Ela desmontou em toda a glória sobre sua cama de solteiro. Com os braços e os olhos abertos fitou o teto, extasiada.

Conseguira! Ensaiou por meses e conseguira!

No outro ano, quando Harry fora embora do país sem ter a mínima consideração de despedir-se dela, Gina ficou revoltada. Pela falta de carinho, atenção... amor. Rony fez questão de apunhalá-la mais uma vez dizendo que se Harry fosse contratado depois do estágio, se surgisse uma oferta tentadora o bastante, ficaria por lá mesmo. Não voltaria.

E ela finalmente tombou da torre mais alta do seu castelo de conto de fadas. Odiava ser romântica, mas padeceu numa desilusão silenciosa, porque não queria dar esse gosto aos familiares. Abominava a ideia de pensar no irmão contando a Harry o quanto sua irmãzinha sofrera pelo rapaz durante sua ausência.

Derramou lágrimas em muitas noites em claro, imaginando Harry abraçado a garotas peitudas e absurdamente loiras como Britney Spears nas baladas mais quentes existentes na América. E seguiu essa trilha de baixo astral por muitos dias.

Depois deixou a melancolia e a autopiedade na reserva e espalhou os pedaços de sua vida relacionada com aquele rapaz para analisar minuciosamente no que errara e o que poderia ser feito para sentir-se como algo além de um monte de saco com batatas podres.

Os erros estavam por todos os lados. Endeusar Harry Potter originara todos eles. Não queria estar apaixonada. Detestava ser extrovertida. Odiava ser verdadeira. Entretanto fora assim que seu espírito quis seguir canalizando tantas dessas qualidades no seu amor platônico. Harry nunca mereceu nada daquilo, agora ela tinha consciência disso. Precisou ficar meses longe dele pra sua ficha cair.

Era o filho único de uma família que trabalhava para o governo, egocêntrico e ambicioso. Pensava e sonhava com mulheres delicadas, tímidas e cultas. A timidez era pra que nunca ofuscassem a atenção nele e na sua paixão por conduzir um assunto numa roda de conversa.

Gina sabia não ter nenhuma das qualidades ostentadas por Harry. Nunca fora delicada, embora pequena e esbelta. Jamais comportara-se timidamente em qualquer ambiente novo que fosse inserida. E sua educação julgava simples, sem cursos na França ou anseios por conhecer obras de arte.

Era tão somente uma menina suburbana fissurada em aulas de dança e com um desejo recente de cursar medicina. Nada mais do que seu rosto sardento a oferecer ao amigo do irmão.

Há três meses, conversando descontraidamente no curso de idiomas com uma boa amiga, confidenciou-lhe sua paixão que perdurava desde a infância. Saiu narrando os fatos a outra moça sobre sua relação com Potter ao longo dos anos e até que, por narrar aquela gigantesca história em voz alta, caiu em si o quanto vulgar vinha sendo se oferecendo incontrolavelmente para ele. A amiga concordou, ajudou que abrisse os olhos e lançou uma proposta nova e totalmente tentadora a ruiva.

“Porque você não começa a ignorar ele?”

Ao qual Gina ponderou e respondeu:

“Eu nunca conseguiria deixar de gostar do Harry. Eu amo aquele babaca.”

A tal amiga sorriu maliciosamente.

“Eu disse pra deixar de gostar dele? É para ele pensar que você não gosta mais dele. Esses babacas ambiciosos detestam ter tudo de mão beijada. Entende?”

Naquele mesmo dia Gina ensaiou seu exercício diário de rejeição quando o momento de rever Harry chegasse. De início ela não conseguiu se controlar agarrando-o tão desesperadamente quanto um cão se agarra a um pedaço de osso, ao vislumbrar seu rosto atraente surgindo de repente. Deu-lhe um selinho também para provar a si mesma que uma sequência de autoflagelação com cem chibatas no meio das costas seria totalmente justificada assim que estivesse sozinha. Porém, no balanço geral, conseguiu ser contida durante todo o jantar e apoteoticamente fria no último diálogo travado com o rapaz.

A ruiva sorriu. Dormiria com aquele rosto dele petrificado de choque ao ver sendo rejeitado por ela pela primeira vez.