O portador da lua escrita por Daughter of Apollo, AAJ


Capítulo 6
A Face de Christopher


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura e desculpe a demora :D



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Cristopher fechou a porta bem lentamente, quase com medo de que se o movimento fosse mais rápido pudesse assustá-la, mas trancou-a tão rápido que os olhos de Lene não conseguiram acompanhar a ação. Como um predador, aproximou-se lentamente da garota trêmula que persistia com a faca na mão.

A lâmina parecia sussurrar ao ouvido de Selene e ao mesmo tempo gritar desesperadamente para que fosse obedecida. Pedia o vinho que ela mais cedo havia se negado a beber, comentava insinuante como o gosto poderia ser doce, tentava confortá-la dizendo que sua mãe nunca descobriria sobre esse feito... No entanto, os sussurros e gritos se calaram.

Os olhos de Lene suavizaram um pouco e ela pode ver claramente, sem nenhuma voz interferindo seus pensamentos, a pontiaguda lâmina cravada na parede do outro lado do cômodo. Cristopher segurava sua mão com carinho, leveza e até mesmo um pouco de força, como se assegurasse de que ela não iria sair correndo por causa de sua presença. Selene paralisou quando notou a distância entre si mesma e Cristopher: Quase nenhuma.

Selene virou o rosto, um tanto constrangida pela proximidade, tanto que estava sentindo seu rosto quente. A respiração daquele homem batia em sua orelha e causava arrepios por todo seu corpo, e por mais que sua consciência a fizesse lembrar de Stefan... Deus, ela não conseguia mais se lembrar de Stefan. Não enquanto Cristopher estivesse tão próximo, e seu cheiro tão vicioso estivesse no ar, e sua mão tão forte estivesse segurando o pulso da chapeuzinho.

— Uma garotinha como a senhorita não deveria segurar facas tão afiadas como aquela. O que estava fazendo? — A voz dele a despertou do transe e, gaguejando, tentou elaborar uma resposta.

— Perdoe-me, eu... — Selene começou a se incomodar com a proximidade e interrompeu seu pedido de desculpas. — Ah, com licença. — Desvencilhou-se da mão de Cristopher e subiu as escadas procurando privacidade.

Mas Cristopher não entendeu o recado e a seguiu.

— Está tudo bem contigo? Seu silêncio incomoda... — O homem rondou-a como se ela fosse uma caça a ser estudada. Sua expressão analítica mudou completamente quando seus olhos caíram sobre o vinho. — ... Por que não bebeu o vinho? — A voz, antes leve e relaxada, agora parecia ameaçadora.

— Não é do meu agrado.

— Já te disseram que mentir é feio?

Lene arregalou os olhos. Talvez não fosse a intenção daquele homem, mas Selene sentiu-se ofendida. A respiração da jovem começou a ficar descompassada, o medo se esvaiu e a chama da raiva estava acesa dentro dela.

— Não é mentira. — A voz de Selene estava mais alta e imperativa.

— Não? Então descreva como é o gosto do vinho. Diga que sensações lhe causam, o que pensou ao prova-lo, faça comparações. — Em poucos e ligeiros passos o estranho encurtou novamente a distância que havia entre eles. — Você consegue?

Selene não conseguiu responder, preferiu virar o rosto e se afastar do rapaz. Fechou os olhos pensando fortemente em sua mãe e como queria que ela a salvasse, queria poder acordar e saber que aquilo era somente um pesadelo. Aí sua mãe romperia seu quarto e a envolveria num abraço, acalmando o coração da jovem.

— E esse vestido não combina nada com você. — Foi a gota d’água para a chapeuzinho.

Virou-se para Cristopher pronta para responder a altura, tão pronta que nem percebeu o sorriso cínico que brincava nos lábios de seu sequestrador. Ele só queria irritá-la.

— Quem pensa ser para dizer algo ou alguma coisa sobre mim? — O cabelo ruivo acentuou ainda mais o rosto vermelho de raiva pura. Ela não compreendia que aquilo era somente uma brincadeira do rapaz.

— Oh, você se ofendeu? Perdoe-me, senhorita, mas acho esse vestido muito... Inocente. E inocência é algo que não existe em ti.

