a cara. Ele se segurou para não rebater aquela gracinha, pois queria passar segurança a Maitê. Ele soltou seu braço e trocou de lugar com ela na calçada, fazendo-a ficar ao lado do muro, enquanto ele ficou na direção da rua. Ao invés do braço ele lhe a mão, que ela segurou forte. Além deles, estavam naquele pedaço da rua outro casal a caminho da pizzaria, bem mais a frente deles e duas garotas bem atrás, a caminho da boate, que ao verem o que estava acontecendo diminuíram o passo, com medo.

— Ahhhhh! Que sem graça você, ô Johh Travolta na puberdade. Não seja egoísta e me deixa ver essa pin-up! — gracejou novamente, com os amigos a rir dentro do carro, acompanhando-os em baixa velocidade, motivados pelo álcool e uma carreirinha.

Maitê apertou a mão do Cast e acelerou o passo. Seus olhos que antes fitavam o rosto do ruivo enquanto conversavam ao caminhar, passou a fitar o chão. Ele, que antes andou mais devagar para que ela o acompanha-se, voltou ao seu ritmo natural de andar, para poder acompanhá-la. Estava nítido para ele que ela estava assustada e isso o deixou irritado. Ele cerrou os dentes para se controlar; ele não aguentaria mais um gracinha daquele cara com ela.

— Ih, cara. Acho melhor você desistir. Essa pin-up prefere os garotinhos. — comentou aquele que estava no banco de trás, com um dos braços para fora do carro, na janela.

— Ela deve ser a professora dele! — satirizou o motorista que mantinha o pé bem calmo no acelerador, não passando dos 20 km/h. Eles gargalhavam dentro do carro.

— Então é isso, pin-up. Você curte ensinar? Por você eu volto pro lyceé. Me leva pra sua sala e me bate com a sua régua. Deixa eu me aprofundar nas suas curvas, delícia! — gracejou, rindo como convém a um idiota bêbado e drogado.

Maitê apertou mais forte a mão do Cast e com a outra mão segurou seu braço, puxando-o mais para perto. Bastou, foi o suficiente.

— QUAL É SUA, PALHAÇO? — bradou Cast, virando-se para eles, furioso. — DESCE DESSE CARRO E VEM BANCAR O ENGRAÇADINHO COMIGO!

— Castiel. Não... — disse Maitê, puxando-o, com medo dele se meter numa briga com aquele cara, que ela não tinha ideia de quem era e nem do que era capaz. — Deixe isso pra lá, por favor. — pediu. — Ele não está sozinho.

— É bom você escutar sua professorinha, garoto. Ela sabe o que é melhor pra você. Ô se sabe! — debochou cheio, de malícia. Eles já estavam com o carro parado, prontos para descer, loucos para machucar o ruivo e tirar uma casquinha da pin-up.

— EU NÃO VOU DEIXAR ESTE FILS DE CHIENNE FICAR TE OFENDENDO DESTE JEITO. — disse ele a Maitê, aos brados, sem tirar os olhos dos arruaceiros alcoolizados, cuja diversão se resumia a beber, se drogar, se meter em brigas e assediar garotas bonitas. "Boa noite Cinderela" era a cantada que mais utilizavam nas baladas.

— VOCÊ ME CHAMOU DE QUÊ, MOLEQUE? — bradou o gracejador, descendo do carro com os amigos. Castiel sabia que não ia dar conta dos 3 juntos, mas não se acovardou. Ele pediu que Maitê saísse dali e que corresse para longe deles sem olhar para trás. Mas ela se recusou.

— Eu não vou sair daqui sem você. Deixa esse cara para lá e vamos embora, por favor. — pediu, quase num sussurro, pois não queria ser ouvida por ninguém mais que ele, assustada, temerosa por sua segurança. Seus olhos já acumulavam lágrimas.

— AGORA SIM EU VOU TE QUEBRAR! — ameaçou o líder daquele trio, colocando os pés na calçada, seguido de seus amigos, um deles segurando uma garrafa de vodka meio vazia pelo gargalo. Sua intenção era acertar o Castiel com ela.

— Por favor, Maitê. Saía daqui! — mandou, empurrando-a. Ele sabia que não conseguiria protegê-la dos 3 ao mesmo tempo. — Corre! — Ele podia até ser moído na pancada, mas não ia deixar nenhum deles passar por ele e chegar perto dela.

— Preparado para morrer, Travoltinha?

Castiel se viu cercado, cada um numa ponta, para evitar que ele fugisse.

