A última primavera escrita por Valerie


Capítulo 17
O grande dia




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Não há como negar que tinha medo de que chegasse a hora e eu travasse como uma simples TV muda. E como eu queria poder aprender a ser má e pressionar o “ponto de pressão” pra fazer Lívia calar a boca. Assim que ela acordou e viu minhas olheiras absurdas, surtou e se colocou na minha frente com quilos de maquiagem.

Por mais que eu insistisse em dizer que ninguém ia me notar, ela fazia o inverso e disse que eu sou uma obra de arte, (nunca vi metáfora tão mentirosa) mas discussão, briga ou desentendimento não estava na minha lista de coisas que quero fazer e como uma “obra de arte boazinha” me mantive quieta e contive minha súbita vontade de avançar no seu pescoço.

– Que rufem os tambores, senhoras e senhores! Vejam a obra prima mais gata que a Lívia já criou.

Meu deus! Ela falando na terceira pessoa é péssimo. Nossa que exagero desnecessário, vou traduzir:

“Senhoras e senhores”, nisso ela se referia a minha mãe.

“Obra prima mais gata”, talvez fosse eu.

“A natureza já criou”, ou seja: minha mãe de novo (^^).

E o mais engraçado: “rufem os tambores” que eram apenas colheres nas paredes. Olhei-me no espelho e agradeci, mas aquele não era meu estilo. Meus olhos lotados de purpurina e um gloss discreto na boca.

– Amiga eu sei que deu o maior trabalho, mas eu não gostei da sombra. Você poderia me ajudar em tudo, menos na sombra? - Perguntei com medo de ouvir a resposta, me protegendo com o Sean como escudo.

– Tudo bem então, nem esquenta. Agora vamos tomar banho porque a prioridade é o cabelo.

Lívia, quando a conheci tinha cachos no cabelo, mas depois dos 15 anos, ela enjoou e fez um tratamento que o deixou com leves ondulações, ou seja, lindo. Mas ela não acredita quando digo a ela. O cabelo é diferente, não gosto de mudar o comprimento por isso esta sempre na cintura.

Combinamos que na formatura, cada menina teria um vestido de cor diferente, mas com o mesmo modelo, o meu obviamente é preto e o da Lívia, roxo. Saímos do banho, resolvendo que penteado usar. Passamos a tarde pintando unhas e cremes corporais. A pior parte foi depilar a perna com cera fria.

Nossa sorte foi que Sandra tinha feito curso de cabeleireira quando mais nova, seu sonho era ter um salão, mas optou pela área medica. Papai é engenheiro, se formou cedo e conseguiu juntar dinheiro trabalhando em algum estágio para minha faculdade de pediatria. Cuidar de criança é minha especialização, treinei bastante cuidando do bebê grande do meu irmão, mesmo sendo um ano mais velho que eu tem a mente de um pré-adolescente. Falando nesse desalmado, sem coração... Ele apareceu no quarto diversas vezes para espionar Lívia experimentando seu vestido. Como se aquela muvuca não bastasse mais uma surpresa me pegou.

– Cheguei fofinhas! – Disse aquela voz inconfundível que não conseguiria desmentir a perua da Flávia – O Lukinhas me ligou dizendo que tinha festa e eu vim correndo me arrumar com vocês.

– Aí, por que o Sean pode ver vocês trocando de roupa e eu não? Estou na área.

O pobre do cachorro estava soterrado entre echarpes, só com a cabecinha de fora.

– Está bem Lukas. - Disse Flávia.

A fuzilei com os olhos querendo saber o que ela estava dizendo com aquilo.

– Eu posso ficar? - Perguntou esperançoso.

– Não. Leve Sean.

Caímos na gargalhada e ele batendo pé saiu do quarto. Entre risadas tentei disfarçar uma possível alegria, mas eu trocaria tudo isso por um pedido de desculpas do Paolo.

“Onde ele está agora? Fazendo o quê?” pensei.

Viajei em meus pensamentos e fui chamada atenção por Flávia que agora vestia seu vestido rosa-de-dar-dor-no-olho. Exibindo seu corpo.

“Está pensando nele de novo amiga?”

Lívia poupou palavras para que Flávia não metesse o bedelho num assunto tão delicado. Assenti com a cabeça e por minutos nos comunicamos desse jeito: ela pensava e eu fazia que sim ou não com a cabeça. A antinha da Flávia pensou que fosse uma massagem para aliviar a tensão dos ombros e me imitou.

A tarde caiu e a hora da formatura se aproximava. Lívia sumiu por um tempo, disse que ia pedir uma coisa emprestada com a minha mãe. Nesse meio tempo Flávia me fez propaganda de uns sutiãs de enchimento, que se um dia Lukas soubesse iria ter uma decepção.

