Hoje era o dia da viajem.

Não conseguia me esquecer do que tinha acontecido aquele dia.

Me lembro que, quando eu cheguei aqui em casa chorando pra caramba, eu apenas me enfiei no quarto com a minha mãe. Ela só me falava que eu tinha que ouvir o que a Annabeth tinha para dizer, mas eu não dou a mínima.

Tudo o que eu sentia com ela era diferente. Eu sentia aquela coisa boa no corpo todo independente de estarmos nos beijando ou apenas juntos sem fazer nada. Só que aquela falsa me traiu.

E eu a amava.

Amava pra caramba.

Só que, dez da noite, Drew chegou na minha casa falando que nós íamos sair. Só sei que fiquei bêbado pra caramba e acordei de uma forma deplorável. E, bem, a minha mãe estava tão magoada que nem queria falar comigo. Ela me olhava com um desgosto horrível como se eu tivesse feito algo muito ruim, só não sei o que.

Fiz de tudo para melhorar a minha aparência. Tomei o banho mais demorado da minha vida, coloquei a minha melhor roupa e tal.

Só que uma coisa eu não esperava: eu tinha voltado com a Drew. Não era bem um voltar, porque ela jamais seria "a minha namorada" e tal. Eu só andava com ela e esperava que ela curtisse andar comigo também. Sim, era estranho, mas também era a minha única opção.

Hoje era o dia da viajem e a cada hora eu ficava mais nervoso com a possibilidade de que aconteça igual a aula em que fomos avisados desse evento e toda a população masculina da nossa classe criar um interesse repentino na Annabeth, a mesma nerd magrela que eles juraram de pés juntos nunca se interessar.

Depois das malas prontas e uma longa despedida da minha mãe falando pra eu tomar cuidado, peguei a chave do carro e fui até a escola, onde seria o nosso ponto de partida.

No entanto o que eu vi me assustou pra caramba.

Eu simplesmente não me lembrava hora nenhuma de esquecer que, graças à ela, não estávamos mais juntos, então era muito estranho ver como ela tinha agora toda a atenção dos amigos dela. Só que não pude notar uma certa atenção maior vindo de Will Solace, um dos jogadores do time de futebol americano.

Não sei se posso confiar nessa amizade deles, porque eu também era um dos melhores amigos dela. Ou talvez não, porque eu já não sei mas o que era real e o que ela inventou só pra poder me quebrar como se eu fosse um objeto inútil.

Minha mãe me disse que eu teria que ouvir ela. O estranho é que foi bem depois que eu falei pra ela o que Annie tinha me mandado falar.

Código feminino, fazer o que?

Me lembro de uma vez, quando tínhamos em torno de onze anos e estávamos no meio da aula. Tinham duas meninas que viviam grudadas, amigas para sempre. Inclusive, se não me engano, essa tal menina é meio irmã de Travis, Connor e Luke. Mas, voltando às amigas, uma vez uma gritou a outra e disse apenas "Código". Cara, eu fiquei muito tempo mesmo pensando no que isso queria dizer, e quando descobri que era que uma estava morrendo de cólica ou em fase extrema de TPM aguda, eu nunca mais quis descobrir nada sobre o que essas meninas falavam.

— Você que é o tão famoso Perceus Jackson?

Olhei para o lado e vi a tal menina que eu estava pensando em uma versão mais velha. Por mais que eu não falasse com ela, seus cabelos cabelos castanhos claro, os olhos azuis celestes e a pele levemente bronzeada eram inconfundíveis. Ela não parecia nem um pouco com Annie. Sua estatura era mais baixa ainda e ela tinha aquele sorriso lateral comum nos filhos de Hermes Castellan e seus filhos ilegítimos.

— Sim, e você é...

— Kaitlin Wipfray, meia-irmã do Travis, do Connor e do Luke.

— Então deve saber que eu não estou com muito humor com o Castellan. Se veio falar alguma coisa que ele...

— Não, Percy, eu não vim falar do bastardo do meu irmão. Eu só quero te avisar uma coisa: meu pai é muito parecido com você, sabe?

— E daí?

— E daí que, depois que a mãe do Luke cansou dele, o mesmo resolveu procurar a felicidade em outras mulheres pelo mundo. E foi assim que nascemos eu e os gêmeos, sendo obrigados a adotar o nosso sobrenome materno.

— Desculpa, mas eu continuo não entendendo.

— Não faça o mesmo. Ela merece mais. Não vou falar pra você ouvi-la, porque sei que você ainda está muito confuso pra isso, e nem vou contar o que o idiota do meu irmão estava com a cabeça, porque sei que nem você quer ouvir e nem eu quero contar. Só que, por favor, não faz isso com ela.

A olhei novamente. Ela continuava sentada encima do balcão, como se isso fosse a coisa mais comum do mundo.

Tudo o que ela falava caía no meu mundo com uma força horrível. Nada de me julgar, nem falar o que eu devia fazer. Kaitlin, uma menina que eu acabei de conhecer, acabou me trazendo de volta à vida. Nem que Annie me traísse, nem que tudo fosse verdade, nem que ela nunca tenha me amado, eu não posso desejar nada de mal pra ela. Sabe o porquê?

