A voz de Marvin e dos outros ficaram retumbantes dentro da cabeça de Hermione. As pessoas ao redor da mesa se movimentavam num slow motion bizarro pela confusão da visão que ela nunca esperava ali: Ronald Weasley. Ele a encarou bem dentro dos olhos e isso foi ainda mais surrealista. Era mesmo o rapaz dos mangás — o qual quase beijara — que estava bem ali.

Eles duelaram com os olhos, sem saber se cumprimentavam-se ou não. A garota então lembrou que ao seu lado estava Córmaco e preferiu desviar o rosto brevemente para seu copo de cerveja, tragando-o com desespero. O noivo e as amigas observaram-na espantados, porque Hermione não era de beber ferozmente. Mal era de beber, na verdade.

— Tudo bem, amor? — Córmaco perguntou preocupado.

Rony arregalou os olhos na direção da morena, e esquivou a atenção para seu próprio copo, rodando-o nas mãos.

— Hã... Sim! — Hermione exclamou bruscamente. — Por que não estaria?

— Nada. — o loiro examinou seu rosto atentamente. — É que você matou o copo numa virada só.

— Porque tá ótimo. — respondeu numa vozinha esganiçada.

Do outro lado da mesa, Marvin mirou-a cheia de desconfianças.

O amigo de Rony chegou com duas moças loiras, quebrando o clima desconcertante para o alívio da jovem. Era um rapaz baixo, de óculos, e propenso a risadas fáceis. Sentou-se com uma das loiras em um canto do banco. Neville puxou uma cadeira para a outra loira, que se acomodou calmamente ao lado do rapaz.

Rony continuou duro como uma estátua, certamente tentando achar qualquer distração na borda do seu copo.

— E aí, Marvin, como vai a vida? — o tal Harry questionou a amiga.

— Mais corrida do que gostaria, mas mais interessante do que imaginaria. E você?

Antes dele responder, Layse, agarrada ao ombro de Mark, seu namorado, perguntou.

— Calma lá. Primeiro as apresentações! De onde se conhecem?

— Harry Potter é um amigo dos tempos do secundário. Um nerdizinho irritante da matemática. — Marvin discorreu. — Nosso contato depois do colégio ficou somente na internet, mas cá está ele hoje. Sem sua ajuda nas matérias de conta, acho que estaria até agora batendo nos garotos metidos daquela escola.

— E eu quase não a reconheci com essa tintura toda na cabeça.

— Isso é um estilo de vida. — ela rebateu. — E seus amigos, fale sobre eles?

— Rony é meu amigo-irmão desde a infância. Ele trabalha numa banca de revistas e só pensa em mangás...

— Que coincidência, a Hermione também! — intrometeu-se Córmaco simpaticamente.

Hermione quis ter uma britadeira nas mãos para cavar um túnel até o inferno naquele instante. Pela cor púrpura que se passou no rosto de Rony, ele também.

— Beleza?! — disse o ruivo num fraco acena de mão.

— Estou trazendo ele um pouco pro lado bom da vida, porque passou por maus bocados e ficou um tempo recluso.

— Acho que eles não precisam do meu currículo pessoal não, Harry. — respondeu Rony entre os dentes, e depois deu um sorriso tão nervoso e demente, que o medo passou pelas faces das pessoas ao redor.

— Então cola na gente porque somos só alegria! — brindou Marvin, ostensivamente bêbada.

— As garotas são novas amigas. Estávamos nos conhecendo melhor. Theresa e Luna. — Harry prosseguiu.

Inadvertidamente, Hermione lançou um olhar mais severo do que gostaria na direção do rapaz de touca, que pareceu fitar o amigo com o ódio de um espartano.

— Do lado de cá, tenho minhas duas amigonas da faculdade: Layse e Hermione. — ao anunciá-las, Marvin sufocou as duas pelos pescoços num abraço desajeitado e a morena sentiu seu bafo ébrio. — Mark é namorado de Layse. Neville, meu primo. Córmaco é o noivo da Hermione. Milionário, lindo e apaixonado por essa magrela aqui. — cutucou ela nas costelas.

— Marvin, sempre gentil. — Córmaco comentou timidamente.

— Marvin, maneira na bebida! — disse Hermione.

Para sua sorte de não dar tanto na cara a irritação, Layse concordou.

— É verdade. Quase quebrou meu pescoço.

— Então um brinde ao reencontro e a possibilidade de conhecer novas pessoas! — ergueu o copo no centro da mesa o tal Harry Potter.

— Um brinde! — gritaram os demais animados. Marvin num escândalo vexatório.

Hermione e Rony se juntaram ao coro com relutância. No tintilar confuso de copos miraram-se mais profundamente.

***

A jovem estava sentindo a garganta doer de vontade de passar aquele terrível dilema para uma das confidentes. Como Marvin ria e falava alto, demonstrando estar mais bêbada do que um gambá, Hermione deu um jeito de chamar Layse. Convidou-a para o banheiro com a desculpa de retocar a maquiagem (detalhes que a morena só passara uma sombra e um batom para a noite) e a amiga aceitou percebendo algo estranho no ar.

Entraram no banheiro abarrotado de mulheres e foram para um canto vazio perto do espelho. Então veio o desabafo:

— Você não acredita quem tá naquela mesa.

— Deve ser algo muito desesperador pra você me chamar pra retocar a maquiagem.

— Achei que iam se lembrar dele, mas ainda bem que não, porque do jeito que a Marvin tá, ia acabar falando demais.

— Diz logo!

— O carinha da banca que eu quase beijei.

Layse levou as mãos aos lábios. Diferente da outra amiga, aquela era exagerada e fatalista.

— E agora? Meu bom Deus... É o tal Rony?

— Humrum. — Hermione encostou-se à parede sentindo um pouco de alívio de ter compartilhado seu segredo pérfido.

— Ele é diferente de Córmaco, o oposto, mas bem bonitinho.

— Não é isso que eu quero que você diga. — a moça reclamou secamente.

— Desculpa, mas essa vida complicada é algo tão exclusivo seu, Mione, que nem sei como lidar. Primeiro amor passional e regado a desagradáveis cenas de ciúmes, segundo amor perfeito, mas como uma sogra megera... E agora esse rapaz...

— Por favor! Ele não é nada, já disse. Foi um impulso.

— Então sugiro que você dê um jeito de conversar com esse “nada” em particular, e garantir que ele não dê com a língua nos dentes. Córmaco está na mesma mesa!

— Ok... — Hermione engoliu em seco.

Olhando-se no espelho, viu o quanto estava transparecendo pavor.