– Por que demorou tanto Lívia? - Perguntei.

–É que a sua mãe não tinha e tive que pegar com a sua avó. - Disse ela tranquilamente.

– O que é que a minha avó tem, que a minha mãe não tem e que você quer emprestado? - Perguntei confusa.

Ela novamente ficou quieta e só abriu uma sacola, mostrando um belo e antigo espartilho.

– A dona Cibele me disse que quando eu precisasse de novo era só pedir...

Sua explicação foi bizarra, mas não pude negar que era lindo, pena que iria ficar escondido.

– Prontas meninas? - Perguntou mamãe entrando no quarto.

Nós tínhamos papeado tanto que esquecemos de nos vestir. Flávia foi a primeira a colocar o vestido e correr para o banheiro, passar a chapinha e colocar as lentes de contato. Ajudei Lívia a colocar o espartilho. Curiosa, perguntei quando ela tinha usado pela primeira vez, porque ela tinha dito “de novo”.

– Na peça da escola.

Lembrei-me de que ela fez Julieta ano passado.

– Foi a partir daí que me encantei por Lorran, mas hoje sei que de Romeu ele não tem nada.

Rimos e enfim consegui fechar o zíper do vestido, ela também esta linda assim como Flávia que mesmo não sendo uma formanda seria uma convidada chocante. Ficamos sozinhos no quarto, eu e meu vestido, escutando risadas e comentários das meninas, lá do banheiro. Por um momento pensei em não colocar o vestido e por incrível que pareça Lukas entrou novamente no quarto, me abraçou por trás e me pediu para que eu fosse. Bem, ele não pediu, ele pensou:

“Qual é mana? Eu me lembro que um dia você prometeu pro espelho que ia se formar. Não é agora que vai amarelar, não é?”.

– É... Isso eu tenho que falar. Desculpe-me Clara, eu não sabia que o playboyzinho do cabelo de índio era importante pra você.

Retribui o abraço e me senti confortável de novo em seu colo, depois de tanto tempo o Lukas continuava do mesmo jeito só que de terno e gravata.

– Vá se vestir. - Disse ele saindo do quarto.

Tomei coragem e me olhei no espelho. Até que não esta tão ruim, mas falta um toque estilo Clara Sandy: meu colar. Ele brilhava intensamente em meu pescoço, agora que a noite tinha chegado, ganhara luz própria. Fui correndo para o banheiro fazer qualquer coisa no cabelo.

Flávia tinha o cabelo liso, mais lambido que já vi e Lívia fez “Baby liss” seus cachos ficaram incríveis. Eu não tinha tempo para qualquer penteado e ao menos a idéia de um. Mamãe preferiu deixa-lo solto e prendeu uns pontinhos de strass para dar um brilho. Não me incomodo com meus cachos, só acho que ele poderia dar uma trégua de vez em quando.

Hora de maquiar, Lívia fez a festa no meu rosto, mas não esqueceu de deixar meus olhos livres. Quando ela terminou passei um simples lápis e rímel e percebi que ela se sentiu incomodada. Assim que saímos do banheiro Lukas já estava sentado no sofá assistindo qualquer coisa e se empanturrando de “Pringles”.

Flávia soltou seu grito super sônico que o fez se dar conta de que nós já estávamos o esperando na porta. Antes de sair, fingi ter esquecido algo quarto e fiz um carinho em Sean que já tinha se enroscado na sua caminha, peguei uma caneta e risquei da lista um desejo: “Ir para a formatura”.

Voltei correndo e fechei a porta, esperançosa me iludi, pensando que talvez ele aparecesse. Pegamos um táxi e lá, infelizmente nos separamos. Lívia tinha que ficar ao lado de Lorran que já tinha chegado há algum tempo. Lukas queria ficar com a turma do futebol e Flávia não desgrudaria nem que apagasse por isso.

Aproveitei a companhia de Sandra para colocar o papo em dia e esperar na nossa mesa por vovó Cibele e o Dr. João que logo chegariam. Dito e feito, eles chegaram fazendo a maior bagunça que só eles faziam do modo autêntico da minha família. Sandra engatou num papo com Dr. João. Eu até tentei me enturmar, mas “casos raríssimos de perda de movimentos nas pernas” não era lá o meu papo predileto.

Para disfarçar puxei conversa com vovó sobre os e-mails que ela andava recebendo ultimamente. Chama-la de vovó não quer dizer que ela não seja moderna, ao contrário Cibele é um crânio na matemática e adora futucar as coisas no computador até descobrir novidades. Por toda a festa, me mantive conversando com ela e garanto que estava muito mais interessante que qualquer rodinha de adolescentes pervertidos.


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