Na Palma da Mão de Deus escrita por Louvre


Capítulo 18
O passado e suas páginas tortuosas


Notas iniciais do capítulo

Só uma breve prévia antes da leitura, nesse capítulo vamos entender como terminou a história da Maria e do Jaime no passado... Tensões?! Claro que tem, e muitas!

Boa leitura!



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Capítulo 18: O passado e suas páginas tortuosas

– Então Nicholas, tem algum kit de primeiros socorros por aqui? – Bernardo perguntava, estava no quarto pessoal de seu colega, Nicholas, por sua vez, estava deitado em sua própria cama.

– No armário, na porta de baixo... – o anfitrião falou apontando. – Não tem nada aí que possa me ajudar.

– Achei... Na verdade só quero verificar o que você tem em seu kit... – Bernardo correu o olho pelas coisas que o kit trazia, gostou do que viu. – Seria bom que tivesse um desse em cada quarto.

– Mas tem, só não indiquei corretamente onde estão.

– Ótimo...! Pois é Nicholas, você vai me contar o que você tem ou vai esperar eu descobrir analisando os sintomas?

– Vai ser um ótimo desafio pra você! – Nicholas respondeu sorrindo, Bernardo entendeu aquilo como um “descubra analisando”. – Escuta Bernardo, não conta que eu passei mal pro João. – o sorriso dele se tornou preocupação.

– Sou contra isso, acho que ele devia saber tudo sobre você, mas não é da minha conta no fim... Eu não vou contar, mas ele vai acabar descobrindo sozinho que você passou mal. E por falar nisso, eu preciso que você fique de repouso hoje, pode ser?

– Pode sim, mas só porque você ta pedindo... Sabe o que é engraçado? – Nicholas mudou de assunto pegando Bernardo de surpresa. – Primeiro, você enfermeiro e a Alicia tendo que procurar um remédio pras suas costas, afinal a gente sempre acha que profissional de saúde não tem problemas médicos. Segundo, você enfermeiro e fumando, que coisa feia! – falou de forma engraçada, Bernardo riu muito.

– É como meu pai dizia, santo de casa não faz milagre, nenhum de nós é um super homem Nicholas, todos temos problemas e defeitos... Como você disse, no fim todos somos humanos. – o anfitrião concordou, ele ficaria na cama por aquele dia, a contra gosto seguiu a ordem de Bernardo.

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Num local mais afastado do jardim ela estava a pintar, traçados e mais traçados naquela tela branca, Lavi estava um pouco afastado dela, Alicia estava ao seu lado.

– É muito bonito! Aos poucos vai tomando forma... – Alicia falou.

– Isso sempre me relaxa, podia me dar coragem também. – falava se referindo a um assunto específico.

– Ah Maria, sei o quanto é difícil sua situação, mas saiba que eu to com você. Eu, a Marcelina, e qualquer outro que está aqui e te conhece como nós. Podemos não concordar com alguma coisa que você fez, mas te apoiamos sempre, nunca se esqueça que estamos com você! – eram palavras sinceras de Alicia.

– Maria Joaquina... – aquela voz grave cortou o ar e chegou aos ouvidos de todos ali.

– Jaime?! – ela respondeu.

– Sabe aquela conversa que você queria ter? Acho que é a hora. – ele falou, estava ali de pé, um pouco ofegante, possivelmente pelo esforço de voltar ali com sua perna ruim, mais provavelmente pelo nervosismo. Por fora ele era uma rocha, feição séria, porte ereto, por dentro seus sentimentos estavam num misto tão difuso que era impossível se manter instável, e se ele está nervoso assim ela estava bem pior.

– Hei, Lavi! Vamos dar um rolé de skate?! – Alicia falou quase gritando, queria deixar Jaime e Maria sozinhos, desejou boa sorte a sua amiga apenas com um olhar.

– Legal! Vamos! – Lavi respondeu correndo a frente dela, passou direto por Jaime, parecia que não o via, culpa da euforia.

Mas Jaime também pareceu não o ver, estava focado em Maria, seus olhos, sua mente, seu ser estava todo em Maria.

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O passado e suas páginas tortuosas, quem pode esquecer tudo o que gostaria? Quem pode ignorar o que ficou marcado naqueles dias? Talvez seja humanamente impossível...