— Como ousa! — A frase, que era pra ser uma pergunta, acabou saindo como uma exclamação, e Cristopher quase soltou uma gargalhada.

No entanto, preferiu apenas entortar os lábios e continuar com as provocações.

— Não concorda com meu julgamento? Está certo então... Quem sou eu pra contradizer-te? — A taça de vinho foi apanhada pelas mãos do rapaz que, agilmente, viraram todo o conteúdo no vestido de Selene.

Antes mesmo que a menina pudesse entender o que acabara de acontecer Cristopher saiu de seu quarto batendo a porta com força e gargalhando tão alto que era possível escutar da aldeia. Quando Lene olhou para baixo viu uma cena que a horrorizou: Seu vestido azul, inocente, comportado, digno de uma boa pretendente para casamento, manchado de vermelho. Ou melhor, de vinho. O grito que ela soltou, no entanto, não conseguiu chegar à aldeia.

Bateu o pé com força e, num acesso de fúria, socou com toda a força a porta por onde Cristopher havia saído. O riso dele continuava ecoando pelas paredes do cômodo e o medo voltou a invadi-la. O sentimento de fragilidade fez com que ela se abraçasse fortemente, desejando que seu noivo viesse buscá-la. Sim, Stefan iria romper pela porta de entrada e tirá-la daquele cativeiro. Ela iria casar com ele, sua mãe ficaria feliz e ela teria uma vida normal. Sem lobos, sem homens misteriosos, sem sangue, sem vinho.

Derrotada, levantou-se do chão e decidiu abrir o guarda-roupa para ver se havia alguma coisa ali que ela pudesse vestir. Olhou para a porta mais uma vez e voltou-se para o armário. Suas mãos tremiam de raiva e uma delas sangrava devido ao soco. Quando finalmente abriu as portas do armário, achou engraçado e triste o fato de todos os vestidos terem um detalhe vermelho. Antigamente, ela adoraria isso.

Selene deixou seus ombros caírem de frustração. Vermelho lhe parecia tão inadequado. Talvez fosse isso que ele desejasse. Cor intensa, condenada. Lene não queria usá-la, no entanto, ela sabia muito bem que uma mancha de vinho não saía jamais, e que deveria escolher um dos vestidos para utilizar. Droga. Cristopher pagaria por aquilo.

Estava com tanto ódio dele que até pegou-se comparando-o com seu noivo. Stefan não a insultaria daquela forma. Ele, além disso, elogiaria sua inocência. Se a visse com uma faca em mãos, ele perguntaria se estava tudo bem e diria lindas palavras a Lene, assim como disse no festival. E, acima de tudo, Stefan nunca jogaria vinho no vestido de Selene.

Bem, Stefan não estava lá com ela, e Lene precisava trocar suas vestes sujas. Ainda bem que o líquido não respingou na capa...

A Chapeuzinho Vermelho usou um pano e a bacia de seu quarto para limpar o vinho que derramou-se um pouco sobre ela. Porém, mesmo com isso, continuava sentindo o líquido rubro espalhando-se em seu corpo e pingando de suas mãos, como se nunca pudesse ser limpo de verdade. Como se a cada segundo zombasse do desespero de Lene em tentar purificar-se da mancha que recaía sobre si. E com esse sentimento, Selene vestiu um vestido branco com detalhes vermelhos por sobre a saia, sendo este o mais adequado que ela encontrou.

Então, quando se sentiu apta, colocou o capuz da capa recolheu a taça que antes continha o vinho, e que Cristopher jogara no chão, e levou-a à cozinha. Feliz ou infelizmente, seu carcereiro encontrava-se sentado junto à mesa, os olhos cor de mel pairando no vazio.

Ele a ouviu chegar.

– Estava me perguntando quando iria dar-se por vencida e colocar um dos vestidos do guarda-roupa.

Ela o ignorou, ainda extremamente irritada pela ousadia do homem. Geralmente ela não era de guardar rancor. Geralmente... Não ultimamente. Cristopher parecia muito disposto a provocá-la, e os sentimentos de frustração e vergonha brincavam dentro dela, competindo para verem qual a deixava pior.
Lene desviou o rosto para o seu afazer de limpar a taça, permitindo-se apenas um pequeno vislumbre de Cristopher a olhar para seu vestido ligeiramente decepcionado, como se esperasse que ela escolhesse uma peça inteira em vermelho.

