Na Palma da Mão de Deus escrita por Louvre


Capítulo 17
Boa sorte Jaime...


Notas iniciais do capítulo

É difícil tomar certas decisões... Vocês vão entender após ler o capítulo.

Boa leitura!



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Capítulo 17: Boa sorte Jaime...

– Você tinha razão Nicholas, esse lugar é incrível! – Maria Joaquina falou ao ver aquele lugar, um pedaço mais afastado no jardim, um local simplesmente exuberante, com flores de cores diversas, árvores frondosas em meio aquele caminho de ladrilhos dourados. Alguns dias já haviam se passado naquele hotel fazenda, mas ainda haviam lugares que os convidados não conheciam.

– Parece com aqueles quadros que você pinta. – Alicia comentou, estava com eles naquela caminhada.

– Sim, vou começar a pintar agora mesmo! – Maria exclamou, em seus braços trazia uma tela em branco, Alicia trazia as tintas que Maria usava. O sorriso largo de Maria Joaquina demonstrava o quanto se divertia pintando, um sorriso contagiante que fazia seus colegas sorrirem também.

– Assim que eu gosto, felicidade. – Nicholas falou abraçando Maria por trás. – Consegue escutar a música?! É quase no ritmo de uma dança. – ele se referia ao som dos pássaros.

– É, não tem muito disso na cidade. – palavras de Alicia.

– Cidade é pros fracos! Cidades do interior, como aqui, são mais extremas! Vida selvagem total! – comentário de Nicholas que fez Maria e Alicia rirem muito.

– Eu ainda não vim nesse lugar... É longe, não é? – uma voz mais fina se pronunciou chamando a atenção de todos.

– E precisava ter essa ladeira? – uma voz mais grossa se pronunciou, de repente suas silhuetas se desenharam no campo de visão de Maria, Nicholas e Alicia.

– Mãe?! O que ta fazendo aqui? – a foz mais fina era a de Lavi, se surpreendeu ao ver sua mãe.

– Vou fazer uma pintura. – ela respondeu. A outra voz não se pronunciou, apenas observou Nicholas abraçado com Maria, observou e engoliu seco.

– E aí Jaime? Tudo bem? – Alicia cumprimentou, ela percebeu o clima pesado.

– Oi. – Jaime cumprimentou de volta. – Eu tenho que, tenho que... Eu preciso voltar Lavi...

– Mas você acabou de chegar, espera um pouco, vamos ver a minha mãe pintando. – o garoto sugeriu.

– Não, não posso... Eu to indo! – falou saindo.

– Não entendi, ele tava menos tenso agora a pouco... Já sei! Deve ser a perna ruim! – Lavi concluiu. – Sabia que ele foi atropelado? A perna dele é ruim por causa disso. – o garoto elucidou.

– Eu sei, eu o visitei no hospital algumas vezes quando aconteceu. – Nicholas respondeu.

– Ele te contou sobre isso? – Maria perguntou, um tom de preocupação estava em sua voz.

– Não muito, ele não gosta de falar sobre.

– Imagino por quê. – palavras de Alicia.

– Bom, eu vou atrás dele, quero trocar uma ideia, mas fica a vontade Maria Joaquina, o que precisar pra sua pintura é só me falar. – dizeres de Nicholas se despedindo momentaneamente.

Jaime se distanciou um pouco, se sentou a beira de um quiosque fechado, estava nervoso e exaltado. Pegou seu maço de cigarros em seu bolso, escolheu um ao acaso, o pôs na boca devagar, depois começou a tatear seu corpo como se procurasse algo.

– Caralho, cadê essa merda desse isqueiro!? Não posso ter o perdido.

– Aceita?! – aquela voz conhecida chega até ele, Jaime olha a sua lateral e vê uma mão lhe oferecendo um isqueiro.

– Ou, Nicholas... – ficou sem jeito, pegou o isqueiro e acendeu seu cigarro. – Valeu, aceita um? – ofereceu um cigarro a seu colega.