Naquele dia no passado Jaime e Maria estavam deitados na grama de um parque, perto de um lago, ouvindo o som das aves.

– ... e foi assim, estranho né? – ela falava com ele, mas ele estava com sua mente longe. – O que foi? Tem alguma coisa te incomodando? – ele voltou à realidade, a beijou carinhosamente.

– Não é nada, é que... Será que eu consigo entrar na faculdade? – não era bem nisso que pensava, mas foi sua resposta.

– Claro que sim! Você estudou muito, é justo você passar! – ela respondeu sorrindo.

– Mas... Escuta, eu te vejo estudar medicina, não parece que é o que você quer...

– O que você quer dizer? Eu quero isso, eu quero ser médica, eu já decidi! – ela subiu um pouco sua voz.

– É só citar o assunto que você já se altera... Você se lembra do fim de semana passado? O quanto você bebeu e o quanto de besteiras que você falou pra mim? Você não era assim antes...

– Tem que ficar lembrando disso?! Você se diverte jogando na minha cara tudo de errado que eu faço?! Se não está contente comigo por que ainda estamos juntos? – ela se levantou falando muito nervosa.

– Não Maria Joaquina, não é isso, Maria você é meu remédio, a cura pra todos os meus males! – talvez não fosse a declaração mais romântica do mundo, mas era verdadeiramente sincera. – Eu só quero ver você feliz Maria Joaquina, eu só quero... – ele tentava explicar.

– É a Sophia, não é? Você está afim dela, não está?

– Eu e a Sophia?! Você é louca! Olha as coisas que você ta falando...

– Você continua o mesmo grosso de sempre! – palavras quase em tom de grito, começou a chorar e saiu dali correndo.

– O que ta acontecendo? – Jaime se perguntava, essa discussão não fora a primeira que tiveram. As coisas ficavam mais tensas quando ela estava bêbada, ofensas eram proferidas com muita intensidade, tanto pra Jaime quando pra quem tivesse próximo, ofensas de cunho social.

Ele não sabia exatamente o que ocorrera com ela, mas começou quando entrou na faculdade, não conseguia manter seu foco no arredor, parecia obsecada por aquilo ao mesmo tempo em que não queria estar ali. Nessa época que começou a beber muito, nessa época que Jaime começava a sentir que a perdia.

– Jaime?! – em meio as suas reflexões aquela voz conhecida chegou até ele.

– Oi Sophia... Há quanto tempo ta aí?

– Tempo suficiente pra te ver pensando sabe-se lá em quê. Ta preocupado com a prova amanhã, né? Eu também to uma pilha de nervos! – ela se sentou ao lado dele, seu porte físico magro, de média estatura, seus cabelos negros, longos e cacheados, sua pele parda e seus olhos castanhos eram bem marcantes, mas nada como seus lábios carnudos, eram eles com certeza a característica mais notável dela.

– To pensando na prova também, pra passar em engenharia mecânica precisa de uma nota muito alta... Mas acho que pra direito, que é o que você vai fazer, a nota é maior. – ele respondeu sorrindo.

– Nem me fala, mas a base que a gente tirou no cursinho é suficiente pra gente passar, e pelas horas que eu, você e nosso grupo de estudo ficou de cara nos livros é certeza que a gente passa! Mas mesmo assim o nervosismo é inevitável! – ela exclamou. – E a Maria Joaquina? É esse o nome da sua namorada, certo? Ela deve ta morrendo de orgulho só de pensar em você engenheiro mecânico!

– Não sei se é bem esse o caso... Ela ta com a cabeça na facul dela e... Ela tem os problemas dela, sabe?

– Sei mais ou menos... Mas enfim, eu preciso ir agora, boa sorte na prova. – ela falou passando suavemente sua mão no rosto dele, ele beijou a mão dela e a desejou sorte. Foi um gesto de carinho não que um tivesse algum interesse pelo outro, somente partilhavam de um desafio em comum e compreendiam as dificuldades um do outro. Porém não era o que parecia pra Maria Joaquina, de longe ela observava aqueles dois, algo dentro dela parecia morrer a cada palavra trocada entre eles.