— Tá esperando o quê, palhaço. Cai pra cima logo! — chamou-o para briga. Apesar de estar com muito medo, não demonstrou.

Ver aqueles caras cercando Castiel fez Maitê se apavorar e se sentir culpada. Ao invés de correr, ela abriu a bolsa e pegou seu celular. Ela tremia tanto que mal conseguia discar o número da emergência policial, mas nem foi preciso, antes dela teclar o 3º digito o som da sirene soou ao longe, vindo acelerada direto para eles. Ao ouvir, o trio de arruaceiros correu para o carro e fugiu, sendo perseguidos pela viatura. As duas garotas que caminhavam distante deles avisaram a polícia ainda quando estavam apenas sendo alvos de gracejos.

Cast sentiu que nasceu de novo. Ele teria sentado no chão e colocado a cabeça entre as pernas para respirar direito, mas sua preocupação com Maitê não o deixou baquear. Ele foi até ela e perguntou se estava bem, pois ao tocá-la percebeu que tremia. Ela olhou para ele com seus olhos cor de mel vertendo lágrimas e respondeu à sua maneira:

— V-Você nunca mais faça isso! Eles podiam ter te matado! — ralhou enchendo-lhe de tapas ardidos, tanto para suas delicadas mãos quanto para o peito e os braços do ruivo, que os recebeu sem reclamar.

— Você podia ter morrido! — era a única frase que vinha a boca dela, pronunciada cada vez mais abafada em meio ao choro e aos tapas que o ruivo recebia, até que o pranto minou suas forças e os tapas cessaram. Então ele a abraçou.

Sentindo os próprios olhos arderem, Cast a apertou contra o peito, querendo acolhe-la e confortá-la ao mesmo tempo em que escondia as lágrimas que tentavam escapar dos seus olhos. Ele não queria que ela ficasse mais nervosa ao vê-lo sufocando seu próprio choro pelo estresse e o medo que sentiu. Ele teria dito uma dúzia de palavrões ao vento e até gritaria para espantar o estresse, deixando-se tomar por uma crise de riso choroso quando fosse tomado pelo alívio, mas ele não podia fazê-lo na frente dela, não naquele dia, não por aquele motivo. Ele precisava ser forte, por ela, cuja própria força, que ele admirava, havia sumido. Aquela Maitê que jazia envolta em seus braços mais parecia uma menina assustada, frágil como uma boneca de porcelana e que ele faria qualquer coisa para evitar que se quebrasse.

As duas garotas se aproximaram e perguntaram se eles estavam bem. Castiel não estava esperando por aquilo. Para evitar que Maitê visse seus olhos antes dele se recompor, manteve-se abraçado a ela, que apenas se virou para dar atenção as garotas, respirando fundo para conseguir parar de chorar.

— Infelizmente esta rua não é muito segura. — comentou uma delas. — Por sorte eu desconfiei que eles eram marginais e liguei para a polícia. — contou.

— Obrigado! — agradeceu Cast, sem delongas.

— Graças a Deus vocês estavam por perto. — disse Maitê, vendo-as como anjos salvadores. — Eu não sei o que teria acontecido se aquela viatura não tivesse aparecido. — comentou segurando forte o braço do ruivo que a envolvia, fazendo-o sentir, mesmo através da manga da jaqueta de couro, suas unhas.

— O que importa é que eles foram embora e que tudo isso já acabou. — disse ele envolvendo-a mais entre seus braços, sentindo de perto o perfume daqueles cabelos ondulados, pois a anabela deixou Maitê a meio palmo da altura dele. — Esqueçamos isso.

— Mesmo assim, não há nada que eu diga ou faça que possa mostrar o quanto estou agradecida. — referiu Maitê, agradecendo-as novamente. — Muito obrigada mesmo!

— Não precisam nos agradecer. Podíamos ter sido nós duas ao invés de vocês, e eu ia querer que alguém fizesse o mesmo por nós. — disse uma delas.

— E é como disse seu namorado, isso não importa mais, já acabou. Agora, o melhor é irmos embora. Ficar aqui, parados, depois de tudo isso, não é seguro. — falou, lembrando-os que aquela rua não era segura, pois por ser estreita e ter de cada lado apenas 2 galpões enormes, era vazia e com pouca luminosidade, ideal para vagabundos.

Tanto Castiel quanto Maitê coraram de imediato. Eles estavam tão preocupados um com o outro que nem prestaram atenção a forma que estavam abraçados e que levou as garotas a deduzir, erroneamente, que eles eram um casal. Mas nenhum dos 2 desfez aquela impressão, guardando silêncio, tampouco se separaram. Na verdade eles não sabiam como agir.

