Ouça-me escrita por Matheus Vieira


Capítulo 5
Capitulo 5




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O silêncio tem sido uma grande arma em meu arsenal, acho que ter visto minha mãe ser morta em minha frente acabou com o que sobrava do que um dia foi Karen, mais ainda parece que tudo não passou de um pesadelo, um sonho como os que eu costumava ter, sonhos onde sempre os que eu amava ou eram perseguidos ou mortos e sempre por essa sombra, ou essa coisa. Saber que foi meu pai, o cara que passou minha vida inteira morto para mim, volta do nada e mata minha mãe, realmente desejo que seja um sonho mas então vejo o rosto do Kris reprimido, abaixado, envergonhado e culpado e lembro que tudo aquilo foi real, nada será como foi, meu chão tinha ido embora.

– Kris?! – falei baixinho no ouvido dele na esperança de trazê-lo de onde estivesse.

– A... Oi, to bem sim.

– Kris não te perguntei se estava bem, e ta na cara que você não esta, não estamos bem, ninguém esta, e não sua culpa.

– Foi! Se eu tivesse me movido, feito algo, mas não! Fui medroso, travei, vi sua mãe morrer, e fiquei parado como se não fosse meu problema.

– Kris não se culpe, não foi culpa sua, de nenhum dos dois, - A voz de Henri era cortante, firme, fria, porém trazia uma confiança e uma segurança no que se falava.

– Você sabe mais do que nos conta – Afirmei sem nem pensar duas vezes e mais uma vez o silencio era a principal arma naquele momento, Henri a usava com uma forma graciosa e bela deixando o desnecessário de lado e fazendo o silencio responder, isso só me deixava mais curiosa: quem era Henri, como minha havia conhecido ele, o encarei por alguns instantes e percebi que seus olhos estavam vermelhos e então vi uma cena que fez por fim a ficha cair.

Henri havia passado o braço pelo pescoço de Kris e dado lhe alguns cafunés:

– Relaxa filho, lembre do que sempre te ensinei, Lute para se manter vivo e para honrar os que morreram tentando.

Foi ai que minha ficha caiu realmente, minha mãe não estaria ali mais, para me dar conselhos ou me fazer cafunés, ou mesmo falar que não era para eu me apegar a ninguém porque iríamos nos mudar, as lagrimas desceram como ácidos, pude sentir cada gota, cada tristeza se espalhando por mim, enquanto as lagrimas desciam tive lembranças que trouxeram consigo uma dor incurável.

– Karen, sei que acabamos de nos conhecer e já passamos por tanto, mas estou aqui!

Não havia percebido o efeito que a voz de Kris fazia em mim, era calma, e me trazia conforto, fez por milésimos de segundos a dor ir embora.

O caminho parecia longo, a estrada parecia não ter fim, era como olhar o horizonte e não saber se chegaremos lá vivos, Henri ia na frente usando o silencio a seu favor, Kris e eu ficamos para atras, contávamos as vacas que víamos pelo caminho e surpreendentemente eram muitas e de todas as cores: brancas, brancas listradas, pretas, pretas com manchas brancas, tinha ate uma com um mancha preta nas orelhas e o resto do corpo todo branco demos o nome dela de Pintada, foi ideia do Kris.

Apesar da distração eu não me sentia bem, sentia que algo não estava certo, que ficar andando no meio do nada não iria vingar minha mãe, senti que devia fazer algo a mais e isso me irritava queria gritar, sair correndo, bater em alguem, preciso fazer isso, não me conformo em ter visto meu pai matar minha mãe e eu ate agora não ter feito nada.

– A onde estamos indo? - Perguntei da forma mais ríspida possivel

O silencio de Henri mais uma vez marcava sua presença, o que me deixou mais nervosa ainda

– A onde estamos indo? - Aumentei o volume da voz

– Estamos indo em frente, só me siga

–Como quer que eu te siga se nem sei que você é, de onde você veio, qual sua ligação com minha mãe? E mais você fica num silencio, sempre dando respostas vagas. A onde estamos indo?

Henri parou e quase que o derrubo, ele parecia estar pensando numa resposta ou algum plano, seus punhos fecharam como se estivesse com raiva, acho que fui grossa demais porem estava confusa, queria respostas.