– Por que não? – Nicholas sorriu de leve e pegou o tal cigarro, o acendeu e o pôs na boca, um pouco depois arregalou seus olhos e tossiu cuspindo fumaça, uma cena tão inusitada que Jaime não segurou seu riso.

– Parece que você tem muita experiência nisso! – Jaime usou de ironia.

– Ah, isso é muito ruim! Como você consegue? – Nicholas perguntou se sentando ao lado de seu colega.

– Não é tão ruim depois de um tempo.

– Imagino... Então, como é o Lavi? Não tive tempo ainda de conversar com ele direito. – Jaime se surpreendeu com a pergunta.

– É um garoto legal, inteligente, fala o que não deve, mas é sem querer... Sabe, eu... Eu acho que ele é meu filho.

– Você e a torcida do Corinthians e do Flamengo. – a afirmação de Nicholas fez Jaime rir apesar da seriedade da situação.

– Ta tão na cara assim?!

– Você deveria conversar com... – Nicholas foi interrompido.

– Eu não quero falar com ela! Não depois de tudo! E se esse garoto for mesmo meu filho? Pensa em tudo que eu perdi, tudo que ela me fez perder...

– Mas você ainda gosta dela, eu vi seus olhos pegando fogo quando me viu a abraçando.

– Não gosto dela! Eu só... Não gosto nem de vê-la, é isso! – Jaime alterava sua voz tentando justificar seu estado, não havia o mínimo de nexo lógico possível nas palavras dele.

– É isso que você repete pra si mesmo? Bom, quem sabe você não acredita nas suas próprias palavras um dia... Mas eu não ia sugerir que você falasse com ela, minha sugestão era pra que você conversasse com o Paulo.

– O Paulo?! Por quê? – a surpresa se desenhava no rosto de Jaime.

– Jaime, pensa comigo, além de mim, quem mais sabe sobre o que te aconteceu, qual amigo seu sabe sobre aquilo tudo? Ninguém, você não contou pra ninguém, você ta carregando o fardo sozinho... Além disso, é trabalho do Paulo ouvir as pessoas, ele é psicólogo e é seu amigo, abusa disso, aproveita o momento! – Nicholas falou dando socos no braço de seu colega.

– Ele psicólogo?! Quem diria?! Bom, segundo o que você acabou de falar, nós somos bem parecidos, você também não gosta de compartilhar seus problemas.

– Sim, acho que é por isso que nos entendemos. A diferença entre nós é que eu não tenho tempo pra mudar, já você tem uma vida inteira pela frente, pra você ainda existe tempo pra fazer as escolhas certas, de não trilhar um caminho de sofrimento... – o clima começou a pesar, tanto que Nicholas se obrigou a mudar o foco, começou a rir de repente.

– O que é tão engraçado? – Jaime estava em dúvida.

– Você se lembra no hospital quando eu te levava pra dar uns rolés na cadeira de rodas? – a simples citação fez Jaime cair na gargalhada.

– Lógico que sim! Você me empurrando na cadeira de rodas e chamando os outros cadeirantes pra bater um pega, um racha! E o pior é que uns aceitavam e a gente fazia uma corrida.

– Né?! Ta achando que só a gente tem problema de cabeça? Né não, tem muito mais pessoas assim! – Nicholas fez piada.

– Você é totalmente sem juízo, e eu também, lembra quando eu ainda tava de cama no hospital e falaram pra eu não comer nada doce porque minha glicose tava alta, aí no dia seguinte você me trouxe uma barra de chocolate escondido de todo mundo?

– Ou, dessa eu não lembrava... É que na verdade eu sempre te odiei e queria te matar! Como sou cruel! – Nicholas falou em tom de piada de novo, gargalhava como um vilão de histórias infantis.

– Ah velho, é muito injusto você estar nessa situação. Ou, se você quiser, eu cuido do seu garoto quando “acontecer”, eu dou meu jeito, arrumo minha casa de forma a receber um adolescente. Juro que não vai faltar nada pra ele! – Jaime falou com sinceridade.