Simples. Era mentira. Eu não a odiaria nem em um milhão de anos, porque eu aprendi a amá-la mais que tudo.

Tentei olhar pra onde ela olhava, e notei que a menina mantinha os olhos sobre Will Solace.

Ele tinha cabelos loiros bagunçados, olhos azuis amendoados, pele levemente bronzeada e era como todos os garotos do time. Não era o cara mais popular do time, mas ainda tinha algumas garotas na sua cola, como sempre. Geralmente era alvo das piores piranhas do mundo, principalmente porque ele parece ter mais afeto que os outros.

— Gosta dele?

Ela me olhou e sorriu de lado.

— Não sei. Tem aquela coisa maneira que ele me faz sentir, só que não dá pra saber exatamente se eu quero ele me beijando ou me ajudando a beijar aquele cara gato do outro lado da sala. É uma merda. — sorri quando vi que o cara do outro lado da sala era o próprio Will Solace.

— Não quero te dar conselho nenhum, mas se quiser uma dica, acho que o cara do outro lado da sala está me olhando com uma cara horrível nesse momento. — indaguei e ela se despediu e foi em direção ao loiro.

Cara, será que ela ainda não notou que ele é completamente apaixonado por ela? Me lembro de que ele sempre chegava um pouco atrasado no treino pra poder ajudar ela com Biologia, a matéria que ela é um completo desastre. Ah, e ele sempre reclamava dos namorados dela.

Quando ele voltou o olhar pra ela e retribuiu o sorriso que ela sempre mantinha aberto, me lembrei de uma coisa que ele me disse quando eu perguntei o que ele faria caso ela arrumasse um namorado.

"Cara, admito que no começo eu ia ficar uma fera. Ela é a minha melhor amiga e merece coisa melhor do que qualquer menino. Só que eu ia ficar feliz, porque ela é o motivo de eu continuar, de eu acordar animado pra vir pra escola, de eu não sair em busca da minha 'qualquer uma'. Mas, principalmente porque ela vai estar mais feliz do que provavelmente estaria comigo."

Será que era isso? Será que eu tenho que simplesmente deixar Annabeth ser feliz com quer que ela esteja? Mas, principalmente, será que ela vai ser mais feliz com o Luke? Porque, por mais que eu não quisesse admitir, se ela estivesse feliz, eu também ia estar.

Thalia veio na minha direção e se sentou no lugar antes ocupado pela irmã do Connor e do Travis.

— Você viu a cara que o Will te fez? Cara, eu quase morri de rir.

— Ele é romântico demais pra admitir que gosta dela. Marica idiota. A Annie não vai ficar brava de você estar falando comigo?

— Percy, será que tem como vocês se amarem menos? Se um de vocês, dois idiotas, resolvesse que ia legal dar uns agarras um no outro, aposto que ninguém ia estar nessa situação. Cara, se liga que ela nunquinha mesmo ia te trocar pelo Luke por um motivo muito simples: ela é louca por você, seu idiota.

— Pelo o que eu me lembro, estávamos falando do Will e seus ciúmes, e não de mim.

— Tudo bem.

E de repente ficamos assim, parados. Me sentei do seu lado e não queria pensar em nada.

Thalia estava tão magoada quanto eu, aposto.

Nico arrumou uma namorada semana passada, o que foi muito triste para ela, aposto. Devia ser dolorido pra caramba ver isso, sem nem mesmo ter tido a chance de saber como é ter ele como namorado ao menos por um dia. E é por isso que eu tenho mais dó dela do que de mim mesmo. Tudo o que deve passar pela cabeça dela é "Por que ela, se eu o amei primeiro? Não era eu que devia estar ali o abraçando como se não houvesse amanhã?"

Senti sua seus cabelos curtos no meu ombro, sinal de que eu devia estar mais certo do que nunca.

— Sabe, as vezes só precisamos de um pouco de realidade para notarmos quanto a nossa fantasia é idiota.

— Só nós, dois idiotas cheios de complicações amorosas, pra saber como o conto-de-fadas é melhor do que o que é real.

— Virou filosofo, Cabeça de Alga?

Tirei a minha cabeça de imediato.

Annabeth continuava dia e noite na minha cabeça, mas não tinha sequer motivo para a Thalia me lembrar do apelido que apenas aquela menina loira que se dizia a minha namorada chamava.

Minha melhor amiga, minha princesa, minha namorada falsa, minha namorada de verdade, minha princesa, minha fada, minha garota, minha menininha, minha pequena, minha linda, minha loira, minha nerd, minha CDF, minha idiota, minha estúpida, minha briguenta, minha ciumenta, minha fantasminha, minha branquela, minha feiosa, minha "quatro-olhos".

Minha inimiga e minha amante.

Meu tudo.

— Me desculpa, eu esqueci.

Olhei para os olhos azuis elétricos de Thalia. Seus cabelos escuros e sua pele clara definiam totalmente sua personalidade barulhenta e escandalosa. A doida varrida e a idiota sem motivo.

— Não me importo, Cara de Pinheiro.

Acabamos parando por aí quando ouvimos a buzina do ônibus.

Tudo que eu sinto, é como se algo fosse realmente acontecer.