Gota D'Água escrita por KuroroLucifer


Capítulo 15
Cinema




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Quando eu era criança, minha mãe costumava desconfiar das coisas. Ela dizia que tudo o que era bom demais, teria um fim ruim demais; se esquivava de qualquer ajuda, qualquer bênção. Preferia viver mais ou menos a tentar se arriscar a fazer as coisas. Pra ela, depender da sorte era uma maldição. E eu fui crescendo com essa coisa na cabeça. Foi por isso que, quando as coisas começaram a dar certo naquele mês de junho, eu comecei a me preocupar.

Já tinha dois meses desde a morte de Luiza. Por duas vezes eu tinha ido colocar mais flores em seu túmulo e estranhei que ninguém tinha ido vê-la. Por mais distante que uma pessoa possa ser da sua família, a família passa a se preocupar quando essa pessoa simplesmente some do mapa.

Mas ninguém fora vê-la, ninguém. Parecia que a única pessoa que se preocupava com ela naquele mundo era eu. E tinha de ser mesmo. Se eu estava hoje livre e feliz, se eu recuperara meu namorado, se eu era alguém agora, era graças à Luiza.

***

Era um domingo, dia de descansar com Paulo. Mas, como de costume, ele não estava lá. Alguma coisa sempre acontecia naquela merda daquele trabalho dele, mas eu não liguei. Eu já tinha começado a acostumar com aquilo e conseguia até sentir pena dele, do jeito desesperado que ele agia quando alguma bomba estourava em seu colo.

Era uma tarde fria, eu me lembro. Eu estava debaixo de uma colcha, no sofá da sala da nossa casa. Nós tínhamos resolvido que iríamos morar juntos assim que eu percebi que ainda tinha paranoias demais para morar sozinho. Medos demais. Paulo, claro, aceitou o meu pedido e, no começo, eu fui ficando na casa dele. Mas ele queria comprar algo que fosse nosso e, por isso, compramos aquela casa mais perto do centro.

E ali estava eu, no sofá daquela casa, num domingo à tarde, metido em um tédio infinito. A programação da televisão — tanto aberta quanto fechada — estava me irritando. Não tinha nada de bom, nada mesmo. Até nos canais de filmes estavam passando filmes chatos.

Eu tinha perdido o costume de sair de casa sozinho, mas o tédio estava sobrepujando o medo de sair. Desliguei tudo, me arrumei e decidi que iria dar uma volta no shopping, gastar um pouco do meu dinheiro.

***

Eu estava bem vestido de bermuda xadrez, camisa regata preta e tênis. Entrei no carro e fui ao shopping da pequena cidade. O trânsito era tranquilo e, por isso, em menos de dez minutos eu já estava estacionando o carro e, pouco depois, entrando no estabelecimento.

Fiquei olhando algumas roupas nas diversas lojas, olhei livros e até comprei alguns títulos. Saí da livraria com fome mas, antes de ir comprar alguma coisa pra comer, passei no cinema e comprei um ingresso para uma sessão que iniciaria vinte minutos mais tarde.

Uma vez comprado o ingresso, comprei um lanche no Mc Donald’s e, de lá, fui direto para a sessão, com comida em punho.

Era um filme romântico, daqueles que prometiam fazer o espectador chorar e se apaixonar pelos personagens. Tinha um marketing e uma crítica ótimas e eu já queria ver aquele filme há algum tempo, as Paulo costumava tirar o fim-de-semana para ficar em casa comigo — ele não era muito de sair. Nós nos divertíamos bastante em casa, mas não era a mesma coisa.

Sentei no lugar marcado pelo ingresso, na penúltima poltrona, no meio da sala e me deixei estar esperando o filme começar. Peguei o sanduíche e coloquei a batata no meu colo. Comecei a comer antes mesmo do início do filme.

Como a espera parecia que ia ser de uns cinco minutos ainda, eu comecei a dar uma olhada pelas pessoas ao meu lado. Tinha um casal na ponta da minha fileira e, a dois bancos do lado esquerdo, um garoto albino mexendo num celular com a luz forte.

Enquanto eu olhava para esse garoto, uma pessoa pediu licença para passar por mim, um homem. Ele me cutucou de leve e, ao virar, uma surpresa desagradável: era Paulo. Ele trazia consigo um saco de pipoca enorme e dois copos de refrigerante.

O garoto albino olhou para Paulo com um sorriso e disse:

— Achei que você não ia mais voltar.

Paulo começou a falar, mas eu balancei a cabeça.

— Não diga nada — eu disse. — Apenas curta o filme.

Eu levantei da poltrona e saí da sala do cinema completamente abalado, em direção do carro para ir embora. Uma tristeza enorme invadiu meu peito e uma lágrima rolou.

Alguma merda tinha que acontecer, não é verdade?

***

Quando Paulo chegou em casa mais tarde, ele deve ter me procurado em casa. Deve ter entrado em pânico quando viu meu bilhete avisando que iria voltar para o Rio de Janeiro e de lá iria resolver a minha vida. Ele deve ter se arrependido amargamente de ter me humilhado do jeito que fez, mesmo depois de eu dado uma chance a nós dois de novo. Imagino que ele deva ter chorado, ele era bastante emotivo. Não sei bem.

Mas deve ter sido nesse momento de pânico que aquela merda toda aconteceu.


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Notas finais do capítulo

Dois capítulos num dia só, eu estou produtivo hoje IOSHAIUSOIAHSAOI. Espero que estejam gostando



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