– O João Pedro tem um gênio difícil, é que eu não soube ser um pai como deveria.

– Quê isso cara?! Eu sei que ele não é tão fácil, mas ele é doido com você, ele te idolatra! Não tem como dizer que você é um pai ruim vendo como ele gosta de você.

– Eu não consegui passar segurança pra ele Jaime, ele tenta ser adulto todos os dias desde que descobriu que eu to doente. Ele não pode ser adulto, ele tem que ser moleque, tem que se divertir, sorrir mais, falar besteira, igual o Lavi... Não me leve a mal, mas acho que a cura pra ele é o Adriano, ele será um bom tutor pro meu menino.

– É, o Adriano é uma boa escolha realmente... O Lavi é incrível, não é? A Maria Joaquina pode ter vários defeitos, mas criou muito bem aquele menino!

– O seu menino, vocês dois precisam se resolver, pro bem dele, ele merece isso!

– Eu queria que fosse tão simples Nicholas... – Jaime falou com pesar.

– Legal, aqui que é a ala de fumantes? – a voz de Daniel chega até os ouvidos deles.

– Fala mister nerd! Velho, eu to igual uma chaminé aqui! Já é meu décimo segundo cigarro! – Nicholas usava seu tom de piada, o suficiente pra Daniel saber que ele não fumava.

– Não sei se fumar é uma boa na sua condição, mas eu não decido isso. – Bernardo comentou, estava ao lado de Daniel. Tanto Daniel como Bernardo puxaram seus maços de cigarro, o primeiro se sentou, o segundo permaneceu de pé.

– Bom, eu vou dar um rolé, coisas a fazer. – Nicholas falou se levantando, a fumaça o incomodava, deu alguns passos largos, se desequilibrou.

– Uou, vai com calma, irmão! – Bernardo o segurou antes que tocasse o chão.

– Ta tudo bem, velho? – Jaime perguntou tentando se levantar.

– Nicholas... É por causa dos cigarros? – Daniel perguntou, foi a conclusão rápida dele, errada diga-se de passagem.

– Nada, eu só tropecei nos meus pés, sou naturalmente bêbado! – ele falou sorrindo se soltando de Bernardo, mas se desequilibrou novamente e foi seguro pelo gêmeo novamente.

– Tropeçou nos pés, né? Ótima desculpa! Eu lembro do seu filho te entregando uma bengala, cadê ela? – palavras sérias de Bernardo.

– Eu não gosto de bengalas, me faz parecer velho... Não gosto de parecer velho... – Nicholas explicou.

– É mesmo, é? A partir de hoje não quero te ver sem essa bengala! Estamos entendidos? – o tom de seriedade de Bernardo assustava. – Agora eu vou te levar pro seu aposento, aonde você dorme?

– Em cima da sala de jantar.

– Você sobe aquela escada daquele tamanho?! A partir de hoje você não sobe aquilo sozinho! Ou isso ou você muda seu quarto pra um lugar sem escadas, estamos entendidos? – o tom de seriedade impressionava até Jaime e Daniel.

– Sim senhor! – Nicholas respondeu em tom de brincadeira.

– Vou te levar pro seu quarto.

– Quer ajuda? – Daniel pergunta.

– Não precisa, eu to acostumado com essas situações, até depois. – se despediu levando Nicholas consigo.

– Velho, isso é tão estranho, às vezes eu esqueço que o Nicholas ta doente. – Daniel falou se sentando novamente.

– É esquisito mesmo, do nada ele ficou ruim... – palavras de Jaime.

– Mas agora ele ta com o Bernardo, vai ficar tudo de boa.

– Por que você fala isso? Não entendi.

– Você não sabia? O Bernardo é enfermeiro.

– É mesmo?! Nunca imaginaria, ainda mais ele que gostava de coisas perigosas tipo skate.

– Eu também me assustei quando soube... Sabe o que é esquisito também, só agora a gente parou pra conversar, você ta mais recluso que na época de escola.

