A última primavera escrita por Valerie


Capítulo 15
Decepção




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O pouco ar que me restava escapou ao ver aqueles olhos furiosos, famintos, banhados em ódio. Era de um vermelho tão intenso quanto o sangue que pulsava em minhas veias.

Ver o Paolo daquela forma me fez chorar, descartando mais ainda o ar que lutava para não perder. Não adianta mais lutar com ele, tentando tirar sua mão do meu pescoço então o que me restou foi desistir de brigar.

Se essa é a ultima vez que eu o veria queria tentar ao menos fazer uma coisa que sempre quis, porém nunca tive coragem. Estiquei a mão o máximo que consegui até alcançar seu rosto. Enquanto ele apertava minha garganta, tentando me matar, eu o acariciava.

Quando o toquei, ele subitamente soltou meu pescoço e sua expressão mudou completamente. Respirei fundo, aliviada, por sentir o ar passando por meus pulmões. Sua face assustada era compreensível. Tornei a tocá-lo e o envolvi num abraço só meu. Ele não moveu nem um músculo para me abraçar também. Talvez ele nem quisesse o meu, mas não o culpo por isso, ele não esta acostumado. Aquele era nosso primeiro abraço.

Estranho você abraçar uma pessoa e não ser correspondida, mas pouco me importava. Eu sei que o cara que queria me matar não era ele, sinto isso. Aqueles não eram seus olhos. Seja lá o que ele diga pra mim agora eu só queria ver seu rosto novamente, então o soltei e para minha tranqüilidade seus olhos já não eram mais vermelhos, tinham voltado a ser verdes.

– Desculpa.

Foi o que ele disse antes de cair no chão. Apavorei-me com aquela cena e ajoelhei ao seu lado para ver se só tinha perdido a força nas pernas, mas não. Seu desmaio provocaria o meu se não estivesse tão preocupada.

– Não! Paolo...

Minha voz ecoava naquele pesadelo. Soluçando deitei a cabeça em seu peito que pouco se mexia. “Como sou azarada, eu que sou quase enforcada e não morro e ele que ganha um carinho, cai no chão? Não vale.” Pensei desconsolada. E agora? Nem meus poderes me ajudariam, sou uma inútil. Procurei me acalmar e lembrar das aulas chatas de primeiros socorros que deram algumas vezes lá na escola.

Recapitulando, não estamos em nenhum incêndio, nem fomos picados por bichos venenosos, também não foi afogamento, nesses casos quando a pessoa esta desacordada e com falta de ar, é recomendável massagem cardíaca. Talvez, funcione. Minhas mãos tremiam pelo simples fato de pensar em tocá-lo novamente.

Esfreguei as mãos para não parecerem muito geladas. Fiz a tal da massagem esperando ansiosa por qualquer sinal, mas nada aconteceu. O que me sobra? Tenho que jogar ar para esses pulmões, mas como... “Respiração boca a boca” respondi mentalmente a mim mesma.

Se ele negou um abraço, como vou beijá-lo? Tecnicamente não é um beijo. – Não posso negar que eu quero te beijar... mas e se eu não fizer direito? Quando você acordar, me perdoa por isso?

Tirei a franja de seu rosto, cheguei bem perto de seus lábios e me freei com medo, mas lembrei que ele dependia disso. Tapei seu nariz, encaixei meus lábios nos dele e me controlei para não beija-los e soprei ar dentro dele. Incrível a sensação que senti, é como uma conexão que existe entre nós.

Dessa vez tinha dado certo, percebi quando ele voltou a respirar fundo com freqüência. Até ele arregalar os olhos verdes eu continuei ao seu lado.

– O que está fazendo? - Perguntou ele se levantando do chão rapidamente.

– Salvando sua vida. De nada. – Respondi.

– Vamos sair daqui, agora. - Disse ele seguindo por um caminho.

Passamos por diversos monstros feios, mas eram consideravelmente menos assustadores comparados ao escuro. Por todo caminho permanecemos calados. Assim que saímos de lá tudo parecia correr normalmente, como se ninguém soubesse o que tinha acontecido lá dentro. Paolo continuou andando, determinado a chegar a algum lugar.

Quando saímos do parque resolvi dizer algo para que passasse aquele silêncio perturbador e saber onde ele queria chegar.

– Onde estamos indo? - Perguntei inocente.

– Eu estou indo pra minha casa e acho que você deveria fazer o mesmo. Esse passeio termina oficialmente aqui.