— E apesar dele ser um carinha corajoso e estar disposto a te defender, não acredito que tenha poderes especiais. — comentou a outra, sorrindo. Ambos deram um sorrisinho minguado, ainda sem graça, mantendo o silêncio.

As garotas perceberam que os dois se encabularam com o comentário delas, e querendo evitar um desconforto maior para aquele "casal" que já havia passado por uma situação de grande estresse, reiteraram que eles deviam sair daquela rua logo, despediram-se e foram embora, deixando-os sozinhos.

— Nossa, mana. Você viu como eles ficaram sem graça? — disse a caçula à irmã mais velha. — Eu acho que eles não queriam que ninguém soubesse do namoro deles. — achando graça naquilo.

— Eles devem ter seus motivos. — comentou a outra, que não gostava de especular sobre a vida alheia.

— É, aposto que sim. O gatinho deve ter uns 18 aninhos, no máximo, e ela já deve ter uns 25 ou 27 anos. É uma papa anjo! — comentou, cheia de malicia.

— Deixa de ser maldosa, sua lâche[1]! — repreendeu-a. — Para de falar asneira, ainda mais você que está namorando o mesmo cara há quase 6 anos, tendo 22 anos e ele 35! Quem é papa anjo? — comparou-a.

— Aiii. Essa doeu! — debochou, rindo de si mesma. — Eu não abro mais minha boca, até porque, eu acho que eles fazem um casal lindo. — comentou, cruzando seu braço ao da irmã para andar colada a ela.

— Só você mesmo! — riu da irmã, que mais parecia uma criança super crescida. — E para de apertar meu braço. Sabe que eu odeio andar agarrada!

— Desculpa. Me empolguei. Eu fiquei com inveja daquela pin-up nos braços do ruivinho. — justificou, rindo.

— Deixa o seu papador de anjo saber disso! — falou a mais velha, tirando sarro da caçula, que riu, mas não soltou o braço.

Assim que as garotas se distanciaram uns 3 metros deles, Cast soltou Maitê que se virou e olhou para ele, emudecendo-se, sem saber o que lhe dizer, sem nem mesmo saber se precisava dizer alguma coisa a ele, que igualmente mudo, segurou sua mão e começou a andar. Seus passos estavam rápidos demais para ela, que precisou acelerar para acompanha-lo. Ele não a soltaria antes de chegarem à pizzaria; ela não o soltaria antes de chegar à pizzaria; ambos ainda estavam com medo daquele trio de arruaceiros voltar; ela por ele, ele por ela, ambos a toa, pois a poucos quarteirões dali, logo depois da boate, os 3 foram presos; no carro capsulas de Rohypnol, GHB e Ketamina[2]para suprir a perversidade deles até o dia amanhecer; na delegacia uma ficha corrida. Terá que passar alguns anos até que eles coloquem os pés nas ruas de novo.

Há meia quadra da pizzaria já podia se ver o quanto aquela noite seria interessante. Mesmo do lado de fora a viagem no tempo já havia começado. Além das pessoas caracterizadas, havia carros e motos daquela época estacionados na frente do estabelecimento, cujas vagas, naquela noite, eram reservadas para os donos daqueles veículos.

Chegando na pizzaria Maitê pediu para sentar um pouco num dos bancos de madeira, igual aos das praças públicas, que ficava na frente, perto do estacionamento. Ela disse que estava com a panturrilha doendo por ter se forçado a andar mais rápido do que suas pernas suportavam, o que não era verdade, pois os anos de academia lhe rederam um ótimo condicionamento físico; 4 meses sem treinar não era suficiente para mudar isso. Na verdade, Maitê precisava processar tudo o que havia acontecido antes que aquele estresse a baqueasse.

Castiel percebeu seus olhos lagrimejarem novamente, apesar dela tentar disfarçar. Ele sabia que não era a panturrilha.

— Eii, Maitê. Já acabou! Não fica assim. — embora não soubesse o porquê, ele se chateava ao vê-la triste. — Eles provavelmente devem ter sido presos. — disse, sem acreditar muito naquilo, querendo apenas tranquilizá-la.

— Desculpa, Cast. Foi minha culpa. — disse, amuada, deixando-o bravo com ela.

— Como assim, sua culpa? Você enlouqueceu? — ralhou, sem querer uma resposta ao seu questionamento. — Eles são vagabundos, marginais. Você não tem culpa deles terem feito aquilo!