Mas vitória era vitória, e ele não perdeu tempo em incitá-la novamente.

– Que indigno, senhorita. Agora não fala comigo? Eu ousaria dizer que está sendo...

– Não me chame de infantil!

Selene alterou-se novamente, não percebendo a tentativa de Cristopher de irritá-la. Mas seu orgulho falou mais alto. Ela sempre pensou ser uma menina de boa cabeça e até bem adulta, sempre muito comportada e não inclinada a exageros. Mas Cristopher tirava tudo isso dela, e disso restava a Selene impetuosa que ela se lembrava de tempos distantes. Ele queria isso. Queria a impetuosidade de Selene.

– E ela fala.

– Por que você não para com isso? Qual o sentido?

– Por que não percebe você mesma?

Selene soltou um som de frustração que ficou entre um grunhido e um rosnado, surpreendendo a mesma.

Ela deixou a taça sobre a mesa e virou-se rapidamente para voltar ao quarto, entretanto parou ao sentir Cristopher segurando seu braço com força. Ele a olhava intensamente, brincava com ela em sua face cínica. Seus olhos brilhavam de uma forma estranha, como se obstinados a olhar até a alma de Selene e descobrir todos os seus segredos e soltar todos os seus fantasmas e demônios. Como se fosse caçá-la pela floresta mais escura só para vê-la exposta.

Que olhos grandes você tem.

E era assim que Lene se sentia. Exposta. Vulnerável. Frágil. Tão frágil que desejou que... Stefan estivesse ali. Na verdade, com Stefan ela se sentiria segura. Os olhos castanhos dela pairaram por baixo do vermelho protetor da capa, emoldurados pelo vermelho dos cabelos e da face irritada.

Cristopher é perigoso.

Mas então ela viu a decepção mais uma vez em seu olhar e, apesar de tudo, uma pitada de alegria mórbida dançou em sua mente por ela estar fazendo algo que o chateasse. Se seus argumentos não o atingiam, ao menos ela o afetava de outra maneira.

– Eu esperava mais que isso.

Cristopher soltou seu braço bem lentamente, fazendo questão de acariciar levemente a pele de Lene antes se afastar por completo. A chapeuzinho observou o homem afastar-se dela e caminhar em direção à porta. A confusão a dominou e logo seus atos se tornaram impensados, tanto que perdeu a noção do perigo: Apressou seus passos e conseguiu alcançar o rapaz, parando na frente dele impedindo-o de continuar andando. Cristopher deu um leve sorriso, mas Selene estava irritada demais para dar-se conta disso.

– Não tem direito algum para esperar nada de mim! Absolutamente nenhum direito! Eu não te conheço, não sei o que quer de mim e não sei se pegou a pessoa certa. Mas sei que Stefan virá atrás de mim, e quando ele me achar... - Lene não pode terminar sua certeza, pois Cristopher a pegou no colo como se fosse um saco de batatas, fazendo-a gritar e se debater.

– Quem disse que eu me importo? - O tom zombeteiro presente em sua voz irritou ainda mais a garota que, em um acesso de fúria, começou a socar com força as costas do rapaz. - Obrigada querida, essa massagem é ótima. Qual o segredo?

A risada entorpeceu Selene, sentiu-se arrepiada e um pouco boba. Lembrou de sua mãe e pensou na situação humilhante em que estava, e também lembrou que estava longe de todos que poderiam a proteger. Seus punhos já estavam dormentes quando se conformou. Não adiantaria nada se debater, ele não iria nem sentir cócegas. Não relutou mais, pelo menos não contra Cristopher. Selene fazia de tudo para não se humilhar mais ainda. Os soluços estavam contidos em sua garganta e as lágrimas ameaçavam transbordar.

Estava tão preocupada em esconder sua fraqueza que não prestou atenção para onde o rapaz estava levando-a.


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Notas finais do capítulo

Obrigada por lerem!