Eu já estava ficando boa naquilo.

O próximo bilhetinho de Peeta ficara pronto em poucos minutos, como se eu já tivesse todas as palavras salvas em um arquivo na cabeça. Mas pensando bem, até que fazia algum sentido. Sendo melhor amiga do Gale, meu instinto natural era protegê-lo, e a injustiça que Peeta estava fazendo com ele era inaceitável.

Era a chance de Gale! Eu já o vira correndo carregando aquela bola, e ele era o melhor! Teria uma bolsa de estudos certa se algum olheiro o visse em campo!

E eu não deixaria Peeta tirar isso dele por um mero capricho de garoto mimado pelo papai.

Quando eu penso que estou progredindo, que Peeta está finalmente mudando... Ele me decepciona dessa maneira.

“Peeta, tem um jogo importante se aproximando e eu percebi que você e seus jogadores treinam dia e noite. Mas eu fiquei sabendo sobre um grande problema na nossa equipe de futebol: nós não temos um bom corredor. Eu pensei “Como isso é possível?!”. Você sabe, rumores e boatos voam por aqueles corredores e eu descobri que Panem High School abriga um maravilhoso corredor. Mas ele não está nos gramados, mas na arquibancada. Gale Hawthorne. Nós dois queremos ele na equipe, certo? Eu quero muito ganhar daquele time, Peeta, nós seríamos tri-campeões. Se você pode fazer acontecer, faça.”

Bom. Assim está bom.

Separei umas roupas do closet e tomei uma ducha mais rápida do que o necessário. Vesti as roupas separadas e reparei no pouco esforço que eu fizera para escolher as peças — apenas puxei, uma por uma, do armário sem me deter em nenhuma especialmente.

Agora que as decisões difíceis começavam: moto ou carro?

Por mais que eu odiasse admitir, já estava me apaixonando por aquela máquina novamente. Como se eu jamais houvesse parado de dirigir.

Moto, então.

Para quem eu precisava fingir? Johanna me conhecia mais do que eu mesma e certamente já repara na frequência que eu estava usando moto, ao invés do carro, para ir à escola.

Como eu não estava atrasada, passei em uma Starbucks para tomar café da manhã.

Cheguei na escola pouco depois do sinal tocar, então Johanna ainda me esperava no campus.

— Sua gangue chega agora ou daqui a pouco? — Johanna perguntou quando eu sentei ao seu lado. Clove deu uma risadinha.

— Eu avisei-os para chegarem pouco depois de mim. Vocês sabem, para não levantar suspeitas.

Johanna riu e Clove me mostrou a língua.

— Você está linda, Katniss — Johanna disse.

— Valeu — eu sorri. — Vou logo pra sala — olhei sugestivamente para Johanna. — Tenho uns trabalhos pra pôr em dia

— Tá, ok. Eu vou ficar aqui com a Clove por mais alguns minutos.

Entrei na escola e rapidamente deslizei o bilhete para dentro do armário de Peeta, e fui para a minha primeira aula. Eu sabia que nenhum dos garotos do time apareceria na primeira aula porque iam treinar. Nenhum deles queria perder um segundo de treinamento, sabendo que antes do jogo decisivo, iam ficar alguns dias sem jogar, com a viagem inesperada de Johanna. Minha, me corrigi mentalmente.

Sentei na cadeira próxima a janela, onde eu podia ver alguns garotos se já se aquecendo com lançamentos altos.

Logo o segundo sinal se fez ouvir e os outros alunos entraram na sala. Ficaram uns cinco lugares vagos de jogadores. Eu vi o gramado se enchendo de garotos, mas Peeta não chegava. Isso era estranho, considerando o fato de que ele sempre é o primeiro a chegar pra começar os comandos.

Será que ele havia faltado aula? Preocupei-me com isso, porque Gale precisava treinar o máximo possível para ter um bom desempenho em campo.

— O que você tanto olha na janela? — Johanna perguntou já sentada ao meu lado.

— Mas que merda! — assustei-me. — está com mania de ninja, não é?

— Diz logo, sua ranzinza, é só pra olhar esses músculos em ação mesmo?

— O Ato 4 pode estar prestes a começar lá embaixo.

— E você não me avisa?! Droga, sai da frente! — ela me empurrou da janela e tirou o celular do bolso, forçando o zoom até o máximo possível. A imagem não ficou muito boa, mas ainda era possível distinguir rostos.

