A última primavera escrita por Valerie


Capítulo 14
Nuvem doce




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– Muito prazer em te conhecer. - Disse Paolo educadamente erguendo a mão pra Lívia.

A garota estava tão surpresa com sua formalidade que quando estendeu a mão lerdamente para apertar a dele, Lorran a abaixou e disse:

– O prazer é todo meu.

– Então Lorran, poderia fazer o favor de me levar até o Lukas?

Ele assentiu puxando Lívia pela mão. Pude ouvir seus pensamentos e ele não havia gostado nada da minha surpresa. Quando Lukas me viu de mão dada com Paolo simplesmente surtou.

– O que está fazendo com esse aí?

– Olha lá como você fala dele, eu vim me divertir. Só quero abraçar a Flávia.

Abracei-a e me despedi rindo. Mas Paolo me surpreendeu quando puxou papo com eles.

– Já que está tudo bem e nos encontramos, não vamos nos separar... O que vocês acham de ir na... Como é mesmo o nome daquilo?

Ele apontou para a roda gigante. Abri um sorriso, por mais difícil que fosse, ele tentou se enturmar e sem saber apontou para meu brinquedo favorito. Lorran se enfureceu ao notar um detalhe da blusa de Paolo que tinha estampado a frase: “Ele é gay” seguindo de uma setinha para o lado. E como Lorran estava a sua esquerda, pensou que fosse de propósito e respondeu grosseiramente:

– E quem te perguntou alguma coisa?

Rebelei-me, apertei a mão de Paolo, que abaixou a cabeça timidamente. Respondia sua altura:

– Resposta pra burro é de graça, vamos Paolo você é companhia boa demais pra eles.

Não inclui Lívia e Flávia nesse meio, mas elas sabem que eu não me referia a elas. Caminhei como se a energia dos meus sentimentos estivesse sob meus pés.

– O que quer comer? – Perguntei.

Não poderia dizer que quebrei o silencio, pois seria mentira, o parque está cheio de pessoas conversando felizes, mas havia um espaço entre nós dois.

– Sei lá. O que você gosta de comer?

– Comida de parque é sempre boa, eu comeria pipoca, mais isso eu posso comer em casa; Você prefere doces ou salgados?

“Que bom que o papo voltou” pensei.

– Hum... Doce.

– Então já sei me acompanhe.

Andamos até uma barraquinha e pedi dois, como sempre ele insistiu em pagar; Garotos...

– Nossa! Isso é bom. Qual é o nome? Nuvem doce?

Ele perguntou com cara de criança curiosa. Eu ri à custa de sua inocência e disse:

– Algodão doce. Nunca comeu?

– É. Como vou te dizer isso? Eu... É a primeira vez que venho num parque de diversões.

Vi sua pele ficar vermelha e senti uma vontade súbita de rir, mas me controlei para não deixa-lo ainda mais sem graça.

– Então vamos logo que eu tenho que te apresentar vários brinquedos.

– Eu quero ir naquele.

Ele apontou novamente para a roda gigante.

– É o meu preferido. – Comentei.

– Eu gosto de altura.

Andamos mais a frente e encontramos uma cabine de fotos. Claro que entramos e tiramos fotos até reclamarem do lado de fora. Muitas caretas e biquinhos nos vários flashes que surgiam. Guardei todas, estavam lindas. Nas primeiras Paolo estava tímido por conta do espaço que tínhamos para nos mexer, mas depois descontraímos e nos divertimos muito.

O parque era tão grande que podíamos ver a roda gigante de qualquer parte, porem não imaginávamos a distancia. Andamos tanto. Fiquei tão cansada que pedi para darmos uma parada. Depois de um tempo me dei conta que paramos enfrente a um brinquedo abandonado.

– Por que você olha tanto pra essa casa?

– É a casa do terror, nunca tive coragem de entrar numa dessas. Sempre tive medo, mas essa aí é muito pior do que os outras. Parece uma casa reformada só pra essa decoração...

Senti um calafrio e Paolo me cutucando.

– Tem um cara bem estranho, fazendo umas coisas esquisitas aqui. Acho que deveria ver.

Virei-me para dar uma olhada, e tentar me entreter com algo. A casa do terror é ruim, me dá medo. Mas isso é pior, muito pior. É assustador. Aquele rosto pintado de branco, olhos inexpressivos, que parecem não piscar e um sorriso falso que dá impressão de que vai me morder. Sem contar com um cabelo péssimo, desgrenhado. Roupas de um colorido vibrante que me fizeram lacrimejar. Aquele sim era o demônio. Posso enfrentar qualquer coisa menos um aterrorizador palhaço.