Jaime vagou por um tempo, foi em alguns lugares, conversou com algumas pessoas, ligou pra seu pai, pra seu irmão, pra Nicholas, pra sua mãe, conversou umas coisas importantes, gastou tempo nisso. De repente já era noite, pensou em ver sua namorada, afinal Maria ainda era seu porto seguro, a pessoa quem amava, a pessoa ao qual tinha certeza que também o amava.

Tinha as chaves da casa dela, um voto de confiança dela pra ele, um símbolo de que ela o amava, usá-las o deixava feliz. Ao entrar a viu sentada em seu sofá, o cheiro de bebida inundava o lugar, as garrafas espalhadas atrapalhavam seus passos.

– Maria?! Ta tudo bem? – ele pergunta instintivamente.

– Você... Você tem coragem de vir aqui... Você não tem o mínimo de vergonha nessa sua cara gorda?! – ela falou com a voz trêmula devido ao álcool.

– Do que você ta falando?

– É muito cinismo! Eu vi você com aquela vadia bocuda! Aquela Sophia...

– Sophia...?! O que tem ela?

– Eu vi vocês juntos! Quantas vezes você me traiu com ela? E com quais outras amigas vadias suas você me traiu naquelas suas “reuniões de estudo”?

– As minhas “reuniões de estudo” não eram nenhum tipo de bacanal ou orgia! Você tem a mínima noção do quanto é difícil pra mim aprender ciências ou matemática? Tem noção do quanto eu sofri pra fazer uma redação que preste? Eu não tava lá pra me divertir como se tivesse num puteiro! – ele levantou sua voz, parecia que toda sua mágoa veio à tona, ela começou a chorar.

– Você não presta mesmo! Como você tem coragem de falar assim comigo?! – as palavras dela despertaram ainda mais raiva nele.

– Você é louca! Eu não fiz nada!

– Você não me engana seu merda! Você era um merda quando te conheci e continua um merda agora! Você e aquela vadia se merecem!

– Pelo amor de Deus Maria Joaquina, você consegue se escutar ou você ta tão bêbada que nem se ouvir ta conseguindo mais?! O que deu em você? Você humilha as pessoas, as maltrata, não tem a mínima noção de respeito para com os outros... Espera, você não mudou não é, você sempre foi assim... – foi a conclusão que chegou, sobre ela.

– O que você quer dizer com isso?

– Acabou Maria Joaquina, não da mais pra gente ficar junto! – aquelas palavras dele foram como um golpe, ela estremeceu. Ele se virou e seguiu até a porta. Ela o abraçou por trás.

– Não vai, por favor, eu posso mudar... Eu posso... – as lágrimas dela eram quentes, seu abraço repleto do mais puro sentimento.

– Você ta bêbada, amanhã de manhã você vai aceitar melhor... – a voz dele também estava embargada, as lágrimas desciam de seu rosto, não achava as palavras corretas praquele momento. – Eu ainda te amo muito, mas isso vai passar! – palavras antes de se soltar dela e sair.

O silêncio tomou conta daquela mansão, até que o choro dela cortou o ar, um choro que ecoava por entre os cômodos, um choro que devorava o silêncio, lágrimas que vinham da alma dela. Até que um pensamento se tornou uma frase:

– Eu vou atrás dele, não vai terminar assim, não depois de tantos anos! – se levantou e foi até sua garagem, ligou seu carro decidida, iria atrás dele, não o deixaria partir assim de sua vida. Porém talvez não tivesse tomado tal decisão se não fosse seu alto nível de embriaguez.

E as ruas? Como as ruas eram escuras pra ele, como era tortuoso caminhar por elas, mas mesmo sendo tão difícil ele continuava caminhando. Não havia rumo, não havia lógica pra seus passos, não sabia o quanto já tinha se afastado da casa dela, apenas andava e nada mais, andava e deixava as lágrimas escorrerem.

– Jaime?! – aquela voz suave veio até seus ouvidos. Era a voz de Sophia que vinha do outro lado da rua, ela acenava pra ele sorrindo, ele acenou de volta em cumprimento, ela percebeu a tristeza em seu gesto. Foi instintivo, ela começou a correr pra atravessar a rua, queria vê-lo melhor, queria saber se estava tudo bem.

No início daquela mesma rua ela estava em seu carro, acelerava deixando algumas lágrimas caírem, procurava pela pessoa que amava.