Logo Peeta caminhou para dentro da quadra lentamente. Com Gale em seu encalço.

— Kat, você não fez isso! — Johanna exclamou deliciada com a expressão de desprazer que Peeta fazia.

— Ato 4 — ela disse e nos calamos enquanto o celular apreendia cada momento do que acontecia do lado de fora.

Não podíamos ouvir de onde estávamos, mas podíamos ver os rostos dos garotos com clareza e era suficiente.

Peeta falou algo e eu distingui apenas um ”por favor”. Gale balançou sua cabeça sem nem parar para pensar.

— Qual é, Gale — sussurrei para mim mesma. — Faça isso. Pela faculdade.

Peeta falou com mais intensidade e dessa vez eu captei as palavras “o time precisa de você”.

Gale hesitou por um momento.

“Certo.”

E virou as costas e foi embora. Logo depois ele voltou ao campo com o uniforme do time e os olhos ainda furiosos.

Eu até podia adivinhar os pensamentos de Gale: Esse imbecil me enxota dos treinos sem nem se dar ao trabalho de me avaliar e agora me implora que seja jogador...

Eu também não entenderia, Gale.

Johanna que ainda gravava, tirou o zoom e virou a câmera para o próprio rosto: — E foi assim, meus caros, que Katniss Everdeen, acaba de obrigar Peeta a aceitar seu maior inimigo na equipe de futebol americano. Diga um “oizinho”, Kat — ela virou a câmera para o meu rosto.

Eu olhei para a câmera do celular de Johanna e lhe mostrei a língua, fazendo a morena rir.

Alguns alunos nos olhavam curiosos, mas deram indícios de ter escutado qualquer parte da conversa.

Acionei o “tanto faz” e revirei os olhos sentando novamente.

No horário do almoço, Gale se sentou junto aos garotos do time e parecia ter feitos muitas amizades. Peeta ainda se sentava com Cinna, mas este não parecia mais congelado e se mexia e até conversava com Peeta.

Peguei minha bandeja com uma mão e puxei Johanna na direção de onde eles estavam sentados.

— Se quer fazer isso, é sozinha — Johanna disse. — Você poderia comprar uma outra opinião sobre você, se quisesse, mas eu não vou fazer isso. É um completo suicídio social.

— Sua falta de fé é perturbadora — impliquei e Johanna riu, mas não mudou de idéia. Caminhou até minha antiga mesa ao lado da do time e eu fui até a mesa dos fracassados, que agora trazia dois dos mais populares do colégio, além de prováveis Rei e Rainha do baile.

— Credo — Peeta disse fazendo careta ao ver minha bandeja. — Você nunca come nada além de grama?

— Estou tentando ser vegetariana, obrigada — empinei o nariz e Cinna riu de nossa implicância mútua.

— Por que não trocam, por hoje? — Cinna sugeriu. — De bandejas? Peeta come sua salada e você come o hambúrguer dele. Hoje.

— Eu topo — Peeta disse e olhou para minha salada. Não pude deixar de reparar que agíamos como velhos amigos.

— Tudo bem, eu não ia ser vegetariana mesmo — dei de ombros e ri. Nós trocamos as bandejas.

Comemos trocando mais algumas palavras, e após jogarmos nossas bandejas no lixeiro, eu e Cinna fomos para a aula de álgebra enquanto Peeta ia treinar.

Ele vai acabar ficando sem nenhuma revisão, pensei com um pouco de pena ao ver seu esforço para levar nosso time à vitória.

Pedi a Cinna para me esperar por um momento.

Fui até meu armário, tirei uma folha de papel cheia de exercícios de revisão de todas as matérias que eu havia imprimido da internet e coloquei no armário de Peeta.

Cinna deu um leve sorriso quando voltei a me juntar a ele.

— Gosta dele — não era uma pergunta.

— Éramos amigos — expliquei. — Há muito, muito tempo.

— Hm — percebi que ele não diria mais nenhuma palavra então apenas caminhamos até a aula em silêncio.

Sentei em meu habitual lugar ao lado da janela e Cinna sentou-se nos fundos da sala.

Eu estava com pena de Peeta por ele não conseguir estudar para estas finais, mas eu mesma não conseguia desviar os olhos da janela onde observava Peeta correndo de um lado para o outro enquanto gritava instruções para os seus jogadores.