Correr, pra qualquer lugar, a qualquer distancia que não me permitia ver nem sombra desse monstro. E foi isso que eu fiz, não olhei para trás e puxei Paolo pela mão, não o deixaria ali sozinho com aquele... Palhaço.

Existem medos que vistos por outras pessoas, parecem insignificantes, idiotas, mas eu não me importei com o que as pessoas pensariam de mim nesse momento. Na ansiedade de fugir dali, corri o mais rápido que pude e sem perceber soltei a mão do Paolo. Entrei na casa do terror, ela poderia me assustar, mas não dava pra ver nada lá dentro, devia estar desligado.

Passei por diversos corredores, um labirinto talvez. Minha sorte foi que com a correria o cansaço me fez esquecer do medo e parar para respirar. Ainda ofegante, soltei um sorriso para mim mesma, tinha despistado aquele palhaço ridículo. Ele nunca irá me pegar, não enquanto eu tiver pernas.

– Paolo, me desculpa ter corrido tanto, sou péssima em educação física, mas quando tenho que correr... Te cansei?

Esperei uma resposta que não chegou. Virei-me para trás e não vi nada além do breu de um corredor, de uma casa abandonada. Escuro como o fundo de um poço, como uma caverna no meio do mato, ainda mais escuro que uma noite de lua nova. Tão escuro como um eclipse, porém incomparável a sua beleza. Exatamente como no sonho que tive. Pensar rápido também não é meu forte, mas teria alguma saída, se esse era realmente um brinquedo de um parque de diversões.

Fiquei surpresa em perceber que minha bolsa ainda estava no meu ombro. Senti-me uma criancinha tendo que ligar para ele, mas esse era o único modo de sair dali.

“Sem sinal” Apareceu na tela para minha infelicidade. O jeito era continuar andando e gritando por seu nome. “Estou andando em círculos há algum tempo e nem tenho idéia de quanto. A bateria do telefone acabou não consigo sair daqui e o Paolo sumiu.”Meus pensamentos negativos não me ajudaram a conter o choro.

Agora estou cansada, perdida no escuro, sem celular, sem Paolo e pior: Tudo culpa de um PALHAÇO! Sentei no chão no meio do lugar que parecia ser o centro da casa, porque a cada vez que eu entrava num corredor acabava caindo nesse meio.

O que eu vou fazer se ficar? E se ninguém me encontrar? Se eu morrer desidratada? Só sei de uma coisa: não quero morrer antes sem antes falar com o Paolo. Sentada no chão, encolhida como um gato com frio, me lembrei de tudo que aquele garoto me fez passar. Momentos simples que mudaram minha vida.

Foi ele que me consolo na pracinha no meu aniversário, ele deu nome para eu cachorro, ele me buscou na escola, me fez ser mais feliz a cada dia. A tristeza e a saudade me sufocaram e sem perceber gritei seu nome com a energia que sobrava.

Desiludida, continuei chorando agarradas as minhas recordações. Eu poderia estar tendo uma alucinação, mas posso jurar que ouvi sua doce voz chamando meu nome. Talvez fosse minha imaginação, mas eu tinha esperanças dele me chegar e me tirar dali, então respondi com um grito abafado.

Senti-me aliviada por ouvir sua voz agora me respondendo e a alegria de saber que ele estava ali. Ouvi seus passos se aproximarem. Lá fora alguém sabia que tinha gente dentro do brinquedo e acendeu as luzes mostrando a pavorosa decoração.

Paolo entrou correndo, tapando os olhos e indo em direção a um espelho que tinha como enfeite em uma das paredes. Não entendi o porquê de seu espanto ao se olhar. Deu um soco e o partiu em mil pedaços.

– Clara, a saída é por aqui, você não deve ter visto no escuro, mas agora da pra ver.

Ele escondia os olhos com uma mão e com a outra apontava para direção que veio. Tinha algo estranho com ele, como se estivesse mal. Não sei bem o que é, mas tenho certeza que é fora do comum. Levantei-me do chão e com passos lerdos me aproximei dele, ele não gostou disso.

– Clara! O que esta fazendo? Te mandei ir embora.

Cheguei mais perto o desobedecendo e me atrevi a tirar mão dele de seus olhos, mas estes estavam fechados. Ele se zangou comigo e me segurou pelos ombros de um jeito que me incomodava.

– Abra os olhos Paolo, esta me assustando.

Ele sorriu. Mas não era seu modo de sorrir pra mim. Era vingativo. Suas mãos soltaram meus ombros e se encaminharam para o meu pescoço, por um momento pensei que fosse beijá-lo. Mas esta opção foi descartada. Ele começou a apertar meu pescoço, me sufocando.

Tudo que está ruim pode ser pior, e para piorar minha situação ele abriu os olhos.


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