– Algumas coisas mudaram, eu mudei muito.

– É verdade que você fez duas faculdades ou você tava me zoando?

– É verdade sim, engenharia mecânica e música.

– E você trabalha em alguma área dessas?

– De certa forma, eu tenho uma oficina mecânica, trabalho com carros e motos, tipo meu pai. Trabalhei um tempo como engenheiro, mas não gostei tanto. Eu também canto alguns dias da semana em alguns restaurantes à noite, sabe?

– Legal, você investiu mesmo nesse negócio de cantar, eu devia ter feito como você. Se lembra de quando nós cantamos no encontro do Paulo e da Valéria?

– Sim, fizemos um bom dueto! Tem razão, você deveria ter investido na sua capacidade. O que aconteceu? Por que desistiu de cantar? Você parou, né? Conclui certo?

– Concluiu sim, eu não canto mais, em determinada época da minha vida achei que era algo inútil, sem futuro.

– Como assim? – a dúvida se estampava na face de Jaime.

– Eu fiz faculdade de física Jaime, bacharel e licenciatura, estudei muito pra entrar na faculdade e fazer esse curso, estudei mais pra concluir. Naquele momento abri mão da música.

– Física é bem complicado, eu tive algumas matérias de física no curso de engenharia.

– Pois é, eu fiz estágio na Espanha, numa faculdade em Madrid.

– Uou, você então deve ta bem de vida, imagina, estágio em Madrid!

– Não foi tão legal assim, como estágio entenda auxiliar um professor, como auxiliar entenda levar cafezinho, buscar almoço, limpar quadros.

– Aí é foda demais! – Jaime começava a entender a situação.

– Depois do estágio voltei ao Brasil e continuei sem arrumar nada, dei aula em algumas escolas, tomei uns tapas de uns alunos... Coisas de professor.

– Vish, tenso isso, mas e agora?

– Agora?! Eu to desempregado, sou o fracasso em pessoa! Mas sabe o que mais me incomoda? Foi tudo o que eu deixei de fazer, as festas que deixei de ir, as brincadeiras que deixei de participar, as aulas que não matei, as partidas de futebol que não joguei. Eu investi todo o meu passado num futuro que não existiu, a sensação de perda chega a ser sufocante às vezes. A fumaça desse cigarro é bem menos tóxica que essa sensação. Se eu tivesse sido mais imprudente, se eu tivesse seguido mais meu coração, talvez hoje ela estivesse comigo e não com ele. – ele desabafa.

– Oi?!

– Não, nada, eu só pensei alto. – Daniel respondeu disfarçando. O desabafo de Daniel fez Jaime pensar em algumas coisas, de repente se virou pra seu colega e perguntou:

– Sabe, você já pensou em ter família? Esposa, talvez filhos?

– Bom, acho que, em algum momento da vida, todos pensam nisso, mas acho que não daria certo, não sou um exemplo a ser seguido, entende?

– Sim, se você não é exemplo imagina eu, né?

– Jaime, você é um guerreiro, você não se entregou diante de nada, não sei o que aconteceu, mas sei que você não manca por graça. Você não abriu mão do que gostava pra viver sua vida adulta. Você sim é um exemplo, com certeza você seria um bom pai e/ou um bom marido... Essa frase ficou muito esquisita! – o comentário final fez os dois rirem.

– Pois é, fora de contexto as pessoas podem pensar algo estranho do que você falou! – depois de tais palavras Jaime se levantou, com dificuldade diga-se de passagem.

– Cansou de me ouvir? – Daniel brincou.

– Cansei de ter medo... Até depois Daniel. – se despediu caminhando.

– Medo?! Ah ta, acho que entendi. – nesse instante Daniel entendeu, ou pelo menos pensou ter entendido a situação, lembrou de Lavi, de Maria Joaquina, especulou, concluiu, depois falou:

– Boa sorte Jaime...


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Notas finais do capítulo

É só usar a imaginação pra perceber o que vai rolar no próximo capítulo... Vai ser tenso!

Até a próxima!