– Jaime... – falou abrindo um sorriso ao vê-lo, mas seu rosto fechou ao ver Sophia atravessando a rua seguindo até ele.

– Sua vadia! – Maria falou antes de acelerar mais, o máximo que seu carro aguentava, tanto que o barulho da aceleração se tornou mais que notável pra qualquer um que estivesse próximo.

Nenhum deles sabe o que ocorreu direito, nenhum deles realmente avaliou a situação, tudo foi instintivo. De um lado Sophia parou assustada, congelou de medo, Jaime, por outro lado, correu, se jogou sentido a Sophia a tirando do foco do carro e sendo atingido certeiramente por ele. O jovem sentiu seus pés saírem do chão, viu o mundo girar, viu o asfalto pequeno, viu o impacto de seu corpo ao solo, depois não viu mais nada.

– Onde estou? – falou ao abrir seus olhos, falar doía, seu corpo doía, suas pernas não mexiam, tinha tubos em seu corpo, tinha hastes de metal o travando. Estava numa cama de hospital.

– Por Deus! Você acordou! – eram palavras de seu pai, o homem chorava enquanto falava, abaixou sua cabeça na cama de seu filho chorando e agradecendo a Deus por Jaime ter acordado.

– Pai, o que houve? – estava confuso, era tão difícil formular as palavras.

– A Maria Joaquina... Ela te atropelou... – como um flash tudo veio a sua mente.

– E como ela ta? Ela se machucou? – a preocupação dele fez o pai chorar mais.

– Ela foi embora, não sei pra onde, mas têm dois meses que não tem ninguém na casa dela.

– Dois meses?! Eu to aqui tem dois meses?! – se perguntava em lágrimas. – Ela não pode ter ido embora... É mentira! É mentira!

– Por favor Jaime, não fica nervoso! Isso pode te prejudicar... Por que eu fui contar isso também? Não era hora... – o pai se recriminava.

– Não, o senhor fez certo... O senhor fez certo... – respondeu tentando engolir sua tristeza, suas últimas palavras por aquele dia.

..................................

– Eu vou ser direto Maria, o Lavi é meu filho? – ele a perguntou, um silêncio se manteve por alguns segundos.

– É sim... – a resposta dela fez o coração dele disparar, a palpitação, o suor, os olhos se enchendo.

– Mas... Maria... – ele falou.

– Jaime eu... Eu não podia mais olhar pra seu rosto, eu não tinha coragem depois de todo mal que te causei então fui embora. Fui pra Espanha, lá eu descobri que estava grávida de você. Eu não sabia como agir, eu tive medo do quanto você me odiava e... – falava em prantos.

– E achou que eu ia maltratar meu próprio filho? Você é doente! Você tirou de mim até o direito de ser pai, tem noção do quanto eu sofri quando o Lavi me mostrou as fotos dele? Tem noção do que eu senti quando vi ele crescendo naquelas fotos, de vê-lo bebê, na escola, jogando basquete? Tem noção do que eu to sentindo agora ao saber que eu tenho um filho de doze anos que eu mal conheço e que mal me conhece? – ele também chorava.

– Eu errei, eu sei, mas tente entender, eu...

– Eu não tenho que te entender Maria Joaquina! Tudo que eu fiz até hoje foi te entender... Por que você me odeia tanto, o que eu te fiz de tão grave? Será que ser pobre, ter origem pobre, é uma ofensa tão grande assim pra você a ponto de você não querer que seu filho saiba que eu sou pai dele? – falou segurando forte os braços dela.

– Jaime, ta me machucando...

– Eu... Te machucando... – falou a soltando e olhando suas próprias mãos, tremia bastante, tremia como nunca antes, de repente tudo ficou escuro, suas pernas ficaram bambas.

– JAIME!!! – Maria gritou ao vê-lo tocar o chão. O desespero tomou conta de si, o mesmo sentimento que sentira há anos atrás pelo mesmo homem, e, da mesma forma que naquela época, sabia que esse desespero que sentia era culpa unicamente sua.


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Notas finais do capítulo

Uma mistura de ciúmes, bebedeira e direção... E o Jaime saiu vivo disso, pra ver como ele é guerreiro. Só que a confirmação que o Lavi é filho dele não parece ter feito muito bem... Muito tenso!

Até a próxima!