A última primavera escrita por Valerie


Capítulo 16
Sozinha Novamente




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Sinceramente não sei por que ele me pediu algo tão difícil. Esquecê-lo. Descendo as escadas me perguntei o motivo dele querer que eu fique longe dele. Se for pelo que aconteceu hoje, sei que ele não tem controle de seus poderes, que pra falar a verdade, me assustam.

Peguei minha bolsa no chão e me despedi de Kaylon com um aceno, ele tinha razão, Paolo não iria mudar, nem por mim.

– Quer que eu te leve em casa? - Perguntou Kaylon preocupado.

– Não, obrigada. Está tudo bem...

Definitivamente não estava nada bem. A volta para casa foi triste e silenciosa. Todo o bairro ainda estaria no parque e as ruas desertas me ajudaram a pensar. “Adeus palavra tão difícil, tanto de falar quanto de ouvir. Para amenizar a dor de um adeus existe o até logo, que pelo menos dá a esperança de um reencontro.”

Minha cabeça dava voltas e mais voltas procurando uma desculpa que daria a mamãe por um rosto inchado de choro, a marca roxa no pescoço e a volta para casa tão cedo.

– Fomos assaltados e espancaram o Paolo, tentaram me enforcar aí eu comecei a chorar desesperadamente e corri pra casa!

Não ia funcionar ela ligaria pra casa dele e saber como ele estava... Passei pela pracinha onde nos conhecemos e me dei ao luxo de sentar no balanço e cair no choro. Talvez ele estivesse me vendo do telhado, e visse o quanto eu queria sua companhia.

Lá sentada, lembrei do seu cheiro, do seu sorriso, do modo o qual filosofava com frases estranhas. Do tipo: “Liberta-te de teus grilhões”,” A ansiedade é a matéria prima para o pânico”.

Mas agora tudo não se passava de uma lembrança, só o que me sobrava dele era o cordão. Cheguei em casa exausta, e assim que passei pela porta corri ao banheiro para tomar um banho.

– Filha o que aconteceu? Quando sair daí me conta, esta bem?

Não gosto de mentir, mas vou omitir a verdade sobre meu pescoço.

“Tem coisas que não precisam ser explicadas” ele havia dito, mas eu não vejo explicação para essa atitude esta tarde. Saí do banheiro já de pijama pronta para ver TV e tentar enrolar mamãe.

– Filha, por que está assim tão desanimada? Eu sei de alguém que precisa de chá com biscoitos...

Deitei no sofá com Sean e fiz uma careta, sempre adorei tomar chá com a vovó e seria ótimo relembrar.

– Vai querer qual sabor?

– Hoje vou querer de maçã. - Respondi.

Não parecia ser uma noite de primavera, era bem fria e o chá quente passando pela minha garganta tinha uma sensação gostosa. Fui para cama cedo, meu dia foi cheio e eu precisava descansar e quem sabe acordar desse pesadelo.

Antes de dormir peguei um papel e uma caneta. Escrevi uma carta caso Paolo viesse me visitar enquanto eu estivesse dormindo pela manhã, pedindo que ele me acordasse para conversarmos. Prendi no quadro de avisos com um alfinete, escrevi numa folha amarelo fluorescente bem chamativa que daria para ver metros de distancia.

O efeito do chá agiu rapidamente em meu organismo e caí num sono ferrado. Quando acordei, esfreguei os olhos e vi o bilhete ainda pregado lá. Olhei pela janela e estava escuro. Nesse momento fui atingida por outra lembrança...

“Era um corredor comprido e eu caminhava lentamente com alguém com a mão pousada no meu ombro. Tudo era grande relativamente ao meu tamanho, sentar no sofá da salinha a direita foi um sacrifício. A mulher que me levava até a sala, tinha o cabelo engraçado, preso num coque mal feito, abriu uma porta e entrou um casal, logo depois saiu e me deixou sozinho (eu era de novo o mesmo garotinho) com o casal. Uma mulher ruiva e um homem moreno. Eles conversavam baixo demais, meus ouvidos não alcançavam suas vozes. A mulher ruiva se agachou para fala comigo e banhada em lágrimas me abraçou dizendo: - Meu filho, por quanto tempo te esperei...”

Voltei a realidade assustada. Mais uma lembrança que não era minha. De quem seria? Sentei e assisti ao nascer do sol. Provavelmente tinha ido dormir cedo demais, mas tinha lá suas vantagens. Arrumei o quarto e mexendo na bolsa que sai ontem vi as fotos que eu e Paolo tiramos na cabine de fotos, depois de comer a nuvem doce. Coloquei a mais bonita em um porta-retrato e separei uma para levar ao Dr. João. Faria uma visita ao consultório e esclareceria tudo o que já sei com ele, além de meu médico, também é meu amigo.

Fiz um café da manhã reforçado e esperei mamãe acordar para comunicá-la de minha saída. Passei o tempo vago lendo um livro até Sandra entrar no quarto e agradecer o café.

– Mãe, irei visitar o Dr. João, tudo bem?

– Depois me conte as novidades. - Disse ela sorrindo.

Graças a Deus acordou de bom humor.

– O que te trás aqui tão cedo, Clara?

