A última primavera escrita por Valerie


Capítulo 7
Briga Patética




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Lá estava ele, meu presente em cima da cama, todo encolhidinho, dormindo quieto. Um filhote de cachorro, não consegui definir a raça, parecia uma mistura.

– Eu o adotei, ele estava no canil, tão sozinho, todos os seus irmãos já tinham sido adotados, aí eu vi aqueles olhinhos de pidão que não resisti.

As palavras de Lívia não faziam sentido, eu só foquei minha atenção naquele pequeno ser.

– Agora temos dois cachorros na casa!

Enquanto todos riam da piada do Lukas eu deitei ao lado do meu novo amigo e acariciei suas orelhas.

– Qual nome vamos dar a ele? Opinem!

– Rex. - Disse Lukas.

– Pongo. – Disse Lívia.

– Zac. – Disse Flávia.

Sandra, João e Lorran não mexeram nem um músculo, eles ainda tinham duvidas.

Até o Dr. João ter uma boa idéia:

“Quando ele acordar falamos alguns nomes e ao qual ele reagir, será o escolhido”.

Pisquei para ele e em seguida repeti exatamente o que ele tinha pensado.

Levantei da cama e pedi aos meus convidados que voltássemos para sala.

Olhei mais uma vez os balões, e fui atingida por lembranças. Que não eram minhas.

Eu via um circo com muitas cores, e um casal sorrindo enquanto um garotinho andava no carrossel, logo depois tudo ficou escuro e eu me apoiei na parede. Eu sentia como se eu fosse o garotinho, sentindo suas emoções e dando suas gargalhadas.

Fui para a cozinha tomar uma água antes que alguém visse meu rosto pálido.

– Mas eu nunca fui a um circo... Sandra sempre soube que eu tenho medo de...

– Falando sozinha de novo, Clara?

Lorran apareceu do nada me fazendo deixar o copo cair, estabanada como sempre tentei catar os cacos, mas me cortei. Desisti e perguntei a ele o que estava fazendo ali.

– Fale baixo! – agora ele sussurrava - Eu estou querendo te contar uma coisa há algum tempo, e sei que talvez essa pode não ser a melhor hora, não consigo mais esconder.

Ele parecia bem nervoso, seria mesmo algo serio.

– Fala logo o que é! Quero ir conversar com o Dr. João sobre o garoto...

Eu estava ansiosa para saber mais sobre ele, e qualquer coisa que ele tivesse pra me contar não seria tão importante.

– Eu não queria que você ficasse chateada, porque eu não te contei antes...

O nervosismo e a ansiedade estavam me consumindo até ele enfim falar:

– Eu estou ficando com a Lívia e não sei como pedi-la em namoro.

Minha cara desmoronou, aquela notícia foi como um balde de água fria sobre uma pessoa que tivesse acabado de fazer uma chapinha.

– Porque vocês não me contaram antes? Há quanto tempo? É verdade? Será que eu não tinha o direito de saber disso antes!

Tomei-o de perguntas e nenhuma resposta chegou até mim, somente uma expressão assustada.

– Não vai me responder? Ótimo! Mais uma pergunta pra você incluir na sua lista de “omissões”. Não precisa dizer mais nada.

– Clara! Eu não vou sair daqui enquanto você não me disser o porquê de estar tão nervosa, não esperava essa reação vinda de você.

– Por que me fez pensar...? Não pode ser! – cruzei os braços e abaixei a cabeça – Me faz um favor?

– Não vou fazer favor droga nenhuma, para de se comportar como criança.

Tarde de mais eu podia jurar que ele era a única pessoa que me compreendia completamente, meus sentimentos, minhas ações. Mas eu não me conformava de ter sido iludida a ponto de pensar que existia alguém que gostasse de mim de verdade.

Por mais que eu desejasse levantar a cabeça, olhar na cara dele e cuspir todas as coisas que pensava em dizer, não iria ser certo da minha parte, até porque eu não tinha motivos para fazer isso. Ele nunca tinha dito que gostava de mim. Tentei ser fria e calculista a ponto de dizer:

– Já acabou? Não esta vendo que eu não estou em condições de te responder nada agora? Ou você acha que eu vou te abraçar e dar parabéns por ser a pessoa que eu acreditei nunca esconder nada de mim? Realmente você acabou com minha esperança.

Não consegui terminar de falar tudo o que queria o choro já tinha tomado conta de mim, a tremedeira que me obrigou a dar as costas ele. Cheguei a pensar que ele tinha tomado consciência e tinha saído da cozinha, para me deixar sozinha, mas ele continuava de pé ali, testando minha paciência que tinha chegado ao limite. Senti sua mão em meu ombro, amargamente me dei conta de que não suportaria se ele tocasse em mim; Tirei-a e supliquei:

– Por favor, sai daqui.

Ele desistiu de ser gentil e se transformou num machista arrogante. Ele me virou a força para que eu o olhasse.

– Acabei com qual esperança?

Seu tom era pouco mais alto que um sussurro e ao mesmo tempo conseguia ser frio, sem sentimento. Com aquela pergunta ri de ironia e me estressei, puxei com brutalidade suas mãos de meus ombros, fiz questão de olhar bem dentro de seus olhos cor de mel e dizer com toda frieza que reuni:

– De pensar que um dia poderia gostar de alguém.

Seu rosto era de surpresa, mas não era pior que o meu, que ainda não tinha reconhecido as palavras que usei segundos atrás. Admito um dia pensei que pudesse gostar do Lorran, mas achava estranho o fato de não conseguir me imaginar beijando-o. Isso é possível? Para mim aquilo não bastava. Precisava falar mais, além do que ele enxerga. Minha voz rouca e falhada me impediu.