— Ah. Eu tenho sim. — afirmou, sem conseguir conter suas lágrimas. Ela ainda estava muito nervosa. — Eu devo estar vestida como uma pin-up daqueles pôsteres de borracharia de estrada.

— Não. Você não está! E mesmo que estivesse, ninguém teria o direito de te assediar ou ofender. — tocou-lhe a face para que lhe olhasse — Ademais, você está linda! — e sorriu para ela. — Esquece o que aquele con[3] falou. É só um chier[4] que provavelmente vai precisar dopar alguma garota pra ter uma companhia no final da noite.

— Jura que você não está sendo apenas gentil? Eu odeio a sensação de me sentir vulgar.

— Então não se sinta, porque você não está vulgar. — reiterou, limpando a lágrima que corria sua face. — Olha as outras garotas. — pediu, olhando ele mesmo para as outras pin-ups que ali estavam. — Você é uma das mais comportadas. Seu decote está na medida certa e seu shorts é quase uma bermudinha. Você está linda! Tão linda que eu fico até sem graça de olhar pra você. — contou, desta vez sem ruborizar. Depois do perrengue com aqueles 3 marginais ele era capaz de encarar qualquer coisa naquela noite, inclusive um encontro, que não era encontro, com a Maitê.

— Por quê?

— Porque eu tenho medo que você me ache um pervertido. — revelou.

— E por que eu acharia isso?

— Porque não tem como olhar para você hoje sem te admirar. — falou com um sorriso. — Eu estou acostumado a te ver sem produção, mais com cara de tia da... — titubeou. Ele não queria lembrar da Sol, mas não tinha como, Maitê era tia dela. — Tia daquela chatinha, mas hoje eu não consigo te ver assim. Eu olho para você e vejo uma mulher linda que saiu de casa com o objetivo de se divertir, de esquecer, pelo menos por uma noite, os problemas que tem e que está tirando sua paz de espírito e apagando o sorriso mais lindo que eu já vi numa garota. — falou, sem lhe desviar o olhar. — E que por caridade escolheu fazer isso comigo, um garoto do lyceé, que se tivesse mais juízo do que ousadia, não teria se arriscado num convite pretensioso e que há esta hora estaria em casa, arrumando motivos para discutir com o tio, para extravasar a raiva.

— Eu não estou aqui com você por caridade. Eu quis...

— Eii. Eu posso ser um garoto do lyceé, como disse aquele babaca, mas não sou tolo, Maitê. Eu sei que só você aceitou meu convite para compensar o que sua sobrinha me fez. Mas olha só, eu não ligo. Melhor acompanhado de uma... amiga de verdade, do que só!

— Quer saber de uma coisa, Cast. É verdade. Eu aceitei vir aqui porque eu não queria que você perdesse a sua noite pelo que aconteceu. — contou. — Mas enquanto eu me arrumava busquei lembrar da última vez que sai para me divertir com amigos. Faz tanto tempo! Desde que a Sol veio viver comigo que eu só tenho me dedicado a ela, não que eu esteja reclamando, eu amo aquela desmiolada e não me arrependo de tê-la trazido para cá, mas há momentos em que eu sinto falta da minha liberdade, e eu me culpo por isso.

— Não se culpe. Você é uma mulher jovem, solteira, sem filhos, independente. É natural que às vezes você sinta falta da sua antiga vida. Principalmente em momentos como este, onde as coisas se complicam um pouco e tudo seria mais fácil se você ainda estivesse morando sozinha, sem ninguém dependendo de você.

— Nossa, querido. Às vezes eu acho que você tem mais maturidade que muitos homens da minha idade. — comentou, voltando a sorrir. — É tão bom conversar com você.

— Não confie muito nisso. Eu posso ser bem "aborrescente" quando quero. — brincou. — E até inconsequente, ao ponto de peitar 3 encrenqueiros no meio da rua. — debochando de si mesmo.

— Ai, nem me lembre disso. Eu quero esquecer essa última hora. — se pudesse ela apagaria aquele momento da sua memória.

— Sabe, Cast. Eu até aceitei vir aqui com você, por você, mas, correndo o risco de que me ache um pouquinho egoísta, eu confesso que saí de casa por mim, pois eu mereço um momento de diversão. Eu queria e quero extravasar, esquecer os meus problemas, por uma noite que seja.