– Kris e Karen corram e se escondam atras daquela arvore e quando eu gritar vocês saim correndo e entrem no carro.

– HÃ? Que carro? - Perguntei com cara de confusa

Senti então meu braço sendo puxado e quando percebi era Kris me levando para detrás da arvore

– Você nunca pergunta ? Nunca questiona o que ele te manda fazer? Não tem curiosidade?

– Aprendi que algumas perguntas deveriam nunca ter sido perguntadas.

Essa frase me nocauteou, fiquei com a cara no chão, e calei minha boca imediatamente, senti que de muito ruim havia acontecido no passado.

O céu estava lindo, cheio de nuvens, pássaros voam livremente, as arvores balançavam com o vento frio que vinha do leste, porém o silencio era aterrorizante, fazia você imaginar coisa, sons, te levava a loucura. Henri tinha andado um pouco para o canteiro da estrada, estava parado esperando algo, um sinal ou o próprio carro - que diabos faria um carro onde estamos agora? - e com apenas alguns segundos, achei que tinha ouvido o barulho do carro, parecia ser uma caminhonete, sabia que o silencio nos levava a loucura só não achei que era tao rapido assim.

– Kris? - falei baixinho

– Já tentou levar seu pai num psicologo?

– Já, varias vezes, mas ele sempre se recusou ou eramos atacados no meio do caminho- disse ele rindo

–Xiu - disse ele com o dedo apontando para o horizonte a nossa frente

Preciso parar de desacreditar, porque ali estava a caminhonete preta 4x4 vindo em nossa direção e olhei rapidamente para Henri e vi nele a mesma impressão que tinha visto na minha mãe momentos atras.

Ficamos calados, observando, Henri ajoelhou-se no chão e colocou a mão atras da cabeça, a caminhonete parou a menos de 10 metros de distancia, desceram 5 caras como os de antes, todos de preto foi ai que percebi o que estava acontecendo e foi como ligar um computador, meu corpo entrou em estado de adrenalina pura.

–Eu me rendo! - gritou Henri, fiquei perplexa, Kris tentou gritar, mas tampei sua boca, mesmo assim me deu a mesma sensação. Henri só podia ter enlouquecido.

– Ele tinha nos avisado que você iria se render, tambem disse para tomarmos cuidado porque você era muito esperto - disse o capanga que ia a frente

– Não tem pegadinha, só cansei de correr de vocês, e perdi a pessoa que mais amei nessa terra, porque fui imprudente e um idiota, não mereço a vida- a voz de Henri pela primeira vez estava chorosa, desconfiante, triste.

Os capangas se aproximaram de Henri e o prenderam no pescoço com uma especia de coleira, mas ela apitava e piscava uma luz azul e era feita de um metal diferente, foi ai que ouvi o grito:

– Corre pro carro- não havia nem esperado ele terminar de falar, a adrenalina estava forte no sangue, me vi correndo em direção ao carro e atras vindo Kris.

– Eu dirijo - gritei

– OK- disse Kris

Entrei no carro contudo, dei partida e pisei no acelerador, não notei nem o Kris entrando do lado do passageiro, fui com o carro em direção a Henri quando ouvi ele gritar:

– Não! Fuja, vão para o norte, a cidade de Bita, procurem por Zerui, ele ira ajudar vocês.

–Não, não vamos te deixar aqui- disse Kris com os olhos cheios d'agua

Não esperei duas vezes dei a ré com o carro e segui a estrada, os capangas ficaram com cara de bobos, não sabiam se iam atrás de nos ou se ficavam com o Henri aproveitei da situação e acelerei o máximo possível.

Já havia uns 20 minutos que estávamos na estrada e o Kris não tinha dito uma palavra se quer ou ao menos um som, estava usando a arma que seu pai mais gostava, o silencio

– Me desculpa! Eu não queria te-lo deixado, só me veio na mente cumprir o que ele mandou, me desculpa? - Falei

– A culpa não é sua Ka, é que eu já devia ter me acostumado, meu pai sempre foi assim, se entrega no lugar de um ente querido, isso pode leva-lo a morte mas ele não liga, e o pior é que se ele tinha um plano em mente, não me avisou e nós sempre contamos tudo um para o outro.

– Nos vamos salvar seu pai, eu prometo!


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