Sentei em qualquer cadeira da cozinha e arranquei a tala, do mesmo modo que teria puxado com as unhas sua linda argolinha prateada do nariz. Teria quebrado o gesso também, porém esse me faria falta mais tarde.

Ele me olhava espantado. Percebi que não estava disposto a sair dali, então eu mesma me fiz esse favor.

– Não tente vir atrás de mim.

Ao bater a porta fiz um esforço máximo para ler seus pensamentos, mas aquilo não era opcional eu apenas ouvi sua comparação de Lívia e eu:

“Pelo menos ela não é anormal e esquisita como você”

Reprimi o choro mais uma vez e de jeito nenhum isso me ajudava seus pensamentos nunca me magoaram tanto, eu estava decepcionada.

Bati a porta deixando pra trás um aniversário e meus convidados, mas em sã consciência eu trocaria tudo por uma caminhada solitária até o parque.

Como se não bastasse a droga da dor de cabeça estava chegando.

Desci algumas ruas até chegar à pracinha que um dia brinquei curtindo minha infância “normal” e hoje era um abrigo para minhas lembranças.

O clima estava desfavorável, frio, muito frio.

Sentei no balanço e abaixei a cabeça aquela frase se repetia em mente, mas foram insultos que provocaram meus soluços: anormal, esquisita...

Quem eu queria enganar? Não me dei o trabalho de olha minha volta e desabei no choro, que parecia não acabar como uma cachoeira, me arrependi de muitas coisas entre elas:

1º Ter acreditado tão cegamente em Lorran.

2º Ter abandonado minha festa de aniversário por um idiota.

E ultimo, mas tão importante quanto os outros que cheguei a falar alto de mais:

– Por que eu não trouxe um miserável de um casaco?

Eu queria me entender, queria fazer aquilo ir embora, queria tantas coisas, mas estava tão preocupada em simples desejos que só quando parei de falar notei que a dor aumentava cada vez mais.

Minha cabeça parecia explodir se não fossem todas aquelas leis da física que impediam um acontecimento por conta de uma simples dor.

– Dane-se o mundo, eu só quero saber por que escolheram a mim!

Desabafei, comecei a me xingar, aproveitando da minha suposta solidão que pensava compartilhar só com o parque, mas felizmente eu estava errada.

Uma coisa que eu não estaria naquele momento era sozinha. Levantei o rosto lentamente e vi no banco um garoto, imóvel olhando pra mim.

Ele ria, acho que via graça na cara de uma garota assustada, descabelada e desesperada, que só agora tinha notado sua presença.

Abaixei novamente a cabeça e balancei-a.

– Não. Eu só posso estar vendo coisas.

Repeti a mim mesma me negando a acreditar no que via.

Ouvi um pequeno ruído e olhei pro lado, não era uma ilusão, ele estava realmente ao meu lado no balanço, olhando pra mim. Uma pontada de dor e eu podia jurar que eu já tinha o visto.

Por uns instantes pensei que fosse ser assaltada, não tinha nada de valor que alguém podia querer. Pisquei e pensei melhor, passei a mão pelo pescoço e escondi o cordão entre minha mão fechada num punho. Queria ter tido coragem para ler a mente dele, mas o medo era tanto que eu não tive como me concentrar em outra coisa sem ser firmar as pernas e lembrar das corridas de 100m das olimpíadas.

O silêncio e a quietude do lugar tinha me deixado ainda mais nervosa, quando ele se moveu e tirou o casaco preto e estendeu na minha direção.

– Não obrigada. – Eu poderia estar morrendo congelada, mas pegar casaco de desconhecidos não era minha praia – Eu agradeço, mas é que... Eu nem te conheço.

– Qual é o seu nome? – Perguntou ele, ainda segurando o casaco.

– Clara Sandy.

– Pronto agora eu te conheço, aceite. Seus lábios estão roxos.

Dei um sorriso, pensei duas vezes e acabei aceitando. Não é todo dia que um gatinho daquele rende pra você. Ao colocar senti um perfume e a estranha sensação de bem estar, era até mais, me sentia envolvida por aquele cheiro.

A temperatura lá dentro era perfeita e senti remorso ao vê-lo vestindo apenas uma blusinha de meia manga.

– Você chegou em que parte? – Perguntei.

– Eu sempre estive aqui. Por que está tão triste?

– Pra encurtar a história: nem eu me entendo as vezes.

– É? Eu me sinto assim também às vezes. Teve um dia difícil?

– Tive...

Soltei o ar preso em meus pulmões bufando.

Limitei-me a dar a resposta completa para que ele não percebesse que eu sou uma maluca egocêntrica ou coisa do tipo. Olhei sua expressão facial que ansiava pelo resto. Senti-me convidada a responder.

– Talvez você não vá entender, hoje é meu aniversário e sai com o meu amigo... Ele me enrolou o dia inteiro para me contar uma coisa e quando contou eu não estava no mínimo preparada pra ouvir.

Ele mudou a cara de “inocente-garoto-curioso” para um olhar triste que tinha acabado de sofrer uma decepção. Passou a mão no cabelo e tampou o rosto até que falou:

– Deixe-me adivinhar, ele te pediu em namoro e você esta confusa porque ele sempre foi seu amigo...

Seu não tivesse o interrompido com uma gargalhada descomunal ele teria continuado com aquela besteira toda.


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