— Então estamos quites, porque eu também fui egoísta ao te convidar. Eu não queria ir para casa e passar a noite com o meu tio, e... — titubeou, pensando se diria aquilo ou não, dando a cara a tapa, tendo em mente que ele poderia estar morto naquele minuto se não fosse por aquelas duas garotas. — Por favor, não me interprete mal. — justificou-se antes de falar o que queria, querendo evitar um desconforto por parte dela. — Apesar de nunca ter pensado em sair com você, naquela hora quando o pensamento de te convidar veio a minha mente, junto com ele veio um desejo enorme que você aceitasse, e eu senti como se aquele fosse o meu maior desejo. — revelou, colocando a mão sobre a dela, que jazia sobre o colo. — Eu estou feliz que tenha dito sim.

Ouvir aquilo do Castiel e sentir a mão dele sobre a sua fez Maitê ruborizar. Ela não costumava corar diante de um elogiou ou olhar disfarçado dele, tampouco com seus toques, pois sempre o viu como um garoto do lyceé, amigo de sua sobrinha e que ela faria gosto de ter como "pseudo genro" – depois que a garota já tivesse completado 15 anos, claro, visto que achava 14 uma idade inadequada para namoro –, mas depois do que houve naquela estreita rua, o olhar dela, antes tão seguro, pareceu querer fugir ao dele, e suas palavras soaram diferente aos ouvidos dela; até o toque dele sobre sua pele passou a ser percebido de forma diferente, como se sua mão ganhasse outra textura e a pele dela uma maior sensibilidade. E tudo porque ela percebeu a forma que o Castiel reagiu àquela dedução das garotas e lhe foi automático lembrar das outras reações que ele teve enquanto perto dela.

Mas o que, naquele instante, tingia a face de Maitê de vermelho não era somente as reações que ela causava no ruivo, mas saber que ela sempre percebeu tais reações e gostou de todas elas. Seu rubor era por vergonha da sua própria vaidade. Seu rubor era pelo receio de ter despertado naquele rapaz algo que não era viável a eles. Seu rubor era por saber, desde aquele dia, diante daquela enfermeira sangue-suga, que aquilo podia acontecer e mesmo assim, permitir, por vaidade. Seu rubor, era por saber de tudo isso, admitir a si mesma sua culpa, e mesmo assim, continuar permitindo.

— E eu não podia ter escolhido melhor companhia para isso. — revelou olhando-o com seus olhos brilhantes como um par do raro crisoberilo[5] dourado, fazendo o ruivo sorrir. Foi a primeira vez que ele se pegou admirando aqueles olhos cor de mel, preferindo aquele brilho natural ao das lentes coloridas.

Ao perceber o olhar dele para sua face, ela moveu as pálpebras e sorriu. Seria apenas vaidade?

— Então vamos nos divertir! A noite está só começando e lá dentro não terá nenhum babaca para te perturbar. — animou-se, — Ah, mas tem uma coisa, nós vamos nos divertir à minha maneira. — levantando do banco.

— E como é isso? — perguntou com um sorriso.

— Você vai ver. — disse ele, puxando-a pela mão para dentro da pizzaria.

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Notas finais do capítulo

[1] Lâche: Gíria: Besta, no sentido de idiota, Covarde. O significado usual, fora da gíria, tem relação a lanches (alimento).

[2] Rohypnol, GHB e Ketamina são drogas usadas para preparar o coquetel "boa noite Cinderela". Dependendo da dose pode matar a vítima. Numa balada, nunca aceite bebida de estranhos, mesmo dos mais gatinhos, nunca deixe sua bebida sobre a mesa, prefira bebidas em lata e garrafa à copos, pois você nunca sabe, e mesmo com o copo na mão, não vacile, é comum alguém te distrair, seja pedindo uma informação ou dando uma cantada, enquanto o outro batiza sua bebida. Os meninos são roubados e as meninas, na maioria das vezes, estupradas.

[3] Con: babaca

[4] Chier: Merda

[5] Crisoberilo: do grego "chrysos" e "beryllos", que significam respectivamente "berilo dourado" e "cristal gema". O mineral ou gema crisoberilo, apesar do nome, não é um berilo. Ela é a terceira pedra preciosa mais dura ficando entre o corindon e o topázio na escala de dureza. O tipo mais raro de Crisoberilo é o Olho de Gato, encontrado apenas em alguns poucos lugares do mundo, e seus tons variam do cor de mel ao verde menta, sendo o cor de mel a gema mais bela de todas, por seu brilho dourado e por ser a mais parecida com o olho de um felino. Desde os tempos mais antigos, o Crisoberilo é visto como um cristal que protege seu portador. O Olho de Gato é uma pedra de proteção efetiva e um talismã. Devido aos seus tons dourados, o Olho de Gato também é associado à riqueza.



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