Não recuei, persisti em segui-lo até em casa e esclarecer como dois (quase) adultos o que aconteceu em detalhes. Eu já estava ofegante quando chegamos ao seu prédio. Eu subi de elevador enquanto ele dava voltas nas escadas.

Por incrível que pareça ele chegou à minha frente, se dando ao luxo de bater a porta na minha cara. Toquei a campainha e Kaylon atendeu com cara de quem não tinha entendido nada.

– Kaylon, onde ele está?

– Quem? O Paolo? Entrou correndo e acho que voltou com a mania de subir no telhado...

Ele apontou para uma direção e a única coisa que me veio na cabeça era encontrá-lo onde quer que ele estivesse. Eu ouvi bem u o Kaylon falou mesmo “telhado”? Engoli seco, joguei minha bolsa no chão e agradeci a mim mesma por odiar sapatos de salto alto e estar usando justo naquele momento meu All star.

Nem mesmo umas escadas vão me impedir de chegar até ele e falar o que está entalado, não imaginei que fosse ser assim, tudo na marra, mas não tem outro jeito. Cheguei ao telhado e por instantes fiquei o observando. Ele estava sentado na beira do edifício com as pernas balançando livres no ar. Olhando a noite que se formara.

– Paolo... - Chamei.

Ele ao menos virou a cabeça pra me responder.

– O que você faz aqui?

– O Kaylon disse que você estava aqui.

Consegui irrita-lo ao dizer o nome de seu padrinho, fazendo-o se levantar e sair da beira, era tudo o que eu queria.

– Nunca ouça o que esse idiota diz. Agora saia da minha casa, Clara.

– Acho que mereço uma explicação.

– Tem coisas que não precisam ser explicadas.

– Então esta dizendo que realmente quis me matar?

– Quer mesmo saber?

Assenti com a cabeça para evitar mais bate boca.

– Eu sou o motivo da sua dor de cabeça, sou o que faz da sua vida uma maldição, eu menti pra você!

– Como assim mentiu? - Perguntei engolindo as lágrimas.

– Esse colar que você não tira do pescoço fui eu que fiz, menti dizendo que não te conhecia quando na verdade te espiono desde os nove anos, eu te faço chorar, Clara... Você sabe meu nome? – houve uma pausa e vi que ele me olhava triste, muito triste por dizer tudo aquilo – Paolo Maysen...

– Não me importa quem você é ou deixa de ser, eu só me importo com o que há aí dentro.

Minhas palavras funcionaram como um choque térmico para ele, um banho de água fria. Seu rosto desmoronou, ele abaixou a cabeça dizendo:

– O que tem dentro de mim? Isso só pode ser piada! É a pior parte, será que você vai continuar se importando com o animal que tentou te matar?Eu te machuquei...

– Não foi proposital.

– Faça-me rir! Você já deu uma olhada no seu pescoço roxo?

– Sei que não foi você.

Minhas respostas se tornaram curtas, porém com bom efeito.

– Em que você pensou para salvar a vida de um babaca que tentou tirar a sua?

A essa pergunta eu não respondi. Dentro de mim eu sabia com todas as letras o porquê de querer que ele ficasse vivo. Paolo ficou parado como uma estatua e foi ai que aproveitei para chegar mais perto. Novamente senti uma vontade descontrolada de abraçá-lo, mas como da última vez foi um fracasso total, me segurei.

Levantei seu queixo e olhei dentro do fundo da íris de seus olhos verdinhos, banhados em lágrimas. De surpresa ele me abraçou, envolvendo um braço na minha cintura e com a outra mão acariciou minha nuca. Me encolhi em seu peito e deixei a emoção rolar, ouvi seu coração batendo mais rápido, quase saindo pela boca. Ficamos minutos assim. Fui uma trouxa, otária, imbecil a ponto de pensar que depois disso estaria tudo bem.

– Vá embora, Clara, antes que eu me arrependa. - Ele sussurrou ao pé do meu ouvido.

Seus braços se afrouxaram a minha volta e eu assenti. Não tem como convencê-lo, então o que me restava era respeitá-lo. Antes de descer a escada fiz uma ultima tentativa:

– Se você quer mesmo que tudo acabe aqui, fique sabendo que me magoa muito. Mas se quiser me ver de novo vá a minha formatura. – me virei para ver seu rosto e acabei de falar tudo o que queria – Só mais uma coisa... Eu te amo Paolo Maysen.


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