Essa pergunta eu fiz a mim mesma assim que cheguei aqui, talvez eu esteja me precipitando em contar a ele.

– Queria saber se o senhor descobriu o motivo do meu abatimento. Puxei conversa.

– Tenho uma suposição. – coçou o queixo e continuou falando – mas não sei se esta correta.

– Não precisa dizer, deixe-me adivinhar: é algo externo, que provavelmente é muito próximo a mim desde os seis anos, e ultimamente anda por perto me fazendo ter dores de cabeça horríveis, deve ter parentesco com o Maysen porque as pessoas normais não me afetam e blá. Eu já sei tudo.

Tirei a foto do bolso e mostrei a ele que fez uma careta e perguntou:

– Mas esse não é o seu amigo?

Fiquei em silêncio e abaixei a cabeça. Minha sorte foi que ele entendeu e mudou de assunto.

– Então vamos fazer uns exames para ver se está com a imunidade baixa.

Quase tive um troço tirando sangue, mas depois de todos os exames médicos o de sangue é o pior, com certeza.

– Clara, não tenho boas noticias. Você passou tempo demais com esse garoto o que fez você piorar em dois meses o equivalente ao resto do ano. Recomendo que tome vitaminas para se recuperar, fique de repouso e em nenhum momento se aproxime demais dele, ouviu bem?

Agora que estamos brigados um com o outro será mais fácil, mas se depender de mim não ficaria longe dele por nem mais um minuto.

– Não garanto.

O Dr. João pegou minha mão e levantou meu queixo.

– Isso é serio, pode acontecer algo muito ruim se você não tentar ficar longe dele.

– Mudando de assunto, vai à minha formatura?

– Estarei lá.

Saí do consultório e me despedi da salinha verde, não sei quando voltaria lá. Dr. João pensa que me engana, eu li sua mente e o que pode acontecer é muito pior do que “algo muito ruim”. Coitado, tentando confundir os próprios pensamentos para que eu não desconfiasse que eu posso morrer.

Ao chegar em casa conversei com mamãe e lhe pedi para não me chamar caso Lorran ou Lívia ligassem. Fiquei trancada no quarto o resto do dia fazendo uma listinha básica de coisas que eu gostaria de fazer que me animariam naquele dia.

Por exemplo: Ver o Paolo, beijar o Paolo, abraçar o Paolo, pedir perdão ao Paolo, comer chocolate, emagrecer quatro quilos como num passe de mágica... Depois de uns minutos alguém bate na porta.

– Pode entrar. - Gritei.

– Jura?

Eu conhecia aquele “jura” de longe, me levantei da cama e abri a porta.

– Lívia!

Ela era a última pessoa que eu pensava em encontrar.

– Você não estava querendo me atender então pedi para sua mãe para vir dormir aqui.

– Me desculpa Lívia.

Eram apenas seis horas da tarde, tínhamos tempo suficiente para conversarmos sobre os mais variados assuntos, mas ela insistiu em perguntar no mesmo momento como foi o dia de ontem.

– Eu não te vi ontem no parque de novo, sua danadinha... Onde você estava?

Puxei-a pela mão arrastando-a para o meu lado de mochila e tudo.

– Psiu! Fale mais baixo. - Sussurrei.

Ela arregalou os olhos, tirou a mochila das costas, puxou Sean e tapou as orelhas dele, como se ele pudesse ouvir algo demais e sair contando pra Deus e o mundo (--‘).

– O que aconteceu? Vocês ficaram? Ele te puxou de repente e tascou um beijão?

Ela estava curiosa e eu espantada com seu interesse.

– Não foi o passeio do ano.

Seu rosto curioso desmoronou dando lugar a duvida e tristeza.

Não a fiz perguntar duas vezes e contei tudo o que aconteceu. Quando acabei ela me puxou para seu colo e falou uma coisa sem sentido que me confortou (levando em consideração que a Lívia só diz coisas sem sentido).

– A culpa foi toda do palhaço. Mas e aí, você não me deu detalhes de quando o “beijou”?

– Eu não o beijei, estava tão nervosa que nem senti direito. - Resmunguei.

– Eu já fiz o meu discurso, falando nisso posso tirar meu vestido da mochila e pendurar? – Ela fez uma pausa e pegou o papel que eu estava escrevendo minutos antes dela chegar – O que é isso?

– É uma longa lista de coisas que quero fazer, coloca ali no quadro de avisos que eu te conto.

Deixei Lívia deitar na cama para contar o motivo da minha lista, mas como previsto ela dormiu antes que eu terminasse.

Sorte a dela, eu passei a noite em claro escrevendo um discurso que fui convidada a falar na frente de uma multidão de pessoas, dentre elas alunos, pais, professores e amigos. Eu preciso de sorte, energia e muita coragem para chegar lá na frente e soltar qualquer palavra. Enquanto me perguntava inúmeras vezes o que fazer. Pausei minhas duvidas e observei uma cena fofinha, Lívia dormindo num sono pesado. Terminei o discurso e aguardei ansiosa pelo dia seguinte que sem duvida esperava por mim com o diploma e meu objetivo cumprido.

Iria em fim conseguir terminar esta porcaria de segundo grau.


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